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para que um aluno se www.bocc.ubi.pt Elementos de Teoria e Pesquisa 13 consciencialize de que não sabe o suficiente, ou de que não mani- festa suficiente competência em algum domínio, é melhor repro- var esse aluno do que ceder à sempre eterna chantagem emocional (em que eu próprio caio, estou, humanamente, consciente disso) do "seja generoso a corrigir os testes". Têm-se alimentado as ideias perversas de que a escola e a Uni- versidade devem "dar prazer"e de que só devemos fazer e escolher "o que gostamos". Se a escola e a Universidade puderem dar pra- zer, tanto melhor, mas a escola e a Universidade são, antes de mais, um lugar de trabalho, e o trabalho, normalmente, envolve sacrifício, esforço, dedicação, não prazer, ou não apenas prazer. Não podemos ser irrealistas ao ponto de pensar que vamos poder fazer, pela vida fora, unicamente o que queremos e nos dá prazer. Pelo contrário, a vida, muitas vezes, obriga-nos a fazermos coisas de que não gostamos nem nos dão prazer. Na Universidade, como sucede na vida profissional, um estudante terá, normalmente, de estudar coisas de que gosta e lhe dão prazer e coisas de que não gosta nem lhe dão prazer. É bom, por isso, que um aluno se ha- bitue a ver em cada nova disciplina do curso mais um desafio que tem de superar, independentemente de gostar ou não dos conteú- dos, até porque também não pode pedir a um professor que faça o milagre de pôr o discente a gostar daquilo que não gosta. O professor deve, porém, contribuir para que a matéria seja compre- ensível, apresentando-a de forma sistematizada, simples e clara. Foi isso que procurei fazer neste trabalho, que elaborei pensando no tipo de livro de apoio que gostaria de ter tido no meu percurso de graduação. Ao escrever estas palavras, veio-me à mente a imagem de um aluno que, numa das últimas aulas do semestre, me criticou, em sala de aula, por "impingir livros", "vender bilhetes para congres- sos"e "só ensinar teoria"(a aula era de Teoria da Notícia), pelo que não lhe dava "prazer"assistir às minhas aulas. Disse também que, quanto mais contactava com jornalistas profissionais, mais "desprezo"votava "aos teóricos e às teorias". A conversa decor- reu do facto de eu ter começado a aula por anotar as presenças, www.bocc.ubi.pt 14 Jorge Pedro Sousa em conformidade com o regulamento pedagógico da minha Uni- versidade, pelo que o aluno se achou no direito de me perguntar, quando foi chamado, se alguém conseguia fazer a disciplina sem frequentar as aulas. Bem, descontando o facto de ser a primeira aula a que o aluno assistia, apesar de estarmos no final do semes- tre, o que causa alguma estranheza, já que o discente parecia falar com muito conhecimento de causa das minhas "chatas"aulas, a postura do referido aluno é um dos sintomas de um entendimento perverso da educação, que confunde trabalho e estudo com "pra- zer"e acha que a escola deve dar "prazer". O ponto de vista do estudante em causa corresponde, também, a uma distorcida visão da teoria da comunicação, já que conhecer a teoria da comunica- ção é essencial para se compreenderem e dominarem performa- tivamente as técnicas profissionais e para se entender o que está em causa no desempenho das profissões "da comunicação"(aliás, as profissões da comunicação são, do meu ponto de vista, pro- fissões técnicas, como qualquer engenharia - um engenheiro ci- vil precisa de conhecer, em teoria, como se faz uma ponte, tal e qual como o jornalista, o publicitário ou o relações públicas ne- cessitam de entender a teoria do jornalismo, da publicidade ou das relações públicas, para poderem desempenhar performativa- mente a sua profissão). É bom que se relembre, neste contexto, a velha máxima de que "o saber não ocupa espaço e sai barato, a ignorância é que sai cara". Finalmente, a percepção do estudante em causa distorce as qualidades que um discente deveria reconhe- cer num seu professor e revela incompreensão completa pelo que deve ser a vivência universitária e a relação professor-aluno. Por um lado, o acto de publicar livros é uma exigência da carreira pro- fissional de um docente universitário, pois deste espera-se, como se disse, que produza e divulgue conhecimento. Por outro lado, incentivar os alunos a participar em congressos científicos é levá- los a perceber a importância de se enriquecerem curricular, pes- soal, científica e tecnicamente, aproveitando ao máximo a riqueza da vida universitária. Num mundo competitivo, em que os alunos de Ciências da Comunicação, no final do seu curso, terão de en- www.bocc.ubi.pt Elementos de Teoria e Pesquisa 15 frentar centenas de candidatos com idênticas habilitações quando concorrerem a um emprego, o que contará é aquilo que distingue curricularmente cada estudante e as competências que individual- mente demonstre, não o que cada estudante fez de igual a todos os outros. A Universidade, por definição, é um espaço em que se cultiva o saber e cultivar o saber dá trabalho e exige esforço. Quem pro- cura prazer em vez de trabalho e estudo, não deve ingressar numa Universidade. O melhor que tem a fazer é arranjar uma namorada, ou um namorado, ou viajar, ou fazer seja lá o que for que lhe dê "prazer". A frequência da Universidade deve ser uma escola de vida, de profissionalismo e de exigência, de competição, de mérito, de cumprimento de regras, não de facilitismo, sobretudo, não de facilitismo em nome do "prazer". Na vida profissional, em particular no sector privado, os alunos não serão tão protegidos quanto o são durante o seu percurso universitário. É bom, por isso, que os estudantes se habituem às competitivas exigências do mundo laboral. Ofereço, assim, este livro ao julgamento público e, em parti- cular, ao julgamento dos meus "bons"alunos, que, independen- temente das notas obtidas, são todos os que, tendo uma rela- ção cordial, ética e civicamente irrepreensível com o seu profes- sor, se empenham responsável e laboriosamente na construção do seu próprio conhecimento sobre o mundo da comunicação e na aquisição de competências que lhes permitam ter sucesso na sua vida profissional e os diferenciem dos demais estudantes. Ofe- reço também este livro ao julgamento dos meus colegas e pares, a quem agradeço feedback, para poder, no futuro, corrigir aspectos menos bem conseguidos e eventuais erros ou omissões. Finalmente, reforço a advertência que já fiz no prólogo à pri- meira edição: não pretendo suscitar unanimidades com este livro. Há várias perspectivas admissíveis em muitas áreas das Ciências da Comunicação e a minha é uma delas. Espero, somente, que tenha conseguido fundamentar bem as minhas posições. Jorge Pedro Sousa, Agosto de 2005 www.bocc.ubi.pt 16 Jorge Pedro Sousa Prólogo à primeira edição Este livro nasceu da necessidade de providenciar apoio pedagó- gico aos alunos da disciplina de Teoria da Comunicação e dos Media, do curso de Ciências da Comunicação da Universidade Fernando Pessoa (Porto, Portugal). No entanto, é ambição deste livro ser útil aos estudantes de graduação em Ciências da Comu- nicação em geral. Trata-se de um trabalho que pretende proporci- onar ao estudante uma introdução básica e compreensiva a alguns dos tópicos mais relevantes das teorias da comunicação e dos me- dia, numa linguagem o mais simples possível. O mundo da comunicação é demasiado vasto para se poder fa- lar de toda a construção teórica que tem sido elaborada para aju- dar a compreender melhor os processos comunicacionais. Esse mundo estende-se da comunicação animal, estudada pela etolo- gia1, à comunicação humana, nas suas mais diversificadas formas, passando pelos vários fenómenos ambientais e naturais que se po- dem considerar como sendo, de algum modo, comunicacionais. Por isso, qualquer livro que aborde o universo da comunicação necessita de definir uma orientação e um enquadramento. Este manual direcciona-se, assim, para o estudo das formas