823 pág.
Pré-visualização | Página 32 de 50
renascentista, a fome de conhecimento originada pelos descobrimentos e a tipografia gutemberguiana detonaram a explosão da comunicação. O sucesso da imprensa ter-se-á devido à interacção de vários factores: • Os dispositivos técnicos tipográficos foram continuamente aperfeiçoados, permitindo cada vez maiores tiragens, em menos tempo e com melhor qualidade; 6 O primeiro texto impresso data de cerca de 868, altura em que se imprimiu na China a Satra do Diamante, com caracteres de argila. Foram também os chineses a inventar o papel, que se introduziu na Europa apenas no século XII. 7 O Weltgericht (Juízo Final), publicação atribuída a Gutenberg, terá sido elaborado entre 1444 e 1447, constituindo o mais antigo testemunho da tipo- grafia com caracteres metálicos móveis agrupados. Dele apenas se salvou um fragmento. A Bíblia de 42 linhas, ao que tudo indica primeiro livro impresso com caracteres metálicos móveis, foi publicada cerca de 1455 por Füst e Scha- effer, credores de Gutenberg, que se apropriaram da sua oficina e usaram o método tipográfico de Gutenberg para imprimir o livro. Aliás, essa Bíblia fi- cou para sempre apelidada de Bíblia de Gutenberg, embora não tenha sido ele o editor. www.bocc.ubi.pt 138 Jorge Pedro Sousa • Ao diminuir os custos de impressão e ao permitir tiragens maiores de cada obra, a imprensa estimulou o acesso à lei- tura. Um maior acesso à leitura significou mais procura e isto permitiu ainda maiores tiragens, o que reduziu ainda mais o custo por exemplar; • Os livros, revistas e jornais incentivaram a instrução e esta, retroactivamente, incentivou a leitura. Com os hábitos de leitura, veio o gosto de ler; • Os textos impressos e a instrução alimentaram a curiosi- dade, o interesse pelo mundo, a fome de conhecimento, o que por sua vez se reflectiu nos índices de leitura. Livros, jornais e revistas transformaram a civilização, molda- ram a esfera pública moderna e modificaram a cultura. A circu- lação massiva de textos impressos foi um dos factores que con- tribuiu para as grandes mudanças político-sociais que germina- ram a partir do século XVI e que vieram a culminar na ascen- são da burguesia, na formação do espírito demo-liberal e no der- rube do Antigo Regime. A Revolução Gloriosa inglesa, a Re- volução Francesa e a Revolução Americana, por exemplo, de- vem muito à imprensa. A Revolução Liberal portuguesa de 1820, grande responsável pela explosão de jornais no nosso país, tam- bém deveu muito a esse fervilhar ideológico possibilitado pela imprensa. Mais tarde, já em 1917, a Revolução Russa (reacção anti-burguesa) coroou a fase de processos revolucionários fomen- tados pela imprensa. Em 1989, quando se dá a queda do muro de Berlim e começa o colapso da União Soviética, já eram outros os meios imperantes. Na génese da Revolução Francesa de 1789 esteve, de facto, uma actividade fervilhante de troca de ideias, possibilitada pela imprensa e animada por filósofos como Voltaire, Montesquieu ou Rousseau. Além dos livros, já existiam jornais impressos, em- bora de circulação relativamente restrita, já que ainda eram caros e havia poucos alfabetizados. www.bocc.ubi.pt Elementos de Teoria e Pesquisa 139 Os enciclopedistas Diderot e D’Alembert lançaram, em 1780, a Enciclopédia, projecto inspirado em obra semelhante do inglês Ephraim Chambers, lançada em 1727. A Enciclopédia, com 17 volumes, pretendia reunir os conhecimentos da época numa única publicação. Inicialmente, o poder instituído interditou a obra. Se- gundo Hohlfeldt (2001: 89), vários dos colaboradores abandona- ram o projecto para não serem presos. Mas quando foi dispo- nibilizada, a Enciclopédia teve sucesso, demonstrando que a sede social pelo conhecimento encontrava eco na Europa das luzes, não obstante os receios do poder real absolutista e da nobreza privile- giada, que talvez já pressentissem até que ponto o sistema estava condenado. Vários factores contribuíram para a explosão e sucesso da comunicação social ao longo do século XIX. Em primeiro lu- gar, as vias de comunicação permitiram a circulação de pessoas a maior velocidade e com maior facilidade. O turismo começou a desenvolver-se. Outros factores foram o crescimento económico, o enriquecimento, a escolarização e a alfabetização (consequên- cias do triunfo burguês e das ideias de liberdade, igualdade e fra- ternidade propagadas pela Revolução Francesa), a urbanização e o liberalismo político (que estimulava o exercício da cidadania em liberdade). O desenvolvimento da tipografia (pela agregação da máquina a vapor às impressoras) e os processos industriais de fabrico de papel permitiram, por seu turno, o embaratecimento dos materiais impressos (livros, jornais, folhetos...) e o aumento exponencial do número de cópias. Conquistavam-se novos públi- cos para os jornais e para a literatura, entre os quais os estudantes e as mulheres (Hohlfeldt, 2001: 90). O aparecimento da imprensa foi a primeira etapa da democra- tização da cultura, mas também desencadeou um processo de es- tandardização e simplificação das mensagens que vulgarizou essa mesma cultura. Segundo Habermas (1984), o conceito de espaço público pode aplicar-se à democracia ateniense, uma vez que os cidadãos parti- cipavam no processo de discussão política de informações e opi- www.bocc.ubi.pt 140 Jorge Pedro Sousa niões que levava à tomada de decisões. Mas, segundo o mesmo autor, é apenas no século XVIII que verdadeiramente nasce o es- paço público moderno (ou esfera pública) e que surgem os con- ceitos de público (no sentido do que deve ser publicitado, tornado público) e privado. A noção de espaço público inicial de Habermas corresponde ao espaço onde se formam as opiniões e as decisões políticas e onde se legitima o exercício do poder. É o espaço do debate e do uso público da razão argumentativa. Concretizava-se, inicial- mente, na vida social, nos debates racionais sobre política, econo- mia, assuntos militares, literatura e artes que ocorriam nos cafés, clubes e salões, bem ao gosto do espírito iluminista. Porém, a ex- plosão da imprensa transferiu para os jornais e revistas os debates que anteriormente se desenvolviam nesses lugares. A imprensa tornou-se, assim, a primeira grande instância mediadora na confi- guração do espaço público moderno. Deste modo: "a formação moderna da opinião pública ao longo do Iluminismo ocorre inicialmente em espaços ínti- mos de discussão de ideias, com apresentação em pri- meira mão das obras, para medir as reacções, transfe- rindo-se, depois, para os debates mediatizados pelos meios impressos, por colaboração de uma intelectu- alidade crítica nascente. O princípio da publicidade, defendido pelos burgueses cultivados, opõe-se à prá- tica do segredo (...). Ao fazê-lo, a burguesia cria um autêntico estado de mediação entre a sociedade ci- vil e o Estado (esfera do poder público). O público forma-se quando os indivíduos se reúnem para fa- lar. A palavra "público"adquire o seu presente signi- ficado, referindo-se a uma área da vida social à mar- gem do domínio familiar e dos amigos íntimos (...). Em tal espaço público burguês utilizam-se instrumen- tos, como a imprensa de opinião e as diferentes for- mas de representação política, que confluem na for- mação da opinião pública (...), espécie de árbitro en- www.bocc.ubi.pt Elementos de Teoria e Pesquisa 141 tre opiniões e interesses particulares. À comunicação interpessoal sucede a comunicação dos meios de in- formação, que os séculos XIX e XX virão alargar. Ao mesmo tempo que cresce o número de leitores de jor- nais, a imprensa de intervenção política, fundamental no período primitivo dos media, perde a sua influên- cia."(Santos, 1998: 10-118). Segundo Habermas (1984), a integração de mais cidadãos, menos cultos, no espaço público e, portanto, nas discussões polí- ticas, devido à força da imprensa, prejudicou a coerência