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e dispositivos intervenientes na moldagem das civilizações? Nunca ninguém tinha abordado a questão como eles o fizeram. Não ajuda a compreender melhor o mundo em que vivemos conhecer estas explicações racionais para os fenómenos da comunicação, da his- tória, das civilizações, da sociedade e da cultura? Não duvido que sim."E terminei: "Oxalá descubra isso por si própria!" É este fascínio pelo génio humano, pelas explicações que a razão foi encontrando para tornar o universo compreensível, que eu gostaria de partilhar com os meus alunos, com os estudantes de ciências da comunicação em geral e com qualquer leitor deste livro em particular. Se conseguir abrir algumas mentes ao conhe- cimento pelo conhecimento, o meu esforço será recompensado. Sem esquecer que as teorias aqui realçadas podem ter bastantes aplicações no dia a dia, especialmente para um comunicólogo. Maravilhemo-nos, pois, com o engenho humano aplicado à explicação do mundo comunicacional! Jorge Pedro Sousa, Outubro de 2003 www.bocc.ubi.pt Capítulo 1 Comunicação, sociedade, cultura e Ciências da Comunicação O conceito de comunicação é difícil de delimitar e, por consequên- cia, de definir. De um determinado ponto de vista, todos os com- portamentos e atitudes humanas e mesmo não humanas, intenci- onais ou não intencionais, podem ser entendidos como comuni- cação. Uma pessoa está a dormir? Para um receptor, ela está a comunicar que dorme. Penteia-se e veste-se de determinada forma? Está a comunicar. Um insecto macho esfrega as asas nas patas para atrair uma parceira? Ele está, certamente, a comunicar. Um cão abana o rabo? Ele comunica alegria e afeição. Uma flor apresenta um maravilhoso colorido e emite determinadas substân- cias bem cheirosas para atrair as abelhas que espalham o pólen, essencial para a fertilização de outras plantas? Também está a co- municar. Uma pessoa reflecte consigo mesma sobre a sua vida? Está a comunicar, ou melhor, a comunicar-se, a consciencializar- se de si comunicando. A comunicação pode ou não ser preten- dida, mas não só ao Homem é impossível não comunicar como também, para o Homem, o mundo é cheio de significados e só é 21 22 Jorge Pedro Sousa inteligível e compreensível porque lhe atribuímos significados e o interpretamos. A definição de comunicação pode complexificar-se. Se várias pessoas estiverem reunidas à noite, à volta de uma fogueira, cala- das, de olhos fechados, escutando apenas a lenha a crepitar e só cheirando o fumo, elas estarão a comunicar? Num certo sentido, pode afirmar-se que sim, porque estão a partilhar uma experiên- cia. A convergência de um vasto tipo de fenómenos para debaixo do guarda-chuva da comunicação tem origem na elasticidade e flexibilidade do conceito. A raiz etimológica da palavra comu- nicação é a palavra latina communicatione, que, por sua vez, de- riva da palavra commune, ou seja, comum. Communicatione sig- nifica, em latim, participar, pôr em comum ou acção comum. Portanto, comunicar é, etimologicamente, relacionar seres viven- tes e, normalmente, conscientes (seres humanos), tornar alguma coisa comum entre esses seres, seja essa coisa uma informação, uma experiência, uma sensação, uma emoção, etc. Assim, pode-se pensar na comunicação em duas grandes as- serções: 1) A comunicação como o processo em que comuni- cadores trocam propositadamente mensagens codificadas (gestos, palavras, imagens...), através de um canal, num determinado con- texto, o que gera determinados efeitos; e 2) A comunicação como uma actividade social, onde as pessoas, imersas numa determi- nada cultura, criam e trocam significados, respondendo, desta for- ma, à realidade que quotidianamente experimentam (Gill e Adams, 1998: 41). Estas duas proposições não são, porém, estanques, mas sim complementares. Por exemplo, as mensagens trocadas só têm efeitos cognitivos porque lhes são atribuídos significados e estes significados dependem da cultura e do contexto em geral que rodeiam quem está a comunicar. Por isso se diz também que a comunicação é um processo social. No entanto, as duas posições também revelam alguma diferença entre elas: a primeira sugere a ideia de que a mensagem tem de ser codificada; a segunda expli- cita, de algum modo, que uma mensagem pode não ser codificada www.bocc.ubi.pt Elementos de Teoria e Pesquisa 23 nem sequer ter um emissor e mesmo assim adquirir significado para o receptor, pois, de certa forma, o mundo é a mensagem, no sentido de que o mundo é, inevitavelmente, interpretado por cada pessoa, adquirindo significados, pois só assim se torna compreen- sível. A comunicação é indispensável para a sobrevivência dos seres humanos e para a formação e coesão de comunidades, sociedades e culturas. Temos de comunicar, entre outras razões: • Para trocarmos informações; • Para nos entendermos e sermos entendidos; • Para entretermos e sermos entretidos; • Para nos integrarmos nos grupos e comunidades, nas orga- nizações e na sociedade; • Para satisfazermos as necessidades económicas que nos per- mitem pagar a alimentação, o vestuário e os bens que, de uma forma geral, consumimos; • Para interagirmos com os outros, conseguindo amigos e parceiros, tendo sucesso pessoal, sexual e profissional, algo fundamental para a nossa auto-estima e equilíbrio. Comunicamos, em síntese, para satisfazer necessidades, que, de acordo com a pirâmide de necessidades de Maslow (1954), po- dem ser básicas (água, comida, vestuário...), de segurança, sociais (ter amigos e ser aceite por outros), de auto-estima (ter competên- cia, auto-confiança e conquistar o respeito dos outros) e de actua- lização pessoal (desenvolver todo o nosso potencial). Quando alguém tem a iniciativa de comunicar, tem alguma intenção. Só despendemos esforço quando isso nos leva a algum lado e, por isso, só comunicamos intencionalmente quando que- remos atingir alguma coisa, quanto mais não seja a manutenção da própria comunicação. www.bocc.ubi.pt 24 Jorge Pedro Sousa Em conclusão, "A comunicação liga-nos à rede de seres hu- manos, começando na nossa família imediata e continuando pe- los nossos amigos (com a ajuda dos media), pela sociedade e pelo mundo inteiro. A forma como nos desenvolvemos como indi- víduos depende muito do grau de sucesso com que construímos essas redes. A comunicação não é apenas uma troca de informa- ções "duras", mas também a partilha de pensamentos, sentimen- tos, opiniões e experiências"(Gill e Adams, 1998: 42). 1.1 Os conceitos de comunicação e de in- formação É preciso notar que nem toda a comunicação, entendida como troca de mensagens, comporta informação. Um poema, uma mú- sica, uma canção podem comunicar e exaltar sensações, estados de alma, emoções, mas, geralmente, não informam, a menos que sejam emitidas com um propósito informativo, diferente do seu propósito original. Por exemplo, uma canção serviu como se- nha para desencadear as operações militares na Revolução De- mocrática Portuguesa de 25 de Abril de 1974. Ou seja, a can- ção informou os revoltosos de que as operações deviam iniciar-se. Suponha-se, porém, que um professor diz a um aluno que o exame da sua classe se realiza num determinado dia, a uma determinada hora. Esta mensagem é informativa, porque transporta uma carga útil de informação. A situação narrada mostra também que a partilha de infor- mação necessita de um suporte comunicacional para se efectivar. Isto é, a informação depende da comunicação. Não há informa- ção sem comunicação. Mas, como vimos, num sentido lato pode existir comunicação sem haver troca de informação (por exemplo, quando várias pessoas partilham experiências). Vista do ponto de vista da Teoria Cibernética (ou Teoria da Informação), a informação é uma medida da incerteza ou da www.bocc.ubi.pt Elementos de Teoria e Pesquisa 25 entropia num sistema (Littlejohn, 1988: 153). A informação é quantificável