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NOÇÕES GERAIS DE ANTROPOLOGIA

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
FACULDADE DE DIREITO
DISCIPLINA: ANTROPOLOGIA GERAL E JURÍDICA
PROFESSORA: ANA CARLA COELHO BESSA
PRIMEIRA NOTA DE AULA
NOÇÕES GERAIS DE ANTROPOLOGIA
CONCEITO:
Termo “Antropologia”. No grego:
ἄνθρωπος "homem“
λόγος “razão”/“pensamento”/"discurso"/"estudo")
OBJETO:
Enfoque inicial: estudo das sociedades primitivas, longínquas e simples.
Enfoque atual: estudo do homem por inteiro, “em todas as sociedades, sob todas as latitudes em todos os seus estados e em todas as épocas”.
ANTIGUIDADE CLÁSSICA
A antropologia não existia como disciplina específica
Os filósofos pré-socráticos já se questionavam a respeito do impacto das relações sociais sobre o comportamento humano. Ex: Relatos gregos, romanos e chineses acerca de culturas diferentes das suas.
século V a.C. a obra de Heródoto descreveu minuciosamente as culturas com as quais seu povo se relacionava.
Aristóteles (acerca das cidades gregas)
Agostinho já discutia, de maneira pouco elaborada, a possibilidade do "tabu do incesto" funcionar como norma social.
PRÉ-HISTÓRIA DA ANTROPOLOGIA: RENASCIMENTO E DESCOBERTAS DO NOVO MUNDO: África, Índia, Américas, Austrália e Nova Zelândia.
Séculos XIV a XVII: contribuição dos cronistas, viajantes, soldados, missionários e comerciantes que discutiam, em relação aos povos que conheciam, a maneira como estes viviam a sua condição humana, cultivavam seus hábitos, normas, características, interpretavam os seus mitos, os seus rituais, a sua linguagem. 
De acordo com François Laplantine (2007), as primeiras investigações antropológicas eram “...mais uma busca cosmográfica do que uma pesquisa etnográfica”: o objeto da observação era mais o céu, a terra, a fauna e a flora do que o homem em si, e, quando se tratava deste, era essencialmente tomado em consideração o homem físico
Cosmografia: Ramo da astronomia que cuida da descrição do Universo 
Etnografia: O dicionário Aurélio define etnografia de duas maneiras: como parte dos estudos antropológicos que corresponde à fase de elaboração de dados obtidos em pesquisa de campo e estudo descritivo de um ou vários aspectos sociais ou culturais de um povo ou grupo social.
Reações dos descobridores:
Fascinação pelo estranho: bom selvagem
Recusa do estranho: mau selvagem (Etnocentrismo)
Visão: Etnocêntrica: conceito europeu do homem que se atribui o valor de "civilizado", fazendo crer que os outros povos estavam "situados fora da história e da cultura". 
NASCIMENTO DA ANTROPOLOGIA COMO CIÊNCIA: SÉC XVIII - XIX
Século XVIII: com o iluminismo e a Revolução Francesa
Lévi Strauss considera que o “Discurso sobre a origem e a desigualdade entre os homens” , de Rousseau, é o primeiro tratado de Antropologia Geral (Relações entre natureza e cultura).
Século XIX: Investigações com base no Evolucionismo 
Sociológico: Augusto Comte (todas as sociedades evoluem por etapas que vão desde a superstição religiosa até a ciência positiva)
Biológico: Lamarck (a função cria o órgão) e Darwin (seleção natural)
Darwinismo Social : considerava a sociedade europeia da época como o apogeu de um processo evolucionário, e as sociedades descobertas como exemplares humanos "mais primitivos“, que deveriam evoluir ou desaparecer. 
SÉCULO XX – ANTROPOLOGIA: CIÊNCIA DA ALTERIDADE
Fim da repartição de tarefas entre o viajante provedor de informações e o pesquisador que recebe, analisa e interpreta as informações. O antropólogo observa pessoalmente o seu objeto de pesquisa, sem preocupação com a comparação entre raças. O respeito às diferenças culturais deveria constituir a base de uma sociedade justa:
FRANZ BOAS (1858-1942)
Pioneiro da Etnografia, observou os grupos humanos nas suas particularidades, e concluiu que a raça não determina a cultura. É a cultura que molda os homens e não a biologia. 
TEORIA DO DIFUSIONISMO: preocupa-se com a transmissão dos elementos de uma cultura para outra, mediante trocas comerciais ou conquistas de território. Ex: a cultura jurídica grega influenciou as sociedades ocidentais com a tópica, e a cultura jurídica brasileira, em seu direito empresarial, sofreu influência da cultura jurídica norte-americana.
TEORIA DO DIFUSIONISMO E DIREITO: “quando os grupos sociais entram em contato, ocorre o processo de difusão da cultura. O direito é, indubitavelmente, um dos aspectos da cultura de um grupo social motivo pelo qual também está submetido a esse processo de difusão cultural. (...) A cultura jurídica europeia, com suas bases gregas e romanas, difundiu-se para as colônias, motivo pelo qual a cultura jurídica brasileira tem sido construída conforme os parâmetros estabelecidos no direito europeu. (...) A tópica é uma técnica de pensar por problemas, desenvolvida pela retórica, que migra da filosofia grega para a jurisprudência romana e desta para o direito moderno” (ASSIS, KUMPEL, 2011).
BRONISLAW MALINOWSKI (1884-1942)
TEORIA DO FUNCIONALISMO: (visão sistêmica) As sociedades humanas e suas culturas existem como todos orgânicos constituídos de partes interdependentes. Qualquer traço da cultura a demonstra como um todo
Princípio de sua pesquisa: Observação participante, para compreender o homem a partir de dentro
Investiga o pluralismo jurídico
Kula: comércio de troca cerimonial
O homem é um ser biológico e cultural
Teoria da Instituição: Cada instituição é uma unidade multidimensional, dos sistemas econômicos, políticos, religiosos, etc.
Ex: cada membro da família vive sob normas concretas que lhes permite fornecer cidadãos à comunidade e contribuir para a manutenção do organismo social. Para tanto, possuem aparelhagem (utensílios, bens de consumo, etc.) e vivem em atividade de reprodução, econômica, educacional, etc.
Se uma instituição perde seu princípio de integração, tenderá a desaparecer. Ex: as tribos indígenas tendem a desaparecer quando perdem seu território.
Vai contra a postura etnocêntrica dos teóricos europeus de que entre os povos primitivos não existe um corpo de regras que possam ser tidas como normas jurídicas
Mito: recurso linguístico de quem exerce através dele a dominação social. As constituições modernas são mitos modernos, porque instalam no seio da coletividade a idéia de que se vive em um estado de direito somente porque o documento formal o expressa.
TEORIA DO FUNCIONALISMO E DIREITO: Para Malinowski o Direito nas sociedades primitivas não era escrito e encontrava-se profundamente dominado pelas práticas religiosas. Além disso, as regras primitivas de controle social não se reduziam tão somente à lei criminal, pois já existiam regras de Direito Civil aceitas consensualmente, respeitadas e motivadas por necessidades sociais. Em consequência, as regras legais não foram exercidas de forma arbitrária, mas resultantes do acordo recíproco entre seus integrantes. (ver obras: Argonautas do Pacífico Ocidental; Crime e Costume na Sociedade Selvagem).
“A importância da interpretação de Malinowski está no fato de que, ainda que priorize a criminalidade, as formas de castigo e a recomposição da ordem, acaba tratando, igualmente, dos conflitos entre sistemas jurídicos (penal e civil), do direito matrimonial, da vida econômica, dos costumes religiosos, do desenvolvimento do comunismo primitivo e do princípio da reciprocidade corno base de toda a estrutura social” (WOLKMER, 2006). 
ÉMILE DURKHEIM (1858 – 1917)
Obras: “As formas Elementares da Vida Religiosa”, “Regras do Método Sociológico”
TEORIA DO FATO SOCIAL: Ao nascer, o indivíduo encontra crenças religiosas, sistemas linguístico e econômico que não criou, que existe fora dele, mas exerce coerção sobre ele. A sociedade ultrapassa o indivíduo, impondo sobre ele modos de agir e pensar.
“Fato social é toda a maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior: ou então, que é geral no âmbito de uma dada sociedade tendo, ao mesmo tempo, uma existência própria, independente das suas manifestações individuais”(DURKHEIM,2007)
A vida da sociedade não pode se desenvolver num ponto sem que a vida jurídica se estenda na mesma proporção e ao mesmo tempo porque o direito organiza a sociedade.
TEORIA DO FATO SOCIAL E A LEI: “Não há dúvida de que quando a ela me conformo de boa vontade, esta coerção não se faz, ou faz-se pouco sentir, por inútil. Porém, não é por isso uma característica menos intrínseca de tais fatos, e a prova é que ela se afirma logo que eu procuro resistir. Caso tento violar as regras do direito, elas reagem contra mim de modo a impedir meu
ato, se ainda for possível, ou a anulá-lo e a restabelecê-lo sob a sua forma normal, se já executado e reparável, ou a fazer-me expiá-lo se não houver outra forma de reparação. E caso trate de máximas puramente morais? A consciência pública reprime todos os atos que as ofendam através da vigilância que exerce sobre o comportamento dos cidadãos e das penas especiais de que dispõe.” (DURKHEIM, 2007)
MARCEL MAUSS (1872-1950)
TEORIA DO FATO SOCIAL TOTAL: o fato social não pode ser redutível a fragmentos esparsos, sendo necessária a integração de seus diferentes aspectos: jurídico, econômico, histórico, religioso, etc.
Ex: na Legislação brasileira, o dever de prestar alimentos aos necessitados, cabe à família, ao Estado e à sociedade
Obra: Ensaio sobre o dom
As trocas constituem o núcleo comum de atividades sociais heterogêneas
Ex: as guerras e o comércio não podem ser estudados separadamente, porque constituem dois aspectos de um mesmo processo social. As trocas comerciais representam guerras pacificamente resolvidas e as guerras seriam resultados de transações comerciais fracassadas.
TEORIA DO FATO SOCIAL TOTAL E DIREITO: as formas de circulação de bens (trocas e doações) expostas por Marcel Mauss em seu Ensaio Sobre o Dom dão ênfase aos princípios de solidariedade, reciprocidade e rivalidade e suas conexões com as obrigações de dar, de receber e de restituir presentes no direito. A obra leva à reflexão acerca da penetração da economia e da moral do dom nas sociedades contemporâneas, especialmente nos grandes sistemas de doações e de empréstimos que estão sendo criados para organizar e atender às demandas sociais. Os princípios do dom não foram suprimidos pela dinâmica do mercado, motivo pelo qual devem ser considerados pela tecnologia jurídica na elaboração da teoria dos contratos. (Dom - uma contribuição à teoria dos contratos - Revista Jurídica Logos › Núm. 4-2008. V. Lex.com Acesso em 05/04/2012)) 
ANTROPOLOGIA CONTEMPORÂNEA
Laplantine (2007) distingue cinco pontos de vista no pensamento antropológico contemporâneo:
Antropologia simbólica: estuda as significações que o homem dá ao mundo, as quais estão expressas em suas instituições, como a religião, por ex. 
Antropologia social: se interessa pela organização interna dos grupos e sua finalidade na sociedade global
Antropologia cultural: estuda as continuidades e as diferenças entre as culturas
Antropologia estrutural e sistêmica: estuda as normas construídas pelo homem, procurando as estruturas inconscientes que estão sob as mesmas.
Antropologia dinâmica: estuda as transformações da sociedade. Ex: conhecer a dinâmica das populações humanas (nascimentos, casamentos, óbitos e movimentos migratórios) e compreender como é que determinadas variáveis ambientais, sociais e culturais interferem nos acontecimentos demográficos
CLIFFORD GEERTZ (1926 – 2006)
CULTURA E SÍMBOLO: TEORIA INTERPRETATIVA DA CULTURA
Geertz define a cultura como um sistema simbólico que fornece tanto um relato do mundo como um conjunto de regras para atuar nele. Assim, os processos culturais devem ser lidos, traduzidos e interpretados. Seu exercício mais famoso nesse gênero é a representação das brigas de galo balinesas como um texto interpretado. Ao analisar as brigas de galo presentes na cultura dos balineses, “ Geertz começa pela noção de jogo profundo. (...) O que estava em jogo nas brigas de galo não era apenas dinheiro, mas status. (...) O galo representa seu dono e as pessoas ligadas a ele. (...) Nesse sentido, a etnografia é tida como um processo de interpretação e não de explicação” (ASSIS, KUMPEL, 2011).
TEORIA INTERPRETATIVA E DIREITO: Ao estudar os sistemas jurídicos, Geertz concentra sua visão no significado que os atores destes sistemas emprestam ao que fazem e na maneira pela qual as instituições legais traduzem a linguagem da imaginação para a linguagem da decisão, criando assim um sentido de justiça específico. Assim, a representação dos fatos vai depender da visão que o homem tem do direito. O direito, por sua vez, é um artesanato local, que funciona a luz do saber local, e parte de uma maneira específica de imaginar a realidade e as instituições legais criam uma sensibilidade jurídica determinada ao traduzir a linguagem da imaginação para a linguagem da decisão nos casos concretos. Deste modo, a construção e a implantação de novos direitos só poderão concretizar-se na medida em que estes direitos dialogarem com os sentidos de justiça determinados de cada cultura e passarem a fazer sentido dentro da visão de mundo específica daquela sociedade.
CLAUDE LÉVI-STRAUSS (1908-2009)
ESTRUTURALISMO
A sociedade é construída de sistemas de relações: sistema de parentesco, sistema de comunicação, sistemas de trocas, etc.
Assim, um fato isolado não possui significado, mas encontrará sentido a partir da posição que ocupa em relação aos demais.
Ao observar sociedades simples da América, Ásia e Oceania, detecta três formas de troca entre as mesmas:
As regras de parentesco e matrimônio
As regras de comunicação de bens e serviços
As regras de comunicação
Nas sociedades simples é muito difícil obter uma explicação racional de um costume ou de uma instituição. As pessoas agem por hábito, justificando a ordem dos deuses ou dos seus ancestrais.
ESTRUTURALISMO E DIREITO: o enfoque estruturalista “aparece mais associado ao positivismo jurídico, cujos principais expoentes são Hans Kelsen (Teoria Pura do Direito) e Norberto Bobbio (Teoria do Ordenamento Jurídico).” (ASSIS, KUMPEL, 2011).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ASSIS, Olney Queiroz; KUMPEL, Vítor Frederico. Manual de Antropologia Jurídica. São Paulo: Saraiva, 2011.
DURKHEIM, Émile. As Regras do Método Sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
GEERTZ, Clifford. 
LAPLANTINE, François. Aprender Antropologia. São Paulo: Brasiliense, 2007.
WOLKMER, Antônio Carlos (org.). Fundamentos da História do Direito. Belo Horizonte: Del Rey, 2006)
ALGUNS ANTROPÓLOGOS BRASILEIROS E ALGUMAS DE SUAS OBRAS:
 Antonio Carlos Wolkmer:
Pluralismo jurídico: fundamentos de uma nova cultura no Direito
Pluralismo jurídico, direitos humanos e interculturalidade
Darcy Ribeiro: 
Suma etnológica brasileira
Florestan Fernandes: 
Sociedade de classes e subdesenvolvimento 
Gilberto Freyre:
Casa Grande e Senzala
Roberto DaMatta: 
Relativizando
Ruth Cardoso: 
Estrutura familiar e mobilidade social
A trajetória dos movimentos sociais

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