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social. No modo de produção capitalista, grandes empresas passam a fazer parte do “interesse público” na medida em que oferecem empregos, interferem no meio ambiente, afetam o cotidiano da região onde estão instaladas, entre outros aspectos importantes. Tornam-se, assim, alvos de interesse da imprensa e da opinião pública, ou de alguns públicos específicos, que exigem informações corretas e honestas das grandes corporações. Paralelamente à atuação da imprensa, com o jornalismo de denúncia e sua conseqüente influência na construção de opiniões, emergiu a pressão dos grupos de interesse, lobbies, sindicatos de trabalhadores, grupos de acionistas etc., forçando as organizações 55 GURGEL, J. B. Serra e. Cronologia da Evolução Histórica das Relações Públicas. Brasília: Linha Gráfica e Editora, 1985. Cláudia Peixoto de Moura (Organizadora) 80 em geral a abrir canais de comunicação no atendimento à demanda dos diversos públicos, direta ou indiretamente ligados a elas. Tradicionalmente, pelo menos no Brasil, as atividades de relações públicas estiveram presentes nas empresas privadas, especialmente nas multinacionais que traziam o know-how das estratégias de comunicação desenvolvidas em seus países de origem, e nas diversas esferas da administração pública. Mais recentemente, com sua “difusão” pelos cursos de graduação e pós-graduação em Comunicação, as atividades de relações públicas passaram a estar presente em ambientes como sindicatos, organizações não governamentais (ONGs), escolas, universidades etc. As relações públicas, ao proporem um modelo teórico que se modulou simultaneamente em meio e paralelo ao pensamento latino-americano em Comunicação, passaram a ser consideradas ferramenta na construção da identidade das organizações na gestão de suas relações com diferentes públicos. Públicos não são agrupamentos espontâneos e não agem irracionalmente, segundo formulações teóricas de correntes da psicologia social. A formação do público demanda um processo racional e contínuo, sistemático, em outras palavras, de troca de informação que deve partir também da organização. Segundo Roberto Porto Simões56, há vários enfoques para se entender o que são as atividades de relações públicas. Uma delas é o enfoque político intrínseco à idéia de que os públicos também devem participar do poder. Dentro do enfoque político, são três as proposições de atividades descritas por Simões: 1) relações públicas como via de dupla-mão, 2) política de portas abertas e 3) uma “casa de vidro”. Na via de dupla-mão, o sistema deve permitir o fluxo de informações nos dois sentidos, tanto de ida quanto de volta. A existência de um canal de comunicação conduziria, de forma contínua e desimpedida, a palavra dos públicos ao poder de decisão e deste para os públicos. Como política de portas abertas, prevê-se a função de RP sendo operacionalizada através de “normas administrativas” que: facilitem a entrada de mensagens que venham de seus públicos; permitam que seus públicos conheçam tudo o que se passa dentro da organização; distribuam o poder, permitindo a participação na decisão. A 56SIMÕES, Roberto Porto. Relações Públicas - Função Política. Porto Alegre: Sagra/Feevale, 1984. História das Relações Públicas 81 atividade de relações públicas como “casa de vidro” relaciona-se diretamente com a idéia de “via de dupla mão” e “portas abertas”: simplesmente reforça a idéia de trânsito facilitado de informações, de ausência de impedimentos ou de mistérios entre empresa e público. Os três enfoques compilados por Roberto Porto Simões enfatizam o caráter fundamentalmente político dessa postura dialógica e indicam caminhos de como operacionalizá-los através da palavra- chave nesse modelo comunicacional que veio sendo forjado pela pressão da crítica social: participação. Uma das tendências contemporâneas em relações públicas originou-se nos EUA, a partir dos estudos de James Grunig57. Trata-se do modelo assimétrico de duas mãos como principal característica. Segundo este modelo, o objetivo é a compreensão mútua. A natureza da comunicação é de duas mãos e efeitos equilibrados. O modelo de comunicação implica no fluxo de informação grupo Ù grupo. Quanto à natureza da pesquisa (uma das funções das relações públicas), é formativa e avaliadora da compreensão. Edward Bernays, considerado o primeiro teórico das relações públicas, considera que educadores e líderes profissionais são as “figuras” principais do modelo, aplicado atualmente em organizações e agências. Margarida Kunsh58, ao comentar o modelo proposto por Grunig, reforça a idéia de que a comunicação dialógica de fato passa a enfatizar muito mais os públicos do que os meios. A excelência na comunicação, conforme se evidencia no trabalho da autora, é não somente aquela que considera aspectos técnicos oriundos da administração, mas o fato de que aspectos políticos e filosóficos devem ser levados também em consideração, o que implica em maior complexidade na elaboração de estratégias de relações públicas. RECEPÇÃO E PRÁTICAS DE CIDADANIA Pelo ponto de vista dos estudos em comunicação, a recepção como processo pode ser identificada na mass communication research americana, na 57GRUNIG, James & HUNT, Todd citados por Margarida Maria Krohling Kunsh (org.), Obtendo Resultados com Relações Públicas - Como utilizar adequadamente as relações públicas em benefício das organizações e da sociedade em geral, (Pioneira, 1997). 58KUNSCH, Margarida Maria Krohling, obra citada, 1997. Cláudia Peixoto de Moura (Organizadora) 82 proposta dialógica dos autores latino-americanos e nos estudos em relações públicas. “Processo” ganha diferentes nuances conforme a área em que é abordado. Uma das nuances pertinentes principalmente aos dois últimos campos – a dos autores latino-americanos e a de relações públicas – é a idéia de cidadania nelas contida. A sociedade civil organizada tem sido historicamente responsável pela articulação de movimentos que estabeleceram novos protocolos de relações sociais com o Estado59. Ao mesmo tempo em que o Estado teve de reconhecer uma série de direitos civis aos setores organizados, o mesmo acontecia com as empresas privadas e organizações de modo geral: elas tiveram que remodelar antigas formas de relacionamento com a sociedade, em geral, e com seus diversos públicos, em particular. Na impossibilidade de enumerar aqui as conquistas da sociedade civil, até porque não seria o caso, basta então citar pelo menos dois momentos fundamentais nessa trajetória: em escala mundial, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, e, em escala nacional, a Lei de Defesa do Consumidor, oficializada em 1990, tendo como antecedente a inserção do assunto na Constituição Federal de 198860. A crítica social, este conceito tão abstrato, abrange, entre outras coisas, movimentos sociais que se relacionam com a idéia de cidadania. Os públicos debatendo racionalmente um determinado problema, com “abundância de informações” e “possibilidade de participação”, conforme descrito pelas vertentes psicossociais das relações públicas61 e do modelo dialógico do pensamento latino-americano em Comunicação, seriam o protótipo dos movimentos sociais que, na ausência do Estado e nas limitações sociais da economia de mercado, passam a exercer o papel de instância mediadora nas relações com as demais instituições. Passam a ser, assim, uma espécie de foco de resistência e contrapeso ao poder que às vezes se pretende absoluto das