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DURKHEIM - O individualismo e os intelectuais

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299
Revista de Direito
do Cesusc.
No2. Jan/Jun 2007.
Documenta.
O individualismo
e os intelectuais
Uma edição realizada a partir do Artigo de Émile
Durkheim - L’individualisme et les intellectuels - Revue
bleue, 4e série, t. X, 1898, pp. 7-13
http:// classiques.uqac.ca index.html version électronique
Por Émile Durkheim (Juillet, 1898)
A questão que, há seis meses, divide tão dolorosamente o país
está se transformando: na origem, simples questão de fato, ela se
generalizou aos poucos.
A intervenção recente de um literário conhecido1 ajudou muito
nesse resultado. Parece-me que encontraram o momento oportu-
no para renovar, com uma ação de esplendor, uma polêmica que
se arrastava em repetições. É a razão pela qual, no lugar de retomar
novamente a discussão dos fatos, quisemos, em um sobressalto,
nos elevar ao nível dos princípios: é ao estado de espírito dos “in-
telectuais”2, às idéias fundamentais das quais dizem compartilhar, e
não mais ao detalhe de sua argumentação que nos enredamos. Se
eles recusam obstinadamente “inclinar sua lógica perante a palavra
de um general do exército”, é evidentemente que se atribuem o
direito de julgar a questão por eles mesmos; é que eles põem sua
razão acima da autoridade, é que os direitos do indivíduo pare-
cem-lhes imprescritíveis. É, portanto, seu individualismo que deter-
minou sua cisma. Então disseram que, para se restabelecer a paz
nos espíritos, e prevenir a volta de semelhantes discórdias, é este
individualismo que é preciso enfrentar corpo a corpo. É preciso
estancar, uma vez por todas, essa inesgotável fonte de divisões in-
testinas. E uma verdadeira cruzada começou contra essa epidemia
1 Ver o artigo do senhor BRU-
NETIÈRE: Após o processo,
na Revue de Deux Mondes do
dia 15 de março de 1898.
2 Notemos de passagem que esta
palavra, muito cômoda, não tem
o sentido impertinente que lhe
atribuíram malignamente. O
intelectual não é aquele que tem
o monopólio da inteligência; não
há função social em que ela não
seja necessária. Mas se encon-
tra onde ela está, ao mesmo tem-
po, meio e fim, instrumento e
objetivo; emprega-se a inteligên-
cia para estender a inteligência,
ou seja, para enriquecê-la de co-
nhecimentos, de idéias ou sensa-
ções novas. Portanto, ela consti-
tue o todo dessas profissões (arte,
ciência) e é para expressar esta
particularidade que acabou na-
turalmente se chamando de inte-
lectual o homem que se dedica a
ela.
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Documenta.
pública, contra “essa grande doença do tempo presente”.
Aceitamos de bom grado o debate nesses termos. Nós tam-
bém acreditamos que as controvérsias de outrora expressavam
apenas superficialmente uma discordância mais profunda; que os
espíritos se opuseram muito mais por uma questão de princípio
que por uma questão de fato. Portanto, deixemos de lado os argu-
mentos de circunstância que são trocados de um lado para outro;
esqueçamos o próprio caso e os tristes espetáculos dos quais fo-
mos testemunhas. O problema que surge a nossa frente vai muito
além dos incidentes atuais e deve ser apartado.
I
Há um primeiro equívoco do qual é preciso se livrar antes de
tudo.
Para fazer mais facilmente o processo do individualismo, ele é
confundido com o utilitarismo estreito e o egoísmo utilitário de
Spencer e dos economistas. É tirar proveito de uma boa oportuni-
dade. É fácil, de fato, denunciar um ideal sem dimensão, esse mer-
cantilismo mesquinho que reduz a sociedade a ser apenas um vasto
aparelho de produção e de troca, e é evidente que qualquer vida
comuna é impossível se não há interesses superiores aos interesses
individuais. Concordamos que tais doutrinas sejam tratadas como
anárquicas, nada que não seja merecido. Mas o que é inadmissível,
é que se raciocine como se esse individualismo fosse o único que
existisse ou até que fosse possível. Ao contrário, torna-se cada vez
mais uma raridade e uma exceção. A filosofia prática de Spencer é
de tal miséria moral que não conta com muitos partidários. Quan-
to aos economistas, se outrora se deixaram seduzir pela simplici-
dade dessa teoria, há muito sentiram a necessidade de moderar o
rigor de sua ortodoxia primitiva e de abrirem-se a sentimentos
mais generosos. O Senhor de Molinari é praticamente o único, na
França, que tem permanecido intratável e, que eu saiba, que não
tem exercido uma grande influência sobre as idéias de nossa épo-
ca. Na verdade, se o individualismo não tivesse outros represen-
tantes, seria inútil fazer um alarido para combater um inimigo que
está morrendo tranqüilamente de morte natural.
Mas existe um outro individualismo do qual é mais fácil triun-
far. Foi professado, há um século, pela grande maioria dos pensa-
dores: é o de Kant e de Rousseau, o dos espiritualistas, o que a
Declaração dos direitos humanos tentou, de maneira mais ou me-
nos feliz, traduzir em fórmulas, o que é ensinado habitualmente
em nossas escolas e que se tornou a base de nossa catequese moral.
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Acredita-se atingi-lo, é verdade, encoberto pelo primeiro, mas di-
fere profundamente deste e as críticas que se aplicam a um, não
conviriam ao outro. Longe de fazer do interesse pessoal o objetivo
de sua conduta, vê em tudo que é motivo pessoal a própria fonte
do mal. Segundo Kant, estou certo de agir bem apenas se os mo-
tivos que me determinam estão ligados, não às circunstâncias par-
ticulares em que me encontro, mas à minha qualidade de homem in
abstracto. Inversamente, minha ação é nefasta, quando pode ser jus-
tificada logicamente somente por minha situação de fortuna ou
por minha condição social, por meus interesses de classe ou de
casta, por minhas paixões, etc. É por isso que a conduta imoral se
reconhece nesse sinal, que é o fato de estar estreitamente ligada à
individualidade do agente e não pode ser generalizada sem revelar
absurdidade. Da mesma forma, se, segundo Rousseau, a vontade
geral, que é a base do contrato social, é infalível, se ela é a expressão
autêntica da justiça perfeita, será resultante de todas as vontades
particulares; em seguida, constitui uma espécie de média impessoal
de onde todas as considerações individuais são eliminadas, pois
são divergentes e mesmo antagonistas, elas se neutralizam e se apa-
gam mutuamente3. Assim, para um e outro, as únicas maneiras morais
de agir são as que podem convir a todos os homens indistintamen-
te, ou seja, que estão implicadas na noção do homem em geral.
Estamos bem distantes aqui dessa apoteose do bem-estar e do
interesse público, desse culto egoísta do eu que se pode censurar no
individualismo utilitário. Ao contrário, segundo esses moralistas, o
dever consiste em desviar nossos olhares do que nos concerne pes-
soalmente, de tudo que está ligado à nossa individualidade empíri-
ca, para buscar unicamente o que nossa condição de homem recla-
ma, tal como nos é comum com todos os nossos semelhantes.
Esse ideal ultrapassa tanto o nível dos fins utilitários que parece, às
consciências que anseiam por isso, como que impregnado de religi-
osidade. Essa pessoa humana, cuja definição é como a pedra-de-
toque a partir da qual o bem deve se distinguir do mal, é conside-
rada como sagrada, como se diz, no sentido ritual da palavra. Ela
tem algo dessa majestade transcendente que as Igrejas de todos os
tempos emprestam aos seus Deuses; é concebida como investida
dessa propriedade misteriosa que produz vazio em volta das coi-
sas santas, que as subtrai aos contatos vulgares e as retira da circula-
ção comum. E é precisamente daí que vem o respeito da qual faz
objeto. Quem quer que atente contra a uma vida de um homem, à
liberdade de um homem, à honra de um homem, nos inspira um
sentimento de horror, análogo àquele sentido pelo crente que vê
profanarem seu ídolo. Uma moral desse tipo não é simplesmente
uma disciplina higiênicaou uma sábia economia da existência; é
3 V. Contrat social, liv. Il, cap.
III.
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uma religião na qual o homem é, ao mesmo tempo, o fiel e o
Deus.
Mas essa religião é individualista, já que tem o homem por ob-
jeto, sendo o homem um indivíduo por definição. Não há sistema,
cujo individualismo seja mais intransigente. Em parte alguma, os
direitos do indivíduo são afirmados com mais energia, já que o
indivíduo é posto ao nível das coisas sacrossantas; em nenhum
lugar, é mais ciumentamente protegido contra as agressões de fora,
de onde vierem. A doutrina do útil pode aceitar facilmente toda
sorte de comprometimentos, sem mentir ao seu axioma funda-
mental; pode admitir que as liberdades individuais sejam suspensas
toda vez que o interesse do maior número exigir sacrifício. Mas
não há composição possível com um princípio descartado dessa
maneira e acima de todos os interesses temporais. Não há razão de
Estado que possa executar um atentado contra a pessoa quando
os seus direitos estão acima do Estado. Se, portanto, o individua-
lismo é, em si, um fermento de dissolução moral, deve-se vê-lo
manifestar aqui sua essência anti-social. — Concebe-se qual é, desta
vez, a gravidade da questão. Pois esse liberalismo do século XVIII
que é, no fundo, o objeto do litígio, não é somente uma teoria de
gabinete, uma construção filosófica; ele se efetivou, penetrou nos-
sas instituições e nossos costumes, está enleado a toda nossa vida,
e, se, realmente tivéssemos que nos desfazer dele, é toda nossa
organização moral que precisaria ser reformulada.
II
Ora, já é um fato notável que esses teóricos do individualismo
não sejam menos sensíveis aos direitos da coletividade que aos do
indivíduo. Ninguém insistiu mais vivamente que Kant sobre o ca-
ráter supra-individual da moral e do direito; um tipo de ordem à
qual o homem deve obedecer porque ela é a ordem sem poder
discuti-la; e se lhe foi censurado às vezes por ter ultrajado a auto-
nomia da razão, pode-se dizer igualmente, não sem fundamento,
que ele pôs na base de sua moral um ato de fé e de submissão
irrefletidos. Aliás, as doutrinas se julgam, sobretudo, pelos seus pro-
dutos, ou seja, pelo espírito das doutrinas que suscitam: ora, do
kantismo provieram a ética de Fichte, que já é impregnada de soci-
alismo, e a filosofia de Hegel do qual Marx foi o discípulo. Quanto
à Rous-seau, sabemos como seu individualismo é acrescido de
uma concepção autoritária da sociedade. Depois dele, os homens
da Revolução, ao mesmo tempo em que promulgavam a famosa
Declaração dos direitos, fizeram a França una, indivisível, centrali-
zada, e, antes de tudo, talvez seja preciso até ver, na obra revoluci-
onária, um grande movimento de concentração nacional. Enfim, a
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principal razão pela qual os espiritualistas sempre combateram a moral
utilitária, é que lhes parecia incompatível com as necessidades sociais.
Dir-se-ia que nesse ecletismo não existe contradição? Certamente,
não pensamos em defender a maneira pela qual esses diferentes
pensadores procederam para amalgamar esses dois aspectos de
seus sistemas. Se, com Rousseau, começa-se por fazer do indiví-
duo uma espécie de absoluto que pode e que deve bastar a si mes-
mo, é evidentemente difícil explicar em seguida como o estado
civil pôde se constituir. Trata-se, porém, de saber, por hora, não se
tal ou tal moralista conseguiu mostrar como essas duas tendências
se reconciliam, mas se são, em si, conciliáveis ou não. As razões que
foram dadas para estabelecer sua unidade podem ser sem valor, e
essa unidade ser real; já, o fato de que elas geralmente se encontrem
nos mesmos espíritos é de se presumir que sejam contemporâneas;
daí decorre que devam depender de um mesmo estado social do
qual são presumivelmente apenas aspectos diferentes.
E, com efeito, uma vez que se cessou de confundir o individu-
alismo com seu contrário, ou seja, com o utilitarismo, todas essas
pretensas contradições desvanecem como por encantamento. Essa
religião da humanidade tem tudo que necessita para falar aos seus
fiéis em um tom não menos imperativo que as religiões que ela
substitui. Em vez de se limitar a bajular nossos instintos, nos in-
cumbe um ideal que excede infinitamente a natureza; pois nós não
somos naturalmente essa sabedoria e pura razão que, livre de qual-
quer motivo pessoal, legislaria no abstrato sobre sua própria con-
duta. Sem dúvida, se a dignidade do indivíduo proviesse de suas
constituições individuais, das particularidades que o distinguem de
outrem, poder-se-ia temer que ele se tranque em uma espécie de
egoísmo moral que tornaria impossível qualquer solidariedade. Mas,
na realidade, ele a recebe de uma fonte mais alta e comum a todos
os homens. Se tem direito a esse respeito religioso, é porque tem
em si algo da humanidade. É a humanidade que é respeitável e
sagrada; ora, não está toda nele. Ela está dispersa em todos seus
semelhantes; assim, ele não pode tomá-la como finalidade de sua
conduta sem ser obrigado a sair de si mesmo e a se dispersar para
fora. O culto do qual ele é, ao mesmo tempo, e objeto e agente,
não se dirige ao ser particular que ele é e que carrega seu nome, mas
à pessoa humana, onde quer que ela se encontre, sob qualquer for-
ma que se personifique. Impessoal e anônimo, tal propósito paira,
portanto, bem acima de todas as consciências particulares e pode
assim servir-lhes de centro de encontro. O fato de não nos ser
estrangeira (pelo simples motivo de ser humana) não impede que
ela nos domine. Ora, tudo que é necessário às sociedades para
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serem coerentes, é que seus membros tenham os olhos fixados
sobre um mesmo objetivo e se encontrem em uma mesma fé,
porém, não é preciso, de forma alguma, que o objeto dessa fé
coletiva dependa, por ligação alguma, das naturezas individuais.
Em definitivo, o indivíduo assim entendido, é a glorificação, não
do eu, mas do indivíduo em geral. Tem por incumbência, não o
egoísmo, mas a simpatia para tudo que é homem, uma piedade
mais ampla para todas as dores, para todas as misérias humanas,
uma ardente necessidade de combatê-las e de suavizá-las, uma sede
maior de justiça. Não há nesse ponto como comungar todas as
boas vontades. Sem dúvida, pode acontecer que o individualismo
seja praticado em espírito bem diverso. Alguns o utilizam para fins
pessoais, empregam-no como meio para encobrir seu egoísmo e
esquivar-se mais facilmente de seus deveres para com a sociedade.
Mas essa exploração abusiva do individualismo não prova nada
contra ele, da mesma forma que as mentiras utilitárias da hipocrisia
religiosa não provam nada contra a religião.
Mas tenho pressa de chegar à grande objeção. Esse culto do
homem tem por dogma a autonomia da razão e por primeiro rito
o livre exame. Ora, diz-se, se todas as opiniões são livres, por qual
milagre seriam harmônicas? Se elas se formam sem se conhecer e
sem ter que levar em conta umas das outras, como não seriam
incoerentes? A anarquia intelectual e moral seria, portanto, a conse-
qüência inevitável do liberalismo. Eis o argumento, sempre refuta-
do e sempre renascente, que os eternos adversários da razão reto-
mam periodicamente, com uma perseverança que nada desenco-
raja, todas as vezes que uma lassidão passageira do espírito huma-
no o coloca um pouco mais a sua mercê. Sim, é verdade que o
individualismo não existe sem certo intelectualismo; pois a liberda-
de do pensamento é a primeira das liberdades. Mas onde se viu
que tenha por conseqüência essa absurda suficiência de si mesma
que trancaria cada um em seu sentimento próprio e produziria o
vazio entre as inteligências? O que ele exige, é o direito, para cada
indivíduo, de conhecer coisas as quais pode legitimamente conhe-
cer;mas não consagra, de modo algum, um direito qualquer à
incompetência. A respeito dessa questão sobre a qual não posso
me pronunciar em conhecimento de causa, não custa nada à minha
independência intelectual seguir uma opinião mais competente. A
colaboração dos eruditos é somente possível graças a essa defe-
rência mútua; cada ciência pede emprestada incessantemente às suas
vizinhas propostas que aceita sem verificação. Mas, é preciso ra-
zões a minha razão para que ela se curve frente à de outrem. O
respeito da autoridade não tem nada de incompatível com o
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racionalismo conquanto a autoridade seja fundamentada racio-
nalmente.
Assim, quando alguns homens são intimados a se associar a um
sentimento que não é o seu, não basta, para convencê-los, lembrar-
lhes esse lugar comum de retórica banal, de que a sociedade não é
possível sem sacrifícios mútuos e sem certo espírito de subordina-
ção; é preciso ainda justificar na espécie a docilidade que lhes é
exigida, demonstrando sua incompetência. Se, ao contrário, trata-
se de uma dessas interrogações que depende, por definição, do
julgamento comum, uma abdicação desse tipo é contrária a qual-
quer razão e, consequentemente, ao dever. Ora, para saber se pode
ser permitido a um tribunal condenar um acusado sem ter ouvido
sua defesa, não são necessários aclaramentos especiais. É um pro-
blema de moral prática pelo qual qualquer homem de bom senso
é competente e do qual ninguém deve se desinteressar. Se, portan-
to, nesses últimos tempos, certo número de artistas, mas, sobretu-
do, de eruditos acreditaram ter que recusar sua aprovação a um
julgamento, cuja legalidade lhes parecia suspeita, não é que, em sua
qualidade de químicos ou filólogos, de filósofos ou historiadores,
eles se atribuem quaisquer privilégios especiais e como um direito
eminente de controle sobre a coisa julgada. É que, sendo homens,
entendem exercer todo seu direito de homens e reter neles mes-
mos um caso advindo da única razão. É verdade que se revelaram
mais invejosos desse direito que o resto da sociedade; mas é sim-
plesmente que, em conseqüência de seus hábitos profissionais, dão-
lhe mais importância. Acostumados pela prática do método cientí-
fico a reservar seu julgamento enquanto não se sentem esclareci-
dos, é natural que cedam menos facilmente às influências da multi-
dão e ao prestígio da autoridade.
III
Não somente o individualismo não é anarquia, mas é, doravan-
te, o único sistema de crenças que possa garantir a unidade moral
do país.
Ouve-se dizer atualmente, com freqüência, que somente uma
religião pode produzir essa harmonia. Essa proposta, que moder-
nos profetas acreditam dever desenvolver com um tom místico, é,
no fundo, um simples truísmo sobre o qual o mundo pode se
acordar. Pois se sabe hoje que uma religião não implica necessaria-
mente símbolos e ritos propriamente ditos, templos e padres; todo
esse aparelho externo constitui apenas a parte superficial. Essencial-
mente, não é outra coisa senão um conjunto de crenças e de práti-
cas coletivas de uma particular autoridade. Assim que um fim é
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perseguido por todo um povo, adquire, por conseqüência dessa
adesão unânime, uma sorte de supremacia moral que a eleva bem
acima dos fins privados dando-lhe, assim, um caráter religioso. Por
outro lado, é evidente que uma sociedade não pode ser coerente se
não existe entre seus membros certa comunidade intelectual e moral.
Não obstante, quando é lembrada, mais uma vez, essa evidência soci-
ológica, não se está mais avançado; pois se é verdade que uma religião
é, em certo sentido, indispensável, não é menos certo que as religiões se
transformam, que a de ontem não seria a de amanhã. O importante
seria, então, de perguntarmo-nos o que deve ser a religião hoje.
Ora, tudo concorre precisamente a fazer crer que a única reli-
gião possível é essa da humanidade, cuja moral individualista cons-
titui a expressão racional. A que, com efeito, poderia, doravante, se
prender a sensibilidade coletiva? À medida que as sociedades tor-
nam-se mais volumosas, se espalham sobre vastos territórios, as
tradições e as práticas são obrigadas, para poder se dobrar à diver-
sidade das situações e à mobilidade das circunstâncias, a manter-se
em um estado de plasticidade e de inconsistência que não oferece
resistência o suficiente às variações individuais. Estas, sendo bem
menos conhecidas, produzem-se mais livremente e se multiplicam:
ou seja, cada um segue mais seu sentido próprio. Ao mesmo tem-
po, conseqüência de uma divisão do trabalho mais desenvolvida,
cada espírito se encontra voltado em direção a um ponto diferente
do horizonte, refletindo um aspecto diferente do mundo e, por-
tanto, o conteúdo das consciências difere de um sujeito para outro.
Encaminha-se assim, pouco a pouco, em direção de um estado,
que é quase atingido desde já, e em que os membros de um mes-
mo grupo social não terão mais nada em comum entre eles senão
sua qualidade de homem, senão os atributos constitutivos da pes-
soa humana em geral. Portanto, essa idéia da pessoa humana é,
nuançada de forma diferente segundo a diversidade dos tempera-
mentos nacionais, a única que se mantenha, imutável e impessoal,
acima do fluxo cambiante das opiniões particulares; e os sentimen-
tos que desperta são os únicos que se encontram praticamente em
todos os corações. A comunhão dos espíritos não pode mais rea-
lizar-se sobre ritos e preconceitos definidos, já que ritos e precon-
ceitos são levados pelo curso das coisas; assim, não resta mais nada
que os homens possam amar e honrar em comum, a não ser o
próprio homem. Eis de que maneira o homem se tornou um deus
para o homem e porque não pode mais, sem mentir a si mesmo,
estabelecer outros deuses. E como cada um de nós representa algo
da humanidade, cada consciência individual tem em si algo divino,
e se encontra assim marcada por um caráter que a torna sagrada e
inviolável para os outros. Todo o individualismo está aí, e é isso
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que a torna a doutrina necessária. Pois, para sua ascensão, seria pre-
ciso impedir os homens de se diferenciar cada vez mais uns dos
outros, nivelar suas personalidades, levá-los de volta ao velho con-
formismo de outrora, conter, consequentemente, a tendência das
sociedades de se tornarem sempre mais extensas e mais centraliza-
das, e pôr um obstáculo aos progressos incessantes da divisão do
trabalho; ora, uma empreitada desse tipo, desejável ou não, ultra-
passa infinitamente todas as forças humanas.
Aliás, o que nos é proposto no lugar desse individualismo de-
preciado? Louvam-se os méritos da moral cristã e somos convida-
dos discretamente a nos juntarmos a ela. Mas ignora-se que a origi-
nalidade do cristianismo consistiu justamente em um notável de-
senvolvimento do espírito individualista? Enquanto que a religião
da cidade era totalmente composta de práticas materiais em que o
espírito estava ausente, o cristianismo revelou na fé interior, na con-
vicção pessoal do indivíduo, a condição essencial da piedade. Foi o
primeiro a ensinar que o valor moral dos atos deve ser medido
segundo a intenção, coisa íntima por excelência, que escapa por
natureza a todos os julgamentos externos e que apenas o agente
pode apreciar com competência. O centro mesmo da vida moral
foi assim deslocado de fora para dentro, e o indivíduo erigido
como juiz soberano de sua própria conduta, sem ter outra satisfa-
ção a dar senão a si mesmo e a seu Deus. Enfim, consumindo a
separação definitiva do espiritual e do temporal, abandonando o
mundo à disputa dos homens, o Cristo o entregou ao mesmo
tempo à ciência e ao livre exame: assim são explicados os rápidos
progressos que fez o espírito científico a partir do dia emque as
sociedades cristãs foram constituídas. Que o individualismo não
seja denunciado como inimigo que é preciso combater a todo cus-
to! É combatido apenas para retornar a ele, tanto é impossível
escapar dele. Não lhe é oposta outra coisa senão ele mesmo; mas
toda a questão é de saber qual é sua medida certa e se há alguma
vantagem em disfarçá-lo sob símbolos. Ora, se é tão perigoso quan-
to se diz, não vemos como ele poderia se tornar inofensivo ou
benéfico pelo simples fato de termos dissimulado sua verdadeira
natureza com ajuda de metáforas. E, por outro lado, se esse indivi-
dualismo restrito que é o cristianismo foi necessário, há dezoito
séculos, há muitas chances para que um individualismo mais desen-
volvido seja indispensável hoje; pois as coisas mudaram desde en-
tão. É, portanto, um erro singular apresentar a moral individualista
como a antagonista da moral cristã; bem ao contrário, deriva dela.
Atendo-nos à primeira, não renegamos nosso passado; apenas lhe
damos continuidade.
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Estamos no momento em melhor estado para compreender
por que razão alguns espíritos crêem dever opor uma resistência
obstinada a tudo quanto lhes parece ameaçar a crença individualis-
ta. Se qualquer empreitada dirigida contra os direitos do indivíduo
os revolta, não é somente por simpatia pela vítima; também não é
por temer que, eles mesmos, sofram semelhantes injustiças. Mas é
que tais atentados não podem permanecer impunes sem compro-
meter a existência nacional. Com efeito, é impossível que se produ-
zam em liberdade sem irritar os sentimentos que eles violentam; e
como esses sentimentos são os únicos que nos sejam comuns, não
podem se enfraquecer sem que a coesão da sociedade seja abalada.
Uma religião que tolera os sacrilégios abdica qualquer império so-
bre as consciências. A religião do indivíduo não pode, portanto,
deixar-se ultrajar sem resistência, pois corre o risco de arruinar seu
crédito; e como constitui o único laço que nos liga uns aos outros,
uma fraqueza desse gênero não pode dissociar-se de um início de
dissolução social. Assim, o individualista, que defende os direitos
do indivíduo, defende ao mesmo tempo os interesses vitais da
sociedade; pois impede que se empobreça de forma criminosa
essa última reserva de idéias e de sentimentos coletivos que consti-
tuem a própria alma da nação. Devolve à sua pátria o mesmo
serviço que o velho Romano fazia outrora à sua cidade quando
defendia, contra os inovadores temerários, os ritos tradicionais. E
se há um país entre todos os outros em que a causa individualista
seja verdadeiramente nacional, é o nosso; pois não há outro que
tenha tão estreitamente solidarizado seu destino com o destino dessas
idéias. Fomos nós que demos sua fórmula mais recente, e foi de
nós que os outros povos a receberam; é por isso que passávamos,
até o presente momento, por ser seus representantes mais autoriza-
dos. Portanto, não podemos renegá-las hoje, sem renegar a nós
mesmos, sem nos diminuirmos aos olhos do mundo, sem come-
ter um verdadeiro suicídio moral. Antigamente, questionava-se se
não conviria talvez consentir em um eclipse passageiro desses prin-
cípios, de modo a não abalar o funcionamento de uma adminis-
tração pública, que todo mundo, aliás, reconhece ser indispensável
à segurança do Estado. Não sabemos se a antinomia se mostra
realmente sob essa forma aguda; mas, em todo caso, se uma esco-
lha é verdadeiramente necessária entre esses dois males, seria tomar
a pior sacrificar assim o que foi até hoje nossa razão de ser históri-
ca. Um órgão da vida pública, por mais importante que seja, é
apenas um instrumento, um meio em vista de um fim. De que
serve conservar com tanto cuidado o meio, se se afasta do fim? E
que triste cálculo é renunciar, para viver, a tudo que faz o preço e a
dignidade da vida,
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Documenta.
Et propter vitam vivendi perdere causas!
IV
Na verdade, nós tememos que tenha havido certa leviandade na
maneira pela qual foi engajada essa campanha. Uma similaridade
verbal pôde fazer crer que o individualismo derivava necessaria-
mente de sentimentos individuais, inicialmente egoístas. Na realida-
de, a religião do indivíduo é de instituição social, como todas as
religiões conhecidas. É a sociedade que nos atribui esse ideal, como
o único fim comum que possa atualmente reunir as vontades. Reti-
rá-la de nós, enquanto não há nada que se possa pôr no lugar, é,
portanto, lançar-nos nessa anarquia moral que se quer precisamente
combater4.
Seria preciso, todavia, que considerássemos como perfeita e
definitiva a fórmula que o século XVIII forneceu do individualis-
mo e que conservamos, erroneamente, quase sem alterações. Sufi-
ciente há um século, ela precisa agora ser ampliada e complementa-
da. Apresenta o individualismo apenas pelo seu lado mais negativo.
Nossos pais tinham-se outorgado a tarefa de libertar o indivíduo
das entravas políticas que atrapalhavam seu desenvolvimento. A
liberdade de pensar, a liberdade de escrever, a liberdade de votar
foram, portanto, postas por eles na categoria dos primeiros bens
que era preciso conquistar, e essa emancipação era certamente a
condição necessária para todos os progressos ulteriores. Não obs-
tante, levados pelos ardores da luta, certos do objetivo que perse-
guiam, acabaram não vendo nada mais além, e por erigirem, em
uma espécie de fim último, esse término próximo de seus esforços.
Ora, a liberdade política é um meio, não um fim; tem preço apenas
pela forma que é aplicada; se não serve a algo que a ultrapassa, ela
não é somente inútil; torna-se perigosa. Arma de combate, se aqueles
que a manuseiam não sabem empregá-la em lutas fecundas, não
tardam a voltá-la contra eles mesmos.
E é justamente por esse motivo que caiu hoje em certo descré-
dito. Os homens da minha geração se lembram qual foi nosso
entusiasmo quando, há uns vinte anos, vimos finalmente cair as
últimas barreiras que continham nossas impaciências. Infelizmente,
porém! O desencantamento veio logo, pois foi preciso sem demo-
ra confessar que não se sabia o que fazer dessa liberdade tão labo-
riosamente conquistada. Aqueles para quem nós a devíamos servi-
ram-se dela apenas para se retalharem uns aos outros. Foi a partir
desse momento que se sentiu levantar sobre o país esse vento de
tristeza e de desânimo, que se tornou mais forte de dia em dia e que
acabaria por abater as coragens menos resistentes.
4 Eis como se pode, sem contra-
dição, ser individualista dizendo
ao mesmo tempo que o indivíduo
é um produto da sociedade, mais
do que sua causa. É que o indivi-
dualismo em si é um produto so-
cial, como todas as morais e to-
das as religiões. O indivíduo re-
cebe da sociedade até as crenças
morais que o divinizam. Foi o
que Kant e Rousseau não com-
preenderam. Quiseram deduzir
sua moral individualista, não da
sociedade, mas da noção do indi-
víduo isolado. A empreitada era
impossível, e daí decorrem as
contradições lógicas de seus sis-
temas.
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No2. Jan/Jun 2007.
Documenta.
Assim, não podemos nos contentar apenas com esse ideal ne-
gativo. É preciso ir além dos resultados conquistados, mesmo que
para conservá-los. Se não aprendemos enfim a pôr em prática os
meios de ação que temos nas mãos, é inevitável que se depreciem.
Usemos, portanto, de nossas liberdades para buscar o que é preci-
so fazer, para suavizar o funcionamento da máquina social, tão
rude ainda aos indivíduos, para pôr ao seu alcance todos os meios
possíveis de desenvolver suas faculdades sem obstáculos, para tra-
balhar, enfim, tornar realidade o famoso preceito: A cada um se-
gundo suas obras! Reconhecemos até que, de maneira geral, a li-
berdade é um instrumento delicado, cujo manuseio deve ser apren-
dido e exercido pelos nossos filhos; toda aeducação moral deve-
ria ser orientada nesse objetivo. Vê-se que a matéria não faltará
para nossa atividade. Mas, se é certo que precisaremos, doravante,
nos propor novos fins além daqueles que foram atingidos, seria
insensato renunciar aos segundos para melhor perseguir os primei-
ros: pois os progressos necessários são possíveis somente graças
aos progressos efetuados. Trata-se de completar, de estender, de
organizar o individualismo, não de restringi-lo e de defendê-lo.
Trata-se de utilizar a reflexão, não de lhe impor silêncio. Somente
ela pode nos ajudar a sair das dificuldades atuais; não percebemos
o que poderia substituí-la. Entretanto, não é meditando sobre a
Política tirada da Escritura santa que encontraremos os meios de or-
ganizar a vida econômica e de introduzir mais justiça nas relações
contratuais!
Nessas condições, o dever não aparece já traçado? Todos aqueles
que acreditam na utilidade, ou até mesmo simplesmente na neces-
sidade das transformações morais realizadas há um século, têm o
mesmo interesse: devem esquecer as divergências que os separam
e reunir seus esforços para manter as posições conquistadas. Uma
vez a crise atravessada, será certamente oportuno lembrar-se dos
ensinamentos da experiência, para não cair novamente nessa ina-
ção esterilizante da qual carregamos atualmente a pena; mas isso, é
a obra de amanhã. Para hoje, a tarefa urgente e que deve passar
antes de todas as outras, é de salvar nosso patrimônio moral; uma
vez que estiver em segurança veremos em fazê-lo prosperar. Que
o perigo comum nos sirva ao menos para sacudir nosso torpor e
a nos fazer retomar gosto pela ação! Com efeito, já vemos pelo
país iniciativas que despertam, boas vontades que se procuram.
Que venha alguém que os reagrupe e os conduza ao combate e
talvez a vitória não demore. Pois o que deve nos tranqüilizar em
certa medida, é que nossos adversários são fortes apenas por nos-
sas fraquezas. Eles não têm nem essa fé profunda nem esses ardo-
res generosos que levam irresistivelmente os povos às grandes rea-
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Documenta.
ções como às grandes revoluções. Não pensávamos em contestar
sua sinceridade! Mas como não perceber tudo aquilo que sua con-
vicção tem de improvisado? Não são nem apóstolos que deixam
transbordar suas cóleras ou seu entusiasmo, nem eruditos que nos
tragam o produto de suas pesquisas e de suas reflexões; são letra-
dos, cujo um tema interessante os seduziu. Portanto, parece impos-
sível que esses jogos de diletantes tenham sucesso para reter muito
tempo as massas, se soubermos agir. Mas, igualmente, que humi-
lhação se, não tendo que lidar com parte mais forte, a razão aca-
basse perdendo, mesmo que temporariamente!
Jean Jaurès
As Provas
Caso Dreyfus
(1898)
Prefácio
Reúno neste volume, os artigos publicados na Petite République,
sobre o caso Dreyfus. Antes de tudo, quero agradecer aos leitores
do jornal que possibilitaram que entrasse detalhadamente em um
caso complicado e que aceitaram me seguir em deduções relativa-
mente extensas.
Evidentemente, o proletariado não quer mais se ater a fórmulas
gerais. Tem, sobre a evolução da sociedade, uma concepção de
conjunto; e a idéia socialista aclara a sua frente o caminho. Ele quer,
no entanto, também conhecer a fundo e até as mínimas engrena-
gens, o mecanismo dos grandes eventos. Sabe que se não desenre-
da as complexas intrigas da reação, fica a mercê de todas as menti-
ras demagógicas: e ele acaba de revelar a medida de sua força
intelectual desvendando um complô, em que Rochefort era o re-
presentante do abade Garnier.
Apreender a direção geral do movimento econômico que se
dirige ao socialismo e penetrar pela análise o detalhe da realidade
complexa e movente, eis, para o proletariado, o inteiro pensamen-
to. E, doravante, em todas as grandes crises nacionais, será preciso
contar com ele.
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Documenta.
Um primeiro e grande resultado foi atingido. O processo de
revisão está iniciado e a corte de cassação foi acionada com o
dossiê do caso. Mas a luta não terminou: e haveria extremo perigo
em adormecer-se. Os homens que tramaram o abjeto processo
contra Picquart para impedir a abertura da revisão, recorrerão sem
dúvida às mais audaciosas tentativas, às mais criminais, para bara-
lhar e deturpar a revisão iniciada, para desconcertar e desorientar a
opinião. Desarmar-se enquanto eles procedem às mais suspeitosas
manobras, seria trair a verdade mais uma vez. Seria trair igualmen-
te a classe trabalhadora sobre a qual a forte reação militar esgotaria
suas vinganças. Portanto, a batalha continua.
Não é que não tenhamos nenhuma razão precisa para pôr em
dúvida, no caso Dreyfus, a boa fé e a coragem da corte de cassa-
ção. É possível que ela entenda a importância de seu dever e de seu
papel, que queira declarar a verdade, revelar todos os crimes e
todas as vergonhas, corrigir os erros e rejeitar as violências da jus-
tiça militar. Mas também é possível que se embata a rudes obstácu-
los e que seu vigor desfaleça. Ela encontrará a sua frente duas difi-
culdades principais. Primeiramente, o terreno do caso Dreyfus está
como que congestionado por decisões judiciárias absurdas e iní-
quas, que podem parar ou atrapalhar, ao menos, o andamento da
investigação. Esterhazy foi absolvido depois de uma verdadeira
comédia judiciária; mas, enfim, foi absolvido e é, sem dúvida, ina-
propriado chamá-lo novamente para se explicar. A câmara das
acusações absolveu Esterhazy, du Paty de Clam e a Senhora Pays,
apesar das esmagadoras incriminações da informação Bertulus, pela
falsificação Speranza; a corte de cassação, apesar de ter desacredi-
tado esses estranhos pareceres; foi no fundo obrigada a confirmá-
los e, mesmo que, para a falsificação Blanche uma trilha permane-
ça aberta aos processos, um grande bloco obstruí o longo cami-
nho.
Enfim, a autoridade militar apossou-se do coronel Picquart por
um processo jesuítico, mas que talvez não seja literalmente ilegal.
Ela tentará, sem dúvida, pelo “petit bleu”, reter para si o caso Dreyfus,
e opor à revisão a condenação criminal, mas legal, do coronel Pic-
quart, estrangulado entre quatro paredes.
No terreno que a corte de cassação deve vasculhar, não há um
único fragmento de verdade que não seja encoberto por uma
mentira judicial. A corte de cassação terá a coragem de romper
com essas mentiras legais para procurar a verdade? Poderá conci-
liar a função legal que lhe é designada pelo Código com a função
quase revolucionária que lhe delegam os eventos?
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Documenta.
Ela é a guardiã da lei: ora, a lei trabalhou até aqui nesse caso, por
uma aplicação monstruosa, contra a verdade.
A corte de cassação poderá restabelecer a verdade sem
contrariar a lei? E como desemboscará Esterhazy e du Paty dos
abrigos legais que a traição governamental estabeleceu para o es-
pião e o falsário? Eis a primeira dificuldade.
Há uma outra. A corte de cassação descobrirá certamente, em
sua investigação, terríveis verdades. É impossível que a extensa série
de falsos produtos pelos escritórios da guerra possa ter sido fabri-
cada sem a cumplicidade, ou ao menos sem a complacência dos
grandes chefes. Além do mais, o delito do general Mercier é certo,
por ter comunicado aos juízes, em violação da lei, peças desconhe-
cidas do acusado e retirando até essas peças a um outro dossiê que
o do caso Dreyfus. Sobre o general Mercier pesam, portanto, as
responsabilidades mais graves.
A corte de cassação terá a energia para atacar os grandes chefes,
os grandes culpados? E sabendo que, para eles a luz seria mortal,
ousará tudo elucidar?
Mais uma vez, não há nas minhas palavras nenhuma intenção
ofensiva contra a corte de cassação. É possível que ela se eleve
acima de qualquer temor, acima de qualquerfalsa prudência e que
tenha a absoluta coragem da absoluta verdade.
Digo apenas que os prolongados crimes do alto exército e
a longa seqüência de mentiras judiciais criaram uma situação tão
terrível que talvez, atualmente, nenhuma força organizada da soci-
edade possa resolver o problema sem o fervoroso concurso da
opinião.
Qual a instituição que permanece em pé? Foi demonstrado que
os conselhos de guerra julgaram com a mais deplorável parcialida-
de; Foi demonstrado que o Estado Maior cometeu abomináveis
falsificações para salvar o traidor Esterhazy e que o alto exército
comungou, com todo tipo de falsificações, da traição.
Foi demonstrado que os poderes públicos, por ignorância ou
covardia, foram, durante três anos, arrastados pelo reboque da
mentira.
Foi demonstrado que os magistrados civis, do presidente Dele-
gorgue ao procurador Feuilloley, se esforçaram, por artifícios de
processo, a encobrir os crimes militares.
E o sufrágio universal em si soube apenas e demasiada-
mente, em sua expressão legal e parlamentar, até o clarão do golpe
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Documenta.
de lâmina, entregar às mentiras e ao falso a investidura nacional.
Sim, qual é a instituição que permanece em pé? Resta apenas
uma: é a França. Ela foi surpreendida um momento, mas reagiu e
mesmo se todas as tochas oficiais se apagam, seu claro bom senso
ainda pode dissipar a noite.
É ela e apenas ela que fará a revisão. Entendo, então, que
os órgãos legais, a corte de cassação, os conselhos de guerra são
doravante incapazes da verdade absoluta, se a consciência francesa
não exigir diariamente toda a verdade.
Eis porque, bem longe de desarmar hoje os cidadãos que
iniciaram o combate contra as violências e as fraudes da justiça
militar, devem redobrar seus esforços para despertar e aclarar o
país. Eis porque também nós persistimos em fornecer ao proleta-
riado os elementos de discussão e de prova que recolhemos.
Muitos de nossos adversários da primeira hora aceitaram nos
dizer que tinham ficado abalados por nossa demonstração. Mas há
sempre uma dúvida que os assalta: Como será possível, dizem, que
sete oficiais franceses tenham condenado um outro oficial sem
provas decisivas? Na verdade, um argumento tão geral excluiria a
priori qualquer erro judiciário. Mas é falso que haja sempre e em
todo caso entre oficiais essa estreita solidariedade.
Sim, quando devem se defender contra civis ou contra simples
soldados, formam um bloco. Mas há entre eles terríveis rivalidades
de carreira, de amor próprio e de ambição. Quantas vezes, no
campo de batalha, até mesmo os generais traíram uns aos outros,
para não deixar para um rival todo o resplendor da vitória!
Ora, há alguns anos, havia implacáveis lutas de clã no exército.
O partido clerical, tendo perdido durante o período republicano
da República a direção das administrações públicas, dos serviços
civis, tinha se refugiado no exército. Ali, as antigas classes dirigentes,
os descendentes do exército de Coudé se agrupavam em uma cas-
ta altiva e fechada. Ali, a influência dos jesuítas, recrutadores paci-
entes e sutis do alto exército, se exercia soberanamente. Fechar a
porta ao inimigo, ao republicano, ao dissidente, protestante ou ju-
deu, tinha se tornado a palavra de ordem.
Há alguns anos, a imprensa católica assinalava o número cres-
cente dos judeus que pela Escola politécnica ou a Escola de Saint-
Cyr ingressavam no exército. Drumont tinha iniciado uma espécie
de guerra civil contra os oficias judeus.
Ora, eis que um judeu, o primeiro de sua raça, penetra no Esta-
do Maior, bem no coração do lugar. Depois dele, outros virão
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Documenta.
sem dúvida: e no antigo domínio que se reservava a aristocracia
excluída por um período de suas funções, eis que um intruso vem
se instalar.
É preciso fazer cessar rapidamente o escândalo. A princípio
vagos rumores, teorias gerais são propagadas: por qual imprudên-
cia a nação francesa acolhe, no cerne de sua instituição militar, a
raça maldita, o povo de traição que, não podendo mais crucificar
Deus retirado das alturas, vai crucificar a Pátria? E tão logo no
Estado Maior evasões de documentos são constatadas, é em dire-
ção do judeu que se voltam secretamente os olhares:
Ah! Que sorte se fosse ele! Ah! Que favor da Providência, que
graça divina se o primeiro judeu maculasse, apenas por sua presen-
ça, o santuário do Estado Maior: a traição havia se alojado! Por ele
e nele todos os outros seriam desacreditados para sempre.
Assim, quando du Paty de Clam constata entre a escritura
do bordereau e a escritura de Dreyfus algumas vagas analogias, todas
essas raivas malevolentes, tendo encontrado seu centro, se precipi-
tam e se organizam. É a repentina cristalização do ódio.
Em que medida du Paty de Clam e Henry, os dois líderes do
processo Dreyfus foram eles mesmos enganados por essa influên-
cia? Houve da sua parte complacência ardente no preconceito ge-
ral? Ou será por parcialidade, em plena consciência, que eles assal-
taram o inocente? Certamente, nós o saberemos somente quando
a investigação for levada a fundo: Ainda nos é impossível saber
qual foi a parte da influência meio voluntária, qual foi a parte de
cálculo celerado.
Mas o que é seguro desde já é que, nos escritórios da guerra, os
corações e os cérebros estavam, há muito, prontos para a conde-
nação do judeu. Eis, sem dúvida, a principal causa do erro.
Mas ela não bastava. Foi preciso ainda a ambiciosa tolice de um
ministro medíocre e orgulhoso. O general Mercier, a princípio he-
sitante, foi aos poucos influenciado por um sistema combinado de
elogios e ameaças.
Esse pobre espírito presunçoso pretendia, “com seu faro de
artilheiro”, resolver sem estudo, os problemas técnicos mais árdu-
os, exaltados na Câmara pelos aplausos que seguiram sua fala ba-
nal. Ele acreditou que podia, através do caso Dreyfus, ter um gran-
de papel: Dominar os judeus, salvar a França das condutas de trai-
ção, conquistar as boas graças da Igreja e o apoio de Rochefort, era
novamente construir, sobre uma base mais sólida, a fortuna de
Boulanger. Quando seus próximos do clero viram que ele sorria
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Documenta.
ao pensar nisso, ele os sacudiu comunicando aos jornais o nome
do oficial prevenido. Mais tarde, o Eclair gabou-se de que foi pre-
ciso conseguir com muita insistência seu assentimento. Mas quando
se decidiu, quando foi entregue à Libre Parole, quando pôs toda sua
fortuna ministerial nessa carta, a todo custo, quis ganhar a partida.
Se acrescentarmos a isso a tolice de todo o pessoal judiciário
do exército, lembrarmos da lamentável imbecilidade de Besson
d’Ormescheville e de Ravary, compreenderemos que nesses cére-
bros fatigados, o erro mais grosseiro possa ter germinado.
E por uma sorte de fatalidade, aconteceu que no conselho de
guerra que deve julgar Dreyfus, não há nenhum oficial de artilharia.
Talvez um oficial da artilharia pudesse ter feito observar aos juízes
que o bordereau continha detalhes inaplicáveis a um artilheiro. Há
notadamente a respeito do freio hidráulico, substituído pelo autor
do bordereau pelo freio hidropneumático, um erro que um oficial
de artilharia não poderia ter cometido.
Ninguém, no conselho, pôde avisar os juízes. E estes, deliberan-
do sob a comunicação imperativa de peças secretas, condenaram
como na manobra.
Assim, longe de nos espantarmos com a condenação de Dreyfus
inocente, tantos erros e crimes colaboraram para sua perda que
teria sido milagre que escapasse.
Como aqueles que se espantam da condenação de Dreyfus não
acham mais estarrecedor que em pleno século XIX, em meio à
França republicana, sob um regime de opinião pública e de con-
trole, o Estado Maior possa ter acumulado em segredo, durante
três anos, os crimes quea confissão de Henry rebentou à luz do
dia? Sim, durante três anos, como em um antro profundo e inaces-
sível à luz, o alto exército da França pode fabricar falsificações,
proceder a todo tipo de manobras mentirosas, e talvez até de se
livrar, pelo crime, de Lemercier-Picard e de Henry, e foi preciso, se
posso dizer assim, um acidente, uma luz inesperada, para que esse
procedimento rotineiro de celerado fosse suspeitado pelo país.
Sob a República francesa, com o governo parlamentar,
com a liberdade da imprensa e da tribuna, os obscuros crimes das
repúblicas italianas, assassinas e envenenadoras, puderam continuar
durante três anos. Esta guerra se assemelha, com seus documentos
falsos, à reprodução da guerra malevolente com taças envenena-
das que praticavam os Italianos dos séculos XV e XVI. Eis o estra-
nhamento, eis o surpreendente e não que Dreyfus inocente tenha
sido condenado.
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Documenta.
É preciso, portanto, apartar esse tipo de preconceito e olhar
diretamente os fatos. Ora, pelo exame dos fatos, é certo que Dreyfus
é inocente. Os dirigentes puderam afirmar sua culpabilidade. En-
quanto o fizeram em termos gerais, sua afirmação escapava a qual-
quer discussão. Mas assim que tentam precisar e produzir uma prova,
esta prova rui. Todas as vezes que recorrem ao famoso dossiê, é
para fazer surgir à superfície do poço misterioso ou uma tolice ou
uma falsificação.
Será preciso crer que um feitiço lhes foi lançado? Todos os
bordões sobre os quais se apóiam se partem entre suas mãos; é
madeira podre. E quando a revisão for feita, quando o processo
reiniciar à luz do dia, será difícil, ou melhor, será impossível para o
Estado Maior levantar um ato de acusação e afundar-se-á no nada.
Assim, agora desesperado para encontrar acusações sérias con-
tra Dreyfus, o alto exército tenta, com ajuda da fraqueza dos go-
vernantes e a cumplicidade malévola do Elysée, uma diversão su-
prema buscando desonrar e desgraçar o coronel Picquart.
Daí, a monstruosa acusação de falsificação levantada contra ele
a respeito do “petit bleu”. Com antecedência, na seqüência mesmo
dos artigos reunidos hoje nesse volume, nós respondemos a essa
acusação. Acrescento apenas, nesse curto prefácio, que essa maqui-
nação malévola foi preparada há muito tempo. Evidentemente, o
próprio Estado Maior a acha arriscada. Enquanto esperançava que
poderia salvar-se e impedir a revisão sem recorrer a essa suprema
malevolência, ele a adiou e foi somente quando a revisão ameaça-
dora já pairava sobre si, que atacou nesse lance desesperado.
Mas há muito o meditava e preservava. Há muito, os dois falsá-
rios, Henry e du Paty, preparavam contra Picquart a acusação de
falsificação.
Ela se torna pública primeiramente na carta que Henry es-
creve ao coronel Picquart em junho de 1897, e na qual fala da
“tentativa de subornar dois oficiais do serviço para fazer-lhe dizer
que um documento classificado no serviço, era da escrita de uma
personalidade determinada.” Henry que já havia confeccionado a
falsa carta contra Dreyfus preparava naquele momento falsos tes-
temunhos contra Picquart.
As deposições de Lauth, tão pérfidas e tão incoerentes, carre-
gam a marca de uma influência incompleta.
Em seguida, em novembro de 1897, é a falsa notícia Blanche
em que Esterhazy e du Paty dizem ao coronel Picquart : “Temos
provas que o ‘bleu’ foi fabricado por Georges.” Assim, é a partir de
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Documenta.
uma falsificação que a acusação de falsificação começa a provar: é
uma falsa peça que serve de berço à mentira ainda balbuciante.
Mas a partir de então, contra os mentirosos e os falsários, se eleva
essa terrível questão: Como não denunciaram oficialmente, desde
a primeira hora, o coronel Picquart?
No processo Esterhazy, em janeiro de 1898, quando é preciso
a todo custo salvar o cavaleiro, o ilustre Ravary, em seu relatório,
tenta lançar a dúvida sobre a autenticidade do “petit bleu”. Mas a
questão aqui é mais urgente ainda: Esterhazy é acusado de traição.
O antigo chefe do serviço de informações pretende ter recebido
de seus agentes uma peça que estabelece relações suspeitas entre
Esterhazy e Sr. de Schwarzkoppen.
Se essa peça é falsa, Esterhazy é vítima da mais abominável
maquinação. Se é autêntica, há contra ele uma presunção grave. O
primeiro dever dos investigadores e dos juízes é, portanto, esclare-
cer a autenticidade do “petit bleu”. Mas não, eles se contentam com
insinuações pérfidas. Não ousam denunciar formalmente como
falsa uma peça que sabem autêntica. Eles se limitam em desacredi-
tar por insinuações. Jamais maquinação mais celerada se espalhou
tão cinicamente.
Assim esperaremos, para discutir novamente e mais a fundo
essa miserável acusação, saber se o Estado Maior persiste nessa
manobra. É tão repugnante de engajar uma discussão séria com os
organizadores de uma cilada, que adiaremos a nova discussão de
fundo que poderíamos produzir.
Seria fácil demonstrar pelas próprias palavras do Sr. Lauth, a
falsidade de várias partes de seu testemunho e a autenticidade do
“petit bleu”. Mas nos agrada esperar que o Estado Maior produza
novas peças falsas que sem dúvida confeccionou para essa tentati-
va suprema.
A esta hora, nos basta advertir mais uma vez os cidadãos para
que não permitam que o coronel Picquart seja julgado às escuras.
Que o acusem em pleno dia; não pedimos outra coisa e temos a
certeza que a infâmia desses acusadores rebentará. Não mais qua-
tro paredes! Eis a palavra de ordem dos republicanos, das pessoas
honestas. Que seja nosso grito de guerra! E apenas pela força da
luz, venceremos. E nossa grande França generosa enfrentando mais
uma vez as potências da reação e do escuro, obterá reconhecimen-
to do gênero humano.
JEAN JAURES. 29 de setembro de 1898.
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Documenta.
Neste ano, completam-se 110 anos da virada jurídica do Affaire
Dreyfus. E a seção Documenta da Revista de Direito do Cesusc ocu-
par-se-á com essa que foi, muito provavelmente, a disputa jurídica
mais publicizada durante o século dezenove no mundo ocidental.
O episódio inicial dessa disputa foi a condenação, por alta trai-
ção, de um oficial judeu de alta patente do exército francês, o capi-
tão Alfred Dreyfus (1859 – 1935). A partir da suspeita de espiona-
gem em favor do serviço secreto alemão, Dreyfus foi acusado,
ainda em 1894, de ser o autor anônimo de um documento, uma
folha, conhecida apenas como bordereau (memorando), que supos-
tamente conteria informações sobre as posições militares dos fran-
ceses em área de fronteira com a Alemanha. De suspeito, Dreyfus
rapidamente se tornou condenado. Sofreu degredação pública, em
ato constituído pelo alto comando do Estado-Maior, e foi rapida-
mente transformado em manchete nacional como atesta a primei-
ra página do Le Petit Journal de 13 de janeiro de 1895: Le Traite:
Dégradation d´Alfred Dreyfus. Na seqüência, Dreyfus foi encerrado na
Ilha do Diabo (Guiana Francesa) para cumprir pena de prisão per-
pétua. Finalmente, os enfrentamentos no campo jurídico-político
se arrastaram até 1906, ano em que Dreyfus foi reconduzido, com
glórias militares, à patente militar que havia perdido anos antes.
O Caso Dreyfus se tornou notório ao ganhar as páginas de
jornais do mundo, e os anos de 1898 e 1899 foram decisivos para
a conquista dessa expressão internacional. Mais precisamente em
janeiro de 1898, Emile Zola, já um ilustre escritor amigo do povo,
após várias tentativas de sensibilização da opinião pública, conquis-
tou a atenção esperada ao publicar na capa de um dos principais
jornais da época (L´Aurore) o panfleto J’Accuse. O ataque desferi-
do foi estrategicamente endereçado ao Presidente da República,
Félix Faure (1841-1899) e logo se tornou uma das principais peças
publicitárias, juntamentecom os editoriais de Clémenceau a justifi-
car uma nova onda de interesse público sobre o Affaire. Parte
expressiva da intelectualidade francesa aderiu à defesa de Dreyfus e
esta adesão militante inaugurou o surgimento de dois grandes
movimentos de idéias e propaganda: os dreyfusards, predominante-
Affaire Dreyfus,
Direitos Humanos e o
Individualismo Moderno
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Revista de Direito
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Documenta.
mente associados à esquerda, às forças progressistas e anticlericais,
e os anti-dreyfusards, claramente conservadores, militarizados e liga-
dos à igreja. Panfletos, artigos de revista, matérias de jornal, concla-
mações, discussões acaloradas, brigas de patifarias, ameaças, pri-
sões e outros vários expedientes teatralizantes tornaram-se corri-
queiros, tendo como palco a rua, os Liceus, os Salões, os Cafés, as
reuniões de família, enfim, os espaços de realização da vida ordi-
nária do País.
A exarcebação passionalista desse momento eternizou o Affaire
Dreyfus, e um caso que durante três anos havia sido visto com certo
distanciamento pela opinião pública francesa e européia se tornara
então, de uma hora para outra, um devorador de rotinas institu-
cionais e pessoais de toda uma nação. O novo campo de eventua-
lidades, a nova regra passou a ser combater os amigos de Dreyfus
através de manobras políticas, jurídicas e de propaganda. Viva o
Exército! Viva a França! anunciava um panfleto de autoria creditada
a certo Grupo Patriótico de Toulouse, ligado ao Comitê Nacionalista. Outro
Panfleto expunha em letras garrafais: Dreyfus é um Traidor! Viva a
República! Abaixo os traidores! E em meio a essas expressões nacio-
nalistas figuravam as fotos dos amigos da França e da República,
General Mercier, o Ministro de Guerra Cavaignac, o General Zur-
linden, o General Billot e o General Chanoine.
Todavia, a resposta adversária não deixava para menos. Em
claríssimo ato de reivindicação do espírito da nação, um panfleto
editado exatamente como o dos oponentes espetacularizava: Dreyfus
é Inocente! Viva a França! Viva a República! Viva o Exército! Abaixo os
traidores! E aqueles que se anunciavam como os defensores do Di-
reito, da Justiça e da Verdade eram destacados por fotos tão bem
produzidas quanto o de seus inimigos anti-dreyfusards. Eram eles:
Zola, Scheurer-Kestner, Clémanceau, Yves Guyot, Reinach, Laza-
re, Labori, Pressensé, Jaurès e ao centro, o Coronel Picquart. Ou-
tro exemplo notório foi o surgimento do Manifesto dos Cento e Qua-
tro, uma espécie de panfleto que trazia em seu cabeçalho os dizeres:
Os assinantes protestam contra a violação das formas jurídicas do processo de
1894 e contra os mistérios que cercam o caso Esterhazy [grifo nosso] e
persistem na reivindicação da revisão. Entre os vários estudantes, profes-
sores e personalidades da vida política e cultural francesa figura-
vam nomes como o de Émile Durkheim, Charles Péguy, Émile
Duclaux, Célestin Bouglé, e Lucien Herr.
E os desgraçados... quem são? Além do próprio Dreyfus, e o
coronel Picquard, Zola, e a família de Dreyfus, além de vários
outros dreyfusards que tocaram diretamente nas feridas do Affaire.
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Do outro lado, mas partilhando do mesmo palco diabólico, o ge-
neral Du Paty de Clam, o major Walsin-Esterhazy, o general Mer-
cier, o tenente-coronel Henry e vários outros oficiais do Estado-
Maior levados por culpa, orgulho, medo ou ingenuidade ao olho
do furacão.
Dreyfus, traidor da Nação ou o maior exemplo de injustiça
contra os Direitos Humanos proporcionada por uma das princi-
pais Repúblicas Livres do mundo civilizado? Ainda que assuma-
mos hoje uma irresistível vocação cosmopolita por conta do virtu-
alismo da internet e do baratemaento e popularização dos trans-
portes intercontinentais, não me sinto necessariamente autorizado
nem interessado na emissão de uma resposta que seja favorável ou
contrária a qualquer dos partidários mortos ou vivos que disputa-
ram ou ainda disputam o Affaire Dreyfus. Mesmo que hoje a mesma
tecnologia que nos permite falar sobre a crise do oriente médio
com certa intimidade e autoridade de quem, diante de uma tela de
computador, se sente verdadeiramente lá, seja a mesma tecnologia
que pode nos tornar espectadores privilegiados dos eventos signi-
ficantes da Terceira República Francesa, é preferível deixar essa que-
rela novecentista para os franceses e seus inimigos. O mesmo im-
pulso que nos faz assinar feeds de sites e blogs do planeta inteiro que
digam mais dos lugares que gostaríamos de estar e não podemos,
produz o efeito reverso, e nos atinge em cheio no sentimento de
que eventos tão significantes como aqueles vistos no Iraque do
século vinte e um ou da Paris do final do século dezenove também
ocorrem ou ocorreram aqui ao nosso lado, e precisam de uma
capacidade de redescrição, mesmo que retórica, para que nos seja
possível requerer algumas lições válidas se o que se coloca à frente
nos exige melhores respostas diante do que podemos considerar
perigoso.
Em todo o caso, talvez a razão arendtiana (alguns dirão, razão
cética ou ainda cínica) nos informa melhor sobre uma terceira
forma de posicionamento em relação aos ensinamentos desse caso.
Ao que me parece, algumas rápidas e brilhantes passagem das Ori-
gens do Totalitarismo, livro de Hannah Arendt de 1949, podem tra-
duzir e encerrar o Affaire Dreyfus como nenhum outro foi capaz de
fazê-lo. Valem as citações:
[...] Dreyfus nunca foi absolvido de acordo com a lei, e o processo Dreyfus
nunca foi realmente encerrado. A reintegração do acusado nunca foi reconhecida
pelo povo francês, e as paixões originalmente suscitadas nunca se acalmaram
inteiramente.
[...] o próprio Dreyfus, na verdade um arrivista, que se gabava junto aos
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seus amigos que altas somas da fortuna da família ele gastava com as mulheres;
os seus irmãos, pateticamente oferecendo de início toda a sua riqueza, e depois
reduzindo a oferta a 150 mil francos, para a soltura do parente, sem nunca
revelarem ao certo se desejavam fazer um sacrifício ou simplesmente subornar o
Estado-Maior; [...] há o aventureiro Esterhazy, de antiga linhagem, tão com-
pletamente entediado por esse mundo burguês, que buscava alívio tanto no hero-
ísmo quanto na velhacaria. [....] o que o levou à ruína não foi a traição nem o
sonho ardente de uma grande orgia em que 100 mil ulanos prussos, embriaga-
dos, cavalgariam furiosos através de Paris, mas sim o reles desfalque do dinheiro de
um parente. E o que falar de Zola, com seu apaixonado fervor moral, sua atitude
patética um tanto fútil, e a sua declaração melodramática, à véspera da fuga para
Londres, em que diz ter escutado a voz de Dreyfus implorando-lhe esse sacrifício?
Ao fim das contas, Hannah Arendt, parece tomar algum parti-
do do caso e justifica:
Dreyfus podia ou devia ter sido salvo apenas à base de uma coisa. As
intrigas de um Parlamento Corrupto, a estéril podridão de uma sociedade em
colapso e a sede de poder do clero deveriam ter sido enfrentadas diretamente pelo
austero conceito jacobino de uma nação baseada nos direitos humanos - essa
visão republicana da vida comunal que afirma que (nas palavras de Clemen-
ceau), quando se infringem os direitos de um, infringem-se os direitos de todos.
Confiar no Parlamento ou na Sociedade era perder a luta antes de começá-la.
“Finalmente, Clémenceau convenceu Jaurès de que a violação dos direitos
humanos de um homem era a violação dos direitos de todos. [....] É verdade que
tantos os discursos de Jaurès como os artigos de Clémenceau cheiravam à antiga
paixão revolucionária pelos direitos humanos. Também é verdade que essa pai-
xão era suficientemente forte para reagrupar o povo na luta, mas antes tiveram
de convencer-se de que o que estava em jogo não era somente a justiçae a honra
da república, mas também seus próprios interesses de classe.
Esse esquema de análise possui algumas sutilezas que merecem
ser aqui discutidas, mesmo que brevemente. Em primeiro lugar,
Hannah Arendt mantém seu argumento muito próximo do modo
como o profere uma importante testemunha ocular do caso, e
falamos de Émile Durkheim. Como se verá no documento que
abre essa seção Documenta, L’individualisme et les intellectuels justifica
uma crítica ao conceito de individualismo cosmopolita em Kant e
Rousseau, mas como forma menos nociva e descartável, se com-
parada como o tipo de individualismo radical dos utilitaristas ou
dos economistas políticos. Ainda que para Durkheim fosse neces-
sária uma completa revisão da moral social em França naquele
momento para que se pudesse acabar com o estado de anomia em
que a sociedade se encontrava, os direitos humanos deveriam ser
defendidos como uma espécie de mínimo ético. Mas Durkheim,
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como se poderá ver trata de questões como liberdade, verdade e
justiça, desde uma perspectiva intencionalmente abstracionista. Mal
faz referência aos personagens do Affaire, ou melhor, nem cita o
nome Dreyfus. Hannah Arendt, por sua vez, teoriza, mas historici-
za, fazendo questão de citar fatos, coisas, pessoas e lugares e com
isso, obviamente, gera um efeito analítico muito mais ácido.
Assemelha-se muito ao pessimismo reticente de Durkheim ao
enfatizar os fracassos da Terceira república, mas do mesmo modo,
sugere uma discreta satisfação pelo fato de homens como Clé-
menceau e Jaurès terem sido, mesmo que pateticamente, tão obsti-
nados com o destino jurídico, político e universalista que tão bem
poderia ter rapidamente colocado um fim àquela comédia de lon-
gos anos. Diz Arendt:
O que mais nos perturba no caso Dreyfus é que não foi apenas a ralé que
teve de agir com métodos extraparlamentares. Toda aquela minoria, embora
lutasse como lutava pelo Parlamento, pela democracia e pela república, era
também forçada a travar sua luta fora da Câmara. [...] Em outras palavras,
toda a vida política da França durante a crise Dreyfus se passou fora do
Parlamento.
A decepção com tantos lances desmedidos, ardilosos, tanta cor-
rupção, manipulação e teatralismo que redundou num pedido de
clemência do próprio Dreyfus em 1901, e a restitutição do Estado
Militar como um poder em exercício muito maior do que a pró-
pria França fez com que Arendt, que lá no fundo poderia ter rea-
firmado a maturidade dos valores democráticos de um poderoso
Estado de Direito, produzisse uma peça de análise política tão cru-
amente realista e mordaz. Eis a mão do pai que acaricia cessando
de bater num filho que, por sua vez, assume a sua própria covardia
ao deixar de enfrentar a tirania de um ilegítimo pátrio poder, como
muitos fizeram. Ao final das contas, ao redor do pai, nenhum dos
filhos, mesmo que fossem titânicos, possuíam a coragem de en-
frentar tal força. A política, a disputa se fez em meio ao Tártaro.
Povo, ralé, clérigos, parlamentares, militares, militantes, professores
e intelectuais, jornalistas, operários, juizes, compuseram uma fração
do mínimo necessário para evitar o total fiasco.
Por fim, os documentos que agora apresentamos ao leitor so-
mam um diálogo com aqueles que vêem incompatibilidade entre
a crítica dos Direitos Humanos e a reivindicação de sua validade,
como hoje nos reportamos, através de sua expressão como con-
junto de leis e ferramentas jurídicas eficaciais de um verdadeiro
Estado de Direito.
É Durkheim que irá sugerir que se não é possível tratar cientifi-
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camente todos os complexos fenômenos sociais, que ao menos se
garanta a compreensão de que o individualismo, (aquele gasto con-
ceito que remonta a Kant e Rousseau e que foi a bandeira ideoló-
gica do jacobinismo) além de não ser mera anarquia seria o único
sistema de crença capaz de gerar a unidade moral do qual estava
necessitando a França. Mesmo que essa afirmação nos pareça in-
coerente se a opusermos com conceitos durkheiminianos como
os de solidariedade orgânica e representações coletivas, devemos
ser pacientes e seguir com a leitura que nos indica que Durkheim
defende a idéia de uma Religião civil, capaz de expressar um con-
junto de crenças e de práticas coletivas que partem de uma autori-
dade coletiva. Além disso, sabemos pela obra de Durkheim, que
nenhuma das tradicionais instâncias institucionais da sociedade con-
seguiria ou teria legitimidade para incorporar tal autoridade. Nem
a igreja, nem o exército, a família ou a moderna indústria, muito
menos o indivíduo ou o Estado. Seriam as corporações profissio-
nais, e mais precisamente a moderna divisão do trabalho social,
que poderiam servir como modelos aproximativos da possibilida-
de de se ver e compreender o indivíduo e o individualismo como
sinônimo de humanidade e humanitarismo. Com a divisão de
trabalho [...] cada espírito se encontra voltado em direção a um ponto diferente
do horizonte, refletindo um aspecto diferente do mundo e, portanto, o conteúdo
das consciências difere de um sujeito para o outro. Ora, Durkheim acalenta
a esperança de que, uma vez que os indivíduos de um mesmo
grupo social estão fadados, pela complexa divisão de trabalho, a
se desidentificarem cada vez mais uns em relação aos outros, so-
mente lhes restará uma qualidade a ser partilhadas, a de homem,
constituído como pessoa humana em geral. E de forma categóri-
ca, conclui sua crítica à tradição idealista das gerações de Kant e
Rousseau numa precisa abordagem conciliarista. Trata-se, diz Du-
rkheim de [...] estender, de organizar o individualismo, não de restringi-lo e
de defendê-lo.
Esse texto foi publicado em julho de 1898 na Revue Bleue;
logo em seguida, em setembro do mesmo ano, Jean Jaurès coloca-
va nas ruas a volumosa obra Les Preuves, cujo prefácio aqui repro-
duzimos. Com o cuidado de quem está se deslocando por um
campo minado, Jaurès tenta, a todo custo, convencer os vários
segmentos implicados com o Affaire de que na verdade o erro
judiciário pode ser revertido em benefício da própria França. Pro-
letários, (e Jaurès é um dos mais expressivos socialistas franceses) a
Corte de Cassação, a Imprensa, o Parlamento, a França e, sobretu-
do a opinião pública são as alvos da retórica empregada por Jau-
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rès nesse documento. Até mesmo Paty de Clam, Esterhazy e Mer-
cier foram agraciados pelo gesto estrategicamente bem colocado
da dúvida. Os que se mantêm abjetos para Jaurès são aquelas
forças que mais facilmente poderiam ser associadas ao arcaísmo e
ao conservadorismo exacerbado, no caso, o alto comando do exér-
cito e o clero. Ambos facilmente opostos como unidades desloca-
das num Estado que havia completado o seu processo de seculari-
zação. O Les Preuves foi a expressão primeira da necessidade de
transparência aos processos jurídicos. É um dos primeiros textos
coligidos a organizar, constituir corpo e imprimir uma hermenêu-
tica dreyfusista às peças jurídicas, às provas e aos documentos que
foram aparecendo ao longo daquele período. Voilà!
O Editor

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