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do público com informações gerais sobre povos e lugares. Mas os jornalistas acreditam que sites e programas de TV e documentários muitas vezes reforçam o “exótico” e o “estranho”. “O exotismo e a estranheza continuam lá, mas já não basta mostrar os clichês e os fenômenos superficiais. É preciso ir fundo, descrever, narrar o que é realmente único a fim de atingir o universal. Isso torna o desafio do jornalista ainda maior”, diz Moura. Parece consenso que o impresso não tem como concorrer com a internet no quesito velocidade de transmissão. Ricardo Kotscho, da revista “Brasileiros”, acha que impresso e online são mundos distintos, e cada um tem de respeitar “sua própria natureza”. “Reportagens inovadoras e em profundidade ainda são produtos para jornais e revistas. Por experiência própria, textos mais detalhados não funcionam na internet, que é mais fast food. O internauta só costuma ler o título e dois parágrafos e já manda um comentário. Parece mais preocupado em dizer o que pensa do que em ler”. Por outro lado, o potencial da internet ainda está subutilizado. Em termos de multimídia, a produção de “reportagens de imersão” planejadas exclusivamente para o online ainda é tímida no Brasil. A seção Special Report do site Tampabay.com, vinculado ao jornal americano “St. Petersburg Times”, por exemplo, se tornou conhecida pela edição ousada de matérias redigidas com aprofundamento e detalhe, e aproveitando com criatividade todos os recursos de áudio, foto e vídeo à disposição. A internet costuma ser vista também como uma espécie de braço direito da globalização, na medida em que ajuda a tornar próximo o que é distante; fácil o que é complexo; familiar o que é estranho. “Mas é exatamente isto que nos leva a crer que está tudo enfadonho, previsível e até fictício. As coisas humanas são, por natureza, diversas. O jornalismo impresso deve então especializar-se em procurar o que é diferente, o que é rebelde, o que é autêntico, o que é irredutível”, propõe Moura. Atualmente o jornalista pode levar para campo um arsenal de máquinas como laptops, celulares, telefones por satélite, câmeras etc; pode ainda operar essas máquinas com facilidade e rapidez, sem a necessidade de apoio técnico especializado. “Qualquer um pode ir, com um laptop e um celular, por exemplo, para a selva do Congo ou para uma aldeia na Sibéria. Mas só fará um trabalho interessante quem tiver inteligência, cultura e criatividade”, reflete Moura. *Originalmente publicado no “Jornal da ANJ”, edição de junho de 2010 O autor: Sérgio V. Boas é escritor, professor de Jornalismo Literário na ABJL e editor do www.textovivo.com.br Twitter: @Serg_Vilas_Boas GGGOOONNNZZZOOO JORNALISMO SEM AFETAÇÃO Por Gilmar R. Silva tag: reportagem Ele surgiu nos anos 60 , obra do tresloucado jornalista norte-americano Hunter S. Thompson. Misturando ficção com não ficção e colocando o jornalista como personagem e até mesmo protagonista dos acontecimentos relatados, o jornalismo gonzo por muito tempo foi olhado com desconfiança (mesmo hoje ainda é) por grande parte da imprensa. Avesso às convenções, descompromissado com o lead e outros padrões jornalísticos, o gênero é contemporâneo da contracultura e como tal carrega consigo um forte acento dos ideais que acometiam a época de seu surgimento. O jornalista gonzo preza a liberdade de expressão, a experimentação de estados de consciência alterados e, sobretudo, a verdade. Uma verdade livre de caretices e burocracias. Há cinco anos Dr. Hunter, como Thompson era conhecido, colocou um ponto final na própria vida. Deixou para trás um legado irreverente, provocador e verdadeiro. Sem falar no séquito de fãs formado por estudantes de jornalismo que viram na extravagância e nos métodos do pai do gonzo jornalismo uma maneira inovadora e divertida de se contar uma história. Iniciativas tidas como originais na recente história da mídia brasileira, a exemplo do Pasquim, da trupe do Casseta e Planeta, das loucuras de Arthur Veríssimo no Ratinho e mais recentemente o CQC , são exemplos de que Thompson fez escola no Brasil. Mas este e-book busca entender o jornalismo hoje e o bom e velho Gonzo já é um senhor de cinqüenta anos de idade. Um equívoco eu falar do gênero? Não mesmo. Se o gonzo jornalismo já aprontava das suas em períodos conturbados como o da contracultura e da ditadura militar, hoje mais maduro e podendo contar com a liberdade de imprensa e a internet ele anda mais vivo do que nunca. A verdade é que o gonzo jornalismo está por trás de grandes sucessos da web. Dos Quadros do CQC às hilárias entrevistas do programa Sem Meias Palavras, o Gonzo tem bombado no Youtube. Seu sucesso no formato vídeo porém começou nos anos 80. O Brasil ainda se acostumava com a idéia de democracia quando foi agraciado com Ernesto Varella, um repórter irreverente que fazia as perguntas que todo jornalista gostaria de fazer, se tivesse coragem. Vivido por Marcelo Tas na telinha, o personagem era o ponto alto do programa Olhar Eletrônico, na época dirigido por Fernando Meirelles. Varella chamava mais atenção que seus entrevistados. Hoje por sua vez temos o CQC também comandado por Tas, no programa seus repórteres oriundos do mundinho do standup comedy, fazem piada e deixam seus entrevistados sem graça. Mais uma vez o repórter se sobressai ao entrevistado. Então é esse o espírito do gonzo, sobressair-se ao entrevistado ? Errado. O espírito do gonzo jornalismo é exatamente o oposto. A grande sacada de Varella e do CQC não é chamar atenção pra si e sim mostrar o quão comum, cheio de defeitos e até mesmo patéticos podem ser os políticos e celebridades entrevistadas pela mídia. Para revelar a faceta menos glamorosa destes basta fugir do lugar comum, das perguntas batidas. Mas e quando o jornalismo gonzo vai além das tiradas espertas? Quando isso acontece temos experiências muito bacanas no que diz respeito a maneira como estamos acostumados a conferir uma história/reportagem. Arthur Veríssimo no inicio dos anos 90 começou a escrever para a revista Trip, de lá pra cá suas viagens aos mais exóticos cantos do planeta e contato com experiências alucinógenas, espirituais e de comportamento diversas o posicionaram como um dos grandes nomes do jornalismo Gonzo no Brasil, o que já lhe rendeu até mesmo um quadro no popularesco Programa do Ratinho. Ler as aventuras de Veríssimo se passando por um homem placa desses que vendem ouro, um desentupidor de esgotos, um lixeiro ou ler o mesmo descrever suas experiências em rituais como os da ayahuasca ou sobre a mesa de operações de um curandeiro, nos coloca em posição de entender e até mesmo dar mais crédito ao que lemos. E se pra você dar crédito para as alucinações de um repórter após uma experiência alucinógena não parece muito esperto, saiba que não é muito diferente do que cientistas fazem todo dia em seus laboratórios, e você acredita neles não é mesmo? Mas é quando o jornalismo gonzo se coloca a serviço da sociedade que vejo o quão importante ele se faz pertinente nos dias de hoje. A Bandeirantes, atualmente o canal que mais aposta nesse gênero, conta com o programa “A Liga”, nele seus repórteres vivenciam as mais variadas situações, se passam por prostitutas, por moradores de rua, por pacientes psiquiátricos, se misturam a diferentes