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ffiilloossooffiiaa ddaa eedduuccaaççããoo 
 
 
tteexxttoo 44 
AA FFOORRMMAAÇÇÃÃOO DDOOCCEENNTTEE 
ccoonnhheecciimmeennttoo ccoommoo tteeoorriiaa ee pprrááttiiccaa ddaa aauuttoonnoommiiaa 
 
Ninguém ignora a degradante situação em que se mantém a rede pública de ensino do 
país. Apesar, porém, da ausência de investimentos na tão debilitada infra-estrutura material e 
humana das escolas, de todos os obstáculos que o esfacelamento familiar, a violência social 
crescente e o descaso para com a infância acarretam para a socialização dos alunos que ali 
chegam, do acúmulo de problemas provenientes da vida urbana, além das péssimas condições 
que caracterizam a carreira docente – os baixos salários conduzindo à necessidade de 
extenuantes jornadas de trabalho, apesar de todas essas circunstâncias tão agravantes, é em 
geral à frágil formação dos professores que a maioria recorre, quando se trata de buscar as 
responsabilidades pelo fracasso escolar. 
Em razão desse «diagnóstico», multiplicaram-se projetos e ações de formação e 
capacitação de professores, sempre com dinheiro público mas, cada vez mais, a cargo da 
iniciativa privada e de organizações não-governamentais de toda sorte. Em geral, propõe-se aos 
professores a aquisição de novas teorias, métodos e técnicas – que, supostamente, os 
 ffiilloossooffiiaa ddaa eedduuccaaççããoo 
 
 
capacitarão, a partir dali, a responder com êxito aos múltiplos desafios que sua profissão lhes 
impõe. 
O objetivo do presente texto, em uma unidade de nosso Curso dedicada à «Interrogação 
sobre o conhecimento», é justamente o de questionar essa crença tão difundida, nos discursos 
e sobretudo na prática dos cursos e das ações estratégicas de formação docente, de que é o que 
define o bom professor é o aprendizado de um certo número de teorias, de métodos e de 
técnicas escolhidos a dedo pelas autoridades educacionais. 
Pretende-se aqui propor que, mais importante do que conhecer muitas teorias é, para o 
professor, tomar consciência de sua autonomia, de seu poder de criação, já que essa 
consciência é a condição indispensável para que o professor assuma sua própria auto-formação, 
buscando e reivindicando por aquilo que precisa para exercer dignamente sua tarefa. É essa 
consciência, e somente ela, que pode impedir que sua formação (como qualquer outra, aliás) 
seja, na verdade, mais uma etapa de sua alienação como indivíduos e profissionais; e essa 
consciência é exatamente a finalidade maior da prática da reflexão a que a filosofia pode dar 
acesso. 
É claro que essa afirmação toma como base a noção – que vimos procurando 
desenvolver ao longo dos textos 1, 2 e 3 – de que a filosofia pode ser muito mais do que um 
conjunto de textos eruditos de difícil compreensão, ainda que atraentes pelo peso de sua 
autoridade e por sua beleza poética. Ela parte, portanto, da definição de filosofia como prática 
 ffiilloossooffiiaa ddaa eedduuccaaççããoo 
 
 
de reflexão à qual o professor é continuamente convidado em sua existência e muito 
particularmente no exercício de seu ofício. 
Sob essa perspectiva, aquilo que filósofos do passado ou da atualidade puderam pensar 
e produzir em nada desobriga nosso próprio pensamento, antes pelo contrário. Sua 
contribuição é importante e grandiosa na medida e exatamente na medida em que, a cada vez, 
ao invés de se impor como um caminho pronto a ser seguido, ela é apoio e é inspiração na 
busca dos próprios caminhos. E isso porque, na prática docente, mais do que as respostas, as 
questões e os compromissos podem ser compartilhados. E também porque a filosofia é sempre 
um exercício de se colocar no lugar do outro: ela ensina a desconfiar do próprio ponto de vista, 
para buscar a perspectiva do outro, para apropriar-se de sentidos que vêm dos outros: teóricos, 
colegas, alunos… 
Nessas condições, qualquer reflexão sobre a Escola pública, sobre a ação e a formação 
docente deve ter, como referência central, o projeto de autonomia, que sempre é, 
concomitantemente, individual e coletivo. Volta-se, assim, sempre à mesma interrogação: como 
considerá-los face às exigências de um prática autônoma? 
É curioso que o povo que inventou a cidadania – não a palavra, mas a noção – jamais 
elaborou uma teoria acabada sobre ela. Para os atenienses que inventaram pela primeira vez a 
democracia a idéia parecia absurda: a eles, que fizeram da cidadania o objeto de uma constante 
reflexão, jamais ocorreu transformá-la em um saber especializado – para maior desgosto de 
 ffiilloossooffiiaa ddaa eedduuccaaççããoo 
 
 
Platão e sua escola. No entanto, a tese de que se devia reconhecer os filósofos como 
especialistas em política só viu a luz quando a democracia ateniense havia já entrado em 
decadência e a pólis se preparava para ser dominada por outros povos. Pois a democracia 
pregava justamente o contrário: ela se definia como o regime para o qual todos os cidadãos 
deviam ser dados como politicamente iguais, como um regime que não comportava 
«especialistas» em política. 
Todos eram igualmente habilitados para tomar parte nas assembléias, não pelos 
conhecimentos de que dispunham ou pelo diploma que ostentavam, mas pelo simples fato de 
serem cidadãos. A cidadania era, mais do que qualquer outra coisa, definida como uma prática – 
exercício continuado de deliberação, de criação de leis e de instituições, de reflexão e de 
discussão, de muita discussão. 
A cidadania era, como já se disse, pertencimento. Mas não pertencimento a um Estado 
qualquer: pertencimento a uma comunidade política, comunidade de invenção e de 
deliberação. É claro que essa prática instruía e educava os cidadãos, e os gregos diziam que era 
a pólis, era a comunidade que educava os cidadãos; porém, a igualdade política não era uma 
conseqüência do domínio de um saber, ela era a conseqüência da afirmação absoluta da 
igualdade política dos cidadãos. Na antigüidade, até a escola platônica, a democracia jamais foi 
vista como um regime de especialistas em política, ou um regime das melhores decisões: ela era 
o regime das decisões mais legítimas. 
 ffiilloossooffiiaa ddaa eedduuccaaççããoo 
 
 
Pode-se dizer, assim, que, na Atenas antiga, o cidadão era aquele que participava 
ativamente daquilo que parecia, para a comunidade política, o maior valor: sua própria criação. 
A cidadania era uma prática, definida por leis, procedimentos, normas, hábitos que os cidadãos 
criavam. Uma prática de autonomia. 
Autonomia significa: cada homem é capaz de se autodeterminar, de deliberar sobre sua 
existência e de participar da deliberação sobre a existência comum. 
Em outras palavras, se não há teoria acabada, é porque a cidadania vai sendo definida 
pela prática comum da cidadania. 
Por isso, no que se refere à política, o cidadão sabe que não recebe de deus, ou dos 
deuses, nem do passado ou da tradição, nem de um especialista ou de um sábio suas verdades 
e seus sentidos. Todo homem é capaz de refletir sobre o que considera que é justo e o que 
acredita que deva ser a verdade: é isso que a democracia defende. 
Hoje, a situação se inverteu. Produziram-se muitas teorias e especialistas em política, 
mas reduz-se cada vez mais a prática de participação – que, para os gregos, era o essencial. A 
cidadania passou a designar uma série de coisas: direitos e deveres definidos por leis de cuja 
instituição os indivíduos comuns nunca participam, apenas os «especialistas», inserção no 
mundo do trabalho, ou no mundo do consumo, reivindicação de interesses particulares etc. 
Perdeu-se no esquecimento, em algum ponto da história, a noção de que o cidadão é aquele 
que participa em pé de igualdade na construção da comunidade política. Perdeu-sea noção da 
 ffiilloossooffiiaa ddaa eedduuccaaççããoo 
 
 
autonomia. Na comunidade de trabalho e na comunidade de consumo, os indivíduos nunca são 
iguais. Há os especialistas, e os outros. Os que podem mais e os que podem menos. 
Foi então que se passou a imaginar que os homens precisariam ser instruídos para 
poderem gozar da igualdade da cidadania. Imagina-se que o indivíduo deve saber o que é a 
cidadania, para depois vivê-la. E a Escola pública é o fruto dessa concepção autoritária. Mas, se 
é assim, então, quem é que define a cidadania? Pois é claro que se está partindo de uma idéia 
pronta e acabada de cidadania, e só resta aos indivíduos «aprender» o que ela é, para poder 
dela desfrutar. Se a cidadania é alguma coisa que o indivíduo não construiu, ela também não vai 
mais lhe permitir fazer a experiência da participação e da autonomia que deveria caracterizar a 
democracia. 
Repita-se: a Escola pública é profundamente marcada por este movimento que, de certa 
forma, transforma o saber instituído, científico, especializado no novo dogma da modernidade, 
em detrimento da atividade política de participação ampliada dos cidadãos e da deliberação 
coletiva. Ainda que se insista que a escola é um dos raros lugares em que se construíram entre 
nós o espaço público e o projeto democrático, ela também é um espaço privilegiado onde se 
evidenciam sem máscaras as contradições e os limites do espaço público, do projeto 
democrático da sociedade. 
Não há, na antigüidade, uma instituição especializada na educação pública. Era a prática 
da cidadania que formava os cidadãos. Socializavam-se os indivíduos para e através dos valores 
 ffiilloossooffiiaa ddaa eedduuccaaççããoo 
 
 
instituídos e criados por toda a sociedade. Na modernidade, a exigência de formação dos 
cidadãos levou à criação da Escola pública, nos moldes em que a conhecemos. Sob a forma da 
Escola, a educação pública passa a pretender socializar os indivíduos para valores que, 
justamente, não estão instituídos pela sociedade, nem foram criados por ela. 
Faz-se assim, aos poucos, da educação um domínio especializado e fortemente 
hierarquizado. Tendo como ponto de partida a formação do futuro cidadão, a escola acabou se 
tornando uma questão de especialistas. A formação do cidadão deixou de ser uma questão de 
prática, para se transformar em uma questão de conhecimento. 
Pode-se, é claro, objetar que a escola é uma questão de saber. Não há como contestá-lo, 
nem é o objetivo desse texto, que recorre a um patrimônio de conhecimentos instituídos, negá-
lo. 
É preciso, porém, examinar em que condições faz sentido falar em «saber». A Escola 
democrática é, antes de qualquer outra coisa, uma questão de autonomia: fora dessa 
perspectiva, de uma ética da autonomia, a teoria pode se tornar instrumento de submissão e de 
alienação, qualquer teoria pode se tornar alienante, se ela, ao invés de servir à deliberação e à 
criação, ao invés de servir à descoberta da autonomia, passa a ser a fórmula pela qual os 
indivíduos substituem sua exigência de pensar por si mesmos pelo pensamento de outro, por 
melhor que seja. 
 ffiilloossooffiiaa ddaa eedduuccaaççããoo 
 
 
Isso é verdade para todos os domínios do saber, mas é especialmente verdadeiro para 
domínios como o da educação, exatamente por ser a educação uma construção eminentemente 
política. Não há, afirmou-se, em qualquer parte, nenhuma lei, nem natural, nem sobrenatural, 
nem física, que determine o que deve ser a cidadania e o que deve ser a educação comum a que 
todos têm direito: por isso mesmo, o sentido do que é a cidadania, o sentido do que achamos 
que deva ser a cidadania, o sentido do que achamos que deva ser a educação comum é 
construído. Atualmente, ele é construído pelos especialistas, regulamentado nas leis, nas 
normas, nos dispositivos, discutido e revirado nos textos acadêmicos… E então só resta ao 
professor, no final da cadeia hierárquica, «aplicar» o que os outros pensaram. 
Mas todo aquele que é professor sabe que seu ofício consiste em um continuado 
exercício de deliberar e de criar cotidianamente o sentido do que é educar, frente ao aluno, 
frente ao grupo de alunos que está em face. São muitos os que ainda acreditam e repetem que 
o professor precisa de mais teoria, de instrução. São muitos os que ainda acreditam e repetem 
que o professor precisa, ele próprio, de formação. Trata-se, sem dúvida, de uma verdade. 
Entretanto, não há teoria, não há método, não há receita que garanta os resultados, que 
substitua a criação do professor. O professor deve construir constantemente, na prática, seus 
caminhos: fazer existir a educação que é muito mais do que aplicar as teorias, conhecimentos e 
métodos. Não raro é ir contra o que dizem as teorias e os métodos. 
 ffiilloossooffiiaa ddaa eedduuccaaççããoo 
 
 
Valorizam-se as teorias, os métodos, as técnicas, e jamais o ato pelo qual o professor faz 
existir a educação e o sentido da educação, no chão da sala de aula, anonimamente. No 
entanto, é por causa desse ato milhares de vezes repetido no cotidiano que existem as teorias, e 
os métodos e as técnicas, e não ao contrário, como se pode até imaginar. Repita-se: é porque 
há a educação como prática que pode haver teoria e método educacional, e não ao contrário. 
Mas como poderia um professor que não acredita e não pratica sua autonomia se 
interrogar e ajudar a construir a autonomia de outros? Assim, a educação democrática envolve 
necessariamente duas autonomias: a do professor, tanto quanto a do aluno. Fala-se muito da 
autonomia do aluno, mas raramente se fala da autonomia do professor. No que consiste ela? 
Em que condições ela pode ser, mais do que apenas uma teoria, por bonita e nobre que seja, 
uma prática? 
Teoricamente, pode-se discorrer por muito tempo sobre a Escola pública e sobre a 
cidadania: é de fato o que se faz. Mas, como prática de autonomia, educação e cidadania estão 
ainda por serem inventadas. Isso requer, sem dúvida, muito trabalho. A capacidade de 
interrogação, de reflexão e criação não é, em nenhum de nós, espontânea. Tanto para o aluno 
como para cada professor ela emerge como fruto de uma lenta e contínua construção, e nisso o 
conhecimento, a teoria podem ajudar e muito. 
Mas a autonomia não é uma experiência interior, um sentimento. Ela é uma prática. 
Uma prática que decerto exige a adesão interior e pessoal, mas que é apenas uma miragem se 
 ffiilloossooffiiaa ddaa eedduuccaaççããoo 
 
 
não se constrói como uma experiência comum, pública. Pois é claro que a autonomia do 
professor público não significa que ele pode fazer o que quiser, sem prestar contas a ninguém. 
Justamente porque sua função é pública, todo professor tem o dever de prestar contas de suas 
interrogações, de suas descobertas, de sua experiência, de suas decisões, primeiramente aos 
próprios alunos e à sociedade, mas também a seus colegas. Essa prestação de contas é que 
torna a criação dos sentidos da educação e da cidadania uma obra coletiva. É ela que 
transforma o espaço escolar num coletivo instituinte. É ela que dá visibilidade à atividade 
autônoma de construção desses sentidos. Sem os quais educação e cidadania permanecerão, 
entre nós, apenas teorias. 
 ffiilloossooffiiaa ddaa eedduuccaaççããoo 
 
 
CCOORRNNEELLIIUUSS CCAASSTTOORRIIAADDIISS 
 
Não posso acordar, uma bela manhã, com uma idéia contradizendo tudo 
o que eu pensava até então, e apressar-me a desenvolvê-la, esquecendo 
tudo o que foi dito anteriormente. Os passarinhos cantam 
inocentemente a cada manhã – mas são passarinhos, e cantam o mesmo 
canto. Assim também, não posso ignorar o fato de que o meu 
pensamento, por mais original que o julgue,não passa de uma ruga, ou 
melhor, de uma onda, no imenso rio social-histórico que surgiu na Jônia 
há vinte e cinco séculos. Estou colocado na dupla injunção: pensar 
livremente e pensar sob a sujeição da história. 
CASTORIADIS, C. O "fim da filosofia"? In: As encruzilhadas do labirinto II. Rio de 
Janeiro: Paz e Terra, 1992. p. 245. 
 
Assim, nascimento da filosofia e nascimento da democracia não coincidem, 
eles co-significam. Ambos são expressões e encarnações centrais do projeto de 
autonomia. E aqui devemos nos opor a outro aspecto da deformação que a 
Grécia sofreu e continua a sofrer nas mãos dos ocidentais nunca 
completamente descristianizados. Assim como a criação política grega – a pólis 
e a democracia – sempre foi vista como um "resultado" estático, e assim como 
os "méritos" e os "defeitos" da democracia ateniense foram discutidos, como 
se esse regime fosse destinado a ser modelo ou antimodelo para todos os 
lugares e todos os tempos – em vez de ver que o que, acima de tudo, é 
verdadeiramente democrático em Atenas, e que possui para nós a maior 
importância, não é esta ou aquela instituição particular estabelecida em 
dado momento (ainda que, entre essas, muitas sejam as que contêm lições 
para nós), mas o processo contínuo de auto-instituição democrática, 
polongado durante quase três séculos: aí está a criatividade, a 
reflexividade, a democracia, a lição. Assim também, o importante, 
relativamente à filosofia grega – acima de todos os "resultados" que ela 
atingiu e cujo valor reconhecemos –, é o processo contínuo da sua auto-
instituição. 
Id., ibid., p. 247-248. 
 
 ffiilloossooffiiaa ddaa eedduuccaaççããoo 
 
 
Sócrates é o último filósofo-cidadão e o demos dos atenienses não é mais o 
demos dos séculos VI e V a.C. Pode parecer paradoxal que o período de 
decadência que começa então tenha produzido dois dos maiores filósofo 
que já existiram, Platão e Aristóteles – ainda que o matricida Platão 
tenha sido educado e formado na democracia. (…) 
Com Platão começa a torção, e distorção, platônica que dominou a história 
da filosofia ou pelo menos a sua corrente principal. O filósofo deixa de ser um 
cidadão. Sai da pólis, ou coloca-se acima dela, e diz às pessoas o que devem 
fazer, deduzindo isso de sua própria epistemé. Procura, e crê que encontra, 
uma ontologia unitária – isto é, uma ontologia teológica. 
Id., ibid., p. 248-249. 
 
 
HHAANNNNAAHH AARREENNDDTT 
Na experiência da polis que, com alguma razão, tem sido considerada o 
mais loquaz dos corpos políticos, e mais ainda na filosofia política que 
dela surgiu, a ação e o discurso separaram-se e tornaram-se atividades 
cada vez mais independentes. A ênfase passou da ação para o discurso, 
e para o discurso como meio de persuasão não como forma 
especificamente humana de responder, replicar e enfrentar o que 
acontece ou o que é feito. O ser político, o viver numa polis, significava 
que tudo era decidido mediante palavras e persuasão, e não através de 
força ou violência. Para os gregos, forçar alguém mediante violência, 
ordenar ao invés de persuadir, eram modos pré-políticos de lidar com as 
pessoas, típicos da vida fora da polis, característicos do lar e da vida em 
família, na qual o chefe da casa imperava com poderes incontestes e 
despóticos, ou da vida nos impérios bárbaros da Ásia, cujo despotismo 
era freqüentemente comparado à organização doméstica. 
ARENDT, H. A condição humana. 8 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 
1997. p. 35. 
 ffiilloossooffiiaa ddaa eedduuccaaççããoo 
 
 
 
PPAATTRRIICCEE CCAANNIIVVEEZZ 
 
A cidadania define o pertencimento a um Estado. Ela dá ao indivíduo um status 
jurídico, ao qual se ligam direitos e deveres particulares. Esse status depende 
das leis próprias de cada Estado, e pode-se afirmar que há tantos tipos de 
cidadãos quantos tipos de Estado. O problema da cidadania, porém, não é 
apenas problema jurídico ou constitucional; se provoca debates apaixonados, é 
porque coloca a questão do modo de inserção do indivíduo em sua comunidade, 
assim como a de sua relação com o poder político. (…) A igualdade dos 
cidadãos implica a igualdade dos indivíduos em relação ao saber e à 
formação. Surge enfim a questão do tipo de educação do cidadão assim 
definido. Essa educação não pode mais simplesmente consistir numa 
informação ou instrução que permita ao indivíduo, enquanto governado, 
ter conhecimento de seus direitos e deveres, para a eles conformar-se com 
escrúpulo e inteligência. Deve fornecer-lhe, além dessa informação, uma 
educação que corresponda à sua posição de governante potencial. 
CANIVEZ, P. Educar o cidadão? 2 ed. Campinas: Papirus, 1991. pp. 15.31. 
 
Essa autoridade resulta, portanto, de um acordo, cujos termos são as 
seguintes: o adolescente compromete-se a obedecer 
incondicionalmente às ordens do adulto; em compensação, este 
compromete-se a só ordenar o que for melhor para o aluno – o que é 
evidente – mas, sobretudo, compromete-se a prestar contas. A ordem 
dada será cumprida mas, mais tarde, em momento propício, haverá uma 
explicação sobre as circunstâncias que justificavam o imperativo. A 
obediência apóia-se, portanto, fundamentalmente na confiança. O 
indivíduo obedece porque sabe que não lhe impõem nada que ele 
mesmo não possa compreender e querer, se sua impetuosidade e 
inexperiência não o impedissem de perceber a situação e avaliar-lhe os 
perigos. 
CANIVEZ, P. Educar o cidadão? 2 ed. Campinas: Papirus, 1991. p. 37. 
 ffiilloossooffiiaa ddaa eedduuccaaççããoo 
 
 
 
AARRIISSTTÓÓTTEELLEESS 
 
 
Como vimos, há duas espécies de virtude, a intelectual e a moral. A 
primeira deve, em grande parte, sua geração e crescimento ao ensino, e 
por isso requer experiência e tempo; ao passo que a virtude moral é 
adquirida em resultado do hábito, de onde o seu nome se derivou, por 
uma pequena modificação dessa palavra [do grego: ethos, e sua 
derivação ethiké]. É evidente, pois, que nenhuma das virtudes morais 
surge em nós por [20] natureza, visto que nada que existe por natureza 
pode ser alterado pelo hábito. Por exemplo, a pedra que por natureza se 
move para baixo não pode adquirir o hábito de ir para cima, ainda que 
tentássemos adestrá-la jogando-a dez mil vezes para cima, nem tam-
pouco poderíamos fazer com que o fogo adquirisse o hábito de mover-
se para baixo, nem qualquer coisa que por natureza se comporte de 
certa maneira pode ser habituada a comportar-se de forma diferente. 
Não é, portanto, nem por natureza nem contrariamente à natureza que 
as virtudes se geram em nós; antes devemos dizer que a natureza nos dá 
a capacidade de recebê-las, e tal capacidade se aperfeiçoa com o hábito. 
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2002. p. 40. [1103a 
15 – 25]

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