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LINGUAGENS DA ARTE E REGIONALIDADES

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LINGUAGENS DA ARTE E REGIONALIDADES
Aula 1: Introdução à Disciplina
“A origem de algo é a proveniência da sua essência. A pergunta pela origem da obra de arte indaga a sua proveniência essencial. Segundo a compreensão normal, a obra surge a partir e através da atividade do artista. Mas e por meio de quê é que o artista é o que é? Através da obra; pois é pela obra que se conhece o artista, ou seja: a obra é que primeiro faz aparecer o artista como um mestre da arte. O artista é a origem da obra. A obra é a origem do artista. Nenhum é sem o outro.” (HEIDEGGER, Martin. A origem da obra de arte. Lisboa: Edições 70, 2007, p. 11)
Vivendo em coletividade, o ser humano tende a desenvolver culturas específicas que delimitarão sua existência:
O modo de pensar e de agir, a formação da sociedade da qual faz parte, suas práticas sociais, crenças, mecanismos de transmissão de conhecimento e lazer.
LINGUAGENS DA ARTE E REGIONALIDADES – CONCEITOS FUNDAMENTAIS
A língua é, sem dúvida, o instrumento mais eficaz de trocas de experiências, de formação de identidades e consolidação de ideologias.
No entanto, para além dos signos linguísticos, o homem sente a necessidade de se expressar mais subjetivamente, ou seja, representar de forma menos arbitrária a sua emoção mais genuína.
Assim, desenvolve habilidades que o levarão a um contínuo processo de criação e representação simbólica tanto da realidade quanto dos sentimentos que o movem. O artífice torna-se artista quando deixa de usar apenas a técnica para produzir objetos e aciona o saber para construir o objeto artístico.
Portanto, a arte não se limita à expressão estética em forma de poesia, quadro, escultura ou música; 
a arte é a expressão simbólica de uma emoção, um sentimento, uma ideologia.
Estudar o homem e seu tempo histórico, compreender como ele se relaciona com a sociedade no qual está inserido torna-se mais eficaz quando associamos às teorias do conhecimento o estudo de linguagens da arte.
O estudo sobre arte não se limita a desenvolver a capacidade de apreciar um objeto artístico. Conforme 
os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (2000, p. 45), conhecer arte “significa os alunos apropriarem-se de saberes culturais e estéticos inseridos na prática de produção e apreciação artísticas, fundamentais para a formação e o desempenho social do cidadão”.
O contato com a expressão artística desenvolve no educando a percepção estética do que está à 
sua volta, possibilitando a ele se relacionar com o mundo de forma harmoniosa e criativa.
Observando uma obra de arte, atento às suas partes constituintes, o aluno — ou qualquer pessoa 
que se proponha a perceber e analisar um objeto artístico — aprenderá a ativar sua capacidade sensorial e, através dela, desenvolver a imaginação, a criatividade e a razão, equilibrando as tensões a que está submetido cotidianamente.
Considerando ser a escola — e, de um modo geral, os espaços acadêmicos — o ambiente adequado à sistematização dos saberes, é através de aulas de linguagens da arte e regionalidades que se torna mais produtivo o conhecimento sobre a relação do homem com a história, a cultura e a sociedade da qual faz parte. Portanto, o espaço acadêmico torna-se propício à compreensão dos processos criativos que marcaram a humanidade e suas influências no mundo contemporâneo.
Estudar arte equivale a conhecer e dar sentido ao mundo, atribuindo às coisas que nos cercam novos significados que ampliam nossas possibilidades cognitivas, talentos específicos e habilidades de convivência produtiva e harmoniosa com os elementos exteriores ao nosso ser, mas que completam nossa existência.
Se antes era necessário ir a um museu para ser capaz de identificar uma imagem como pertencente a um artista ou a uma época, hoje, através da publicidade, do noticiário ou de programas de variedades, é possível reconhecer uma determinada tela ou escultura como sendo de Leonardo da Vinci, Michelangelo ou Tarsila do Amaral.
Mais até do que identificar uma obra, é possível estabelecer com ela uma relação outra, não apenas a de contemplação e reflexão, mas  uma relação de interferência no processo criativo ou de stabelecimento de novos conceitos e critérios de avaliação.
1, O público receptor de hoje, antes de experimentar a emoção que uma obra de arte pode provocar, é capaz de com ela interagir, modificando seus elementos principais e contextualizando-a em outros espaços e circunstâncias. É possível, através dos canais de informação hoje disponíveis, pensar a obra de arte sob diversos aspectos, e não raro afastando-a do seu caráter principal, que é o de ser arte.
2, O estudo minucioso de um objeto artístico (material utilizado, dimensões, formas dinâmicas, perspectiva etc.) engrandece o trabalho e a técnica do artista, porém reduz o impacto da obra sobre a emoção do espectador, constantemente chamado à razão na percepção da obra de arte.
A obra de arte tornou-se tema de noticiários. Um leilão, o roubo de uma obra, os danos causados a uma peça valiosa interferem na representação que um receptor tem do objeto artístico, levando-o a elaborar conceitos que não se inserem no contexto de criação, execução e exposição de uma obra de arte.
Leia o texto abaixo, publicado num site de noticias em 19/01/2008
ABAPORU, DE 1928, ESTÁ EM MOSTRA EM HOMENAGEM À ARTISTA NA PINACOTECA. OBRA FOI ARREMATADA EM LEILÃO EM 1995 E LEVADA PARA BUENOS AIRES.
O Abaporu, a obra mais famosa da paulista Tarsila do Amaral, está na Pinacoteca do Estado, na Luz, região central de São Paulo. O quadro, de 1928, virou símbolo do movimento modernista. O nome do quadro vem do tupi guarani. Em uma gravação, a artista explicou o significado: “Aba quer dizer homem e poru é que come carne humana”, disse Tarsila.
JORNAL - A notícia da exposição da famosa tela da pintora Tarsila do Amaral chega ao receptor, provavelmente, antes que ele tenha um contato direto com a obra de arte.
Primeiro, sabemos que a obra foi arrematada em leilão por um argentino.
Acionamos, então, outros critérios de avaliação da obra:
-valor de mercado
- sentimento de perda
- concorrência
- nacionalismo (ou falta de)
Depois, somos informados sobre o significado da tela, o que exclui compreensões subjetivas e limita a expansão dos sentidos em relação às formas e cores.
E, recentemente, a tela O Abaporu esteve, mais uma vez, presente no noticiário.
Com "Abaporu", a presidente Dilma Rousseff abre exposição de artistas brasileiras.
A presidente Dilma inaugurou, na noite desta quarta-feira, a exposição Mulheres, artistas e brasileiras, que ficará aberta ao público de quarta-feira até o dia 5 de maio, no Palácio 
do Planalto.
A exposição, idealizada pela presidente, homenageia artistas brasileiras e reúne 80 obras. A estrela da noite foi o quadro Abaporu, da pintora brasileira Tarsila do Amaral, de 1928. A obra veio especialmente do Museu de Arte Latino Americano de Buenos Aires para a exposição.
Dilma Rousseff cumprimenta a sobrinha neta de Tarsila do Amaral durante cerimônia de abertura da exposição.
E, novamente, o receptor da obra modernista, provavelmente antes do contato visual com a tela e antes de experimentar as emoções que ela viria a desencadear, constrói novos campos de significações. Destacam-se, na notícia, a iniciativa que se vincula a uma atitude política e o caráter ideológico da exposição, tendo em vista o nome atribuído à mostra: “Mulheres, artistas e brasileiras”.
Para o filósofo Martin Heiddegger, em A origem da obra de arte (2007, p. 13), as obras de arte existem como existem as coisas. Elas transpõem o caráter de coisa quando lhes são atribuídas representações de quem as vivencia. A obra de arte nos coloca em um lugar onde não costumamos estar e nos liberta do cotidiano. 
Mas essas representações, muitas vezes, ultrapassam os limites da subjetividade, da individualidade de quem aprecia a obra e se transformam em representações coletivas, atribuindo ao objeto artístico um valor monetário que nem sempre está vinculado aoprocesso de criação inicial.
Em Reflexões sobre a obra de arte, Alfredo Bosi argumenta que o homem contemporâneo é “alguém que nasceu e cresceu entre os mil e um engenhos da civilização industrial, e que tende a ver em todas as coisas possibilidades de consumo e fruição. Ter ou desejar ter uma gravura, um disco ou um livro finamente ilustrado é o seu modo habitual de relacionar-se com o que todos chamam de arte. Tal comportamento, embora se julgue mais requintado que o prazer útil de usar um bonito liquidificador, afinal também está preso nas engrenagens dessa máquina em moto contínuo que é o consumo, no caso o mercado crescente de bens simbólicos”. (BOSI, 1991, p. 7)
No entanto, não se pode perder a relação primeira com a obra de arte ─ a contemplação ─ e o objetivo principal de apreciá-la ─ o sentimento do belo. E essa apreensão do objeto, que é a obra de arte, se dá subjetivamente, ou seja, causa no receptor da obra um efeito psicológico que altera o seu estado de ânimo. Essa é a perspectiva a ser mantida em uma sociedade que tem qualificado o objeto artístico por seu valor mercadológico.
Pintura rupestre, “Cueva de Los Caballos”, Castellón-Espanha. Crédito: Centro Nacional de Información y Comunicación Educativa.
À parte o quanto vale um quadro ou uma escultura, por quanto se arremata em um leilão um objeto artístico ou que aparatos sejam exigidos para seu transporte seguro até uma exposição, não devemos nos esquecer de que a expressão artística é, desde os desenhos rupestres feitos pelo homem pré-histórico, uma forma dele se relacionar com o mundo. 
O artista, portanto, antes de qualquer formação acadêmica e sistematizada que o leve a dominar técnicas de composição, é alguém que procura entrar em relação com o mundo que o cerca e com sua própria condição humana.
A esse processo de representar o mundo na arte dá-se o nome de mímesis, conceito que, para Aristóteles, estava associado ao “realismo”, e para Platão, seu mestre, era concebido com a ideia de similaridade (simulacro), portanto, associava-se ao “idealismo”.
A imitação é uma atividade inerente ao ser humano que faz parte do processo cognitivo, isto é, pela imitação aprendemos sobre algo, como define Aristóteles em sua obra Arte poética: “A tendência para a imitação é instintiva no homem, desde a infância. Neste ponto distingue-se de todos os outros seres, por sua aptidão muito desenvolvida para a imitação. Pela imitação adquire seus primeiros conhecimentos, por ela todos experimentam prazer” (2003, p. 30).
A Mímeses
A arte mimética, portanto, pode representar a realidade tal como é ou, como indicava Platão, de forma mais idealizada, de acordo com a perspectiva do artista. É por esse viés que a arte se desenvolve e acentua um saber estético e estilístico, já que as formas e cores reinterpretam a imagem imitada (estética) e o objeto artístico define-se pela subjetividade do artista (estilo).
Segundo BOSI (1991, p. 31), “o convívio do saber sensível e idealização formal altera, sob um novo aspecto, a noção de mímesis, deixando aflorar uma outra tendência antropológica do homo faber: a estilização”.
Isso equivale a dizer que, ao intensificar alguns aspectos da realidade do objeto imitado, o homem que domina a técnica da arte (homo faber) faz representar o mundo sob sua visão específica, desenvolvendo conceitos antropológicos (inerentes ao saber humano) que serão expressos em sua produção artística. Assim, para além da mímesis como reprodução do real, nos seria oferecida a mímesis como interpretação do real.
É isso que ocorre quando nos deparamos com obras diversas que versam sobre o mesmo tema. Se a proposta é retratar uma paisagem campestre, a imagem que nos é oferecida vai depender da visão do artista, de como ele mimetiza a realidade. A análise que o receptor da obra há de elaborar não deve ignorar as nuances de cores, as formas, as proporções indicadas pelo quadro.
Na observação da obra de Matisse, destacam-se: 
1 – a rapidez da percepção visual: percebemos o todo da obra, sem precisar decompor as suas partes;
2 – a universalidade da imagem: identificamos a paisagem como realidade;
3 – a observação da profundidade e bidimensionalidade: as dimensões do céu e da terra opõem-se às dimensões das casas e da mulher que caminha;
2 – investigação das cores: atribuem-se à paisagem representada possíveis estações do ano e períodos do dia.
O belo estético perseguido pelo artista não se enquadra em padrões harmoniosos como cores claras ou vibrantes, formas suaves ou acentuadas; ao contrário, as formas podem ser distorcidas, as cores não representarem o real e, ainda assim, entraremos em contato com o belo ao contemplar uma obra de arte. Menina com um barco, de Pablo Picasso (1938)
O belo pode ser encontrado na obra mais sombria, pois a imitação da realidade feita pelo artista transforma a própria realidade, e o que antes seria tenebroso, visto como representação, torna-se objeto de contemplação e êxtase. Os comedores de batatas, de Van Gogh (1885)
Bosi (1991, p. 35) apresenta um texto de Leonardo da Vinci que seria um esboço de um quadro que ele não chegou a pintar. 
Acompanhe as palavras e procure mimetizar (imitar) a realidade através da imaginação desencadeada pelo esboço do pintor renascentista.
Divisões para o Dilúvio
TREVAS, VENTO, FORTUNA DE MAR, DILÚVIO DE ÁGUA, SELVAS AFOGADAS, CHUVAS, SETAS DO CÉU, TERREMOTOS E RUÍNA DE MONTES, ALAGAMENTO DE CIDADES.
VENTOS VERTIGINOSOS TRAZENDO ÁGUA, RAMOS DE PLANTAS E HOMENS PELO AR.
RAMOS LACERADOS PELOS VENTOS, MISTURADOS COM O CURSO DOS VENTOS, CARREGADOS DE GENTE. PLANTAS ROTAS, CARREGADAS DE GENTE. NAVES ROTAS EM PEDAÇOS, BATIDAS EM ESCOLHOS.
REBANHOS, GEADA, RAIOS, VENTOS VERTIGINOSOS.
GENTE QUE SE AGARRA A PLANTAS QUE NÃO POSSAM SUSTENTAR-SE, ÁRVORES E ESCOLHOS, TORRES, COLINAS APINHADAS, MESAS, MASSEIRAS, INSTRUMENTOS DE NADO, COLINAS COBERTAS DE HOMENS E MULHERES E ANIMAIS, E SETAS QUE DAS NUVENS ALUMIEM AS COISAS.
Pelo exercício de imaginação realizado, vemos que o receptor da obra de arte tem papel fundamental na construção das representações sugeridas pelo artista.
Na poesia, a mímesis também depende — e ainda mais do que as artes plásticas — do receptor da mensagem, porque o texto, sem a imagem, exige do leitor a máxima atenção. Observe que interessante trabalho de linguagem na construção de um poema mimético faz o autor Manoel de Barros.
O rio que fazia uma volta atrás de nossa casa era a imagem de um vidro mole que fazia uma volta atrás da casa. 
Passou um homem depois e disse: essa volta que o rio faz por trás de sua casa se chama
enseada. Não era mais a imagem de uma cobra de vidro que fazia uma volta atrás da casa.
Era uma enseada. Acho que o nome empobreceu a imagem.
 
BARROS, Manoel de. O livro das ignorãças. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1993, p. 27
Como vimos anteriormente, para Platão mímesis seria simulacro (similaridade) da realidade, portanto “idealismo”; para Aristóteles, ao contrário, a mímesis deveria ser a representação mais fiel da realidade. É certo que as teorias gregas sobre mímesis estão na origem de toda arte, inclusive as contemporâneas. No entanto, o artista, ao longo da história da humanidade, aperfeiçoou sua arte representativa até chegar, com Leonardo da Vinci, no Renascimento (século XVI), ao estatuto de ciências da visão. A mímesis residiria no plano do conhecimento de mundo e a obra de arte no plano de construção de um outro mundo, cuja porta o artista abre para o receptor que se dispuser a conhecer a essência da obra, que é, afinal, a essência do artista. Dessa forma, artista e obra irão representar o mundo subjetivamente e historicamente. Assim é que na arte medieval nos deparamos com o espaço místico; na Renascença temos a pintura mais linear e plástica do estilo clássico, com planos distintos de representação; no Barroco, encontramos a arte pictórica, marcada em profundidades e contrastes de imagens; no Romantismo, a dimensão humana ganha todas as cores e formas; por fim, na artemoderna, movimentos diversos convergirão estéticas que pretendem dar conta da fragmentação humana. A arte relaciona-se com o seu tempo histórico, e esse tema será discutido nas próximas aulas.
Deixamos, como reflexão, o pensamento do escritor alemão Novalis (1772-1801): 
“Onde o mundo interior e o exterior se tocam, aí se encontra o centro da alma”.
Aula 2: Os Limites do Fazer Artístico
LIMITES DO FAZER ARTÍSTICO: O CÂNONE E A CENSURA
O CÂNONE
O cânone forma-se a partir da consolidação de ideias e estilos propostos por determinado artista. Os que o sucedem dificilmente libertam-se plenamente do modelo inspirador.
Não se trata de plágio, conceito que infere uma produção a partir da cópia mecânica e intencional, mas de influências culturais. 
É o que argumentam diversos autores como Mikhail Bakhtin — o qual introduz nos estudos literários o conceito de dialogismo —, Julia Kristeva — que propõe o conceito de intertextualidade — e Linda Hutcheon — autora que estende as ideias anteriores a todos os campos do saber pela compreensão de que todo produto humano refere-se a algo que o antecede.
O cânone se estabelece a partir do momento em que a recepção crítica e ou pública de uma obra intelectual ou artística reconhece tanto a originalidade quanto a capacidade de expansão das ideias propostas.
Cânone (do gr. kánon, regra) é, portanto, um padrão a ser seguido, muitas vezes, de forma involuntária. Todos nós conhecemos obras que fazem referência a outras obras, ideias que são recuperadas, estilos que se repetem.
Platão fundamentou o pensamento ocidental; Shakespeare é constantemente referenciado, seja em releituras de suas obras, como Romeu e Julieta, seguramente a mais retomada, seja em dizeres cotidianos; e 
cita-se muito Fernando Pessoa: Tudo vale a pena, se a alma não é pequena.
CENSURA RELIGIOSA
O tribunal inquisitorial surgiu em 1183, no Concílio de Verona, a fim de combater ideias consideradas heresias. Inicialmente, o objetivo era inibir que os cátaros, povo do sul da França, consolidassem sua crença na metempsicose, ou seja, transmigração da alma de um corpo físico para outro, fosse humano, animal ou vegetal.
As penas aplicadas contra os hereges podiam ser: a suspensão dos sacramentos religiosos como o batismo, a confissão e a eucaristia; os castigos físicos; a excomunhão.
 
No século XV, os reis de Castela e Aragão, Isabel e Fernando, que haviam conquistado terras pertencentes aos mouros na Península Ibérica, conseguem que o Papa autorize a formação de um Tribunal do Santo Ofício na Espanha.
Nesse tribunal inquisitorial, muçulmanos e judeus foram convertidos ao cristianismo, recebendo a denominaçao de “cristãos novos”. Alguns, no entanto, continuavam a exercer suas prática religiosas clandestinamente.
 
O Tribunal do Santo Ofício da Espanha não se limitou a julgamentos religiosos, pois os reis usaram esse poder como instrumento de coação e força para submissão de quaisquer inimigos políticos. 
 
Os reinos de Portugal e Itália também conseguiram permissão para instituir um Tribunal do Santo Ofício.
Além de crenças não cristãs, eram julgados e condenados práticas e comportamentos não aceitos pela monarquia e pelo poder eclesiástico, entre os quais a bigamia, a homossexualidade, a sodomia e a bruxaria, acusação (não comprovada) que condenou milhões de mulheres durante o período inquisitorial.
A morte na fogueira, mais conhecido processo de condenação pelo Tribunal do Santo Ofício, tem sentido religioso, visto que o fogo simboliza a purificação, além de constuir a imagem do Inferno, forma de ameaça contra as heresias.
O Index Librorum Prohibitorum (Índice dos Livros Proibidos), criado em 1559, no Concílio de Trento, constitui-se de uma lista de livros considerados hereges.
 
A trigésima segunda edição do Índex, pubicada em 1948, possui uma lista de 4 000 livros proibidos.
Joana D’Arc (1412-1431)
Constam do Índex trabalhos de cientistas e pensadores como Galileu Galilei, Nicolau Copérnico, Giordano Bruno, Maquiavel, Erasmo de Roterdão, Baruch de Espinosa, John Locke, Denis Diderot, Blaise Pascal, René Descartes, Rousseau, Montesquieu, Immanuel Kant, Simone de Beauvoir sendo que alguns desses nomes foram removidos mais tarde.
Prueba jurídica de los libros, de Cristóbal Llorens
Famosos escritores foram incluídos na lista, entre eles: Laurence Sterne, Heinrich Heine, Alexandre Dumas (pai e filho), Voltaire, Daniel Defoe, Vitor Hugo, Emile Zola, Stendhal, Gustave Flaubert, Anatole France, Honoré de Balzac, Jean-Paul Sartre e Níkos Kazantzákis.
O poder inquisitorial foi a forma mais contundente de censura da história da Humanidade.
A CENSURA
Não me sinto obrigado a acreditar que o mesmo Deus que nos dotou de sentidos, razão e inteligência, pretenda que não os utilizemos”. (Galileu Galilei)
O desejo humano de criação e descoberta foi coibido pela ameaça ou condenação à prisão, tortura ou morte na fogueira. Durante a Idade Média e o Renascimento, os tribunais do Santo Ofício perseguiram artistas e intelectuais, e exigiram que toda obra fosse submetida aos censores eclesiásticos.
Giordano Bruno, queimado na fogueira  em 17 de fevereiro de 1600.
Giordano Bruno (1548-1600) foi morto por suas ideias relacionadas à cosmologia.
A teoria do heliocentrismo
Galileu Galilei (1564-1642) entrou na lista do Index Librorum Prohibitorum por suas teorias sobre o heliocentrismo, teses aceitas pela Astronomia.
Auto da Fé
Ao longo dos séculos, cerca de 8.000 publicações foram incluídas no índice, entre elas Madame Bovary, de Gustave Flaubert, O Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir, romances de Honoré de Balzac e obras de filósofos como René Descartes e Emanuel Kant.
O poder inquisitorial foi a forma mais contundente de censura da história da Humanidade.
A censura também pode ser exercida apenas pela interpretação que se impõe a uma determinada obra, alterando-lhe os conceitos iniciais ou a forma original. 
Substitui-se, assim, a mensagem por uma proposta que se concilie com os ideais impostos. 
O exemplo mais evidente dessa ação é o texto “Cântico dos Cânticos” (ou “Cantares de Salomão”) que, apesar da expressiva sensualidade amorosa, foi aceito nos Evangelhos por ser uma possível produção salomônica (séc. IX).
Julia Kristeva elabora um estudo sobre o “Cântico dos Cânticos” no livro Histórias de Amor. Segundo a autora, o texto recebeu duas célebres interpretações censórias ainda na Idade Média: a judaica, que entendeu ser o amor descrito uma “relação entre Jeová e o povo eleito”, e a cristã, que identificou nos famosos versos o “amor mútuo do Cristo e da Igreja”.
Em praticamente todos os países e em todos os tempos, a censura religiosa atuou sobre o intelecto humano. Em Portugal, país de forte tradição religiosa, vários casos se tornaram célebres:
O jugalmento do Padre António Vieira  (1608-1697), por defender os cristãos-novos (judeus convertidos ao cristianismo, mas que continuavam sendo perseguidos pelo poder inquisitorial);
a condenação à morte na fogueira de António José da Silva, «O Judeu» (Rio de Janeiro, 1705 – Lisboa, 1739), autor de obras com temáticas pagãs;
Luís Vaz de Camões (1525-1580) foi obrigado a ler e explicar para os censores da Igreja cada um dos 8.816 versos que compõem a obra Os Lusíadas, publicada em 1572.
A CENSURA POLÍTICA
A censura política separa-se da censura religiosa apenas quando a  República se instaura definitivamente, mas, ainda assim, registram-se longos períodos de associação de poderes em torno da mesma prática.
No Brasil, a censura fez-se presente com sua face mais violenta durante o regime militar. Os meios de comunicação de massa sofreram graves ataques de silenciamento. Coube, então, à literatura, o papel de continuar propondo ideias e consolidando ideais na mente do leitor. Flora Sussekind faz a análise: “Se nos jornais e meios de comunicação de massa a informação era controlada, cabia à literatura exerceruma função parajornalística”.
Após o Ato Institucional nº 5 (AI-5), todo veículo de comunicação deveria ter sua pauta previamente aprovada por censores da ditadura militar.
Jornal extra aBrasil
Algumas publicações apresentavam grandes lacunas, outras preenchiam espaços — antes destinados a editoriais e colunas políticas — com receitas culinárias.
O Jornal do Brasil, em sua edição de 13 de dezembro de 1968, uma sexta-feira, data do AI-5, a despeito do imenso calor de um típico dia de verão, publica em sua primeira página: “Tempo negro, temperatura sufocante, o ar está irrespirável. O país está sendo varrido por fortes ventos.”
“Brasil, ame-o ou deixe-o”.
Mensagens oficiais eram divulgadas de todas as formas, procurando incutir na mente do brasileiro a ideia de prosperidade e ordem social e política, como o slogan “Brasil, ame-o ou deixe-o”.
Contra essa proposta, os artistas reagiam de todas as formas, do que é exemplo a tira de Ziraldo.
Apesar de nas rádios proliferarem as músicas norte-americanas, única maneira de preencher a grade dos programas e de resistir ao peso da ditadura, sempre chegavam aos ouvintes músicas de protesto, fosse pela ousadia dos comunicadores, fosse pelo som ensurdecedor dos teatros onde se realizavam festivais de canções.
Em alguns casos, os problemas advindos da coragem dos jovens músicos acabaram tornando-se lenda, como no caso da música “Cálice”, de Chico Buarque de Holanda que, impedido de cantar em uma apresentação, teve o som do microfone cortado pela própria produção do show, preocupada com a polícia política, transformando a metáfora no que ela de fato representava: “Cale-se”.
Durante a ditadura, foram censurados, entre outros, os artistas: Caetano Veloso, Chico Buarque (que precisou usar o pseudônimo Julinho da Adelaide para ter suas músicas liberadas), Elis Regina, Geraldo Vandré, Gilberto Gil, Kid Abelha (pela música “Como eu Quero”, por não atender os padrões morais da época em que foi produzida), Milton Nascimento, Raul Seixas, Taiguara, Toquinho e Odair José (por falar abertamente de questões sociais cotidianas).
Caso extremado de censura política foi o de Adoniran Barbosa, perseguido por utilizar um linguajar caipira em suas músicas.
Calabar, ou o Elogio à Traição, peça de Chico Buarque e Ruy Guerra encenada em 1973, teve quase todas as suas músicas censuradas, inclusive a capa do disco, considerada subversiva. Em protesto, Chico Buarque lançou novo disco com a capa totalmente em branco. São da peça as músicas: “Bárbara”, “Partido Alto”, “Não Existe Pecado ao Sul do Equador” e “Fado Tropical”.
Os artistas são expulsos de cena, os teatros fechados, o povo assiste ao espetáculo da censura sem mesmo compreender os motivos da proibição. São censuradas as peças Um Bonde Chamado Desejo, de Tennessee Williams; Senhora da Boca do Lixo, de Jorge de Andrade, e Poder Negro, de Le Roy Jones. Os atores Maria Fernanda e Oscar Araripe ficam suspensos de suas atividades artísticas por trinta dias.
Uma das mais eficazes armas contra a censura é o humor: Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto), Millôr Fernandes, Jaguar, Ziraldo e o jornal O Pasquim formaram um cânone humorístico que ainda se mantém, apenas atualizados.
“Quando a Censura Federal proibiu em Brasília a encenação da peça Um Bonde Chamado Desejo, a atriz Maria Fernanda foi procurar o Deputado Ernani Sátiro para que o mesmo agisse em defesa da classe teatral. Lá pelas tantas, a atriz deu um grito de ‘viva a Democracia’. O senhor Ernani Sátiro na mesma hora retrucou: ‘Insulto eu não tolero’.”. (O Festival de Besteira que Assola o País, Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1966)
E assim, após longos anos de perseguições, prisões e exílios, e pela resistência de intelectuais e artistas, podemos desfrutar de um dos bens mais preciosos de que somos detentores: a liberdade de expressão.

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