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Victor Alberto Danich João Arnoldo Gascho Leandra bôer Possa SOCIOLOGIA SUMÁRIO 1 SOCIOLOGIA COMO CIÊNCIA 1.1 Primeiras palavras 1.2 O que estuda a Sociologia? 1.2.1 Sociologia e o Estudo dos Fatos Sociais 1.3 Diferentes Teorias 1.4 Sociologia na prática 2 CULTURA E REPRESENTAÇÕES SOCIAIS 2.1 Conceito de cultura... 2.2 Cultura, identidade social e representações sociais 2.2.1 Identidade cultural 2.2.2 Identidade cultural e representações sociais 2.3 Dimensões da cultura: material e não-material 2.4 Outras discussões em torno da cultura 3 ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E ESTRUTURA SOCIAL 3.1 Grupos Sociais 3.1.1 Os principais grupos sociais 3.1.2 Características dos grupos sociais 3.1.3 Tipos de grupos sociais 3.1.4 Agregados sociais 3.1.5 Forças de sustentação dos grupos sociais 3.1.6 Status e papel social 3.1.7 Estrutura e organização social 3.2 Processos Sociais 3.2.1 Diferentes tipos de processos sociais 3.3 Estratificação E Mobilidade Social 3.3.1 Estratificação social 3.3.2 Diferentes tipos de estratificação social 3.3.3 Mobilidade social 3.3.4 Tipos de mobilidade social 3.3.5 Estratificação social nas diferentes sociedades 3.3.6 Castas sociais 3.3.7 Estamentos ou estados 3.3.8 Classes sociais 3.3.9 Classes sociais no Brasil 3.4 Instituições Sociais 3.4.1 Características das instituições sociais 3.4.2 Principais instituições sociais 4 FUNDAMENTOS ECONÔMICOS DA SOCIEDADE 4.1 A produção 4.1.1 O Processo de trabalho 4.1.2 Elementos do processo de trabalho 4.1.3 Processo de trabalho e processo de produção 4.1.4 Divisão do trabalho 4.2 Relações de produção 4.2.1 Relações técnicas de produção 4.2.2 Relações sociais de produção 4.3 As forças produtivas 4.3.1 Modo de Produção primitivo 4.3.2 Modo de Produção escravista 4.3.3 Modo de produção asiático 4.3.4 Modo de produção feudal 4.3.5 Modo de produção capitalista 4.3.6 Modo de produção socialista 4.4 Estrutura econômica da sociedade 4.4.1 Relações de produção e relações de distribuição 4.4.2 Relações de produção e relações de consumo 4.4.3 Relações de produção e relações de intercâmbio 4.4.4 O Trabalho como base do valor 4.5 Liberalismo e subdesenvolvimento 4.5.1 Neoliberalismo REFERÊNCIAS 1 SOCIOLOGIA COMO CIÊNCIA: CONCEITOS E FUNÇÃO João Arnoldo Gascho 1.1 Primeiras palavras É natural para o homem viver em sociedade. Tanto é assim, que o grego Aristóteles, já no século IV antes de Cristo, falava no ser humano como animal social e político. Cada um de nós, inserido que está num agrupamento humano organizado e estruturado, se sente no direito de dar opinião sobre esta organização e esta estrutura. Igualmente, cada ser humano, como ser social, tem opinião a dar sobre o que se passa com esse agrupamento e também sobre a adequação e justiça desta organização e estrutura. Queremos entender como a sociedade funciona e nos entender dentro dela. Em cada época da história, de acordo com a maneira ou com os pressupostos assumidos para interpretar a sociedade, houve diferentes interpretações. Assim, a mitologia interpretava a sociedade humana como fruto da vontade dos deuses e da força do destino implacável. Nesta interpretação, não era o indivíduo, nem a sociedade em seu conjunto, que determinava sua organização e sua história, mas fatores externos, alheios à sua vontade e controle. O surgimento da filosofia, por volta do século V antes de Cristo, mudou esta visão e o ser humano sentiu-se com o poder, advindo da sua razão, para interpretar a realidade e intervir sobre ela. Ou seja, o ser humano percebeu-se como capaz de produzir conhecimento e construir ele mesmo sua história individual e coletiva. A religião trouxe novos elementos para explicar a realidade e dar diretrizes à atividade humana; a sociedade humana deveria ser explicada em sua origem, determinada em suas formas de proceder e orientada por um destino fundamentado na vontade e em mandamentos divinos. Tivemos épocas na história, como na Idade Média, em que por força da Igreja, a sociedade tinha uma característica teocêntrica (Deus no centro). Finalmente, o movimento científico surgido no século XVI, culminou com o surgimento de uma nova forma de interpretação da realidade e também da realidade social. Todo conhecimento que não pudesse ser experimentado e comprovado de forma sistemática e incontestável, segundo método lógico e específico, era rejeitado. Nem todos os cientistas negaram a interpretação religiosa ou filosófica, mas colocaram a ciência em outro patamar de conhecimento. Outros, como Augusto Comte (1798-1857), tinham como conhecimento válido apenas aquele construído segundo normas rígidas de experimentação, de pesquisa, de comprovação racional e empírica. Augusto Comte apresentou a teoria dos três estágios, isto é, a Sociedade passou inicialmente pelo estágio mítico ou religioso, no qual tudo era explicado por indicações externas, do mito ou da religião; em seguida, houve o momento filosófico ou metafísico, baseado no conhecimento intelectual especulativo da filosofia. Esses estágios devem ser superados pelo conhecimento científico que ele chamou de estágio positivo, que corresponde ao verdadeiro amadurecimento da humanidade. Assim, Comte queria superar, no estudo da realidade social, o estágio da mera opinião ou da especulação racional e, por isso, rejeitou também qualquer influência da filosofia tradicional e, sobretudo, da religião ou da mitologia. Ele queria que o estudo da sociedade fosse feito com o mesmo rigor e com o mesmo método das ciências naturais, denominando a forma de estudar a sociedade, por ele iniciada, como física social. Por isso ele é conhecido como o iniciador da Sociologia, com sua obra Curso de Filosofia Positiva, publicado em 1839. Vamos refletir: Todos nos sentimos no direito de dar opinião sobre a realidade social: damos explicação sobre as razões das desigualdades sociais; “sabemos” porque existem conflitos; explicamos o fenômeno da violência; falamos com convicção sobre a influência da mídia... Mas até que ponto as nossas explicações refletem um conhecimento elaborado e comprovado? Será que conseguimos sair do senso comum, da opinião e do palpite? Será que o estudante universitário pode se contentar com o senso comum, a opinião e o palpite? 1.2 O que estuda a Sociologia? Augusto Comte deu o início, mas foi com Émile Dürkheim (1858-1917) que a Sociologia ganhou status de ciência. O primeiro passo foi definir qual o objeto de estudo da Sociologia. Tratava-se de caracterizar um objeto específico de estudo diferente das demais ciências. Para Dürkheim, esse objeto foi chamado de Fato Social. 1.2.1 Sociologia e o Estudo dos Fatos Sociais Estamos, pois, diante de uma ordem de fatos que apresenta caracteres muito especiais: consistem em maneiras de agir, de pensar e de sentir exteriores ao indivíduo, dotadas de um poder de coerção em virtude do qual se lhes impõem. (...) Constituem, pois, uma espécie nova e é a eles que deve ser dada e reservada a qualificação de FATOS SOCIAIS (DURKHEIM, 1974, p.6). Três características são próprias do fato social: a) generalidade: é comum aos membros de um grupo; b) exterioridade: é externo ao indivíduo, existe independentemente da sua vontade; c) coercitividade: atua sobre os indivíduos tão fortemente que estes se sentem impelidos a seguir o comportamento estabelecido. Os fatos sociais, para fins de estudo científico e para superarmos o senso comum e a mera opinião, devem ser tratados como “coisas”, deforma semelhante, por exemplo, ao estudo do movimento dos corpos pela Física, ou do estudo do metabolismo nos seres vivos pela Biologia. Deve-se afastar a idéia de que as ciências consideradas humanas, não podem ter a objetividade das ciências naturais, seguindo método rigoroso de experimentação e investigação. O rigor científico deve afastar todos os indícios e procedimentos que possam sugerir subjetividade. Segundo Cohn apud Oliveira (2000, p.15). “(...) executar o trabalho científico é estabelecer relações não evidentes. É preciso fugir ao império do senso comum e atravessar a grossa camada da evidência, tentando captar as tendências que estão surgindo na sociedade”. Vamos considerar o trabalho - fato social - como objeto de estudo sociológico. O rigor científico que a Sociologia, como ciência, exige, deverá afastar interferências de ordem pessoal e subjetiva do pesquisador, como fatores de ordem emocional, preconceitos de qualquer origem ou qualquer outro aspecto que possa desviar o estudo de forma tendenciosa. A ciência exige estudo sistemático, investigação e busca de dados de forma controlada, com resultados que possam ser validados e comprovados. Vamos aprofundar um pouco este estudo? a) A partir de uma reportagem de jornal ou de revista, identifique um fato social e analise se ele possui as características apontadas acima. b) Você acha que a ciência e a tecnologia interferem na forma de organização social? Elas geram fatos sociais ou elas seriam, em si mesmas, um fato social? c) De que forma os modos de produção influenciam no modo de ser de uma sociedade? O trabalho pode ser entendido, então, como um fato social, objeto de estudo da Sociologia? É natural ao homem viver em grupo. As conseqüências desta realidade social, e o modo de realizar-se esta vida em grupo são objetos de estudo da Sociologia. Identificar, analisar e entender as mudanças que ocorrem na sociedade e também as diferenças que existem entre diferentes funções sociais e mesmo as diferentes profissões podem e devem ser entendidas num contexto de padrões estabelecidos socialmente. A época do empirismo passou. Hoje em dia não é mais possível improvisar quando se trata de entender e explicar um fenômeno ou fato social (Oliveira, 2003, p.17). 1.3 Diferentes teorias Da mesma forma que em outras ciências, há diferentes teorias também na Sociologia. Teorias fundamentam-se em pressupostos, conceitos, metodologias, e diferentes teorias levam a diferentes interpretações da realidade, com implicações diretas na forma de entender e aplicar os conhecimentos gerados. Abaixo, apresentaremos duas teorias sociológicas que implicam maneiras diferentes de entender a sociedade e os fatos sociais, e, consequentemente, maneiras diferentes de viver em grupo. Falaremos da teoria positivista/funcionalista e da teoria histórico crítica ou dialética. Qualquer teoria sociológica fundamenta-se num entendimento ou conceito anterior: afinal, o que é SOCIEDADE? Sintetizando o que nos traz Abbagnano (1999), podemos considerar três aspectos: sociedade implica relações intersubjetivas, comunicação; deve ser considerada como uma totalidade, grupo de indivíduos em seu conjunto; supõe a existência de condicionamentos ou determinações que regem os relacionamentos dos indivíduos enquanto conjunto. Vamos conversar um pouco sobre a teoria funcionalista/positivista? Augusto Comte considerava que a sociedade poderia ser analisada sob um ponto de vista estático e sob um ponto de vista dinâmico. Sob o ponto de vista estático, a sociedade é vista como ordem e organização estabelecida que precisa ser mantida para a própria sobrevivência do conjunto. A visão dinâmica entende a perspectiva do progresso social, entendido como o movimento necessário para que a harmonia, o equilíbrio, a estabilidade e a ordem sejam mantidas sem rupturas. A palavra Positivismo, que denomina a teoria de Comte, tem a ver com “o que está posto” ou “a realidade que está aí”. Para o Positivismo de Comte, o progresso social não se faz fora da ordem. Você está imaginando que isso tem algo a ver com o lema escrito na bandeira do Brasil? Pois você está totalmente certo. No século XIX muitos brasileiros, sobretudo os mais influentes e seus filhos, iam estudar na Europa. Boa parte destes ia para a França, onde estavam mais fortes as idéias positivistas. Esta elite acabou gerando, no Brasil, o movimento que derrubou o Império e proclamou a República, em cuja bandeira ficou registrado o lema Positivista: Ordem e Progresso. Uma outra denominação dada a esta teoria é Funcionalismo ou Organicismo. Guareschi (1997, p.20) explica este conceito dizendo que, nesta perspectiva, a sociedade. [...] está estruturada de forma especial: tudo o que está aí forma um sistema organizado, em que tudo tem sua função (...) Aqueles que seguem essa teoria enxergam o mundo todo organizadinho. Não há nada sobrando. Costumam dizer que a sociedade é como se fosse um organismo, ou como se fosse um organismo vivo. Segundo essa teoria, qualquer mudança pode ser perigosa para a ordem e o equilíbrio social, e as únicas mudanças aceitáveis são aquelas que ajudam a manter a ordem das coisas, caso contrário, levam à desestruturação social. O ideal positivista de ciência encara o objeto de estudo como algo fixo e determinado, submetido à análise fria e objetiva do pesquisador. O fato social, como objeto de estudo da Sociologia como ciência, no Positivismo, parte da premissa que a realidade social é algo pronto e acabado e deve ser estudada como se assim fosse permanecer. De alguma forma, a ciência positivista “congela” o objeto de estudo ao que está aí, em determinado tempo e espaço. Vamos refletir e conversar um pouco sobre a teoria histórico-crítica... A teoria positivista/funcionalista para se entender a sociedade, no seu modo de ver e analisar, corresponde à realidade que observamos? O fato social, como objeto de estudo da sociologia, é “algo que está aí, pronto e acabado”? Que outra forma de considerar o fato social pode nos levar a outro modelo de análise e entendimento da sociedade? O debate sobre a questão acima certamente já levantou nova hipótese de análise. Esta hipótese parte de outro conceito de sociedade que leva a teoria diferente. Para Guareschi (1997, p.23: “Que nomes a gente poderia dar a esta outra teoria? Um dos nomes é o de teoria histórica, e vamos ver por que. Quando se fala em história, ou histórico, a primeira coisa que vem à mente é de algo que passa, de algo transitório”. Se atribuirmos à sociedade uma condição histórica, estamos admitindo que ela também é transitória, mutável, como é a história. Por isso, essa teoria, também chamada de crítica, vê a mudança como parte essencial da própria realidade, e assim também da sociedade. Os fatos sociais, objeto de estudo da Sociologia, não podem, portanto ser estudados como algo pronto, “congelado” no tempo, mas como realidades em processo, ou como diz o mesmo Guareschi (1997, p.23) “O que é criado não é eterno, apareceu e vai desaparecer. Por isso mesmo é precário, transitório, isto é, histórico”. Na concepção crítica ou histórica da sociedade e da sua correspondente teoria sociológica, incorpora-se a idéia da mudança, da condição humana de decidir sobre sua realidade e sobre seu destino. É o ser humano, com suas decisões e ações que cria a sociedade e assim ele também pode - e deve! – transformá-la. O equilíbrio social, nesta concepção, encontra-se não em estruturas fixas, nem em funções pré-estabelecidas, em algo “posto” (daí Positivismo!), mas no processo, no dinamismo natural e necessário das coisas, e a mudança é sempre possível. A teoria crítica ou histórica parte do pressuposto de que a sociedade nunca está pronta; há,necessariamente, forças internas contraditórias em toda a realidade, e com muito mais razão na realidade social, que colocam esta realidade em posição de marcha. O equilíbrio não é algo a ser alcançado, mas algo a ser buscado permanentemente, admitindo que toda realidade tem um lado que não pode ser escondido, mas que está aí para ser revelado. A esta visão chamamos também de visão dialética da realidade. O que é dialética? No sentido original, dialética é a arte de discutir a partir de tensão natural que sempre há de existir entre opostos, sejam idéias ou fatos históricos. É a lei básica pela qual avança o pensamento e também a realidade. A dialética na Sociologia nos leva a entender a realidade social como a convivência de contrários; esta convivência provoca tensões que são o motor da mudança, da evolução e do progresso. Refuta-se, portanto, a idéia de Comte para quem o progresso vem pela ordem. Onde há pensamento único, concordância total, não se avança em idéias. Onde se acredita que tudo está bem, para que mudar? Para refletir: Argumente a favor da teoria positivista/funcionalista e, depois a favor da teoria histórico/crítica que usa o modelo dialético. Qual teoria predomina, como prática, na sociedade atual? 1.4 Sociologia na prática Os sociólogos modernos, via de regra, não se mantêm no estudo de conceitos e teorias abstratas, mas voltam-se a áreas específicas, buscando entender determinadas realidades sociais específicas. Podemos dizer que a pesquisa sociológica toma diversos caminhos: • Sociologia urbana: das características e implicações da urbanização sobre a sociedade. • Sociologia étnica: voltada ao estudo da organização social de diferentes grupos étnicos. • Sociologia da comunicação: implicações da mídia, da propaganda e das novas tecnologias da informação e comunicação sobre a organização e o comportamento social. • Estudo das classes sociais e da mobilidade social: como a sociedade se estrutura em classes, e como se processa a passagem de indivíduos ou grupos de uma classe para outra. • Sociologia industrial ou organizacional: estudo dos grupos humanos ligados por compromissos com uma organização e das relações que ali acontecem. • Estudo da ciência e da tecnologia: implicações da evolução científica e tecnológica sobre a organização social. Existem, além destes caminhos, outras aplicações específicas do estudo da Sociologia e, como continuidade de estudos, individual ou em grupos, vocês poderiam: a) Enumerar outros campos específicos de estudo da sociologia e as contribuições que esta ciência pode trazer para este campo de estudo. b) Refletir sobre as contribuições específicas do estudo da sociologia para o seu campo de formação profissional. 2 CULTURA E REPRESENTAÇÕES SOCIAIS Leandra Bôer Possa Caros e caras acadêmicos e acadêmicas... Este material foi escrito para orientar a discussão e a aprendizagem de vocês a respeito de uma temática importantíssima, que se refere a sua formação humanística, pois esta temática, a CULTURA, diz respeito a cada um de nós e a cada um dos grupos sociais em que vivemos. Então, vamos lá, este texto orienta os estudos, mas é importante que neste processo vocês também cooperem, discutindo com o professor e os colegas o conteúdo aqui apresentado. 2.1. Conceito de cultura Podemos começar este estudo pensando um pouco sobre o conceito de cultura, ou seja, como podemos entender o que é cultura? Primeiro, então, façam um exercício para pensar: O que vocês fazem no dia a dia, quais são suas ações e comportamentos durante um dia, que remetam a pensar que isso seja cultura? Vamos lá... Vou começar: acordam todas as manhãs, tomam café, moram com a família, dizem bom dia para as pessoas quando passam, vão trabalhar, são casados, ou não solteiros,... O que mais?___________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ Após termos pensado sobre o que fazemos, como nos comportamos e agimos, podemos então pensar sobre como outras pessoas o fazem... No interior do Rio Grande do Sul, nas estâncias e fazendas, trabalham alguns sujeitos que são chamados de peões. Na lida com o campo e com o gado, estes sujeitos acordam muito cedo, por volta das 5 horas da manhã. Lá vão eles tomar chimarrão e, logo após, vão para o campo. Na volta dos afazeres, lá pelas 8 horas, quando chegam, as mulheres preparam seu café da manhã. Então, todos sentam à mesa e comem carreteiro (arroz com carne seca) e feijão, um desjejum que, para muitos de nós, só seria apreciado como almoço. Para os russos, o cumprimento normal entre os homens seria darem-se beijos nas faces. O que para muitos de nossos homens brasileiros seria um atentado à masculinidade. Para os povos nômades, do pólo norte, receber um visitante é uma festividade, pois são pouco visitados. Para demonstrar esta alegria, o homem da casa oferece a mulher para que esta durma com o visitante. Para alguns povos árabes, o homem pode ser casado com tantas mulheres quantas pode sustentar. Por isso pode ter várias famílias, isso é permitido. No Brasil, este modo de vida seria considerado poligamia. Vocês devem conhecer mais exemplos como estes, que nos diferem de povos longínquos. Mas também podemos ter vários exemplos que nos diferem entre pessoas que constituem um mesmo povo e uma mesma comunidade. Vamos conversar sobre isso. Tragam exemplos que conhecem. Pois bem, agora vamos tentar interpretar aquilo que fazemos no nosso cotidiano e aquilo que nos difere, a partir de alguns conceitos de cultura elaborados por alguns cientistas: • Para Taylor (1871, p.71), cultura é: “aquele todo complexo que inclui conhecimento, crenças, arte, moral, lei, costumes e todas as outras aptidões e hábitos adquiridos pelo homem como membro da sociedade”. • Para Keesing (1981, p.54), cultura é: “sistemas de idéias compartilhadas, sistema de conceitos e regras e significados que subjazem e são expressos nas maneiras como os seres humanos vivem”. • Para Johnson (1997, p.59), cultura é: “o conjunto acumulado de símbolos, idéias e produtos materiais associados a um sistema social, seja ele uma sociedade inteira ou uma família.” • Para Helman (2003, p.12), cultura é: “um conjunto de princípios (explícitos e implícitos) herdados pelos indivíduos membros de uma dada sociedade; princípios esses que mostram aos indivíduos como ver o mundo, como vivenciá-lo emocionalmente e como comportar-se em relação às outras pessoas, às forças sobrenaturais ou aos deuses e ao ambiente natural. Essa cultura proporciona aos indivíduos um meio de transmitir suas diretrizes para a geração seguinte mediante o uso de símbolos, da linguagem, da arte e dos rituais.” • Para Goodenough in Laraia (2002, p.55), cultura é: “tudo aquilo que alguém tem que conhecer ou acreditar para operar de maneira aceitável dentro de uma sociedade”. • Para Strauss in Laraia (2002, p.61), cultura é “um sistema simbólico que é uma criação acumulativa da mente humana.” • Para Geertz in Laraia (2002, p.62), a cultura “deve ser ‘considerada‘ não um complexo de comportamentos concretos, mas um conjunto de mecanismos de controle, planos, receitas, regras e instruções (que os técnicos de computadores chamam de programa) para governar o comportamento.” • Para Cortela (1998, p.41), a cultura “é o conjunto da ação do humano sobre o mundo por intermédio do trabalho.” Podemos então concluir que Cultura é “tudo isso, mas se configura em uma ‘lente’, como ‘um óculos’ que aprendemosa colocar para perceber e conhecer o mundo e as relações nele; ‘um óculos’ que aprendemos a colocar e usar para poder viver e agir no mundo e em sociedade”. Com estes conceitos, podemos agora interpretar as nossas ações e comportamentos cotidianos que anotamos no início desta sessão. O que fazemos, como agimos e como nos comportamos tem relação com a cultura? Por quê? Para refletirmos um pouco mais... [...] não basta a natureza criar indivíduos altamente inteligentes, isto ela o faz com freqüência, mas é necessário que coloque ao alcance desses indivíduos o material que lhe permita exercer a sua criatividade de uma maneira revolucionária. Santos Dumont (1873- 1932) não teria sido o inventor do avião se não tivesse abandonado a sua pachorrenta Palmira, no final do século XIX, e se transferido em 1892 para Paris. Ali teve acesso a todo conhecimento acumulado pela civilização ocidental. Em Palmira, o seu cérebro privilegiado poderia talvez realizar outras invenções, como por exemplo, um eixo mais aperfeiçoado para carros de bois, mas jamais teria tido a oportunidade de proporcionar à humanidade a capacidade de locomoção aérea. (LARAIA, 2002, p 46) A partir deste exemplo trazido por Laraia podemos, então, estabelecer algumas conclusões sobre a importância da cultura no processo de desenvolvimento dos indivíduos que compõem a sociedade. O que pensam sobre isto? 2.2 Cultura, identidade social e representações sociais Como observamos e refletimos no momento anterior, podemos imaginar a cultura como um elemento social do qual cada ser humano vai se apropriando no momento que começa a viver em sociedade. Neste sentido, a cultura não é uma determinação biológica, genética, pois não nascemos com a cultura, mas vamos aprendendo-a tendo em vista a interação que realizamos em nosso grupo social. No entanto, imaginar a cultura como uma produção humana de grupos sociais, fora da constituição genética não é algo tão óbvio para algumas pessoas na sociedade humana, pois muita gente acreditou e ainda acredita que as formas de vida e as características de um povo são determinações biológicas-genéticas. Na história da humanidade, podemos observar algumas destas idéias sobre a cultura que geraram formas perversas e racistas de interpretação de um povo e de uma cultura. Algumas delas: Hittler com a idéia de superioridade da raça ariana; a evangelização e imposição da cultura européia aos índios brasileiros; a escravidão dos africanos e a proibição de suas manifestações culturais... Podemos continuar esta lista com histórias mais recentes. As dos neonazistas e grupos de jovens que colocam fogo em índio; ou que massacram outros jovens em metrôs; ou ainda de policiais que matam por engano um dentista por ele ser negro e confundido com marginal. Por outro lado, ainda existe muita gente que acreditou e acredita na supremacia de uma cultura sobre outras. A idéia de que uma forma de vida seja a mais correta, a mais eficiente, a que tem valores mais nobres, constitui-se de concepções sociais que não conseguem observar e admitir formas de vida e comportamentos, estilos de vida e de crença, valores e contextos diferentes. No sentido da não-aceitação de culturas diferentes, têm-se os preconceitos e os estigmas. Vejamos alguns exemplos: Para alguns, os povos ciganos são tidos como pessoas sujas, não possuem caráter. O seu modo de vida não é visto como cultura, pois este não se integra a uma cultura dominante da sociedade. O modo de vida e a simplicidade do homem do campo são percebidos pela cultura científica como ingenuidade, como cultura menor. Os índios do Xingu são tidos como seres impuros, e o seu modo de vida é tido como inadequado diante da tecnologia de nossos tempos. O que nos esquecemos em tudo isso? O que nos faz seres humanos e seres de identidade? Esta é a idéia da qual nos esquecemos: que o que nos faz ter uma identidade social, uma identidade com o grupo social a que pertencemos, uma representação social, idéias com significado e sentido, com os quais compartilhamos em um grupo social, são justamente os modos de vida, a aprendizagem de comportamentos, crenças e valores do indivíduo neste grupo social. Neste sentido, estamos ouvindo muito nos meios de comunicação a idéia... O povo Xingu está perdendo a sua identidade. Podemos então refletir... Por quê? O ser humano é uma espécie animal que tem um caráter biológico universal e o que nos diferencia enquanto seres e nos possibilita a variedade de grupos sociais são as formas de pensar, os hábitos, as crenças e os valores e, por isso, a cultura. É a cultura como capacidade humana de criar conhecimentos, crenças, valores e comportamentos diante de um contexto natural e social, que constitui os diferentes grupos sociais e sociedades, bem como a diversidade de culturas com a qual estamos acostumados a conviver, mas que nem sempre respeitamos. Vamos fazer uma reflexão... Um menino nascido no nordeste brasileiro é adotado, quando bebê, por uma família norte-americana e levado para Nova Iorque. Lá é criado e aprende a ser um ser humano com esta família que lhe tem muita estima, sendo ele filho único. Diante deste fato podemos nos perguntar: Que língua esta criança irá falar? Assimilará que valores? Como irá se comportar? Se depois de crescida vier para o Brasil, conhecer seus irmãos biológicos, irá perceber-se diferente? Por quê? Podemos então perceber, através do exemplo acima, que o que nos dá uma identidade cultural, que nos projeta uma identidade individual é a cultura, as aprendizagem que realizamos com o nosso grupo social. 2.2.1 Identidade cultural Algumas perguntas são insistentes no contexto do desenvolvimento da espécie humana ao longo da história e ainda hoje. São elas: Quem é o ser humano? Quem é o homem? Por que estamos aqui neste mundo? Qual é o sentido de nossa existência? Estas perguntas, em diferentes épocas históricas, terão diferentes possibilidades de respostas, pois a resposta a estas perguntas é a tentativa de identificar o ser humano, de dar-lhe e de dar-nos uma identidade, de nos diferenciar. Como afirma Cortela(1998, p 24), [...] nos diferenciar do restante da realidade de modo que nela nos localizemos; ao mesmo tempo, é a procura de uma definição (do latim finis, limite, fronteira) daquilo que é nosso contorno, que nos circunscreve, nos contém, ou seja, marca nosso lugar. Neste contexto de perguntas humanas sobre a sua existência, a identidade cultural é uma das possibilidades de compreendermos que o que diferencia e identifica os seres humanos dos outros animais é a capacidade humana de construir sentidos próprios para a sua existência. O ser humano é capaz, diferentemente de outros animais, de produzir conhecimentos sobre um mundo natural, transformando- o em um mundo cultural. É capaz de construir um mundo, nele viver e a ele transformar tendo em vista que inventa uma variedade de possibilidades de interpretação e de experiências que o afastam, cada vez mais, de sua condição de animal. Para Cortela (1998), o ser humano, nesse processo, cria uma identidade porque se dedica a pensar a sua própria condição, sendo a única criatura viva no mundo (que se tem conhecimento) a se recusar em ser o que é. A identidade cultural então, é a hominização do humano, pois através da cultura o ser humano se identifica tornando-se humano na vida social e histórica, ao mesmo tempo em que é capaz de produzir novas formas de compreensão de sua existência, criando novos elementos culturais. Para Pinto (1979, p 122), a cultura é a [...] coletânea do processo hominização, [que] não tem data de nascimento definida nem forma distintiva inicial.A criação da cultura e a criação do homem são na verdade duas faces de um e mesmo processo, que passa de principalmente orgânico na primeira fase a principalmente social na segunda, sem contudo em qualquer momento deixar de estar presentes os dois aspectos e de se condicionarem reciprocamente. A realização biológica do ser em curso de hominização determina as possibilidades de criação cultural que lhe são dadas em tal fase, mas estas, ao se realizarem, contribuem para o desenvolvimento e aperfeiçoamento das qualidades orgânicas, até o momento em que impelem o animal a transformar o modo de existência, tornando-o um ser produtor, a princípio inconsciente e depois consciente, de si mesmo. Para refletir sobre a identidade cultural humana vamos discutir dois cenários projetados por Cortela (1998): Cenário 1: Estamos em um dos universos possíveis, ele é finito e tem provavelmente o formato cilíndrico (em função da curvatura do espaço sobre si mesmo); - Esse universo surgiu há aproximadamente 15 bilhões de anos, a partir de uma grande explosão inicial apelidada de “Big Bang” e se extinguirá daqui a outros tantos bilhões de anos, em função do esvaecimento da matéria e energia nele existentes; - Dessa explosão original resultou uma expansão (que ainda continua), em escala inimaginável, e que se concentrou, basicamente, em grandes massas estelares que, por sua vez, se agrupam em 100 bilhões de galáxias; - Uma dessas galáxias é a nossa a Via Láctea, que contém 100 bilhões de estrelas; - Nessa galáxia, há 4,6 bilhões de anos, originou-se o nosso sistema solar; - O Sol, uma das 100 bilhões de estrelas da galáxia, é relativamente pequeno (de 5ª grandeza), e tem, girando a sua volta, 9 já conhecidos planetas (do grego planetès, vagabundo, errante); - Um desses planetas é a Terra, o quinto em tamanho e distante 150 milhões de quilômetros do Sol; - Na Terra há vida e, até há pouco, supunha-se que só a havia nela; - Estima-se que nosso planeta tenha entre 3 e 30 milhões de espécies de vida diferentes, embora apenas 1,4 milhão tenha sido classificada (750.000 insetos, 41.000 vertebrados, 250.000 plantas e o restante de outros invertebrados, fungos, algas e microorganismos); - Uma dessas espécies é a nossa, em sua forma mais recente (35.000 anos para cá), chamada de Homo Sapiens Sapiens; - A espécie humana tem, no momento, 5,5 bilhões de indivíduos; - Um deles sou eu [...] De forma caricatural (mas não falsa), assim se poderia responder à questão Quem sou eu?: sou apenas um indivíduo entre outros 5,5 bilhões, pertencente a uma única espécie entre outras 30 milhões diferentes, vivendo em um planetinha, que gira em torno de uma estrelinha entre outras 100 bilhões, que compõem uma mera galáxia em meio a outras 100 bilhões, presentes em um universos existentes... [...] No que se refere a essas conclusões, deveria ser menos instável viver, digamos, durante o período medieval europeu (entre os séculos V e XV), quando tudo parecia estar em “ordem”: a Terra no centro do Universo, o Homem no centro na Terra, a Alma no centro do Homem e Deus no centro da Alma. (p 25-27) Cenário 2: Tal como os símios, somos, entre os mamíferos, um ancestral comum (no momento, identificado em registros fósseis de 22 milhões de anos); porém, ainda não há provas cabais sobre qual é e quando viveu o primeiro ancestral direto de um hominídeo (hipóteses situam-no entre 8 e 10 milhões a.C.). [...] Supõe-se que há 5 milhões de anos se iniciou a separação mais nítida, em distintas linhas evolutivas, entre símios e hominídeos; o fóssil mais aproximado dessa distinção é o Australopithecus, (4,4 milhões de anos), quase certamente o primeiro bípede humano. Na seqüência, tivemos o Homo Habilis (2 milhões de anos), o Homo Eretus (conhecido como o primeiro a migrar para fora do continente africano, nosso mais possível local de origem, há 1,6 milhão de anos), o Homo Neanderthalensis (entre 400 mil e 250 mil anos) e, por fim, o Homo Sapiens mais próximo a nós (35.000 anos). [...] Esse processo de milhões de anos foi acompanhado de alterações significativas em nosso equipamento biológico e estas, aos poucos, foram superando a pretensa desvantagem de nossa não-especialização. O que pensam sobre estes cenários? Podemos perceber nestas histórias a importância da cultura como reflexão da identidade humana? POR QUÊ? 2.2.2 Identidade cultural e representações sociais A identidade cultural humana como vimos anteriormente, nos projeta como construtores de sentido para a nossa existência em diferentes momentos históricos. A identidade cultural é um processo de identificação que se constitui pela produção de sentidos que permitem a regulação de comportamentos, a identificação e distribuição de papéis sociais. São redes de sentidos que orientam a conduta humana coletiva, na medida em que as normas, valores, códigos, são aprendidos por todos em uma comunidade, sendo essa a matriz da identificação. Graças à identidade cultural e às representações sociais, temos a possibilidade, como seres humanos, de dizer não e de não admitir a coerção física (prática dos animais), substituindo-a por uma coerção simbólica (idéias, leis, normas, valores). A orientação e adesão do ser humano à sociedade humana, não é um convencimento forçado, mas sutil e virtual através do envolvimento. Pelo sistema simbólico da comunidade e dos próprios sujeitos dela pertencentes, compreendemos o quanto a identidade cultural é importante e, ao mesmo tempo, manipuladora dos indivíduos. Pensando um pouco sobre isto, vamos a alguns exemplos: Ninguém obriga alguém, pela força, a ser cidadão jaraguaense. O sujeito se constrói cidadão deste lugar não porque nasce aqui, mas porque vive aqui. Podemos refletir e criticar as formas e sistemas simbólicos de vida desta cidade, mas se tirarmos ou se deixarem de existir algumas de suas características, códigos de vida e valores, certamente a identidade cultural desta comunidade e, por conseguinte, das pessoas, é abalada. Identificamos isso quando uma pessoa de Jaraguá vai viver em outro lugar. Mesmo tendo a possibilidade de apreender e apropriar-se de uma nova cultura e de com ela se identificar, as lembranças do sistema simbólico aprendido em Jaraguá se mantêm neste sujeito. É impossível forçar alguém, nos tempos de hoje (ao contrário da escravidão no Brasil), pela força física, a trabalhar em uma empresa. No entanto, se deixássemos as pessoas livres, no sentido de trabalharem quando quisessem ou quando achassem importante, não teríamos empresas. Percebam então que na sociedade em que estamos inseridos existe uma forma de identidade cultural que nos conduz dia após dia para o emprego, e esta identificação está situada em elementos globais (sobrevivência...), mas também se situa em elementos específicos (cooperação com os colegas de trabalho...). O que estes dois exemplos explicam do parágrafo anterior ao quadro? O sistema simbólico que discutíamos anteriormente está situado em algo que podemos também chamar de representações sociais. Mas o que são representações sociais? Para Moscovici (1978), não são simples imagens ou opiniões sobre o mundo, mas são teorias coletivas sobre o real, são sistemas lógicos e se constituem em uma linguagem compartilhada de uma estrutura social baseada em valores e conceitos. Este sistema determina, pelos grupos sociais, um campo de comunicação de idéias e valores e regem as condutas desejadas e admitidas neste grupo. Neste sentido, entende-se a cultura como uma representação social que define um conjunto de idéias, conhecimentos, valores, ideologias, regras e normas, que tem origem na vida cotidiana e do senso comum. Este conjunto orienta o pensamento prático, a comunicação e compreensão, as relações e as atitudes humanas (individuaise coletivas) em um determinado agrupamento social. Neste sentido, as representações sociais se configuram em um conjunto de idéias que permitem o entendimento e a ação comunicativa, possibilitando atribuir significados e sentidos a uma imagem, objeto ou fenômeno social. Segundo Habermas, o agir comunicativo não pode ser entendido como agir racional, pois este exige capacidade de entender do sujeito e de coordenar a ação, bem como a possibilidade de justificação prático-moral. Pressupõe validade do discurso, validade universal (verdade, justeza, veracidade), que pelo menos implicitamente são colocadas e reciprocamente reconhecidas pelos interessados, tornam possível o consenso que serve de base para o agir comum. O agir comunicativo orienta-se por normas intersubjetivamente válidas. Construídas entre o Eu e o Tu. Significado é um conceito produzido pela cultura independente da atividade individual do sujeito sob um objeto, o significado se caracteriza por um sistema conceitual determinado de significações, elaborado historicamente. O significado é construído pelo individual pela apropriação, e em se apropriando faz uso instrumental do significado para compreender e se integrar ao mundo social em que está inserido. O sentido por sua vez é uma atribuição de valor individual, subjetivo e se torna complexo porque exige que o sujeito construa pela sua atividade um sentido de ação, pensamento. (Leontiv, A. O desenvolvimento do Psiquismo, Lisboa:Horizontes, 1978) A representação social como um conjunto de significados e sentidos (objetivos e subjetivos) é produto de uma construção de idéias que vai definir a existência de sujeitos enquanto pensadores, trabalhadores, concretizadores da cultura. Os seres humanos como produtores e produtos da história são, também, aqueles que constroem um mundo de representações, pois atuando e transformando o mundo, são capazes de pensar seu cotidiano e com isso também são capazes de modificar a forma de pensar as suas relações nele. No mundo, os seres humanos não são meros objetos, pois eles criam instrumentos de trabalho e tecnológicos, retiram da terra o seu sustento, modificam a natureza, vivem em grupo criando e construindo relações sociais complexas como a cultura, as religiões, a economia e a política. É com esta ação humana e social que em cada contexto histórico se constituem as representações sociais. O mundo humano não é constituído de uma cultura, mas de múltiplas culturas que são produzidas nos grupos sociais e que lhe permitem se afastar de um sistema natural (sistema em que vivem as outras espécies de animais) para viver em sociedade: uma cultura humana. Isso nos leva a uma questão: Como o ser humano cria a cultura, que transforma a sua condição de ser natural para um ser social, histórico e cultural? O ser humano cria a cultura a partir de sua capacidade de utilizar a linguagem e de construir instrumentos de trabalho que lhe possibilitem produzir, a partir da natureza, um ambiente cultural eminentemente humano. A linguagem e os instrumentos são a possibilidade humana de produzir ação de transformação consciente no mundo. Estes elementos podem ser definidos como: • Linguagem: pensar de forma simbólica o mundo, representar o mundo por meio de signos e símbolos, comunicar, interagir com outras idéias, antecipar pensamentos antes de acontecerem no mundo real, planejar e executar projetos. • Instrumentos: criação de materiais que possibilitem não a ação direta sobre o mundo e a natureza, mas uma ação indireta, através de alguns instrumentos/recursos. Os instrumentos aqui vão da primeira flecha de madeira e pedra (no período da pedra lascada), passam pela enxada e o arado puxado a boi, até os mais sofisticados computadores de automação industrial nos dias de hoje. Instrumentos equipamentos, técnicas, e tecnologias que ampliam e tornam mais eficientes os sentidos e membros humanos, mas também que garantem a sua atuação de não especializado biologicamente para ação. Vamos então discutir e refletir sobre a identidade cultural e as representações culturais, identificando os elementos da linguagem e dos instrumentos em uma organização empresarial. Será que uma organização empresarial, uma indústria metalúrgica, ou têxtil, como espaço de trabalho, pode ser considerada espaço de identidade cultural para as pessoas que ali trabalham? Por quê? Nas discussões sobre cultura até aqui realizadas podemos perceber a importância deste tema para a formação profissional? 2.3 Dimensões da cultura: Material e não-material Como vimos anteriormente, a cultura se configura como sistema através da linguagem e da construção de instrumentos. Neste sentido, podemos considerar que o conteúdo cultural se dá pela cultura material e pela cultura não-material, sendo estas: • A cultura material inclui tudo o que é feito, modelado ou transformado como parte da vida social coletiva, da preparação do alimento à produção de aço e computadores, passando pelo paisagismo, pelas técnicas de construção civil, aeronáuticas e pelos instrumentos tecnológicos a que temos acesso e que continuamos a desenvolver. • A cultura não-material, eminentemente simbólica que inclui das palavras às notas musicais, das definições sobre as coisas aos conceitos, das idéias às teorias sobre o mundo, pois a cultura não-material representa, pela linguagem, o sistema simbólico de idéias, que modelam, informam e comunicam a vida dos seres humanos, uma vida de relações recíprocas configuradas em sistemas sociais dos quais, os seres humanos participam. As mais importantes dessas idéias são as ATITUDES, CRENÇAS, VALORES e NORMAS. Vamos buscar exemplos para a compreensão e discussão destas dimensões da cultura... Quando imaginamos uma dona de casa dos anos 30 do século XX podemos imaginar o seu dia diante dos afazeres domésticos, tais como lavar e passar roupa, preparar alimentação... Quando pensamos nesta dona de casa no século XXI, diante destes afazeres domésticos, o que muda? Muda por quê? Seria este um bom exemplo de transformação da cultura material? E será que a mudança desta cultura material também promove mudanças em relação ao papel desta mulher na sociedade? Ou seja, existe aí uma mudança de cultura não-material? Qual? Quando imaginamos um operário metalúrgico do início da revolução industrial, o que podemos identificar? Como podemos compreender o trabalho deste operário nos dias de hoje? Existe aqui alguma mudança nas dimensões material e não-material da cultura? Quais? 2.4 Outras discussões em torno da cultura Neste último tópico, apontarei algumas discussões atuais, e outras nem tanto, que vocês poderão estar aprofundando durante o desenvolvimento das aulas da disciplina. O primeiro tópico que trago é a idéia de que hoje o conhecimento sociológico nos aponta uma idéia de cultura não mais resignada a uma visão de homogeneidade (uma cultura) ou de hierarquia (uma cultura superior), pois quando tratamos a cultura no campo da identidade cultural e da representação social, é importante que se leve em consideração as múltiplas formas de viver, comportar-se, cooperar, acreditar e produzir idéias de um povo. Neste sentido, podemos hoje falar, no campo sociológico, das múltiplas culturas e da diversidade cultural, tendo como ponto principal o respeito às manifestações culturais locais (comunitárias). Esta discussão está no entendimento da rede de relações humanas e culturais no campo da complexidade humana, pois daí tem-se as condições de conceber a possibilidade de os sujeitos humanos terem de construir múltiplas interações com o mundo. A discussão sobre a diversidade cultural torna possível compreender que o outro é possuidorde seu próprio olhar, e de uma forma de relação com o mundo que lhe permite construir uma realidade, um mundo sob ângulos de interpretação e de vivências que não são os nossos, mas que nem por isso são menores ou menos eficientes. Não podem ser subjugados, pois as formas com que outros representam o mundo serão o conflito e a contradição de nossas formas de representação, são representações não pensadas por nós e por isso podem ser representações negligenciadas em nossa forma de interpretar e viver. Nesta discussão sobre diversidade cultural entra em jogo a nossa capacidade de flexibilizar pensamentos e ações, tendo em vista que os contrários não são negações, mas são elementos que conciliam a realidade. Nesta perspectiva, não nos cabe mais pensar entre o certo ou o errado, mas pensar que para a existência do certo é necessário o seu contrário e, neste sentido, certo e errado estão conciliados na realidade. Além das diversidades culturais locais, assinaladas no primeiro tópico, trago agora outro elemento de discussão, que implica a complexidade da cultura humana: a cultura global. O avanço tecnológico na área da informação e as transformações das bases produtivas capitalistas no sentido de um mercado globalizado têm provocado mudanças e relações surpreendentes no campo da cultura, configurando-se nas idéias de que até pouco tempo atrás pouco se sabia, ou se sabia tardiamente dos acontecimentos do mundo. Hoje, estes acontecimentos e as culturas dos diferentes povos chegam às nossas vidas locais através da TV em tempo real, da internet... Nunca, em tempos históricos passados, conhecemos tanto sobre outros povos, outras políticas, outras formas de viver como temos a oportunidade de conhecer hoje. Podemos, em tempo real, estar informados e fazer leituras cotidianas sobre a diversidade cultural e sobre a intolerância e supremacia de culturas para com outras culturas. Quando estamos na frente da telinha da TV, ou navegando na internet podemos ter hoje a sensação de sermos cidadãos do mundo, não mais do Brasil, ou de Jaraguá do Sul. Por outro lado, a cultura global em função da nova dinâmica capitalista (o neoliberalismo), com base no mercado global, está sendo subvertida por uma forma de cultura a que chamamos de indústria cultural, sendo esta uma tentativa de cultivo de uma cultura de massa capaz de dominar as representações com um poder simbólico que canaliza as vontades, desejos, comportamentos e conceitos de existência humana de forma global. São massas populacionais manobradas conforme os ventos e as intenções de uma política cultural orientada pela economia do mercado e do consumo. A indústria cultural segue a trajetória dos processos industriais de produção de mercadorias. Segundo Costa: A trajetória da produção cultural ao se submeter à lógica da mercadoria, que acompanha um suposto progresso material para livrar a civilização da barbárie, pode ser identificada na legitimidade que os bens culturais adquirem em função da velocidade da circulação, na capacidade de romperem a dinâmica espaço- temporal ou, até mesmo, no fato de conquistarem reconhecimento via consumo massivo, independente da qualidade estética e de conteúdo dos artefatos simbólicos. (2004, p 176) O que o autor quer dizer está expresso em muitos exemplos de nossa realidade. Nunca se vendeu tanto livros de auto-ajuda, ou de empreendedorismo, como nos últimos anos. Também, nunca se viu tanta publicação na área. Por quê? Os discursos ecológicos, culturais, inclusivos, a responsabilidade social e muitos outros conceitos hoje estão a serviço da indústria cultural que tem uma variedade e uma sofisticação quase inatingíveis. Ela chega como aprendizagem por várias vias e por diversos caminhos, com uma diversidade de nuances, cores e imagens que nos fazem comprar a idéia, a ação, ou mesmo um produto, como parte indispensável de nossas vidas. Neste momento, pensamos como pudemos ter vivido sem isso até ontem. Adorno dizia que a indústria cultural, a tentativa quase concretizada de uma cultura de massa é ideologicamente uma verdade posta a serviço de uma mentira. A grande questão está aí... Até que ponto nossa identidade cultural, e nossas representações, daí derivadas, são verdades postas a serviço de uma mentira criada por nós mesmos e pela nossa sociedade? Deixo vocês com esta e outras perguntas essenciais: Quem é o ser Humano? Qual é o nosso lugar? Que sentidos estamos construindo para a nossa existência? 3 ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E ESTRUTURA SOCIAL Victor Alberto Danich 3.1 Grupos Sociais Começaremos nossa conversa dizendo que a Sociologia sempre esteve interessada em estudar os grupos sociais. Os grupos, como unidades elementares de associação humana, antecedem a qualquer estudo de outros fenômenos sociais. Estudar a sociedade significa analisar como os grupos sociais se formam e como evoluem historicamente. Segundo Oliveira (2000), os grupos sociais são formas estáveis de integração social. Neles existem normas, costumes e hábitos próprios, assim como funções e posições determinadas na estrutura social. Para Fichter (1973, p. 85), o grupo social pode ser conceituado como “uma coletividade estruturada, contínua, de pessoas sociais que desempenham papéis recíprocos, segundo determinadas normas, interesses e valores sociais, para a consecução de objetivos comuns”. De modo geral, os grupos sociais estabelecem normas bem definidas para serem respeitadas por todos seus membros. As normas funcionam como um modelo determinante do comportamento das pessoas: o modo de falar, o tipo de roupa que devem usar, as crenças e valores que devem respeitar e assumir. Nesse sentido, estar dentro do grupo significa incorporar uma visão de mundo de acordo com os interesses da totalidade deste grupo. Conforme Oliveira (2000), a Sociologia define o conceito de grupo da seguinte forma: GRUPO SOCIAL é toda reunião de duas ou mais pessoas associadas pela interação, de modo a manter uma organização capaz de ações conjuntas para alcançar objetivos comuns a todos os seus membros. 3.1.1 Os principais grupos sociais De acordo com Oliveira (2000), os grupos sociais são formados por uma pluralidade de indivíduos que participam, ao mesmo tempo, de vários grupos sociais com interesses específicos, já que entre eles se estabelecem posições, interações e sentimentos comuns entre seus membros. A lista a seguir, segundo Oliveira (2000) mostra alguns dos grupos sociais existentes na sociedade. Grupo familiar: Representado pela família. Grupo vicinal: Formado pela vizinhança. Grupo educativo: Desenvolvido na escola. Grupo religioso: Ligado a Instituições religiosas. Grupo de lazer: Clubes e associações esportivas ou culturais. Grupo profissional: Relações profissionais na empresa, escritório, etc. Grupo político: Partidos políticos, Estado, agremiações, etc. 3.1.2 Características dos grupos sociais Conforme estudado anteriormente, os grupos têm funções diversas na estrutura social, tanto no tipo de organização, como também em finalidades e objetivos. Seguramente, vocês devem sentir-se identificados com alguns deles. Entretanto, os grupos possuem em comum certas características similares que, de acordo com Fichter (1973), podem ser discriminadas da seguinte forma: a) Identificação: o grupo deve ser identificado pelos seus membros e pelos membros de fora como tal. b) Estrutura social: cada elemento do grupo ocupa uma posição social em relação à posição dos outros membros. c) Papéis individuais: os comportamentos individuaisdefinidos no grupo fazem com que cada um de seus membros tenha uma participação determinada, de modo a permitir sua identificação. d) Relações recíprocas: deve existir interação social entre todos os membros do grupo, como forma de estabelecer canais de comunicação entre os membros. e) Normas de comportamento: são os padrões que orientam a ação do grupo, como maneira de determinar a forma e desempenho do papel do indivíduo dentro do grupo. f) Interesses e valores comuns: tudo aquilo que é aceito como bom e passível de ser compartilhado pela totalidade dos membros do grupo. g) Finalidade social: é o objetivo e finalidade do grupo. h) Permanência: para que o grupo se perpetue como tal é necessário que ele possua capacidade de interação ao longo do tempo. 3.1.3 Tipos de grupos sociais Vocês perceberam que existem características comuns a todos os grupos, independente da natureza. Porém, há uma forma de distinção entre pequenos e grandes grupos, que podem ser chamados conceitualmente de grupos primários, grupos secundários e grupos intermediários. a) Grupos primários: São aqueles nos quais predominam os contatos caracterizados por uma estreita colaboração e interação face a face, o que permite uma fusão de identidade permanente com o grupo. Por exemplo: a família, os vizinhos, os colegas de trabalho ou de lazer. b) Grupos secundários: são aqueles que estabelecem relações através de contatos indiretos, que ocorrem de forma passageira e sem intimidade, cujas relações se estabelecem de maneira formal e impessoal. Por exemplo: grupos mais complexos, como o Estado ou a Igreja. c) Grupos intermediários: são aqueles nos quais podem complementar-se ou alternar-se os dois tipos de contatos sociais, tanto primários como secundários. Exemplo: a escola. 3.1.4 Agregados sociais Os agregados sociais são constituídos por uma reunião de pessoas através de relações passageiras, aglomeradas ocasionalmente. Apesar da proximidade física, exibem um mínimo de comunicação e relações sociais. Os principais agregados sociais, segundo a classificação de Fichter (1973), são as manifestações públicas, diferentes tipos de multidão, público e massa. a) Manifestações públicas: são agregados de pessoas que se reúnem deliberadamente em função de um objetivo, participando de determinada ação coletiva. Por exemplo: um desfile, uma procissão ou um festejo isolado de acordo com uma comemoração de título futebolístico. b) Multidão: é um agregado pacífico ou tumultuoso de indivíduos que ocupam um determinado espaço físico. Tem como característica a proximidade física, o anonimato, a indiferenciação, comportamento coletivo e desordenado. Exemplo: pessoas reunidas observando uma construção ou um incêndio. Também podem ser populares envolvidos em motins, revoltas, linchamentos, manifestações de protesto ou comemorações de rua por uma conquista futebolística. c) Público: é um agrupamento de pessoas que recebem os mesmos estímulos, mas que são mais ou menos autônomos em suas ações e opiniões. O modo de pensar e agir do público são expressos através daquilo que é conhecido como opinião pública. Existe, no público, uma forma primária de organização, porque o mesmo está sujeito a certos regulamentos. Exemplo: as pessoas que assistem a palestras, jogos de futebol, show musicais, etc. formam o público. Para isso, são necessárias certas normas como fazer silêncio, aplaudir, comprar ingressos, obedecer a horários, etc. d) Massa: é um conjunto de pessoas que recebem de forma passiva opiniões ou informações veiculadas através dos meios de comunicação. Essas informações são opiniões já formadas, transmitidas pelos meios de comunicação de massa. É por isso que a massa é um agrupamento grande de pessoas separadas fisicamente e desconhecidas uma das outras. Exemplo: pessoas que assistem ao programa de televisão, ou a uma programação determinada. 3.1.5 Forças de sustentação dos grupos sociais Em toda sociedade existem mecanismos institucionais ou tradicionais que servem para que os grupos sociais mantenham sua coesão dentro da estrutura social. Vocês devem sentir o efeito desses condicionantes ao se relacionarem com os integrantes do grupo ao qual pertencem. De acordo com Oliveira (2000), as principais forças de sustentação dos grupos são as lideranças, as normas e sanções sociais, os símbolos e os valores sociais. a) Liderança: é aquela pessoa que possui a capacidade de conduzir o grupo de acordo com suas idéias e valores. O líder cumpre um papel central na sustentação do grupo, já que tem a capacidade de transmitir normas e valores sociais de modo que os mesmos sejam aceitos pelos membros do grupo por consenso. b) Normas e sanções sociais: todo grupo social possui normas e regras de conduta que orientam o comportamento dos indivíduos. Estas normas cumprem o papel de reforçar os valores e princípios socialmente estabelecidos na sociedade. A sanção social funciona como recompensa ou punição que o grupo utiliza para enquadrar o comportamento dos indivíduos na sociedade. Conforme o comportamento do indivíduo, ajustado ou não aos padrões normativos da sociedade, a aplicação da sanção pode ser tanto aprovativa como reprovativa. c) Símbolos: são significados abstratos de alguma coisa que possui um determinado valor para as pessoas que a utilizam. Quando é atribuído algum significado a um objeto, o mesmo se torna símbolo de algo, como prestígio, posição social ou elemento religioso. Por exemplo, a cruz possui um significado simbólico importante para os cristãos, assim como uma bandeira para os habitantes de um país. Ambos são objetos concretos, mas possuem um significado espiritual abstrato. Podemos dizer que os símbolos são convenções. A linguagem é a mais importante expressão simbólica, já que ela representa, com sua manifestação, todas as características culturais de um povo. d) Valores sociais: a sociedade estabelece a forma de comportamento das pessoas. Todos nós somos condicionados a um processo de socialização através do qual nos ensinam como devemos nos comportar. Esse comportamento sempre está sujeito a normas condicionadas a valores sociais. Essa maneira de atuar é imposta através de um processo cultural carregado de significados, princípios e tradições transmitidos historicamente. Quando ocorrem mudanças de comportamento na sociedade, dizemos que há uma mudança de valores. Quando as pessoas não se entendem com referência a determinados temas que envolvem política, religião ou moral é porque existem entre elas concepções ou escalas de valores diferentes, dependendo do ambiente no qual foram socializadas. 3.1.6 Status e papel social É possível saber a posição que uma pessoa ocupa na sociedade? Vocês devem ter notado que a sociedade confere aos seus membros uma série de atribuições (direitos e deveres) de acordo com as posições que os indivíduos ocupam na organização social. Essas atribuições devem conferir com os papéis desempenhados pelos indivíduos, enquanto estão realizando uma determinada tarefa nas diferentes atividades da sociedade. STATUS é a posição ou lugar que o indivíduo ocupa na organização social, caracterizada por direitos e obrigações, reconhecidos pública e juridicamente, importante para o desempenho de suas funções na sociedade. Exemplo: Na universidade, o professor tem direitos e deveres diferentes do aluno. O presidente de uma empresa ocupa uma posição diferente dos seus empregados. Em ambos os casos, suas posições diferentes lhes dão maior ou menor ganho, prestígio social ou poder. Na sociedade, as pessoas ocupam diferentes status conforme a função que estão desempenhando num determinado momento. Quando um indivíduo se encontra em casa, com sua família,seu status é diferente daquele que ocupa quando está trabalhando. No primeiro caso, seu status está configurado como pai; no segundo, como funcionário. Cada status possui um papel diferente, de acordo com a função específica realizada num determinado momento. PAPEL SOCIAL é o comportamento que a sociedade ou o grupo espera de qualquer indivíduo que ocupa um determinado status dentro da organização social. Podemos perceber que o status e o papel são inseparáveis já que ambos determinam tanto a posição como a tarefa desempenhada pelos indivíduos na sociedade. O sistema de status configura um padrão de relações que atua nas interações sociais entre os indivíduos. As pessoas sempre esperam que o indivíduo desempenhe o papel ajustado ao status que ele ocupa na sociedade. Se isso não acontecer, o indivíduo é punido socialmente por não cumprir com seu papel. Exemplo: uma pessoa que tem status definido socialmente deve-se comportar como tal, não pode fingir ser outra coisa que interfira no seu papel. Um representante comercial não pode fazer uma visita a um cliente vestido de jogador de futebol, por mais que seja um esportista. Segundo Lakatos e Marconi (1999), o status pode ser: a) atribuído: independe da capacidade do indivíduo, lhe é atribuído de acordo com a posição que ocupa na sociedade. Exemplo: em virtude do nascimento, da idade, do sexo, sistema de parentesco, classe social, etc. b) adquirido: obtido através de suas qualidades, capacidades ou habilidades específicas. Exemplo: são os status que o indivíduo adquire ao longo da vida, em função de suas qualidades particulares. Na sociedade, os indivíduos sempre estão competindo por um status mais elevado. Num sistema de classes no qual existe uma relativa mobilidade social (que significa sair de um status inferior para um superior) a rivalidade é maior, já que existem muitos indivíduos tentando subir na escala social, de modo a melhorar sua situação. Por outro lado, aqueles que se encontram num status superior tendem a manter sua posição, muitas vezes a qualquer custo. Quando esse problema de rivalidade chega próximo do conflito, a busca de status torna-se um problema patológico. Vamos refletir sobre isto, lendo o artigo a seguir: A ANSIEDADE POR STATUS Numa sociedade de classes, na qual os condicionantes de sucesso estão em função de metas vinculadas ao futuro, em que as circunstâncias não estão totalmente sob controle, termina-se implantando um processo neurótico de ansiedade na convivência social. Por outro lado, o julgamento que os indivíduos fazem de si próprios em termos de êxitos e fracassos anteriores, cria uma constante incerteza no que pode acontecer mais à frente. Quando a ansiedade corresponde a parâmetros de comportamentos normais, a mesma pode ser integrada na conduta e na personalidade do indivíduo. Mas, quando o fato ambicionado, em função de seu êxito ou fracasso, aparece carregado de incerteza e insegurança, em que a intensidade da frustração é desproporcional com relação aquele significante, surge o fenômeno da ansiedade por status. Normalmente, o temor e a ansiedade estão presentes nos casos de perturbações e conflitos. Entretanto, a ansiedade unida à conquista por status, é expressa através de compulsões infundadas. Em tais casos, a explicação não reside num problema psíquico, senão nos problemas motivacionais comuns das sociedades de classes. A ansiedade psíquica está vinculada a um temor sem fundamentos, uma idéia fixa ou um ato involuntário que se repete incessantemente. A ansiedade por status entranha um conflito simbólico, que é a busca de uma meta que está sempre distante e evadida do sujeito. O objeto manifesto não faz mais do que representá-la. Serve como defesa simbólica contra a insegurança de não obter o êxito esperado. A ansiedade por status sempre é acompanhada de uma fuga para alguma coisa: uma meta ou várias metas a serem alcançadas. O objeto específico não é admitido conscientemente, porque foi reprimido. É por isso que o objeto consciente deve aparecer como alguma outra coisa qualquer. O propósito comum em todos os casos é evitar a ansiedade provocada pelo possível fracasso. O fracassado numa sociedade de status transforma-se num excluído social. Por esta causa, os indivíduos numa sociedade de status sempre estão presos aos eternos condicionantes de êxitos e fracassos. Porém, como os fracassos e os êxitos nunca são definitivos, os indivíduos convivem com a incerteza e instabilidade que rege o caráter social das comunidades de status. A ansiedade que leva à procura incessante de status é permissível numa sociedade desse tipo, permitindo certo alívio à ansiedade criada por esse contexto. Enquanto o indivíduo corre atrás do status, não se confronta com sua ansiedade, porque o temor está dentro dele. A ansiedade não pode ser superada pelas fugas na direção das metas, porém pode ser “acalmada”. O indivíduo que corre ou transforma-se num “alpinista de status” tem um objetivo imediato: chegar a qualquer custo. Isto o alivia. Entretanto, para que o peso da ansiedade não descarregue encima dele, tem que estar correndo e escalando sempre. Com esta prática ou conduta social, logra-se diminuir a ansiedade e mantê-la longe da consciência. Os poderosos impulsos que existem por trás da compulsão ou obsessão estão determinados em última instância por uma aguda ansiedade social. A necessidade de sempre estar à procura de status cada vez mais elevado converte-se num meio de fuga de aquilo que se quer realmente fugir: o fracasso. Essa fuga tem uma conotação inconsciente, muito longe de ser percebida pelos atores dessa “comedia humana” de representação de papéis, que seria: “Eu progrido para não ser um fracassado” e não “Eu pratico alpinismo social para não fracassar”. Victor Alberto Danich (Jornal A Notícia, 17/12/2002) 3.1.7 Estrutura e organização social Para finalizar, podemos dizer que uma estrutura social é um conjunto ordenado dos grupos e todas as forças ou mecanismos de sustentação desses grupos. Isso significa que a estrutura social é a somatória dos status existentes no grupo social ou na sociedade. Cada indivíduo que participa na organização social desempenha um papel determinado de acordo com a posição que ocupa nessa estrutura. ORGANIZAÇÃO SOCIAL é o conjunto de todas as ações que os membros de um grupo realizam enquanto desempenham seus papéis sociais, de acordo com a posição que estes ocupam na estrutura social. Conforme Pierson (1970), organização social pode ser conceituada como um conjunto de relações de obrigação entre os grupos que existem na sociedade, enquanto a estrutura social pode ser considerada como a posição dos indivíduos dentro desse sistema de relações. Por exemplo: quando analisamos o funcionamento das relações entre os diferentes grupos da sociedade, estamos descrevendo a organização social. Quando estamos estudando a posição que os indivíduos ocupam nas relações familiares, políticas, religiosas, etc., no contexto dos diferentes grupos, estamos analisando a estrutura social. 3.2 Processos Sociais Os processos sociais são as diversas formas pelas quais os grupos e os indivíduos interagem uns com outros, como se relacionam e de que maneira estabelecem as relações sociais entre eles. Isso significa que o processo social está em uma constante mudança devido às relações que se estabelecem entre os indivíduos, pois é resultado da interação e da ação social. Podemos dizer, também, que a comunicação é um dos requisitos fundamentais para estabelecer a interação social, que ocorre através de processos culturais historicamente determinados. PROCESSO SOCIAL é qualquer movimento resultante dos contatos e da interação social entre os membros de um grupo ou de uma sociedadeatravés da história, provocando mudanças. 3.2.1 Diferentes tipos de processos sociais Todo processo social, como já vimos, envolve diferentes tipos de relações entre os grupos ou membros da sociedade. Entretanto, esses relacionamentos não ocorrem sempre de maneira harmoniosa, uma vez que os indivíduos e os grupos podem estar se ajudando por existirem interesses recíprocos entre eles, ou separando-se por questões de hostilidade mútua. De qualquer modo, os processos sociais podem ser tanto associativos como dissociativos na dinâmica da organização social. Começaremos por analisar os processos sociais de modo a entender como eles ocorrem na dinâmica da interação associativa ou dissociativa entre os membros da sociedade. Processos sociais Associativos Dissociativos Cooperação Acomodação Assimilação Competição Conflito a) Cooperação: é a forma particular de processo social, no qual os indivíduos do grupo atuam em conjunto visando à concretização de um objetivo. A cooperação é fundamental para a coesão e continuidade do grupo e da sociedade. A cooperação poder ser direta no caso em que indivíduos realizam, em conjunto, coisas semelhantes (Ex. trabalho associado: um pedreiro fazendo a massa e outro levantando uma parede). A cooperação indireta ocorre quando são realizados trabalhos diferentes, porém em regime de cooperação (Ex. trabalho cooperado: um médico precisa de um eletricista para reparar a luz do consultório). b) Competição: ocorre quando os indivíduos agem uns contra outros de maneira pacífica, de modo a obter vantagens numa determinada situação, ocupar um lugar de privilégio na hierarquia social, ou tentar se destacar em algum segmento da sociedade. Para isso, deve existir uma rivalidade definida, como é o caso do aluno que tenta ser merecedor do melhor lugar entre os outros alunos que estão rivalizando com ele. A Sociologia entende a competição como uma contenda contínua existente na sociedade. A melhor maneira de manter a competição dentro de parâmetros pacíficos é estabelecer regras claras para qualquer evento que contemple esse processo, como é o caso dos esportes, dos concursos, de vagas de emprego, dos vestibulares, etc. c) Conflito: quando a competição chega a um ponto tal de tensão social, na qual não existem barreiras para conter o choque, surge o conflito. Quando um indivíduo se esforça para obter um determinado objetivo, e outro se interpõe no seu caminho visando o mesmo propósito, surge o choque pessoal. Desse modo, os indivíduos estabelecem entre si uma relação de hostilidade que, ao atingir uma elevada situação de tensão social, transforma-se em conflito. Se por um lado a competição é contínua, o conflito atinge certo grau de tensão para depois diminuir progressivamente, até chegar a um estado de acomodação. d) Acomodação: é um processo social que tem como finalidade a diminuição do conflito entre os indivíduos ou grupos. É uma forma em que o indivíduo se ajusta a uma situação da qual não concorda, a fim de evitar o confronto, enquadrando- se de maneira formal e externa, sem que ocorram modificações internas, no qual o conflito permanece latente. Isso ocorre porque a acomodação é apenas uma forma superficial de resolver o conflito, de modo a possibilitar a convivência com pessoas ou grupos antagônicos. e) Assimilação: é o processo em que os indivíduos ou grupos resolvem, de maneira definitiva, os conflitos sociais. É um processo de ajustamento social, pelo qual os indivíduos aceitam os padrões comportamentais de outros grupos sem que exista qualquer tipo de conflito latente. Os indivíduos começam a construir semelhanças de modo inconsciente, já que estas são adquiridas por imitação num processo de integração sócio-cultural. O caso mais claro de assimilação pode ser verificado nos imigrantes estabelecidos no Brasil. No início, estes imigrantes conservaram seus costumes e tradições, acomodando-se para poder conviver com outros padrões culturais. Com o passar do tempo, foram incorporando, sem perceberem, os hábitos e costumes do novo país, assimilando-se de maneira definitiva. Para finalizar, podemos perceber, no nosso estudo, que os aspectos mais importantes dos processos sociais são aqueles que de uma forma ou outra, provocam modificações internas na personalidade do indivíduo ou dos grupos. Todos os processos sociais, sejam de caráter associativo ou dissociativo, sempre farão parte do caminho histórico dos indivíduos na construção de uma humanidade coletiva. Agora que já estudamos os diferentes tipos de processos sociais, tente identifica-los no texto a seguir. A GUERRA OCULTA .... ”As guerras étnicas se ampliaram. Na ex-Iugoslávia, a manipulação por parte das potências ocidentais de um processo de decomposição em curso estimulou a tragédia, na África as rivalidades étnicas e regionais terminaram se confundindo com a degradação econômica e social. No Oriente Médio, o fundamentalismo se exacerba em função do imperialismo econômico e cultural. Em 1995, a nível mundial, uma pessoa em cada 50 era refugiada ou imigrante. Chegamos na atualidade a um total de 15 milhões de pessoas deslocadas por causa dos “planos de desenvolvimento”.......”o fenômeno de refugiados começou a se tornar evidente a partir de 1990. Em 1965, 1,3 milhões de pessoas estavam sob cuidados do Alto Comissariado da ONU. Esta cifra passou para 2,5 milhões em 1975, foi para 5,7 milhões em 1979, chegando a 23 milhões no início de 1994....” Victor Alberto Danich (Jornal A Notícia, 09/10/2001). 3.3 Estratificação E Mobilidade Social Nossa conversa inicia-se analisando por que muitas pessoas acreditam que na sociedade há igualdade de oportunidades para todos. Imaginamos que os indivíduos têm uma chance mais ou menos igual de ser bem sucedidos na luta pela vida. Isso é resultado da educação recebida através da disciplina cultural e do controle social, que nos faz pensar que numa sociedade aberta, democrática, onde existem ilimitadas formas de sucesso. Porém, sempre existiram desigualdades em toda a história da humanidade, independente do modelo social existente. Sempre houve uma pequena parcela de pessoas em situação privilegiada e um grande número de pessoas muito pobres. Entretanto, a desigualdade social entre os extremos da pobreza e a riqueza passa despercebida para grande parte dos setores médios da sociedade. Isso acontece porque imaginamos que existe uma ordem natural nas situações de desigualdade. Parece-nos que a dinâmica dos processos sociais é resultado do êxito individual, principalmente nas sociedades divididas em classes, nas quais o poder de uma pessoa ou grupo é tido na mais alta estima. Os abjetamente pobres e todos aqueles cujas energias são inteiramente absorvidas pela luta pelo sustento diário são conservadores, porque não podem dar-se ao luxo de se esforçar para pensar ou entender no que poderia acontecer num futuro muito próximo, assim como os altamente prósperos são conservadores, porque têm pouca oportunidade de ficar descontentes com a situação de hoje. (VEBLEN, 1965, p. 204). 3.3.1 Estratificação social O conceito de estratificação social é usado geralmente na definição de estruturas socialmente fixas, como classe, raça e sexo. O nome provém de uma terminologia usada em geologia, que estuda a disposição e composição das rochas em camadas sob a superfície terrestre. No caso da Sociologia, a estratificação social refere-se à posição permanente em que os indivíduos estão dispostos nas
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