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p.174 • Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2008 abr/jun; 16(2):174-9. Cuidado paliativo RESUMO: RESUMO: RESUMO: RESUMO: RESUMO: A proposta deste estudo foi desvelar as concepções de discentes do curso de enfermagem acerca do cuidado paliativo domiciliar e humanizado a doentes com câncer e suas famílias. A pesquisa foi realizada com oito estudantes, em uma Unidade Básica de Saúde, situada no Noroeste do Paraná, no período de 2004 a 2006. Está fundamentada na abordagem fenomenológica, que desvela a essência do vivido, a partir da linguagem de quem o vivencia. Dos depoimen- tos analisados, emergiram quatro categorias: vivenciando a dificuldade em estar-com o doente com câncer; compreen- dendo a situação do ser-no-mundo com câncer; a importância do enfermeiro na equipe paliativista; vivenciando expe- riências de aprendizagem. Conclui-se que os discentes reagiram de forma diferente perante as vicissitudes dos doentes e famílias, mas revelaram a importância do cuidado humanizado, do escutar, do toque, da atenção e do estar-com, plenos de amor e compaixão. Palavras-chave: Palavras-chave: Palavras-chave: Palavras-chave: Palavras-chave: Assistência paliativa; oncologia; enfermagem; fenomenologia. ABSTRACTABSTRACTABSTRACTABSTRACTABSTRACT: : : : : The purpose of this study was to examine the concepts of eight nursing students regarding humanized, palliative home care for cancer patients and their families. The study was conducted at a Basic Health Unit in northwestern Paraná State, Brazil, from 2004 to 2006. The methodological strategy rested on the phenomenological approach, which uncovers the essence of the lived experience by way of the language of the person experiencing the event. Four categories emerged from the discourses analyzed: the experience of the difficulties involved in being-with the cancer patient; the understanding of the being-in-the-world with cancer; the importance of the nurse in the palliative group; and learning experiences. The study showed that the students participating in the project reacted differently to the vicissitudes of patients’ and families’ lives. They also discovered the importance of humanized care for these patients, of love and compassion in listening, touching, giving attention and being-with. Keywords: Keywords: Keywords: Keywords: Keywords: Palliative care; oncology; nursing; phenomenology. RESUMEN: RESUMEN: RESUMEN: RESUMEN: RESUMEN: La propuesta de este estudio fue desvelar las concepciones de ocho discentes del curso de enfermería acerca del cuidado domiciliar humanizado a los enfermos con cáncer y sus familias atendidos por una Unidad Básica de Salud situada en el noroeste de Paraná – Brasil, en el período de 2004 a 2006. La estrategia metodológica que se empleó está fundamentada en el abordaje fenomenológico, método que busca desvelar el fenómeno, o sea, aquello que se muestra a si mismo a partir del lenguaje de quien lo vive. De los discursos analizados, emergieron cuatro categorías: viviendo la dificultad en estar-con el enfermo con cáncer; comprendiendo la situación del ser-en el-mundo con cáncer; la importancia del enfermero en el equipo paliativo; viviendo experiencias de aprendizaje. El estudio reveló que, al participar del proyecto, los discentes reaccionaron de formas distintas delante de las vicisitudes de los enfermos y familias, pero revelaron la importancia del cuidado humanizado, del escuchar, del toque, de la atención y del estar-con, plenos de amor y compasión. Palabras Clave: Palabras Clave: Palabras Clave: Palabras Clave: Palabras Clave: Asistencia paliativa; oncología; enfermería; fenomenología. CUIDADO PALIATIVO: A ARTE DE ESTAR-COM-O-OUTRO DE UMA FORMA AUTÊNTICA PALLIATIVE CARE: THE ART OF AUTHENTIC BEING-WITH-OTHERS CUIDADO PALIATIVO: EL ARTE DE ESTAR-CON-EL-OTRO DE UNA FORMA AUTÉNTICA Catarina Aparecida SalesI Maria Raquel Bertoli da SilvaII Katyellen BorgognoniIII Camila RoratoIV William Tiago de Oliveira IV IEnfermeira, Doutora em Enfermagem, Prof. Adjunto do Departamento de Enfermagem da Universidade Estadual de Maringá. IIDiscente do Curso de Enfermagem da Universidade Estadual de Maringá; bolsista do Programa Institucional de Iniciação Científica (PIBIC). IIIDiscente do Curso de Enfermagem da Universidade Estadual de Maringá; bolsista vinculado ao Projeto de Extensão. IVDiscentes do Curso de Enfermagem da Universidade Estadual de Maringá; participantes do Projeto de Extensão. INTRODUÇÃO Desenvolver estudos sobre cuidado ao doente com câncer e sua família, em seu domicílio, é uma tarefa desafiadora, principalmente quando se articu- la esse cuidado aos princípios éticos, científicos e fi- losóficos dos cuidados paliativos. A preocupação nesta pesquisa é avivar a essência do cuidar, do estar Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2008 abr/jun; 16(2):174-9. • p.175 Sales CA, Silva MRB, Borgognoni K, Rorato C, Oliveira WT com o outro de uma forma autêntica, preocupação essa já apontada na literatura: Há de se buscar na arte de cuidar novos horizon- tes. O cuidar, cuidar de si, cuidar da vida, cuidar da finitude, está na origem da existência, é ine- rente ao ser humano; é um modo de ser sempre presente, essencial; nossas ações rotineiras, coti- dianas demonstram nossa preocupação e zelo pela vida e pela morte. Nesse sentido, podemos enten- der que a arte de cuidar é uma atitude de com- promisso humanitário1:89. Observa-se, ao longo da história, o aparecimen- to de cuidadores, pessoas que, perante o sofrimento e a dor, desenvolviam sentimentos de solicitude para com seus semelhantes, abrigando-os em locais de- nominados hospices. Entretanto, esses hospices não estavam, de início, explicitamente associados com o cuidado aos moribundos, mas com o acolhimento ao próximo em seu sofrimento. A habilidade de estar presente com a pessoa em desconforto e trabalhar com ela para encontrar conforto é um dos maiores presentes que rece- bemos como cuidadores2:6. Essa filosofia de cuidado inicia-se com Cecily Saunders, em 1948, ao enfocar a importância de es- cutar o ser doente e seus familiares, para compreen- der sua vivência com a doença. O trabalho dessa pioneira baseou-se na promoção da qualidade de vida, a fim de propiciar à pessoa a morte digna3. Esse pen- sar concretizou os cuidados paliativos como um ca- minho para resgatar o cuidado humanizado à pessoa com câncer e seus familiares. O trabalho de Saunders encetou-se após rece- ber uma herança de 500 libras esterlinas de David Tasma, um soldado judeu que morreu de câncer, para a construção de um local para abrigar os indivíduos portadores de neoplasia. Cecily Saunders trabalhou arduamente como enfermeira voluntária na casa St. Luke’s por sete anos. Na época, aprendeu a utilizar opióides fortes, por via oral, em esquema horário, principalmente a mor- fina e diamorfina, para o alívio da dor severa relaci- onada ao câncer. Posteriormente, ingressou na fa- culdade de medicina, e tornou-se a primeira douto- ra em cuidados paliativos, introduzindo o uso regu- lar de analgésicos orais em vez de injeções3. Em 1967, inaugurou o Hospice St. Chistopher, no Sul de Lon- dres, com 54 camas e acomodações adicionais para 16 pessoas idosas. A referida instituição tornou-se ponto de en- contro para as pessoas que desejassem discutir me- lhor a assistência aos moribundos, resistindo a um sistema de saúde que, em meados do século XX, dei- xou-se seduzir progressivamente pelo glamour das terapias curativas e pelo resplendor da alta tecnologia, pois, em um hospice, o centro de atenção estendia- se da doença até o doente e sua família, desde o pro- cesso patológico até a pessoa2. Para a maioria dos profissionais de saúde, o êxi- to significa curar doenças e salvar vidas. Assim, cui- dar de um paciente morrendo e ajudar sua família tornava-se um esforço inútil e um fracasso da medi- cina. Não obstante, para Saunders, os doentes e seusentes queridos têm direitos e necessidades que de- vem ser satisfeitos independentemente do resultado final4. Essa modalidade terapêutica busca evitar que os últimos dias de vida se convertam em dias perdi- dos, oferecendo um tipo de cuidado apropriado às necessidades do doente. Apesar de ser descrita como de baixa tecnologia e alto contato, ela não se opõe à tecnologia da medicina tradicional, porém procura assegurar que o amor seja o caminho orientador da assistência ao doente. Nessa perspectiva, os cuidados paliativos não se iniciam simplesmente quando o tratamento mé- dico falhou, mas são partes de uma abordagem altamente especializada para ajudar as pessoas a viver e enfrenta o morrer da melhor forma possí- vel. Exige conhecimento considerável, não so- mente médicos, mas também abordagem da con- dição humana, o que exige muita energia e de- dicação3:34. Assim, a assistência humanizada ao doente com câncer e seus familiares deve constituir-se em um ca- minho que permita aos doentes e seus familiares ex- pressar seus sentimentos, valorizando-os e identifi- cando, por meio de suas percepções, áreas potenci- almente problemáticas. Deve auxiliá-los a identifi- car fontes de ajuda, que podem estar dentro ou fora do seio familiar. Ressalta-se, ainda, a importância de viabilizar medidas que aliviem não apenas a dor físi- ca, mas também a dor total, vivenciada pelo doente e seus familiares. O termo dor total foi proposto por Cecily Saunders, em 1964, e abrange, além da dor física, a dor emocional, social e espiritual. A autora, posteriormente, agrega ao conceito a dor financei- ra, a interpessoal e a dor da família5. Neste estudo, os acadêmicos do curso de enfer- magem, participantes de projetos, buscaram a apre- ensão do significado da abordagem paliativa nos cuidados aos doentes com neoplasias e suas famílias, durante visitas domiciliares, com vistas à valoriza- ção dos aspectos éticos, filosóficos e científicos. O objetivo desta pesquisa é desvelar as con- cepções dos discentes de enfermagem acerca do cui- p.176 • Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2008 abr/jun; 16(2):174-9. Cuidado paliativo dado paliativo, humanizado e domiciliar dispensa- do a essa clientela. REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO Este estudo está inserido no projeto de iniciação científica (PIBIC) Compreender a importância dos cuidados paliativos na promoção do cuidado humanizado à pessoa com neoplasia maligna e seus familiares e no projeto de extensão Cuidados paliativos à pessoa com câncer e sua família. No período de 2004 a 2006, fo- ram entrevistados oito discentes do curso de enfer- magem que participavam dos projetos e que realiza- vam visitas domiciliares aos doentes atendidos em uma Unidade Básica de Saúde do Noroeste do Paraná. Para atender à finalidade do projeto e do estudo, a cada visita aos doentes e famílias, os aca- dêmicos foram direcionados para agir, segundo os pressupostos éticos, filosóficos e assistenciais dos cui- dados paliativos, visando o cuidado humanizado e uma qualidade de vida adequada às suas necessida- des. Para manter o anonimato dos entrevistados, eles foram referenciados por S1, S2... Buscando apreender a essência da linguagem dos discentes em seu estar-no-mundo como cuidadores de doentes com câncer e seus familiares, optou-se pela pesquisa qualitativa centrada na abordagem fenomenológica e existencial de Heidegger6. A fenomenologia existencial e ontológica é um modo de consciência, um modo de ser e de ver, que assume uma tarefa de reinterpretar to- dos os conhecimentos como expressões de nossa experiência – sentidas do ser humano7:54. Vale enfatizar ainda que na fenomenologia, a doença é compreendida, como a manifestação do horizonte vivido e experienciado pelo homem na coexistência e na pluralidade de vivências com os outros, no seu mundo8:187. Assim, fenômeno é o que se desvela na consti- tuição do ser. Logo, torna-se imprescindível deixar o ente mostrar de forma genuína o que lhe pertence5. Desse modo, dos relatos dos estudantes emer- giram quatro categorias que expressaram a essência do fenômeno por eles vivido, as quais são apresenta- das na seção seguinte. O referido estudo seguiu os preceitos éticos e foi aprovado pelo Comitê Permanente de Ética em Pesquisa que Envolve Seres Humanos da Universi- dade Estadual de Maringá, como determina a Reso- lução nº 196, de 10 de outubro de 1996, do Conse- lho Nacional de Saúde. RESULTADOS E DISCUSSÃO Os resultados são apresentados e discutidos con- forme as quatro categorias reveladas pelos depoimen- tos dos estudantes. Vivenciando a dificuldade em estar com o doente com câncer No cotidiano, o doente com câncer e seus fa- miliares convivem com transtornos emocionais, cognitivos e comportamentais, condicionados ao fato de sua vida estar, muitas vezes, ligada a uma doença grave. A ameaça que a doença suscita, de incapaci- dade ou risco de vida, é difícil de ser abarcada emo- cionalmente pelo doente. Nesses momentos, a dú- vida e a incerteza soterram as esperanças e crenças existentes, e esses seres voltam-se para as pessoas ao seu redor, buscando sempre uma possibilidade de manifestar seus temores e sentimentos. Em sua linguagem, os discentes expressam que vivenciar a facticidade de um ser-aí com câncer é algo inicialmente incompreensível, o que lhes susci- tou angústia ante as vicissitudes do doente e família. Não obstante, em suas linguagens, eles transmitem, também, que a convivência com esses seres desper- tou-lhes a importância de abordá-los por meio de uma assistência humanizada. As primeiras visitas domiciliares foram muito difí- ceis, não sabia como conversar com o doente, não sabia como lidar com a família. Era visível o pedido de ajuda nos olhos deles, percebi que eles queriam alguém que os escutassem, que desse um pouco de conforto, apreendi que esses seres não queriam mais uma pessoa que buscasse cuidar somente da doen- ça, mas sim, alguém que vislumbra se o ser humano com seus medos e angustias. (S1) O primeiro contato chegou a ser assustador, por muitos motivos. Primeiramente, à proximidade com a morte gera medo e, além disso, a família que acompanhei, em especial, é cercada por problemas econômicos, sociais, mas muito acolhedora. (S2) O convívio com um paciente terminal é de certa for- ma assustadora, já que você chega à visita imagi- nando que na próxima semana ele pode não estar mais vivo. Nas primeiras visitas é difícil saber o que dizer como dizer e em que momento dizer e se era conveniente conversar sobre a doença. (S4) Para todo ser humano, viver vai se transforman- do em morrer, a morte é uma consequência inevitá- vel da vida. No entanto, essa inevitabilidade não significa aceitação, vontade e compreensão plena dessa verdade. Assim, os discentes manifestam que, em muitas circunstâncias, vivenciar o existir-com câncer do outro se torna um fardo difícil de suportar, Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2008 abr/jun; 16(2):174-9. • p.177 Sales CA, Silva MRB, Borgognoni K, Rorato C, Oliveira WT pois conviver com a possibilidade concreta da mor- te é algo desagradável. Compreender o sentido da morte é algo extrema- mente complexo; somente o processo de desco- berta do sentido da vida - através da transcen- dência – é capaz de desvelar a essência da exis- tência humana9:94. Compreendendo a situação do ser-no-mun- do com câncer A compreensão não se mostra de imediato, vai se constituindo no tempo pelas articulações dos significa- dos que o ser-no-mundo expressa ao mundo, pois, como um ser-aí, o homem atribui sentido às coisas com as quais se relaciona no horizonte de sua existência. Ao estar-no-mundo, o homem vive seu cotidiano ôntico a cada momento, e nesse viver existencial experiencia sentimentos de tristeza e alegria, os quais expõem aos entes ao seu redor, por meio de sua linguagem6. É nesse contextohomem/mundo que a com- preensão torna-se um ser de possibilidades, e esse ser constituído de possibilidades é um ser que permite, como abertura que a compreensão aproprie-se do que compreende, isto é, apreender o sentido transmitido pelos doentes em sua mundaneidade. Nessa perspec- tiva, nas falas dos discentes, a temporalidade em estar com os doentes com câncer aviva-lhes entendimen- to da situação. Atrás da doença há um ser humano que clama, não só pelo controle da dor e do sofrimento físico, mas pela valorização do ser humano que habita naquele corpo, com todas as limitações que a doença acar- reta. Dar condições ao doente de lidar com esta si- tuação, é dar a ele a possibilidade de redescobrir o sentido da vida dentro do momento que está vivenciando. O mais difícil nessa hora é entender que a morte não significa nosso fracasso e sim um caminho inevitável. (S1) Sempre tive dificuldade de aceitar a morte indepen- dente de quem fosse, e as visitas têm sido um apren- dizado a cada dia, pois elas são um exercício de humanização muito importante. (S4) No início parecia que não estávamos servindo para nada, pois não fazíamos curativos, não dávamos ba- nho, ou seja, não fazíamos essas atividades que estamos acostumadas a desempenhar no hospital. Mas, com o passar do tempo pude perceber que o sofrimento que nós aliviamos é muito maior do que o alívio da dor física. (S5) Estes depoimentos transmitidos pelos discentes vão ao encontro do pensamento de Saunders4 quan- do menciona que, nos cuidados paliativos, o papel dos profissionais envolvidos seria o de curar algumas vezes, aliviar frequentemente, confortar sempre. Assim, o cuidado humanizado ao doente com câncer e sua família está, então, na ciência e na arte de cuidar, elementos fundamentais nesse processo. A enfermagem possui requisitos e dons que a carac- terizam como uma profissão de ajuda, de preocupa- ção, de um estar-com-o-outro de uma forma autênti- ca no cuidar. A importância do enfermeiro na equipe paliativista Nos cuidados paliativos, busca-se estabelecer a assistência humanizada capaz de oferecer conforto fí- sico, apoio psicoafetivo, social e muitas vezes até es- piritual ao doente e à sua família. Para tanto, o enfer- meiro-cuidador deve respeitar e ser solidário com o outro, isto é, ter compaixão de sua dor e, principal- mente, manter sua individualidade, pois somente se pode ser com o doente focalizando sua unicidade, uma vez que cada pessoa é um ser singular. Isso requer que o cuidador formal (profissionais de saúde) saiba des- cobrir o tempo da pessoa doente, dado que cada um tem seu tempo e sua própria percepção. Nessa pers- pectiva, alguns discentes mencionam: Fazer parte desse projeto foi importante porque apren- di que o doente e seus familiares possuem direitos e necessidades que devem ser atendidas independente- mente, da cura ou não do paciente e que a família é fundamental no tratamento dessa doença, contudo, aprendi nas visitas que nem sempre os familiares es- tão preparados para dar apoio ao doente. (S1) Ao entrar no projeto de oncologia, percebi que o papel do enfermeiro paliativista, não era somente proporcionar a restauração da saúde, já que muitas vezes lidamos com pacientes em estado terminal, mas sim, de elevar a qualidade de vida, dando-lhes conforto físico, mental e espiritual. Foi a partir dessa concepção que entendi o significado de cuidados pa- liativos. (S2) Com as visitas domiciliares, por estar na casa do doente, no meio se sua família conseguiu desenvol- ver uma assistência humanizada, além de criar um vínculo muito grande com o paciente e família, que é muito recompensador, pois o trabalho desenvolvi- do teve resultados positivos. (S6) O enfermeiro desempenha papel importante na equipe de cuidados paliativos, particularmente na oferta de maior conforto ao paciente, pois o en- fermo terminal encontra-se, geralmente, marcado por longos períodos de hospitalização e pode sofrer variedades de sintomas, desde a constipação intesti- nal até a compressão nervosa. Seu trabalho inicia-se com a avaliação do grau de deficiência para o autocuidado ocasionado pela enfermidade e seu tra- tamento e com a reação do paciente a esses proble- p.178 • Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2008 abr/jun; 16(2):174-9. Cuidado paliativo mas. Sua meta será promover maior independência do doente, ou, quando isso não for possível, procu- rar a melhor maneira dele se adaptar às limitações impostas pelo progresso da doença, pois é preciso que a despedida seja calma e sem dor, com apoio e dignidade humana3. O enfermeiro entra em cena, quando as espe- ranças se foram e inicia-se uma nova etapa, di- ferente do inicio do tratamento. É preciso, en- tão, estimular a vida enquanto ela pulsar, pro- porcionar qualidade de vida ao paciente, traba- lhar com a esperança, enfocar o presente, considerá-lo mais do que futuro, fazer reagir o que sofre10:226. Vivenciando experiências de aprendizagem Na abordagem paliativa, cuidar envolve atos humanos no processo de assistir o doente com cân- cer e sua família. A arte de cuidar funda-se na fonte da vida, enredada em uma troca mútua de sentimen- tos e experiências, os quais avivam, nos seres envol- vidos, a confiança, a empatia e o respeito que bro- tam do estar com o outro de forma autêntica. A essa abertura do homem, ao relacionar-se com o mundo, Heidegger6 denomina claridade do ser-aí, sendo ba- sicamente nessa claridade que se torna possível qual- quer visão. Para o filósofo, a visão é um modo funda- mental de abertura do ser-no-mundo. Nesse enten- der, os discentes relatam a importância do projeto em sua aprendizagem. Atuar junto ao doente com câncer e sua família pro- porcionou crescimento pessoal e, principalmente, pro- fissional. Faz-nos sentir úteis, capazes de realmente ajudar a família e seu ente querido no caminho até a finitude da vida. (S1) É pouco o que damos em troca do muito que rece- bemos do paciente e família. Eles são fontes inesgo- táveis de ensinamentos, abrem as portas de suas vi- das, permitindo que possamos ensiná-los e aprender com eles. (S2) Cada sexta-feira em que chegávamos à casa da- queles pacientes podíamos ver o brilho em seus olhos. Um olhar de ‘muito-obrigado por você se preocu- par comigo e estar me ajudando a superar essa eta- pa difícil’. [...] Nesse tempo pude notar que às ve- zes uma palavra amiga, um sorriso, tem maior efei- to em sua vida do que uma ajuda financeira, por exemplo. (S5) Participar deste projeto tem sido muito gratificante para mim. O simples fato da nossa presença na casa dos doentes, de poder fazer parte de suas vidas nes- ses momentos difíceis, me faz sentir importante, va- lorizado. Cria-se um vínculo entre cuidador e paci- ente, muitas vezes nas visitas, nem é tocado no as- sunto doença, conversamos sobre coisas simples da vida, contudo, percebemos que eles sentem-se bem de serem escutados. O carinho que recebemos des- sas pessoas não tem preço, é algo maravilhoso. (S7) Hoje me sinto mais segura e venho a cada dia apre- endendo com essas pessoas e dando mais valor à vida, pois são nesses momentos que percebemos quão frágil é a vida. (S8) Verifica-se, assim, que os discentes mencionam que compartilhar seus sentimentos com os doentes e sua família proporcionou-lhes crescimento pessoal e profissional, ressignificando o ato de cuidar. Essas ma- nifestações discentes trazem uma reflexão acerca da importância do educador na construção de um cui- dado autêntico ao doente com câncer e sua família. A busca pelo fazer autêntico, onde os atos edu- cacionais são orientados pelo cuidado, entendi- do como uma atitude que sustenta as ações, que não abandona o ser a si mesmo e as suas facticidades, mas que as cerca, em uma postura de manter o ser, sendo. É uma atitude que sus- tenta modos de agir que, ao mesmo tempo em que cerca de possibilidadesque poderiam levar à decadência do ser, abre o horizonte da viabili- dade de sua liberdade, pois dá sustentação para que ele efetue escolhas, seguindo sua trajetória, realizando sua história, e, com ela, o mundo11:12. Kierkegaard apud Martins12 ressalta, ainda, a relevância da convivência docente/discente: O professor desempenha um papel importante, uma vez que não apenas ensina conteúdos infor- mativos. Ele, na sua atuação, ensina a viver, cons- cientemente, expondo valores a cada momento em que está presente diante de seus alunos. Sua existência plena se faz presente na execução do seu ato de ensinar12:41. Nesse contexto, pela linguagem dos discentes, depreende-se também que eles apreenderam lições importantes sobre o valor do cuidado de enferma- gem, do vínculo do cuidador e do ser cuidado, da vida e da compreensão da vivência do outro diante da morte e do morrer13-16. O saber e a morte estão enredados no tempo, portanto, somente a partir da compreensão desse fenômeno é revelado ao homem o sentido da vida. CONCLUSÃO Em suas concepções, os discentes relatam que o indivíduo, ao se descobrir com câncer, passa a viver em um mundo diferente, em que a morte se torna algo mais presente em seu viver. Nessa situação, o doente anseia receber cuidados com o seu corpo, sua doença e também com o seu existir doente. Conforme depoimentos discentes, o comparti- lhar da facticidade existencial dos seres por eles cui- Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2008 abr/jun; 16(2):174-9. • p.179 Sales CA, Silva MRB, Borgognoni K, Rorato C, Oliveira WT dados é um fardo difícil de ser abarcado de imediato, pois eles se sentem angustiados ante o sofrimento a ser vivenciado. A cada visita realizada, os discentes constatavam que o sofrimento físico e emocional do doente e sua família acentuavam-se a cada dia, e a proximidade do inevitável tornava-se mais sofrido e presente em suas vidas. Reagiram de forma diferente, não obstante, apreenderam a importância do cuida- do humanizado, do ato de escutar, do toque, da aten- ção e do estar-com plenos de amor e compaixão. Esta pesquisa permitiu aos discentes a vivência e a percepção do sentimento do paciente com neoplasia maligna que se encontra acompanhado da família em seu domicílio. Foi possível para eles, por meio do diálogo, vislumbrar e refletir sobre suas an- gústias, medos e inseguranças. Nesse pensar, o pessoal de enfermagem, como um conjunto de seres vivendo o estar-lançado-no-mun- do dos doentes, traz em si as características básicas do existir cuidando. Em vista disso, a afetividade pode ser apreendida em seu estar-no-mundo com o outro. Mas, além da afetividade, é fundamental que os en- fermeiros desenvolvam competências para trabalhar com as necessidades dos pacientes sob seus cuidados13. Vale deixar esta reflexão para a equipe paliativista: A partir de esos nuevos valores la enfermera pasa a comprender mejor la dimensión de la alteridad, de la acogida, del respeto, de la complementarie- dad em la reciprocidad y de la complementarie- dad en la relación14:656. REFERÊNCIAS 1. Carvalho MVB. 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