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I NELSON SALDANHA A ESCOLA DO RECIFE EDIÇÃO DA FACULDADE DE DIREITO DE CARUARU CARUARU PERNAMBUCO — BRASIL — RECIFE — NELSON SALDANHA A ESCOLA DO RECIFE CADERNO N° 66 EDIÇÃO DA FACULDADE DE DIREITO DE CARUARU CARUARU PERNAMBUCO — BRASIL — RECIFE — PARA MAURO MOTA e MILTON MELO E TAMBÉM PARA PINTO FERREIRA, ANTONIO PAIM, MIGUEL REALE e WILLIAM FERRER COELHO A E S C O L A DO R E C I F E Nelson Nogueira Saldanha (*) Panorama histórico e análise do movimento ÍNDICE GERAL Explicação circunstancial Propósito temático e observação bibliográfica CAPÍTULO I — Ambiência e formação 1 — O ambiente recifense ao tempo da gestação ou for mação da Escola do Recife-. 2 — A vida cultural no Recife pelos anos 60 e 70. 3 — A figura de Tobias Barreto e a constituição de um “Escola” . CAPITULO II — Composição da Escola: integrantes e aspectos. 1 — Os componentes da Escola, desde o tempo de Tobic Barreto até a morte de Sílvio Romero. § 1 — Vista geral. § 2 — Componentes iniciais: primeiro, Tobias Ba] reto. § 3 — Componentes iniciais: segundo, Sílvio Römer § 4 — Seguidores e continuadores: Artur Orlando. ( * ) Professor Adjunto de Teoria do E stad o e Titular de História i Pensamento Social e Político da Universidade Federal de Pernambuco. § 5 — Ainda seguidores e continuadores: M artins Júnior. § 6 — Seguidores e continuadores: Clóvis Bevilaqua. § 7 — Ainda seguidores e continuadores. § 8 — Outros seguidores e continuadores. § 9 — Outras figuras. 2 — Setores cultivados pela Escola. 3 — A Faculdade do Recife como berço e foco do movi mento. CAPÍTULO III — Conseqüências e influências. Tentativa de balanço crítico. 1 — Características dominantes. 2 — Conseqüências e influências. 3 — Para um balanço crítico. BIBLIOGRAFIA UTILIZADA EXPLICAÇÃO CIRCUNSTANCIAL Este trabalho foi escrito, entre novembro e dezembro de 1970, como monografia apresentada para concorrer ao “Prêmio Cidade do Recife — 1970” . Elaborado no exíguo prazo de cinco semanas, em meio aos trabalhos docentes do autor, este é o primeiro a reconhecer que o estudo poderia, noutras condições, ter sido mais aprofundado. Reconhecendo o quanto a premência do tempo utilizado afetou a construção do livro, mas crendo-o válido como homenagem historio- gráfica ao movimento que visou focalizar, o autor agradece profun damente o incentivo que recebeu de alguns amigos, que não o deixa ram desistir da tarefa, durante o período em que trabalhou. Falando de homenagem à Escola do Recife mesma, o autor não quer furtar-se a afirmar que o trabalho historiográfico pede sempre uma compreensão existencial do passado e de sua relação com o pre sente. Os homens de carne e osso que fizeram a Escola do Recife, vivendo como viveram numa cidade que hoje nos parece tão peque na como antecipação de nossos problemas urbanos, pensaram intensa mente e intensamente escreveram, assumindo as questões de seu tem po com sofreguidão. Olhando as páginas dos livros daquele tempo, notamos a solidariedade entre os tipos gráficos — mais as vinhetas e as reliures — e a linguagem mesma que traziam, mais as idéias que expressavam. A morte dos estilos, como a das vestes e a dos problemas, é mais recuperável que a das pessoas, e um pouco para isso serve a tarefa de historiar: para recuperar o que se pode, de dentro dos longos e sucessivos enterros das gerações. Retomando o texto, quase um ano depois, p a ra a presente edição, tivemos agora oportunidade de fazer uns poucos, pouquíssimos repa- ros na terminologia. Basicamente, o livro vai tal como foi concebido e redigido. O padrão intelectual da “Escola do Recife” constituiu realmente uma atitude intelectual bastante característica. Entre os modos de filosofar que têm ocorrido em nosso país, aquele padrão teve sua eficácia, cuja compreensão e valorização, diante da circunstância cor respondente, nos compete tentar. Seja esta a intenção de nosso trabalho. Aproveito para agradecer, como sempre, às pessoas que me deram ajuda datilográfica: desta vez Severina de Lourdes Lima, Carolina Alcides, Maria José Costa Pinto, Zélia Alves e Albanete Florencio. Recife, setembro de 1971. PROPÓSITO TEMATICO E OBSERVAÇÃO BIBLIOGRAFICA A chamada Escola do Recife constitui sem dúvida um dos títulos de gloria da tradição intelectual de Pernambuco, e, de certa forma, do Nordeste inteiro. Carregando semelhante responsabilidade, é natu ral que tenha sido tema de tantos estudos, e que já exista em torno dela uma bibliografia realmente vastíssima. Acontece, entretanto, que o vastíssimo dessa bibliografia corre a troco de uma certa hete- rogeneidade, ou antes, digamos, de uma certa dispersão. O numeroso material existente, numeroso até demais possivelmente, tem sido insu ficientemente sintetizado. Os esforços que têm incidido sobre ele trazem mui poucas vezes intenção didática. Somente uma ou duas obras possuem o sentido de síntese e sumarização do que foi efeti vamente a Escola; com a grande maioria dos trabalhos referentes sucede que são vistas parciais, tocantes quer a algum aspecto quer a alguns nomes mais altos, ou então includentes do episódio, que foi a Escola, em algum panorama cultural maior. Das sínteses disponíveis, com alcance global e conteúdo realmente completo, embora sem enxúndias nem prolixidades, destaca-se inques tionavelmente o livro de Antônio Paim, A Filosofia da Escola do Recife, lançado pela Editora Saga em 1966. Este estudo, completo quanto ao aspecto que elege, ou seja, o filosófico, deixa — como decor rência lógica de seu enfoque — deixa de parte toda uma série de aspectos e lados que a Escola apresentou. Há também o fato de que grande parte da bibliografia existente se centra sobre as figuras pros- ceniais do movimento, particularmente Tobias Barreto e Sílvio Rome ro. Ora, são figuras, estas duas, que de ta l modo tentam o biógrafo, pelo tumultuado de suas vidas, ou mesmo o expositor crítico, pela complexa riqueza das obras que deixaram , que os livros sobre eles são em muito pouca medida livros sobre a Escola. São livros “sobre Tobias”, ou “sobre Sílvio”, nomes próprios que aliás o apego dos estu diosos tem feito independentes dos sobrenomes; contrapartida daquele 12 — irioso uso de escritores lusos e brasileiros, de a té uma ou duas gera- cs, de se fazerem conhecer pelos sobrenom es sem o cognato. Por outro lado, o comportamento doutrinário e proselitístico da scola, desde o exem plo de Tobias B arreto, sempre ensejou atitudes paixonadas a respeito. Atitudes polarizadas, contra ou a favor, con- mdindo-se as figuras com as idéias, confundindo-se determ inadas léias com o “progresso” intelectual, ou recusando-se os m éritos do rupo por idiossincrasias e crenças. Se se aplicar ao caso a famosa istinção de Ortega acerca de idéias e crenças ( “as idéias se têm, nas "enças se está” ; “das crenças, às vezes não se tem nem idéia” ), se ê justam ente isso: as idéias do grupo, que aliás eram ao mesmo impo crenças, ou antes repousavam em crenças, vêm sendo v a lo n adas ou desvalorizadas, como crenças, mais que como idéias. Tudo isso significa, se se permite, a necessidade de uma recon- ideração da Escola. Ao mesmo tempo, de uma reexposição de seus ravejamentos intelectuais e de seus suportes históricos, com uma essistematização de sua trajetória na evolução cultural do Recife. )essa evolução ela foi, por um lado, produto e manifestação; por o tro lado, elemento propulsor durante muitos anos — ou antes, turante algumas gerações. Ver a Escola do Recife no Recife: esta seria a tarefa necessária. ‘No Recife” significa dentro de uma certa fase da vida da cidade, iquela em que a metrópole concentrava um sentido maior (ao menos geograficamente) que o que lhe cabe hoje: o Recife era considerado:omo o centro da vida do “Norte” . Quando Franklin Távora, ap prefaciar seu próprio romance O Cabeleira, dividiu o território lite rário nacional em Norte e Sul (levantando um problema chato mas necessàrio que ainda hoje agita e incomoda os críticos literários), teve a intenção de situar no “Norte” a ambiência do romance; e a suges tão daquela distinção ficaria atuanclo no sentido de fazer concentrar em Pernambuco a condição de ponto de referência do “nortism o” : tinha sido o estado mais trabalhado pelas lutas emancipacionistas. E o Recife, como capital, confirmava semelhante condição pela p r i mazia intelectual que entre os estados vizinhos nenhuma outra cidade pretenderia negar, nem disputar. A consolidação desta hegemonia do Recife, entre as cidades da região, correspondeu a uma série de circunstâncias, das quais se poderia mencionar a situação econômica de Pernambuco, ainda vivendo dias de bom açúcar e esplendor comer cial. No Recife de então, a importação de coisas européias se fazia Ccrriqueira e generalizada. Então ímportaram-se também livros e idéias, em quantidade m aior. P a r te digeridos, parte indigeridos, esses livros e essas idéias resultaram , de alguma forma, na Escola do Recife. - ❖ - Mencionamos, atrás, o problem a bibliográfico. Voltemos a ele. Desde logo para dizer que não temos a pretensão de, com o presente ensaio, preencher as lacunas porventura existentes na lista, que já qualificamos de vastíssima, dos títulos tocantes ao tem a. Nem, por outra parte, pretendemos dar conta, utilizando ou citando, de quantos estudos já se consagraram à Escola, ou a seus integrantes, ou a seus aspectos. Há, realm ente, estudos excelentes sobre determinadas figuras, como o de Hermes Lima sobre Tobias Barreto ou o de Sílvio Rabello sobre Sílvio Romero. O aspecto filosófico da Escola foi analisado por Paim. o jurídico está enfocado em trabalhos de Machado Neto e Vamireh Chacon. E, se faltam síntese outras (sobre o positivismo existem umas três obras de porte, globais), falta também outra coisa: uma discriminação compreensível da verdadeira c-omposição da Escola. Quem a integrou realmente? Quem foi co-fundador, além de Tobias Barreto e Sílvio Romero? Quais foram os seguidores (habitualm ente ditos “epígonos” na retórica historiográfica) propriam ente, quais os meros simpatizantes, os que aproveitaram idéias do movimento ou os apenas relacionados por questões polêmicas, ou por serem da m es ma hora, dos mesmos assuntos e das mesmas leituras? Tentaremos rever essas coisas. Um pequeno balanço, como este, não pode ter maiores veleidades. De qualquer sorte, o que faz falta para repor certos nomes em seu momento certo é um critério adequado. Certas exposições, excelentes como apresentação doutrinária ou n o tí cia bibliográfica, deixam indeciso o desenho das posições dos vários “integrantes” do grupo, e o leitor se perde um pouco. Na verdade a Escola, como um eco que se esmaece lentamente e lentam ente se modifica, modificou-se e esmaeceu-se ao passar de geração a geração Uma coisa eram as motivações da década 70 do século XIX, quandc Tobias Barreto estava preocupado com Guizot e Haeckel, outra eram as investigações jurídicas de Bevilaqua e os desafios objetivos que Sílvio Romero apontava em 1910. Um pequeno balanço como este, repita-se, não pode ter maiorei veleidades, que as referentes à “compendiar” e “aq u ila ta r” os an v er — 14 — ; e reversos da Escola. De resto, se dizemos que a Escola se alte- ì ao passar por distintas motivações históricas, isto supõe que se 3 atribua um perfil inicial definido, senão definitivo, um núcleo de racterísticas p róprias. Isto porém será visto adiante: se ela teve não a denom inada unidade interna. E teve. Teve-a sem ser orto- xamente, que é a boa maneira de se te r unidade interna. CAPÍTULO I AMBIÊNCIA E FORMAÇÃO — O ambiente recifense ao tempo da formação da Escola do Recife. Não se pode, conforme foi afirmado acima, entender as etapas de ansformação que a Escola do Recife atravessou, sem situá-la a par- r de sua gênese num determinado cenário histórico. Também não i pode considerar seu cenário histórico sem ter em conta a atemosfera ►ciai e cultural v ivida pelo Recife, com suas características de m etró- )le regional então inconteste (mais do que h o je ) . Características íe sob o prism a econômico correspondiam ao. fato de ser a cidade 3saguadouro de uma economia agrária ainda plenamente vigorosa — Desar de se prepararem as crises e problemas que desembocariam 3 Congresso Agrícola Regional de 1878 —, e de ser, por outro lado, »co de um comércio nacional e internacional considerável. Sob o risma político, o Recife continuava sentindo-se a própria cabeça do Leão do Norte”, impávido e rebelde, cheio dos ecos e dos gestos e várias revoluções libertárias: no século dezenove mesmo, tinha feito Revolução de 1817, a Confederação do Equador e a Praieira, alimen- mdo uma tradição de liberalismo e inconformismo verdadeiramente npar. Socialmente, Pernambuco apresentava um quadro que se pode- ia tomar como típico da brasilidade oitocentista em seu aspecto bási- o, ou seja, antropológico: a miscigenação racial, se por um lado avoreceu exem plarmente a mobilidade social, permitindo que pardos mulatos subissem na escala social, por outro lado ensejou dialetica- aente um processo de preconceitualização que, mau grado nossa apre- oada democracia racial (só em parte existente), continua a medrar errivelmente en tre nós. O lado positivo da mestiçagem foi aliás, em boa hora e em te r nos convincentes, enfatizado por G ilberto Freyre. Desde seu juvenil nas definitivo estudo sobre a “Vida Social no Brasil nos meados do éculo X IX ” o problema está posto, mas seu completo tratam ento em timensão de história social se encontra em “Sobrados e Mucambos”, >nde vemos retratada a figura do m ulato que se habilita e se nobi- - 1 5 - lita pela transformação em padre ou em bacharel: e para Gilberto Freyre, o mulato do romance famoso de Aluízio de Azevedo teria sido modelado sobre casos reais, como um tipo. Vale lembrar, todavia, o lado negativo da mestiçagem, correspon dente à formação dos preconceitos de raça e aos ressenteimentos correlatos. Ambos os lados, de resto, vamos encontrar no «aso fundamental e exem plar de Tobias Barreto. O padrão mestiço existente na socie dade permitiu-lhe “subir” na hierarquia social, vindo a ser professor da Faculdade, condição que no tempo correspondia a um status social de enorme prestígio. Mas teve de haver-se com um mundo de anti patías e reações por conta de seus caracteres somáticos. Donde, ao menos em parte, sua agressividade perm anente. r Intelec-tualmente, dá para se dizer que as duas grandes forças do Recife de então eram a Faculdade de Direito e a Imprensa. Como a de São Paulo, a Faculdade do Recife exerceu função por assim dizer catalizadora, centralizando o prestígio social e cultural num meio urba no bisonho e limitado, como era o das províncias de então, onde aos poucos entravam as vias férreas e os costumes novos. Ser bacharel tinha de ser grande coisa; ser acadêmico já era muito, era ser um personagem . A importação de idéias européias — francesas em maioria, como se sabe — era um processo cultural antigo no país, e vinha desde o período colonial, mas agora era mais intenso, agora era uma notícia mais completa e mais direta a que se tinha dos debates ideológicos e científicos travados na Europa. No Recife, semelhante processo foi dos mais representativos: jornalistas e professores, políticos, padres, militares, bacharéis, toda a intelligentsia local se debruçava sobre os volumes vindos de P aris . Quando Vauthier chegou ao Recife, onde construiria o Teatro e outras edificações inconfundíveis, já encontrou ebulições intelectuais patentes,que talvez lhe tenham parecido con traditórias em relação ao nível global da cultura do povo, e ao aca nhado da mentalidade em term os genéricos. A elite, que Pernam buco até então tivera como portadora de rebeldías e leonismos, existia, ainda, nos anos 60; e àquela a ltu ra a pobreza urbana da cidade e as limitações do ambiente como periferia não impediam que ta l elite estivesse cada vez mais interessada em ismos do velho mundo, como socialismo, romantismo, liberalismo etc. — 16 — Foi quando chegaram Os ismos filosóficos. V inham liderados pelo positivismo e pelo evolucionismo. E logo se revelaram avessos à metafísica, ao direito natural e às tradições (que por si mesmos não se chamariam de “ismos” se não fossem desafiados e espicaçados pelos “ismos” heréticos que chegavam). 2. — A vida cultural no Recife pelos anos 60 e 70 Os anos sessenta e setenta, do século XIX, são o m om ento prepa ratório para a eclosão do movimento que se cham ou Escola do Recife. Foram anos agitados: basta mencionar que ainda soavam polêmicas ligadas à Revolução Praieira de 1848. Mas havia um surto de polê micas novas e novos polemistas. Foi em 1867 que Borges da Fonseca, antigo agitador praieiro, publicou no Recife o seu “M anifesto Político”, com o subtítulo de “Apontamentos de m inha vida política e da vida política do Dr. Urbano Sabino Pessoa de M elo”; em 1862 Antônio Herculano de Souza Bandeira publicara, prefaciando-a, um a im portan te coletânea sobre a reforma eleitoral e a eleição direta; por aqueles anos, o alagoano Melo Morais publicava, no Rio, suas furiosas obras, meio jornalism o-diatribe meio historiografia-denúncia. Foi também o tempo em que, no Recife, Afonso de A lbuquerque Melo editou sua catilinària anti-lusitana: “A liberdade no B rasil — seu nascimento, vida, morte e sepultura” . A revolução praieira, impregnada de doutrinagem européia e de intenções genéricas, não deixou de ser entranhadam ente recifense pelas motivações sociais que carregou (evoque-se a respeito o decisivo estudo do professor Amaro Quintas a respeito). Mas o Recife dos anos 60 e 70 não constava apenas de ressonâncias heróicas nem de permanências polêmicas: era também uma cidade que se alterava aos poucos, se bem num ritmo que hoje, ao nosso pulso histórico sempre acelerado, possa parecer bem lento. Já não era o Recife dos revo lucionários ainda meio coloniais de 1817 ou mesmo de 1824, cidadela bitolada e esconsa: era uma cidade com pretensões novas. As figuras humanas mudavam. Os “gamenhos” que Lopes Gama satirizou, como um Daumier de outra forma (sobre Lopes Gama é impossível ignorar o livre exaustivo do professor Valdemar Valente, publicado em 1969), os gamenhos da prim eira e trêmula floração romântica cediam o passo a novos tipos; esses tipos correspondiam a um começo de classe média urbana, a uma nova fixação antropológica resultante de nova fase da miscigenação, e a uma nova mentalidade social. Ao falar em tipos humanos e em mentalidade social, temos for- çosamente de retom ar o tema do bacharel. Dito foi, acima, que o — 17 — bacharel e ra um personagem: dava-se ares, assumia um papel espe cífico, e com um pouco de desenho a crítica histórica acabou por pregar-lhe sentido caricato. O certo é que tal crítica já vinha sendo feita no século passado mesmo, e que a antipatia posterior contribuiu para criar, sobre um equívoco, um pesado preconceito terminológico. Bacharéis fo ram os que deram passos decisivos na nossa história, pen saram coisas novas, fizeram levantes. Bacharéis fizeram a Escola de Recife — precisamente um movimento de bacharéis. Bacharelismo (o ismo como afocinhamento na fisionomia da palavra com fins nega tivos) já é ou tra coisa, e se existiu com os bacharéis de direito naque le tempo, e a té bem pouco, existe hoje com outras áreas profissionais. Essa afirm atividade da “intervenção dos juristas” foi por sinal, há pouco, oportunam ente sublinhada por Luís Delgado num dos me lhores capítulos de seu livro “Gestos e Vozes de Pernam buco”. Eram os formados pelas academias de direito que iam — m ostra ele — lidar com os problemas novos e urgentes da vida real do país, desde a independência, e orientar sua vida institucional da maneira mais equilibrada. Se o Recife, por aqueles anos, era uma cidade com pretensões novas, isto não pode ser descrito como um processo evolutivo tran quilo e pacífico. As novas atitudes, sobretudo as intelectuais e aca dêmicas, se topavam com resistências e reações, de um a maneira que talvez possa ser atingida pela expressão ambígua “conflito de gerações” . Os representantes do tomismo ou do catolicismo, guardando o hábito metodológico da escolástica e o critério doutrinário da metafísica, não podiam aceitar novidades inquietantes, e é natural que os pregoeiros destas novidades se sentissem como juventude e criatividade em face de idéias velhas e gente repetidora. Antônio Paim , evocando a origem da Escola de Recife, menciona a Questão Coimbra, que por volta de 1865 tinha revelado o estupendo poderio especulativo de Antero, atirando-se sobre Castilho, ou antes, sobre o que Castilho representava como coisa arcaica. Fonte e mode lo para os Anteros locais, ou não, o movimento português serve como comparação. Também houve, na insurreição literária representada pelo movimento de Tobias Barreto, uma dimensão de lu ta de gerações. E com isto não se tira o mérito dos que a Escola combateu: sem dúvida que se tratava de professores idôneos. O que se tem a con siderar é o cará ter de novidade, como elemento decisivo, que Tobias e seus sequazes anunciavam no que defendiam. Argum ento insufi ciente, mas psicologicamente forte, e, para o tempo, compreensível: nossas idéias são boas porque são novas, as dos nossos detratores — 18 — 0 ruins porque são velhas. Um socratismo estranho e tosco se icontrava no âmago das pretensiosidades erudicionais de Tobias e lvio Romero: pretendiam saber mais que os adversários, e se sabiam ais, estavam mais certos, pois que enquanto se sabe menos, se conhe- ■ menos a verdade. Restava perguntar qual a medida para contar 1 saberes. Para eles, a medida estaria justam ente na novidade dos yros e dos autores que aduziam, como pour épater e como uma ¡plica, também estranha e tosca, do clássico argum ento de autoridade, uanto mais nova uma idéia, melhor; e quanto mais autores a este- im adotando, melhor. Este critério, a té certo ponto, vigorou como ¡ndência psicológica central no grupo de Tobias. Por isso se cita ;mpre a frase de Sílvio Romero, que, aludindo às origens da cam- anha intelectual do fundador da Escola, dizia que “um bando de léias novas” tinha começado a esvoaçar no horizonte. A Escola de ecife (nome que começa a circular por conta de Sílvio Romero) retendia-se iniciadora, em verdade, do autêntico sopro de vida cul- jra l em Pernambuco. Exagero patente. E um pouco exagero de )vens. . — A figura de Tobias Barreto e a constituição de uma “Escola” . A figura de Tobias Barreto ficou sendo, em relação à Escola do tecife, não apenas centro e ponto de partida, como também modelo, xemplo de estilo intelectual, multiplicidade de conhecimentos, ten encia polêmica, pretensão literária. Com respeito a ele é difícil descartar o biográfico, não só porque ua obra se acha toda marcada pelo circunstancial, como porque a magem que a historiografia habitualmente faz dele está sempre vin- ulada ao biográfico. Nascido em 1839, em Sergipe (numa vilazinha chamada Campos), íerdou do pai as características físicas do mestiço e certas inclinações joêmias e estouvadas. Estudou por lá as chamadas primeiras letras, endo estado inclusive em Lagarto (terra de Sílvio Romero). Apren- leu latim, o que, como observou Hermes Lima, o nivelava de certo nodo aos filhos de ricos, ele que vinha de um paiescrivão de cartó rio, pobre e modesto. Jovem ainda, tocou flauta em charangas locais, asando cabeleira enorme e compondo versos. Jam ais deixou o gosto pelas diversões, pelo violão, pelas mulheres. Saiu de Sergipe para a Bahia à procura de um meio mais condizente com suas virtualidades. Em 1861 foi para a Bahia. Teve atropelos iniciais. Estudou filosofia, inclusive assistindo aulas do célebre Frei Itaparica, mas sobretudo mergulhando na Biblioteca Pública. Ali conheceu inclusive as obras de Victor Hugo, que a ele, como a Castro Alves, influenciariam de form a profunda. Hermes Lima, no magnífico livro que dedica ao estudo de Tobias Barreto, assim se refere às suas leituras na Biblio teca Pública baiana: “Ali passava o m elhor do seu tempo, lendo os românticos, deslumbrando-se com Victor Hugo, que é, verdadeiramen te, a sua grande, a sua máxima descoberta na Bahia. Pela voz do poeta, o rapaz humilde e sonhador do sertão de Sergipe entra a participar do drama do mundo, dos seus anseios, da sua inquietação” . Voltou a Campos numa crise de vida, e dali resolveu dar o g ran de passo, ir para o Recife. Sofreu outros contratempos iniciais, inclu sive alguns grotescos (como o coice de um burro que os autores sem pre relembram, e que o pegou bru ta lm en te). Fez um concurso de latim para o Ginásio Pernambucano, perdendo-o; fez outro de F ilo sofia, que venceu, mas viu nomeado outro candidato. Ainda desco nhecido e desamparado, essas adversidades, preparam -lhe o acervo de ressentimentos e queixas que nunca deixariam de m anifestar-se pelo resto de sua vida. Como aliás aconteceria com outros mestiços de nossa história literária, qual foi o caso, menos ostensivo, de Machado de Assis, ou o caso, mais ostensivo e mais amargo, de Lima B arreto . Na Faculdade de Direito, como acadêmico, formou aos poucos, entretanto, um grupo de amigos e admiradores, conquistando um nome conceituado e um prestígio intelectual considerável. Prestígio in icial mente de poeta, obtido nas disputas com Castro Alves, nas declam a- ções típicas da época, na luta lírica em torno de atrizes de T eatro . Várias oportunidades de aparecimento social se apresentavam aos e-stu- dantes naquela sociedade que aos poucos adquiria hábitos novos, e em que as festas acompanhadas a piano incluíam recitativos rom ân ticos. Sua rivalidade com Castro Alves, talvez acentuada demais pelos zelos bairristas de Sílvio Romero em sua “H istória da L ite ra tu ra Brasileira”, não teria talvez passado de episódio momentâneo. N a verdade, Castro Alves sempre foi basicamente poeta, e muito m ais poeta que Tobias, inquestionavelmente. Tobias, porém, utilizando uma experiência maior em termos de existência e de estudos, conse guia enfrentar a parada. E para ele aquilo e ra um a grande opo rtu nidade, no sentido de fazer-se aceitar pela sociedade — a ele m estiço e pobre —, de se fazer adm irar e impor. De seu s concursos, e o u tra s tentativas específicamente intelectuais, Tobias posterio rm ente faria u m juízo zombeteiro, chegando a dizer, em estudo contido depois no volume “Filosofia e Crítica”, que não sabia m esm o Filosofia quando concorreu, como o seu oponente tam bém não sabia. Mas destas lutas lítero-sociais não fez juízo negativo: ele sabia que eram o seu cam i nho, p ara subir na província. N em sempre, entretanto, teve êxito na escalada. Teve inclusive fracassos sentimentais, que lhe doíam como provenientes de sua infe rioridade social. Destes desastres, curava-se pelo tem peram ento comu nicativo e por uma certa leviandade, mesmo, que o impedia de se concentrar todo tempo numa pessoa, como num a teoria ou numa m a téria . T inha um jeitão transbordante e falastrão, que com o tempo se tornou desinibição total. Não era um tímido, como o são geral mente os ressentidos; aproveitava toda ocasião de aparecer, falar, ser ouvido, te r êxito. Tanto apreciava a conversa chã e as anedotas prosaicas, como a discussão erud ita . Conseguia passar da concentra ção paciente debruçada em cima dos clássicos e dos grossos tomos alemães e franceses, para o cavaco informal, o “papo” inconseqüente e a in triga política. Adorava fazer discursos: destemperado, exage rado, sem o aplomb de um Nabuco nem as correções de tantos outros, mas eficiente e persuasivo: homem do povo, alimentado de conheci mentos europeus, voltado de novo para o povo. Tornou-se membro do partido liberal. Mas suas convicções polí ticas nunca foram muito claras. Conservou hábitos desorganizados por toda a vida: Luiz W ashington Vita, em sua notável síntese “Pano ram a da Filosofia no Brasil”, m ostra-o em bailes e serestas, com pouco apreço pelas coisas práticas e até mesmo pela higiene. Conser vava também o hábito da polêmica. Sempre se cita sua polêmica contra o conselheiro Autran, representativo da velha guarda dos pro fessores de direito, conservador, católico, jus-naturalista, bien-pensant. No volum e “Polêmicas”, das obras de Tobias Barreto, inclui-se a famosa “Crônica dos disparatos”, onde dirigiu a Autran os versos seguintes: Mote: Fradecos, tocai o sino Que o Católico m orreu. Glosa: Um velho feito menino por força de caduquice, Quiz lutar — oh que sandice! Fradecos, tocai o sino Não julgueis que é desatino Taxá-lo assim de sandeu. Se em discussões se meteu, 21 — Para tornar uma sóva Carolas, abri-lhe a cóva, Que o católico morreu. Tal é na terra o destino Das ciencias passageiras: morreu vomitando asneiras... Fradecos, tocai o sino! Não teve auxílio divino Nem a Suma lhe valeu. Como é que assim se perdeu Tão sábio guia das almas? Quem for ímpio, bata palmas, Que o Católico m orreu. O “Católico” era o jornal onde Pedro A utran escrevia (Tobias replicava no “Americano”) . As ciências passageiras mencionadas na segunda estrofe aludem evidentem ente à teologia e à metafísica, e mostram um Tobias ainda meio positivista, pois segundo a Lei dos Três Estados, de Comte, a teologia foi substituída pela metafísica, e esta pelas ciências positivas. Note-se ainda a referência à Suma — seguramente a “Suma Teológica” de Tomás de Aquino. Concluído o curso de D ireito, Tobias Barreto, como todos sabem, vai ser promotor em Escada, in terior de Pernam buco. Ia-se em bre nhar, não apenas na distância geográfica, como na concentração da leitura. Conta-se que antes de v ia jar comprou por acaso, numa liv ra ria da rua do Imperador, um dicionário de alem ão. Diz Luiz W ashi ngton Vita que aquela visita à liv raria foi uma “visita histórica”, pois dali dataram suas “núpcias com o germanismo” . Realmente, núpcias férteis. Este germanismo seria, daí por diante, a g ran d e constante, senão mesmo a grande alegação in telectual de sua v ida de pensador. Em Escada redige um jo rn a l em alemão, o Deutscher Kampfei (“Lutador Alemão” ), que pouca gente te rá lido, incluindo-se os a le mães da Alemanha para os q uais o rem etia, e incluindo-se o pròprie Haeckel, que, ao que consta, te r ia um d ia elogiado sua redação en língua tedesca. — 22 — De certa form a, o jornal alem ão marcava o início da formação ca Escola. In telectuais do sul, à frente* Carlos de Laet, chamariam depois o grupo de “escola tcu to-serg ipana”, sublinhando nom inalm en te a dcsi^roporção entre o elem ento alemão e o elemento sergipano. Tobias e seu grupo redarguiriam designando o grupo de Laet (que nem era um a escola, e não o p retend ia) como escola galo-fluminense. Nesta designação, ia o intento de apontar a limitação dos intelectuais da corte, apenas lidos nos franceses, e isto traduzia um duplo precon ceito de Tobias: o preconceito segundo o qual a verdadeira cultura citava na A lem anha (“não tendo deixado sucursal na F rança”), e o preconceito nortista contra os intelectuais do Sul, no caso tidos como folgados e avessosaos estudos pesados. A famosa frase de A raripe Júnior, segundo o qual Tobias, lan çando pela prim eira vez en tre nós os nomes de Darwin e Haeckel, “lançava as prim eiras tarrafadas na pesca dos prosélitos”, ficou como uma imagem definitiva: era uma ascendência ímpar, a que Tobias Barreto conquistava aos poucos, e indubitavelmente mantinha, dentro do meio culto rccifense; senão mesmo, já que o Recife era o centro da região, dentro da cultura nordestina. Isto através da Faculdade de Direito. Na verdade, só depois de tornado professor da Faculdade é que :u a atuação, já fru tífera e exemplar, se projetou em chefia de escola e em proselitismo definido e caracterizado. Para Antônio Paim, passou a Escola do Recife por quatro fases. Teria sido, a prim eira, um esforço genérico de renovar idéias, rejei tando a metafísica, o ecletismo e a escolástica. Tal fase iria mais ou menos de 1860 a 1875. A segunda fase, segundo Paim, teria tido início quando — já Tobias intelectual conceituado — Sílvio Romero, no conhecido incidente acadêmico da defesa de tese, gritou e debla- terou que a metafísica estava morta, afirmação que provocaria inda gações no próprio Tobias. Esta segunda fase tem outra marca da presença de Sílvio Romero: a publicação (1878) de seu livro “A Filo sofia no Brasil”, imaturo e desigual mas expressivo e válido. A ter ceira iria de meados da década de 80 aos primeiros anos do século XX: Tobias m orre aos 50 anos em 1889; refundem-se os fundamentos doutrinários; os arrancos polêmicos iniciais se mudam em desdobra mentos temáticos, incluindo-se cada vez mais o ângulo sociológico na consideração dos problemas. A chamada quarta fase seria a dos brilhos finais, onde as discussões filosóficas já pouco contavam. Deixa de circular a revista Cultura Acadêmica, que se divulgara em 1905 e 1906. O ano 1914, com a morte de Silvio Romero, balizaria o fim da trajetória da Escola. Talvez seja esm iuçar demais a existência da Escola, dividir seu ciclo vital em quatro fases; de certa forma, o que ela teve mesmo, como de resto todo movimento intelectual aqui ou no velho mundo, foi um período de formação, um de apogeu e outro de declínio. Todavia podemos aceitar em parte o esquema proposto por Paim . De qualquer sorte, um momento decisivo na caracterização inicial da Escola, no sentido de uma definição interior de sua doutrina foi o abandono, por Tobias Barreto, do positivismo (ou da parte do posi tivismo que viera aceitando) e sua adesão gradativa ao haeckelismo. É verdade que antes tinha feito a crítica do espiritualismo francês de Royer-Collard, de Jouffroy, de Guizot e de Cousin, em diversos estu ; dos, e tinha também combatido o teologismo e o tomismo. Sejam lembrados os estudos “A propósito de uma teoria de São Tomás de Aquino” (1868, incluindo nos Estudos Alemães e depois posto no tomo III das Obras Completas editadas pelo governo de Sergipe em 1926) e “Teologia e Teodicéia não são ciências” (1868), abrigado no tomo II das Obras Completas. Mas com o artigo sobre o “H aecke lismo em Zoologia” (1880), que comentava a obra homônima de C arl Semper, Tobias colocava Haeckel no cimo mais alto da in telectuali dade, como um sábio inconteste e incontestável, cujas idéias faziam parte do que de mais sólido e mais definitivo existe ou pode existir no patrimônio da filosofia e da ciência. O culto a Haeckel se con funde, nas páginas de Tobias e em suas entrelinhas, com o culto à própria superioridade cultural alemã. Com ambas as coisas se con funde, de certa forma, o culto ao monismo e a uma certa concepção cientificista da filosofia, que não deixava de ser também uma con cepção filosofante da ciência e do trabalho científico. Antônio Paim considera que a rejeição do positivismo por Tobias resultou da procura de uma solução para um problema fundam ental com que ele se debatia desde o contacto inicial com as idéias de Comte: o problema dos limites em que se poderia aceitar a m etafí sica, retirando-se-lhe desde logo o fam igerado problema da “causs p rim eira” . Isto nos põe na pista das dúvidas e críticas feitas ao: autores franceses; e explica que diante do brado destambocado d< Silvio Romero sobre a morte da metafísica, Tobias se pusesse a pen sar m elhor no assunto. Tanto que, em 1875, escreveu o texto “Dev< a metafísica ser considerada morta?” , publicando-o no seu jo rn a — 24 — eutscher Kampfer. O texto é hesitante: arrasa a metafísica tradi- onal, atribuí a Hume e a Kant a sua destruição, mas também criti ca a ingenuidade dos que falam da metafísica sem conhecê-la. Por sinal, que situar certos pontos do pensamento de Tobias sem- re é algo difícil. Se Sílvio Romero praticou a instabilidade quase amo uma profissão de fé, dizendo-se ora isto e ora aquilo, Tobias iarreto, de modo visível, tinha também certa heterogeneidade, ou ntes, certas hesitações no tocante às convicções. O que era, na rea- dade, uma forma de ser eclético, embora o ecletismo fosse expres amente repelido pela Escola, como hoje repelem a própria idéia de cletismo vários críticos que malgré tout fazem seus ecletismos também. A propósito de política, por exemplo, Tobias Barreto sempre hesi- ou. Segundo Sílvio Romero, Tobias escreveu certa vez: “Não sou, íão posso ser conservador e isto por índole. Liberal, não sei se sou; 10 menos entre nós os liberais me repelem, e eu de minha parte os icho sofrivelmente ridículos, desde os chefes que comprometem o p a r ido, até qualquer desses desfrutáveis quarentacoitistas que têm na >arede o retrato de Nunes Machado abaixo do registro de N . S . da Penha, sem falar no resto” . E dizia mais, ainda segundo o testem unho de Silvio Romero: ‘O que eu sou, pois? Talvez uma dessas naturezas problemáticas, a :juem nada contenta, senão desmontar todas as peças dos velhos p re conceitos e por tudo em questão; nunca e nunca, porém, um evangelist of waste, na frase de Buchanan” . Dizia-se liberal (e filiou-se ao partido) e criticava os liberais. Suas instabilidades doutrinárias, que ele urna vez (em frase um tanto leviana) comparou às próprias sentimentais, sempre foram um a cons tante sua, embora, repita-se, não tão desconcertantemente como as de Sílvio Romero. As vicissitudes de sua vida marcaram o evolver de seu pensa mento: escrevendo sobre coisas seríssimas em periódicos efêmeros, conciliando estudos profundos com hábitos boêmios, enfurnando-se em Escada para escrever em alemão, sempre deixou que o bias subjetivo de sua auto-imagem afetasse o crescimento interior de seu pensa m ento. E nisto, como modelo, iria influir sobre os outros da escola, discípulos e continuadores, particularm ente sobre Sílvio Romero, que, — 25 — se bem homem de hábitos pessoais muito diferentes, conservou sem- pre o eriçado polêmico em tudo o que escrevia, bem como a sempre disponível dimensão pessoal por dentro das idéias. Em ambos, a abertura às idéias e às teorias as mais diversas (que aliás se facili tava pelo convite ao enciclopedismo, próprio da época) foi algo fecun do: cada um dos dois praticou a seu modo a regra “je prends mon bien où je le trouve” . CAPÍTULO II COMPOSIÇÃO DA ESCOLA: INTEGRANTES E ASPECTOS 1. — Os componentes da Escola, desde o tempo de Tobias Barreto até a morte de Sílvio Romero. 8 1 — Vista geral Uma das coisas que fazem falta ao leitor, nas exposições sobre a Escola do Recife, é um quadro mais ou menos claro da seriação de nomes que a integraram, bem como (o que foi mencionado atrás) das posições que cada um ocupou. Na verdade, uns têm colocação central, estão na linha principal dos temas e das inclinações da Esco la; outros, sem que isto signifique maior ou menor “importância” de sua parte em relação aos primeiros, estão na periferia da atuação do grupo. A Escola do Recife, se a consideramos como tendo durado dos anos60 do século XIX até pelo menos a segunda década do nosso século, atravessou sessenta anos, o que significa duas gerações. Gera ções, porém, não são demarcações cronológicas fáceis de situar; sem pre há restos de gerações anteriores convivendo com gerações em ascensão, de modo que, efetivamente, a Escola correspondeu a umas três gerações: a de Tobias, nascido em 1839 e começando a publicar seus trabalhos no fim dos anos 60; a de Sílvio Romero, apenas doze anos mais moço, mas com vida mais longa e mais variada evolução; a que atua depois de 1890 e chega às primeiras décadas do século vinte. Foi Sílvio Romero que deu o nome de “Escola do Recife” ao grupo, ele, que sempre se disse mais companheiro do que discípulo de Tobias, era no fundo um influenciado por Tobias. O fascínio de Tobias sobre a mocidade da Academia era realmente avassalador: le representava a irreverencia dentro de uma sociedade estática, epresenta a novidade, o ruido polémico, a extroversão e a espon- aneidade. H erm es Lima frisou o encanto que aquele hom em tão pouco esté- ico exerceu sobre os jovens. “A mocidade — diz ele — adorava-o. Ela só lhe descobria vir- udes: o arrojado e o moderno das concepções, a irreverência do saber, i capacidade de demolir, a liberdade de dizer o q u e bem entendia e i flam a capaz de comunicar a outrem o próprio entusiasm o. Tinha im riso largo, sacudido, uma voz sonora e nuançada, uma simplici- lade ex trem a de m aneiras. Na livraria do Q uintas, à Rua Nova, lepois do meio-dia, era certo encontrá-lo na sua cadeira, o braço ¡squerdo apoiado no balcão, cercado de ouvintes. Aquecido e esti pulado pela simpatia e admiração da roda, deslum brava com o seu aber, seu espírito não afeito às convenções, sua jovialidade” . Realmente, esta jovialidade de Tobias Barreto foi em grande parte ;eu condão para seduzir as classes na Faculdade, os leitores em geral ; as pessoas no convívio. Naquele tempo, aliás, as obrigações de professor não eram absorventes: ser lente da Faculdade significava »anhar razoavelmente, te r um prestígio social enorme e um número le horas de ócio bastante para realmente estudar e produzir — tão liversam ente da situação de hoje, quando aos professores se impõem rada vez mais aulas, ficando o tempo restante para a leitura e a Desquisa simplesmente nulo. Sílvio Romero, portanto, como dizíamos, representou em verdade ím seguidor, um continuador, embora o mais privilegiado, o mais •epresentativo, o mais especial de todos, pois era um contemporâneo le Tobias, um companheiro das primeiras lutas, e, se não foi o fun- iador da Escola, foi seu padrinho, pois lhe deu o nome. O Recife, por aqueles tempos, crescia na pachorra desordenada e enta de cidade já cheia de problemas, com ruas estreitas, carroças le bois pelas ruas, dois ou três centros de atração (entre os quais d Teatro Santa Isabel). A diversão dos estudantes consistia nos saraus, ias farras, nos bailes, nas pequenas intrigas, nos grandes sonhos. ^ aparição das estradas de ferro no Brasil, dando a certas cidades üsionomia nova, correspondeu no Recife ao domínio da Great Western, nas nem tudo mudava — ou eram mudanças muito lentas para nossos olhos hoje tão acostumados a alterações céleres —, nem tudo m udava no ambiente urbano pequeno e singelo. § 2 — Componentes iniciais: primeiro, Tobias Barreto. Evolução Geral Cremos que se pode dizer, a Escola inicialmente foi o mero con vívio de Tobias Barreto e Sílvio Romero, embora a caracterização efetiva só viesse quando a influência de Tobias “transbordasse” sobre outros, e quando as lealdades pessoais de Sílvio tingissem de cores ásperas as suas críticas e seus destemperos contra inimigos adqu iri dos em comum, numa espécie de definitivo condomínio polêmico que os uniu toda a vida, nos ganhos e nas perdas, e que prosseguiu depois mesmo da morte do m estre. O rol de integrantes da Escola é longo, e deve ser entendido em termos, já que houve adesões de diferentes graus. Clóvis Beviláqua, no capítulo VII da segunda parte de sua História da Faculdade de Direito, menciona, como “discípulos imediatos”, os seguintes nomes: A rtur Orlando, Gumercindo Bessa, Martins Júnior, Adelino Filho, Fausto Cardoso, Urbano Santos, Benedito Leite, Francisco José de Viveiros Castro, Phaelante da Câmara, Oliveira Teiles, Graça Aranha, Anísio de Abreu, João Freitas, Hygino Cunha, César do Rego M on teiro, Prado Sampaio, Nobre de Lacerda, Virgílio de Sá Pereira, A be lardo Lobo. E acrescenta reticente: “e muitos outros” . São, como se vé, nomes de projeções diferentes, alguns caídos hoje no esquecimento. Naqueles dias, porém, uniu-os a efervescência dos entusiasmos intelectuais, e todos, encascados em seus palitos escu ros e na gravidade bigoduda que o padrão social pedia aos bacharéis, viam nas idéias de Tobias Barreto o grande exem plo, a grande m oti vação do saber e do pensar. Mas retornemos a Tobias. Clóvis Beviláqua, historiando a evolução do pensamento na Facul dade, atribui a Tobias um período inicial, espiritualista, vinculado às idéias de Guizot e outros escritores franceses, e logo depois um perío do positivista. Este teria começado com o famoso artigo “Teologia e Teodicéia não são ciências” (1868), onde havia algo de L ittré , bem como com o pequeno ensaio “Moisés e Laplace”, que aproveitava hábil e im agi- osamente a lei dos trds estados no tocante ao advento do mono- ìismo hebraico. Vem desta época, por sinai, o apego de Tobias arre to a Vacherot, pensador filosòfico e político muito típico daquela ise do esplritualismo francês, com toques de positivismo e de ecle- ismo. Tobias Barreto, detendo-se pouco no positivismo, passa ao haecke- ismo. Para o autor da História da Faculdade de Direito, a influén- ia de Comte teria sido, sobre Tobias, m enor do que a de um Cousin, m Vacherot, um Jouffroy, um Scherer. É aliás curioso notar que, auitas vezes, Tobias não se apegava tan to a um autor de maior aonta, deixando-se empolgar por divulgadores menores. Isto se pas- a, um pouco, com o fato a que alude a observação de Clóvis; passa-se, nais ainda e estranham ente até com o apego de Tobias às obras de ..udwig Noirè, simples divulgador de Haeckel, a cujas obras, mais iue às deste, se atinha e se referia quando de suas andanças pelo nonismo. Àquela altura, Tobias Barreto assimilara os conteúdos mais subs- anciosos da literatura filosófica francesa (Renan, Jules Simon, /achero t etc. e tc .) e se iniciava na alem ã. Sua conversão ao ger- nanism o não é apenas um fato explicável em termos sistemáticos ou lilosóficos. Explica-se em termos psicológicos. Adesão ao germanis- no e c-onversão ao monismo ou ao haeckelismo foram em sua traje- ória coisas conjuntas: para um homem como Tobias, aprender alemão :inha de parecer proeza pessoal definitiva; fam iliarizar-se com a lín gua alemã devia significar passar-se para as tendências alemãs. E ocorreu que o pensamento de Haeckel era pouco conhecido no Brasil; ser adepta do Haeckel era um modo de ser diferente, algo muito importante para um m ulato necessitado de afirmação e de imparidade. Renunciar ao positivismo era uma sacudidela de independência, era um gesto de recusa às disciplinas religiosas, gregarizantes e “ecle siásticas” do positivismo. O que, no sistema de Haeckel, havia de religioso, bastava para as tendências de eclético sui generis que ele sempre foi, um eclético muito barulhento e muito pouco conciliador nas atitudes externas. No sistema de Haeckel, não só havia muita clareza e m uita ordem expositiva (e até talvez uma certa superficia lidade fácil, segunco certos autores), como também muito ressumar de cientismo, o típico cientismo do século X IX . Acompanhando Haec kel, e com ele outros autores alemães, Tobias estava além disso acom panhando uma outra disciplina, que nãoa gregarizante e ritualizante do positivismo: a d.sciplina germânica do saber, consagrada como dis ciplina acadêmica e representada nas glórias universitárias alemãs. — 29 — Que justo prêmio — diga-se de passagem — não teria sido para Tobias te r podido ir à Alemanha (aonde só foi através da euforia gráfica de seu jornal de Escada), ter visitado as instituições e os sábios que venerava e aplaudia, daqui, vassalo orgulhoso e desconhecido. Na trajetória literária de Tobias, é m arcante o ponto correspon dente à polêmica contra o professor Pedro Autran, que ficou cha mada de “Crônica dos Disparates”, título inventado pelo próprio Autran ao referir-se a um artigo de Tobias. Esta polêmica foi muito valorizada por Clóvis Beviláqua, como representativa de um instante decisivo na evolução da Faculdade de Direito. Significava a oposição contra o tomismo e a escolástica, por p arte de um estudioso novo e inquieto. De um estudioso, acrescentaríamos, em quem o incandes cente das pretensões ia às vezes além das conveniências, mas geral mente traduzia uma necessidade imperiosa de auto-afirmação e um auto-conhecimento sempre instintivamente seguro. Caracteriscas intelectuais Falastrão e enciclopédico, Tobias Barreto personificou e encerrou o líder intelectual de província destinado a impressionar fundam ente em tempos como aquele. Sabia várias línguas incluindo o distan ciador alemão; conhecia m atéria religiosa, filosofia, história, direito, literatura, música, e mais coisas.. O enciclopedismo de “O Progres so”, de Antônio Pedro Figueiredo, que tempos antes discutia, no Reci fe, política, economia, filosofia, história, repetia-se agora com mais estridência e mais eficácia, trazendo citações germânicas, nomes mais arrevezados e sobretudo um a agressividade insólita. O ideal do saber, Tobias já o expressara no final do seu artigo ainda estudantil “Teo logia e Teodicóia não são ciências”, encerrando-o com a frase, modes ta mas taxativa e desafiadora: “Meu fito é saber, nada mais” . Esse ide-al do saber fazia-o referir-se aos sábios europeus com ênfases sintomáticas; de Haeckel e de outros alemães dizia “sábios reconhecidos, consagrados pela crítica”, etc. Per volta de 1881, regressando de Escada para o Recife, Tobias consuma a sua virada dou trinária . Já siderado pelos rovos au to res alemães, mas ainda agarrado a K ant e a Schopenhauer, bem como a Eduard von Hartmann, au to r de um a interpretação especial de K ant, - 3 0 - vai o futuro chefe da Escola voltando-se para a solução monistica, através das obras do pròprio Haeckel, das do zoòlogo Sem per e das de Noiré. O evolucionismo spenceriano com eçava também a ser conhecido. Consta que o artigo “Palestra científica” de Jerónimo Muniz, publi cado na Autoridade em 1875, foi um dos passos iniciais da divulgação da obra de Spencer no Recife. Do mesmo modo começava-se a le r Taine, cuja fórm ula “raça, meio e momento” seria aliás, de certa forma, adotada por Sílvio Romero no em basamento de sua H istória da Literatura Brasileira. Também os livros dos materialistas alem ães começam a conhecer-se, sobretudo por via das traduções francesas: Büchner, Vogt, Molleschot. Como estudiosos que começam a despontar no Recife, dentro desta área, citam-se — além dos que já foram mencionados — Barros Pimentel, Marcos de Souza, Aitino de A raújo, Aníbal Falcão, Meira e Sá, Muniz Freire, Afonso Cláudio, Leovigildo Filgueiras, Gii Amora, Amazonas de Almeida, Pedro de Queiroz, Clodoaldo de F reitas. Em 1882 Tobias faz o seu concurso para professor da Faculdade. Esta existia ainda no antigo e antiquado prédio da rua do Hospício, imponente mas insuficiente para o m om ento. Apresentou um estudo sobre “A extensão da idéia de mandato, de que trata o artigo quatro do Código C rim inal” . A fonte geralm ente utilizada para conheci mento do concurso é, ainda hoje, a carta em que Gumercindo Bessa, futuro componente da Escola, o descreve pormenorizada e impressio- nadamente a um amigo (carta incluída no tomo VII das Obras de Tobias publicadas pelo Governo de Sergipe). • V I . • * ' ■ Á * < ' v *—. «(>. » Tobias jurista Com a alusão ao concurso de Tobias para a Faculdade de Direito, cabe acentuar que somente após diversas incursões em estudos filo sóficos, e amplas contribuições à crítica de idéias em geral, é que Tobias Barreto efetivam ente se atirou aos estudos jurídicos. É certo que escreveu sobre direito antes do concurso, mas os estudos filosó ficos vieram antes, e disso beneficiou-se a solidez e a clarividência crítica com que viu a problemática jurídica, jamais se perdendo em questiúnculas m iúdas demais nem perdendo de vista a relação entre as questões positivas e as linhas de fundo da história e dos princípios — 31 — Para Machado Neto, são quatro, basicamente, os textos de Tobias Barreto sobre tem as de teoria do direito . São textos breves. Prim ei ro, o célebre ensaio “Sobre uma intuição do direito” (1881). Segundo, a prova escrita do concurso para a Faculdade, sobre a pergunta: Conforma-se com os princípios da ciência social a doutrina dos direi tos naturais e originários do homem?” . Terceiro, o discurso de para ninfo denominado “Idéia do Direito” . Quarto, o escrito intitulado “Introdução ao Estudo do Direito” (1887-1888). Entretanto, acrescentaríamos tam bém o conteúdo do estudo “Juris prudência da vida diária”, que é um comentário à margem do livro homônimo de Ihering . Foi publicado inicialmente no Recife em 1878, e depois, com alterações, no Rio em 1879, sendo incluído nas Questões Vigentes. Tal artigo é representativo porque, desde logo, exemplifica o hábito de Tobias de bordar glosas a obras alemãs (sobretudo ale mãs, depois de certa fase), como atitude de divulgação e, ao mesmo tempo, de repensam ento. Também porque Ihering ficou como uma das fixações do Tobias jurista. Se — como A rtur Orlando enfatiza, ao prefaciar o volum e das Questões Vigentes — a “Nova Intuição do Direito” representou a concepção de Darwin e de Haeckel aplicada ao Direito, Tobias viu em Ihering e no específico finalismo de suas idéias uma versão jurídica do darwinismo, filtrada e burilada. De qualquer sorte, Tobias jamais procurou adaptar-se aos padrões referentes ao “ju ris ta” como sabedor de leis e conhecedor de fontes. Antes procurou impor, à problemática jurídica, o enfoque das concep ções que adotava. Por sinal, toda a Escola do Recife foi de juristas. A tentação dos estudos jurídicos em relação aos seus integrantes se explica, não apenas pelo “Bacharelismo” que tivesse sido dominante no tempo, entre nós, mas também pelo fato de que na própria Europa do século XIX os grandes problemas das ciências hum anas estiveram marcadamente ligados aos estudos jurídicos: assim se deu com o pensamento histórico, com o etnográfico e com o sociológico. Naqueles anos, a problemática do D ireito Natural, que na Euro pa tinha sido recolocada pelas críticas dos historicistas rom ân ticos, parecia ainda carecente de diária e renovada discussão. O ata que de Tobias ao jusnaturalism o, com a idéia de que o D ireito “não é um filho do céu”, e sim um produto da história hum ana, agradou aos prosélitos como irreverência e convenceu como argumentação: era uma novidade viável considerar as coisas humanas como obra da seleção n a tu ra l. Pra ele, sempre aguilhoado por sua equação pessoal e suas velhas mágoas, era um prazer sempre novo desm antelar idéias tradicionais». — 32 — 'ílho, como dizia, da “fulgurante plebe”, e ra estim ulante atacar os elhos odres cervantescos que representavam o assentado, o reconhe- ido pela sociedade de então. Tam bém do ano de 1881 (como a “Nova Intuição” ) é o estudo Fundam entos do Direito de Punir”, que m arca as inclinações pena- istas e crim inalistas de Tobias. Tobiase a sociologia Dos escritos de Tobias, convém ainda dar destaque ao seu estudo aparentem ente descolocado e equivocado sobre a sociologia. Seu títu lo, m uito típico, “Glosas heterodoxas a um dos motes do dia ou variações anti-sociológicas”, sua frase inicial cortante e negativa (“eu não creio na existência de uma ciência social” ), realm ente mostram um Tobias azedo e im pertinente, chateado com algo e disposto a negar coisas. Entretanto, o estudo, em prim eiro lugar, se dirige antes à concepção comteana da sociologia, ou a um aspecto dela, do que à idéia mesma da ciência social. Em segundo lugar, o estudo contras ta com a “vocação” de sociólogo que Tobias Barreto sempre teve: seu realismo social, manifestado aliás em diversos estudos, inclusive nos que escreveu sobre problemas locais ou nacionais. O estudo em causa diz, talhadamente: “A sociologia é apenas o nome de uma aspiração tão elevada, quão pouco realizável” . A sociolo gia seria apenas um “postulado do coração”, querendo encontrar leis na sociedade hum ana como nos organismos. E o estudo dos fenôme nos sociais, considerados como totalidade e unificados num só sistema científico, resultaria numa “estupenda pantosofia” . Na verdade, eram de certo modo os argumentos de Von den Stein (e os que Dilthey posteriormente retom aria em parte) contra a con cepção da vasta ciência social abarcadora de todos os conhecimentos referentes ao humano. Havia um lado salutar naquela recusa de leis para os fenômenos sociais. Não se pense porém que Tobias se insurgia contra elas por causa de uma rejeição coerente do mecanismo que a idéia de leis sociais implica. Recusava-as por conta de um preconceito natura lista, provindo de seu monismo já enraizado: ele queria que os soció logos apresentassem “resultados” positivos e não meras “frases” . Discutindo, ainda no mesmo estudo, o “Problema da liberdade” ele diz que esta “não se deixa explicar mecanicamente”, mas é um fato da ordem natural. Neste ensaio entram considerações de índole cultural, antecipadoras e pioneiras em nossa cultura (dai o professor Miguel Reale ter falado no “culturalismo da Escola do Recife”), quan do, por exemplo, diz ser “a sociedade o grande aparato da cultura humana”, feito de uma teia de normas. Distinguindo entre cultura (ou sociedade) e natureza, com uma nitidez impressionante, reafirma a inexistencia de um direito natural pelo fato de só na sociedade (e não na natureza) ixistirem normas. Estes trechos do estudo são de incontestável e imperecível mérito, embora a nosso ver contradi gam o propósito do próprio título do estudo, já que são, no fundo, sociologia. Estas magníficas intuições, entretanto, conviviam, no pensamento de Tobias, e colidiam, com preconceitos pesados e opacos hauridos no naturalismo monista. Os homens são seres naturais, mas fazem uma organização que não é mais natural. Numa fórmula extremamente feliz, Tobias exprimiu esta situação ao dizer: “A sociedade é uma série de combates contra o geral com bate pela existência, é um conjunto de seleções artísticas, que melhoram, modificam, alteram a grande lei da seleção natural” . Fórmula feliz, porque exprime a ordem social como um diríamos, redimensionamento da ordem natural; a luta bruta que nesta rege se faz, na sociedade, luta “artística” (arte vai ali num sentido amplís simo) que coloca os problemas humanos numa rede normativa. Embora misturando Noiré com Kant e Hartmann com Haeckel no tocante ao problema da liberdade, este estudo de Tobias tem enorme importância. Pensamento político Lucidez muito grande demonstrou Tobias como pensador político. Um de seus estudos mais representativos neste campo é o intitulado “Os homens e os princípios”, onde relaciona o liberalismo com a democracia e faz o elogio do povo como suporte das formas políticas. O hesitante, que jamais foi republicano propriamente nem se pro nunciou claramente sobre o abolicionismo, faz ali observações francas e firmes sobre o Brasil, cuja situação descreve em cores fortes: “O Brasil, encarado pela face do seu governo, é um corpo que se move entre dois abismos, sempre mais inclinado para o lado do absolutismo. Encarado como povo, como nação, como sociecade, o Brasil é um país am orfo, pela m istura variável de elem entos radicalm ente antagônicos, tolerados e aquecidos no seio da opinião pública” . No mesmo ensaio, afirmava que, “onde o povo não é tudo, ele torna-se nada” . E criticava o messianismo da idéia liberal no Brasil, que só fazia prom eter reinos futuros nos momentos de crise, om itin do-se e calando-se nos períodos serenos. Muito sério é o ensaio “Política B rasile ira”, onde tam bém toma o problema do povo. “im porta-nos mais saber o que pensa o homem do povo, sensato e magnânimo, sobre os negócios do país, do que saber o que dizem os em presários da política, interessei- ros e fatuos. Por isso, é sobre o povo que devemos con vergir o nosso estudo e atenção” . Retomando o elogio do liberalismo, acentuava que a grandeza de um povo se media pelo grau de liberdade que possui. Embora jam ais tivesse acerido ao credo republicano, não parava de zombar do Im perador. Recusava-se a aceitar a imagem de um Pedro II sábio, erudito, misto de Salomão e Platão, que certos áulicos pintavam . Sobre o problema servil om itiu-se de modo que tem sido estranhado por diversos críticos. E se elogiava o liberalismo como tese geral, não privava os liberais brasileiros de críticas pontudas. Como não poupava também, é claro, aos conservadores. A mesma indisposição que Sílvio Romero m anifestaria mais tarde contra as oligarquias da prim eira república, Tobias expressava contra os con servadores rígidos e empedernidos. Por outro lado, nunca aderiu ao socialismo. Num Recife ainda embebido das ressonâncias da pregação de Borges da Fonseca e das doutrinas de A breu e Lima e Antônio Pedro de Figueiredo, Tobias Barreto, embora inimigo ferrenho dos professores mais conservadores e com um temperamento talhado para a insurreição e a rebeldia em geral, manteve sempre uma desconfiança fundamental em relação ao socialismo. Desde logo, a democracia de que falava não era o igualitarismo total. Isto já estava no ensaio “Os homens e os princípios”, onde falava numa democracia sensata. Aliás, como Hermes Lima já obser- vou, este desigualitarismo básico provinha de certa forma do darwi nismo e do haeckelismo, que contra toda intenção niveladora ante punham a imagem da seleção natural e do combate permanente como regra e como critério. No famoso “Discurso em mangas de camisa”, analisando os ideais da liberdade, da igualdade e da fraternidade, tanto denuncia as amarguras do povo brasileiro, afligido por castas e injustiças, como duvida de um perfeito arranjo da liberdade e da igualdade. Um artigo de 1874, chamado “Socialismo em literatura”, Tobias propõe aplicar o socialismo na literatura, como um liquidação. Ali, dizia que lhe causava horror a idéia de uma “liquidação social”, e era isto o que lhe parecia ser o socialismo. E acrescentava: “O instituto da Internacional é para mim a organização da loucura” . Entre equilíbrio e hesitação, passam estas linhas do pensamento de Tobias. Nem liberal radical, nem republicano, nem socialista, nem conservador: mas sempre radical no modo de negar o que nega va. Sincero diante dos problemas do povo, reticente porém no tocante a pontos que tangiam de perto certas mágoas suas ou idios sincrasias temáticas. Dominantemente, a irreverência como reação. Essa irreverência se mostra nas polêmicas. Seja agora mencio nada a polêmica contra os autores que haviam tratado do Poder Moderador. No estudo sobre o assunto, encontramos por sinal a observação de que o Brasil não era um país com governo parlamen tarista, pois que não se podiam entre nós repetir as estruturasingle sas, tese ainda discutida (mas a nosso ver correta) e que recente mente seria retomada por Afonso Arinos de Melo Franco. A crítica de Tobias ao problema do poder moderador é dirigida desde logo à validade do tema, que a seu ver nem merece tanta aten ção científica: tudo o que se escrevera a respeito provinha, ou do equívoco ou do servilismo político. Para ele, o padrão ortodoxo em 1 teoria política (e nisso antecipava notavelmente Carl Schmitt) é sem pre reflexo do padrão ortodoxo em religião: o ponto de vista católico fazia a fé na monarquia como entidade moral e dogma de crença. Denunciava (quase, dir-se-ia hoje, como uma “alienação”) o diletan tismo parlamentar que existia em verdade no Brasil. Este ensaio estava marcadamente voltado contra o professor Braz Florentine Henrique de Souza, que em 1864 publicara no Recife seu alentado — 36 — volume sobre o poder m oderador. Os outros autores estudados eram o Visconde de Uruguai e Zacarias de Gois e Vasconcelos. § 3 — Componentes iniciais: segundo, Silvio Romero Os dias e os trabalhos Sílvio Romero (1851-1914) foi o grande “batalhador” da Escola; deu-lhe o nome, fez-lhe a propaganda, corrigiu-lhe algo, estendeu-a, perenizou-a. Sergipano, como Tobias B arreto, considerou-se sempre em relação a este antes um companheiro de estudos do que um discí pulo, se bem seja possível sentir que o padrão e a inclinação de seus estudos deveram a Tobias, ao menos na fase inicial, grande p arte do impulso e da motivação. Polígrafo como Tobias, pratica- m ente só não cultivou a ficção. Se não entrou bastante em certos campos como o autor das “Questões Vigentes”, em compensação cul tivou ertudos que o outro não havia tentado, como folclore, etnogra fia, economia e — ao menos mais expressam ente — sociologia. Sílvio Romero foi realmente um homem dotado de extraordinária capacidade criadora, profusa e dispersa às vezes, ou equivocada e apressada, mas sempre honesta e sempre fecunda. Foi o que a re tó rica das apresentações antológicas costuma cham ar um grande “trab a lhador intelectual” . Poesia, crítica, história literária, crônica, ensaio, filosofia, direito, tudo fez. Foi, como Tobias, parlam entar militante, e não deixou de reunir seus discursos, não vãos e aguados como os de tantos políticos que reúnem suas falas apenas para ter nome numa capa impressa, mas substanciosos e cheios, com efeito, de empenho “ilustrador” e sério. Também teve seus concursos. Ao contrário de Tobias, não ficou no Recife: foi em 1876 para o Rio. Um dos seus biógrafos e estu diosos de sua evolução intelectual, Carlos Sussekind de Mendonça, considera que foi um passo que se im punha a Sílvio Romero essa ida para a Corte: faltava-lhe ambiente no Recife, onde atraiu an ti patías demais. Segundo este autor, no seu segundo concurso para a Faculdade de Direito (para a cadeira de filosofia do curso anexo, chamado Colégio das A rtes), Sílvio foi vítim a de uma injustiça cla morosa, e mais ainda, de uma covardia por parte dos julgadores. Indo para a “Corte”, Sílvio Romero desenraizava-se, mas em compensação abria-se para contactos mais amplos. Ficando como juiz municipal em Parati, no Estado do Rio, demo rou-se aí dois anos e meio, num am biente pequeno, limitado, inade- — 37 — quado para seu porte intelectual, e não produziu praticam ente nada: apenas leu — e sempre foi leitor voraz —, estudou e reestudou o quanto pôde. Consta que este período foi, também, o de intenso contacto com o povo, as coisas do povo, conversas e hábitos dos homens comuns. Nesta época projetou a sistematização de sua obra, embora não tivesse podido realizar seguramente a form a como a teria projetado, inclusive porque lhe faltaram materiais e papéis que na sua mudança se perderam. Argeu Guimarães, filho de A rtur Guimarães (que foi amigo pes soal e biógrafo apologista de Sílvio), em seu livro “Presença de Sílvio Romero”, conta algo sobre Sílvio Romero professor. Em suas aulas, diz, havia um a larga dose de improvisação, e de tentativa de interpretação nova de cada tema; por mais árida que fosse a matéria, o professor a amenizava com a m aneira informal e bem-humorada de prelecionar. Mas impressionava sobretudo pela liberdade desas - sombrada, pela crítica implacável que ixibia e exercia diante de toda opinião vigente e assente. Adquiriu entre os estudantes um a simpa tia paralela à que Tobias conseguia no Recife: como Tobias, era jovial e franco, cordial, desempertigado e acessível. Não tinha o aprumo distanciador que, em muitos casos, denota no professor certa insegu rança e certo tem or do diálogo. Ao contrário: vivia para o diálogo, que se transform aria em entendimento ou em polêmica conforme o caso, mas isto é outro problema. Sua independência crítica, que transparecia nas aulas como cora gem interpretativa, e que em suas inúmeras polêmicas se fazia exi gência e agressividade, também se manifestou no caso do panam eri canismo: Sílvio sempre foi, a respeito, desconfiado e insubmisso, embora não chegasse às posições, por exemplo, de um Eduardo Prado. Indo para o Rio em 1879, fixa-se definitivamente na capital. Sua fama (ou pretensão) de sabedor e erudito levantou-lhe várias anti patías e adversidades pessoais, como se ele tivesse vindo para desa fios gerais. Um de seus mais célebres opositores, Lafaiette Rodrigues Pereira, que usava o pseudônimo de Labieno, descreveu-o certa vez como “um bárbaro, que estudou em alguma escola de província”, cu ja lingua gem ainda estava “contaminada da ferrugem da aldeia” . Tudo isso reforçou a dificuldade de adaptação, já que, desde os tempos iniciais do Recife, Sílvio (como Tobias) guardava algumas reservas contra a corte e contra seus intelectuais acasquilhados e posudos. A figura — 3 8 — de Tobias, escrito r plantado em sua província e alim entado-se dire tam en te de cu ltu ra européia, sem a mediação da capital, era para ele m odelo e incentivo: tam bém ele poderia m a n te r sua liberdade crítica. E ste era portan to o problem a de Sílvio em seu período de adap tação à corte: sabia ser necessário ficar, po rque no Recife tinha fecha do os horizontes e porque no Sul teria chances intelectuais mais am plas; sabia porém que despertaria rancores, despeitos, atritos, e não se d ispunha a adotar os figurinos cortesãos no tocante às re la ções pessoais, às atitudes literárias, ao cu ltivo dos estilos. A liás, no prefácio aos “Vários Escritos” de Tobias, ele bem o disse, reconhecendo que poderia te r tido cam inho m ais fácil, se quisesse: “Ah, se também eu tivesse querido agradar! P o r cue não poderia ter concorrido com os outros? A receita foi sem pre fácil aos escritores provincianos que têm vindo ao Rio te n ta r fo rtuna. N ada m ais do q u e procurarem a ccnfraria dos chefes da época, fazer-lhes zum baias, t r a ta r de lhes cair em graça” . Considere-se a época, em que a separação geográfica e intelectual entre Norte e Sul funcionava como uma cerca de arame farpado e como um motivo de diferenciação total. Hoje as coisas são algo diferentes, a comunicação se faz melhor, embora não tenham cessado as diferenças nem os desníveis. Ao tempo de Sílvio, o hábito da polêmica como que fazia parte do tirocinio dos escritores, e o precon ceito recíproco entre Sul e Norte funcionava em toda a plenitude. Daí os entreveros polêmicos de Sílvio Romero contra Lafaiette e contra José Veríssimo — este talvez o seu oponente principal, ou ao menos o que mais lhe fez gastar papel e tinta. Acusava a José Veríssimo, que era paraense, de ter tido êxito no Rio à custa de concessões, salamaleques e habilidades diplomáticas. As polêmicas Seria precisamente o caso de se indagar se, num autor como Sílvio, 0 estilo polêmico não teria desvirtuado e descaracterizado o exercício da crítica.Sílvio Rabelo põe este problema em seu “Itinerário de Sílvio Romero” (capítulo V II). Para ele, o que Sílvio Romero foi, basicamente, foi crítico, embora sua obra apresente um leque temá tico tão amplo, um naipe de interesses tão variado. E sobretudo, 39 — crítico de idéias é o que ele teria sido, erudito como poucos, ou como nenhum dos de seu tempo, dispondo dos conhecimentos com segu rança e facilidade. Para Sílvio Rabelo, entretanto, o seu enorme aparato de conhe cimentos contrastava com sua falta de intuição artística. E isto teria defeituado sua obra m aior (aliás uma obra ainda de juventude, dos 37 anos), a vasta História da Literatura Brasileira. Seus conhecimen tos tendiam mais a servir à polêmica do que à análise serena e ab er ta: parece que o esforço de Os te r adquirido precisava ser pago com o prazer de mostrar que a maioria não os tinha. Também suas mudanças de posição doutrinária têm que ver com seu vezo polêmico. Passando do determinismo biológico ao socioló gico, como passaria do spencenismo ao leplayismo, Sílvio defendia polemicamente suas metamorfoses, com uma agressividade que era de índole e de formação, mas que servia ao propósito de não prestar muitas contas sobre as coerências que lhe cobrassem. No livro “Minhas Contradições”, respondendo a Laudelino Freire, alegava que suas mudanças de opinião vinham com o tempo, com os estudos, com a reflexão, não eram mudanças inconseqüentes nem gratuitas nem repentinas. Sua mania polêmica, invadindo sua atividade crítica, transform ou- se por vezes em azedume e rudeza, dando lições, bancando o ensina- dor, lembrando conhecimentos. Era o que chamamos, atrás, de socra» tismo tosco: Sílvio, como Tobias, considerava o próprio saber um a garantia de “estar certo” ; estava certo quem sabia mais, e sabia m ais ele próprio. O adversário são chegara a saber tanto, e sua ignorân cia lhe vedava o acesso ao ponto de vista correto. Como diz Sílvio Rabello, “Sílvio Romero às vezes procurava con vencer aos brados, e, não raro, com vaia e assovio” . E isso, ac res centa, o inferiorizou em certas ocasiões, peran te contendores mais serenos (inclusive Laet, Teófilo Braga, Veríssimo e Lafaiette), que insistiam exatamente sobre seus pontos vulneráveis. Sua prevenção contra Machado de Assis, evidentem ente injusta e injustificável, veio desse vezo polêmico. E ra-lhe necessário atacai Machado (como atacar Castro Alves), para ressa lta r o valor do se i caro Tobias. E falava de Tobias a propósito de tudo. Aliás ele mesmo confessou a A rtur Guim arães, em carta , que defendia Tobias primeiro, pelo mérito intrínseco; segundo, para justificar suas própria: — 4 0 — posições; terceiro, como meio de guerra. E por isso Lafaiette, ironi camente, sugeriu que o título do livro “Machado de Assis”, de Sílvio, fosse substituído por “Tobias B arreto” . Também atacou Nabuco (“Hermafrodita da inteligência” ), atacou Francisco Otaviano, sempre tendendo ao ataque pessoal. A velha e boa divisa, que um jornal pernambucano do século XIX exibia: “Prin cípios, não homens”, tinha utilização inversa nestas polêmicas: Sílvio derrapara na dimensão pessoal e investia contra as pessoas, deixando de visar obras ou idéias. Fases da obra Podemos, grosso modo, adotar a seqüência estabelecida por Anto nio Paim para dividir em etapas a produção bibliográfica de Sílvio. Prim eiro, a fase pernambucana, consistente sobretudo em artigos de crítica. Artigos que depois se coligiram em livros (Etnologia sel vagem, 1875; Cantos do Fim do Século, 1878; A lite ra tu ra brasileira e a crítica moderna, 1880). A esta fase pertenceriam igualmente, de algum modo, os seguin tes trabalhos: — “A poesia contemporânea e sua intuição naturalística” (1896), publicado em jornal, no Recife. — “Idealismo e Realismo” (1870), no jornal Movimento, no Reci fe. Reproduzido nos “Estudos de Literatura Contemporânea”, que surgiram no sul em 1885. — “Se a economia política é uma ciência” (1873). Foi uma prova escrita produzida na Faculdade e incluiu-se nos mesmos “Estudos de L iteratura Contemporânea” . — “O Espírito novo em filosofia”, “Os princípios fundamentais da evolução” e “A concepção monistica do Universo”, artigos de 1874. Fase posterior seria a iniciada em 1876, correspondendo de alguma forma à presença no Rio, e significando uma certa acomodação entre evolucionismo e positivismo. Aqui caberiam as produções seguintes: — 41 — — “A Filosofia no Brasil”, publicado em Porto Alegre em 1878, na tipografia da “Deutsche Zeitung” . Paim atribui a esta obra, hoje, caráter de rarissima, com certo exagero. No alto do frontispicio, o sobretítulo: “Apontamentos para a história da literatura brasileira no século XIX” . — “A filosofia no Brasil e o Sr. Dr. Herculano Bandeira” (1879), artigo de jornal, no Rio. — “Interpretação filosòfica dos fatos históricos” (1880), tese para o concurso de filosofia do Colégio Pedro II. Incluído nos “Estudos de Literatura Contemporânea”. — “A História do Brasil e o Dr. Mèlo Morais” (1883). — “A filosofia e o ensino secundário” (1885), incluído, como o anterior, nos “Novos Estudos de Literatura Contemporânea” . Outra fase, seguindo o esquema de Paim, teria sido a de 1888 ao fim do século. Começa com a publicação de seu “megatério tipo gráfico” (para usar a expressão que Ortega empregou para designar o Study of History de Toynbee): a monumentai “História da Litera tura Brasileira” . Esta obra, fundada num certo determinismo meso- etnográfico, embora mitigado por outras considerações, traduzia certa influência de Taine e manipulava um conceito bastante amplo de literatura. Por sinal que José Veríssimo chegou a dizer que de Varnhagen tirara Sílvio esta noção ampla de literatura, sendo por tanto pouco original. Quer-nos parecer, porém, que não precisaria Sílvio ter ido a Varnhagen para isso. Vários autores do tempo (inclu sive Taine e Domingos Magalhães, senão mesmo o próprio Tobias) usavam e justificavam o uso do termo literatura abrangendo toda a produção intelectual de um povo. E foi, apesar de imatura, desigual, apaixonada e apressada, sua obra maior e a maior obra do gênero no Brasil de até bem pouco. Pois o volume de pesquisa que envolveu, o empenho interpretativo, a amplitude do estudo que representava, deram-lhe dimensões enormes. Seria, ainda, desta terceira fase: — “O problema brasileiro em 1891” (1891), série de artigos de jornal. Incluída nos “Outros Estudos” . — “A m ulher e a sociogenia” (1893), estudo sobre o notável livro de Tito Livio de Castro. — “D outrina contra doutrina — o evolucionismo e o positivismo no Brasil” (1894), um de seus livros m ais im portantes, inclusive como reposição de idéias. — “Ensaios de filosofia do Direito” (1895), que aliás, ao reed itar se, ficaria no singular: Ensaio. — “A festa do Trabalho” (1895), artigo cheio de consciência social. — “Uma suposta lei sociológica” (1896). — “O haeckelismo em sociologia” (1899). — “A classificação dos fenômenos em sociologia” (1898). — “O Direito brasileiro no século X V I” (1899). Finalmente, uma fase final iria a té sua morte, em 1914. Aqui encontramos os escritos seguintes: — “Concepção da filosofia” (1901), referente a um estudo de Samuel de Oliveira, nome aliás vinculado à Escola de Recife. — “Origem, elementos, estrutura e evolução da sociedade” (1904), referente a um ensaio de Augusto Franco, outro nome vinculado à Escola. — “A classificação das ciências” (1904), escrito como prefácio a um livro de Liberato Bitencourt. — “Concurso de Lógica” (1909), espécie de memória dirigida ao Colégio Pedro II, e abrigado nas “Provocações e Debates” que sairiam em 1910. — “Prefácio” ao livro “Questões e Problemas” de Tito Livio de Castro (1913). São desta fase novecentista, também, alguns
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