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A ATUALIDADE DOS DIREITOS HUMANOS

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A ATUALIDADE DOS DIREITOS HUMANOS 
 
 
Marcos Rolim 
 
 
 
A época moderna, com sua crescente alienação 
do mundo, conduziu a uma situação em que o 
homem, onde quer que vá, encontra apenas a si 
mesmo. 
H. Arendt 
 
 
 
A idéia dos Direitos Humanos é, como se sabe, relativamente nova na história mundial. 
Concretamente, é a positivação das declarações de direitos do final do século XVIII, 
nomeadamente a Declaração de Virgínia de 1776 e a Declaração Francesa de 1789, que 
expõem ao mundo um sentido inovador e profundamente revolucionário sobre a condição 
humana. 
 
As lutas políticas e sociais desencadeadas na América e na França tornavam evidente a 
conquista de sociedades cada vez mais secularizadas onde os indivíduos já não podiam 
estar seguros de sua destinação perante Deus, nem podiam confortar-se diante dos 
regramentos oriundos de castas e estamentos definitivamente abalados. Uma outra 
espécie de protocolo de proteção aos seus membros se fazia necessária. As declarações 
de direitos tomados como universais ofereciam a promessa desejada de estabilidade na 
tutela de bens considerados primordiais, além de balizar o processo necessário de 
alteração das leis. Obviamente, a própria evolução dos Direitos Humanos se encarregaria 
de situar esta estabilidade na história superando-se, por esta via, a tradição do jus 
naturalismo que procurava fundamentar os próprios Direitos Humanos a partir da 
ambigüidade oferecida pelo conceito de "natureza humana". Em verdade, como o 
assinalou Hannah Arendt, os humanos não nascem iguais, nem são criados igualmente 
por conta da natureza. Somente a construção artificial (de artifício humano) de um sentido 
igualitário atribuído aos seres humanos, então considerados como portadores de direitos, 
pode, de fato, afirmar a igualdade ou renovar sua busca. Exatamente por isto, Hannah 
Arendt assinala a ilusão de Jefferson que, quando da redação da Declaração de 
Independência dos EUA, insistiu na existência de verdades evidentes. Nas palavras de 
Celso Lafer: 
 
 
"Entretanto, ao dizer que "we hold these truths to be self-evident" (nós 
asseveramos estas verdades como evidentes), este "we hold" (nós 
asseveramos) mostra que, para o próprio Jefferson, os direitos 
inalienáveis entre os quais ele realçava "life, liberty and pursuit of 
happiness" (vida, liberdade e busca de felicidade), baseados todos no 
pressuposto de que "all men are created equal" (todos os homens 
nascem iguais), não eram evidências nem consistiam um absoluto 
transcendente. Representavam uma conquista histórica e política - uma 
 2 
invenção - que exigia o acordo e o consenso entre os homens que 
estavam organizando uma comunidade política." 
 
 
Os Direitos Humanos consagrados nas primeiras declarações foram chamados "de 
primeira geração" e assinalam, particularmente, uma separação entre Estado e não-
Estado. Trata-se de um conjunto de direitos individuais universalizados pela doutrina 
liberal que marcam a emancipação do poder político, a superação do Estado absoluto e 
religioso e a liberação do poder econômico diante dos entraves feudais. A estes direitos 
se fez acrescentar os direitos individuais exercidos coletivamente; a liberdade de 
associação, reconhecida na primeira emenda da constituição norte-americana, que 
amparou o processo histórico de criação dos partidos políticos e dos sindicatos. Assim, o 
desenvolvimento do liberalismo acolhia um episódio destinado a exercer papel decisivo na 
consolidação das democracias modernas contribuindo para a universalização de 
procedimentos que apontam para a necessidade do controle político do poder político. 
 
Ao longo do século XIX, o liberalismo irá se confrontar com a tradição socialista e com a 
generalização de expectativas por igualdade social desencadeada por um novo processo 
de repercussões histórico-universais: a entrada na cena política da classe operária e de 
legiões de deserdados surgidos na esteira do desenvolvimento econômico capitalista. 
Desta contraposição, nasce a segunda geração dos Direitos Humanos, também 
conhecidos como direitos de crédito do indivíduo em relação à coletividade, tais como o 
direito ao trabalho, à saúde, à educação. Tais direitos, econômico-sociais e culturais, 
estendiam a perspectiva de universalização ao usufruto de riquezas e bem estar 
produzidas coletivamente. O titular destes direitos, entretanto, continuava sendo o 
indivíduo singular, agora mais apto a exercitar mesmo os direitos de primeira geração 
pelas garantias obtidas no respeito aos "direitos de crédito". Os direitos de segunda 
geração, de qualquer forma, só serão incorporados nos textos constitucionais do século 
XX, principalmente a partir do impacto da Revolução Russa. No caso brasileiro, tais 
direitos só passam a ser formalmente reconhecidos a partir da constituição de 1934. 
 
Sumariando esta evolução, Celso Lafer aponta uma importante contradição. Em que pese 
o caráter complementar destas duas séries de direitos, parece claro que os Direitos 
Humanos de primeira geração almejavam, de fato, uma limitação dos poderes do Estado, 
enquanto que os direitos de segunda geração trazem como pressuposto uma ampliação 
dos poderes do Estado. 
 
Por derradeiro, há uma nova geração de Direitos Humanos que prossegue e atualiza o 
caminho aberto pelas primeiras declarações oferecendo aos povos uma base concreta 
para a legitimação de suas demandas por justiça: os direitos que tem como titular não o 
indivíduo, mas grupos humanos como a família, o povo, a nação, a coletividade regional 
ou étnica e a própria humanidade. A auto-determinação dos povos, o direito ao 
desenvolvimento, o direito à paz, ao meio ambiente, entre outros, inserem-se nesta 
terceira geração. Atualmente, outros temas oferecidos ao debate público pela evolução da 
ciência e pela mais nova revolução tecnológica vêm suscitando controvérsias fecundas a 
respeito de direitos já considerados "de quarta geração". Tal é o caso, por exemplo, dos 
direitos e obrigações decorrentes da manipulação genética, da fecundação assistida ou 
do controle de dados informatizados. 
 
Pode-se afirmar, sem dúvida, que o grau de civilidade alcançado por uma sociedade 
determinada está em relação direta e unívoca com o estágio de garantia efetiva conferida 
 3 
aos Direitos Humanos. Por garantia efetiva entenda-se, precisamente, a dimensão de 
resolutividade conferida na tecitura social às declarações compartilhadas e formalizadas 
de direitos. Independentemente deste resultado, entretanto, a perspectiva oferecida pelos 
Direitos Humanos é a de permanente estímulo às lutas democráticas operando desde o 
interior destas demandas como uma "idéia reguladora". Os Direitos Humanos, então, 
mesmo em situações concretas onde sua evocação pode lembrar uma simples ficção 
política, são sempre uma "ficção operante". É graças à consciência dos Direitos Humanos 
e aos princípios derivados que foram se imprimindo nas leis e nos costumes de cada 
nação que populações inteiras se mobilizam na afirmação de novos direitos, impulso que 
confere à trama das sociedades políticas uma dinâmica acelerada de transformações. 
 
Exatamente por conta disto, já não é mais possível enfrentar o debate sobre os Direitos 
Humanos nos termos oferecidos pela crítica marxista que ao opor forma e conteúdo, 
denunciar a ideologia que mascara os interesses econômicos e de classe, despreza a 
dimensão simbólica e constitutiva das próprias reivindicações cujo sentido é a conquista 
de novos direitos. Mantida a “topologia” reducionista de uma sociedade fraturada, 
exclusiva ou basicamente, em classes sociais, desconsiderando-se a seqüência infinita de 
outras fraturas tão ou mais importantes para as disputas políticas, tem-se uma projeção 
absolutamente irreal das sociedades e de seus conflitos, todos eles, por definição, 
subordinados às contradições operantes no âmbitoeconômico. Por este caminho, é a 
própria sociabilidade dos humanos que vê-se reduzida à dinâmica das forças produtivas 
pelo que abandona-se, mesmo, toda e qualquer possibilidade de captar a complexidade 
do real. Sobre este ponto, vale a pena assinalar que a expansão do marxismo se fez 
acompanhar por uma depreciação generalizada da própria noção de "direito" - tomada 
como "burguesa" - e por um conjunto de observações irônicas responsáveis pela 
relativização "científica" dos Direitos Humanos. Particularmente aqui, não se pode atribuir 
o resultado, simplesmente, ao trabalho dos seguidores e às distorções criadas pelas 
seitas de plantão. 
 
As palavras de Marx sobre os Direitos Humanos em "A Questão Judaica" jamais foram 
desmentidas por suas obras posteriores. Para Marx, a proclamação dos Direitos 
Humanos apenas materializava a cisão, típica das sociedades burguesas, entre o 
"Homem" e o "Cidadão". Observa, então, que "os direitos do homem, direitos do membro 
da sociedade burguesa, são apenas os direitos do homem egoísta, do homem separado 
do homem e da coletividade." A "liberdade de opinião" aparecia, ato contínuo, como um 
mero "equivalente espiritual da propriedade privada"; a "liberdade" apenas como o 
pressuposto do indivíduo isolado, como uma "mônoda dobrada sobre si mesma"; a 
"segurança" como "conceito social supremo da sociedade burguesa, o conceito de polícia, 
segundo o qual toda a sociedade existe unicamente para garantir a cada um de seus 
membros a conservação de sua pessoa, de seus direitos e de sua propriedade.", etc. 
 
Lefort chama a atenção para o silêncio de Marx sobre dois artigos da Declaração dos 
Direitos do Homem: o art.10, onde se lê: "Ninguém pode ser hostilizado por suas opiniões, 
mesmo religiosas, desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública 
estabelecida pela lei" e o art. 11, que assinala: "A livre comunicação dos pensamentos e 
das opiniões é um dos direitos mais preciosos do homem, podendo pois, todo cidadão 
falar, escrever, imprimir livremente, ficando sujeito a responder pelo abuso desta 
liberdade nos casos previstos em lei”. Marx não percebe que a liberdade de opinião já 
estava explicitamente associada a uma liberdade de comunicação e, por decorrência, a 
um tipo fundamental de relação humana, vale dizer: a um direito de evidente repercussão 
coletiva. Nas palavras de Lefort: 
 4 
 
"Marx não pensa certamente em defender as prerrogativas do poder, 
em liberá-lo de todo o entrave, em por os indivíduos a sua mercê; 
dedica-se a conceber uma sociedade libertada da opressão e da 
exploração do homem pelo homem; mas, nesta sociedade, não dá 
lugar a nenhuma instituição determinada, nem aos direitos do homem, 
porque os homens lhe parecem então, imediatamente imersos na vida 
social, numa vida plenamente humana, ou porque lhe parecem 
respirar o mesmo ar de liberdade. Tal visão impede Marx, por 
exemplo, de pôr os olhos na fórmula: ‘Todo homem é considerado 
inocente até que tenha sido declarado culpado’ e de nela reconhecer 
uma aquisição irreversível do pensamento político.” 
 
 
A emergência do fenômeno totalitário neste século haveria de conferir a este tema uma 
premência inédita e, de todo o modo, imprevisível pelas gerações que o antecederam. 
Pode-se, de pronto, concordar com a assertiva segundo a qual o totalitarismo se edifica 
sobre as ruínas dos Direitos Humanos. É precisamente a experiência dos regimes 
totalitários, como a União Soviética de Stálin e a Alemanha de Hitler, e, infelizmente não 
apenas estes dois, que irá erguer a realidade incontrastável de indivíduos transformados 
em "mônodas", de homens absolutamente apartados de outros homens e da coletividade, 
pela simples razão de que a experiência totalitária foi a única que pretendeu dissolver o 
estatuto da individualidade no próprio corpo político, seja ele o "povo soviético", o "partido" 
ou o "Volksgenosse". 
 
É com base nesta experiência-limite, cujo modelo de humanidade foi construído com o 
Gulag e os campos de extermínio, que devemos considerar os Direitos Humanos como 
nossa referência última, como um "fundo" de uma realidade "sem fundo". Sempre que os 
tomarmos assim, estaremos diante de um poderoso instrumento de questionamento das 
realidades concretas, incluindo-se, aí, evidentemente, o questionamento do próprio 
direito. 
 
Uma sociedade autônoma - vale dizer: não alienada de si mesma- é aquela onde suas 
regras estão permanentemente em questão; onde, em outras palavras, a ordem está em 
questão. Sempre que garantirmos esta possibilidade, mesmo diante dos mecanismos 
conhecidos de apropriação privada e excludente do poder e das riquezas, saberemos que 
estes mesmos mecanismos estarão sob uma oposição de direito. O Estado democrático 
de direito, entretanto, ultrapassa esta condição por experimentar direitos que ainda não 
lhe estão formalmente incorporados. O Estado democrático de direito, surge e se afirma 
como o espaço por excelência para a contestação de opiniões e interesses em uma 
esfera pública regrada, onde se manifestam - pela ação dos humanos - poderes que não 
podem estar sob o controle de quem quer que seja. 
 
As características apontadas permitem fazer entender porque a luta pelos Direitos 
Humanos torna possível uma nova relação com a política. Notadamente neste final de 
século, após o fracasso visceral das experiências que tentaram aproximar a utopia 
socialista e diante da rotunda incapacidade dos regimes capitalistas oferecerem, na maior 
parte do planeta, um sentido humano à existência, são os Direitos Humanos e os 
movimentos sociais que neles se inspiram os construtores da trincheira mais urgente e 
tangível para a derrota da barbárie e de seus múltiplos "operadores". 
 
Faríamos, assim, o bastante se tomássemos a plataforma mais ampla dos Direitos 
 5 
Humanos não como uma lembrança intermitente para fazer denunciar os abusos e 
violações mais gritantes que nos são oferecidos todos os dias, mas como um verdadeiro 
projeto moral para uma sociedade desejável, capaz de justificar plenamente nossos 
esforços políticos. Ao invés de renovarmos a tradição utópica e intentarmos produzir uma 
idéia global sobre a sociedade do futuro, desafio que já se revelou de todo infeliz na 
história universal, ou de nos contentarmos com o necessário processo de reformas 
derivado da luta democrática em nome de uma "utopia possível", seria melhor recolher o 
patrimônio dos Direitos Humanos como a promessa mais grandiosa de uma humanidade 
em busca de sua grandeza e tê-la como nosso horizonte concreto. Talvez esteja 
precisamente neste ponto a atualidade dos Direitos Humanos. Em verdade, tanto mais 
influente no mundo contemporâneo forem as expectativas de liberdade e justiça 
disseminadas pela consciência do direito, tanto maiores tendem a ser as resistências dos 
dominadores à própria noção dos Direitos Humanos. 
 
O caso brasileiro, neste particular, parece bastante ilustrativo. Com efeito, gera-se em 
nosso país uma situação curiosa e potencialmente trágica: entre nós, a luta pelos Direitos 
Humanos há muito deixou de agregar qualquer consenso. Curiosa porque se estamos 
tratando dos direitos que concernem, por definição, a todos, seria legítimo se esperar que 
a sociedade depositasse nesta luta sua confiança maior; potencialmente trágica porque 
desta negativa - já em larga medida sancionada pelo senso comum - só é admissível 
antever o alargamento da insensibilidade, a justificação da violência e o reforço da 
exclusão social. 
 
Primeiramente, cabe ressaltar que a luta pelos Direitos Humanos no Brasil seria de todo 
incompreensível sem que se considerasse que sua expressão pública só adquiriu o 
estatuto da relevância diante da resistência à ditadura militar. Foram os movimentos 
formados a partir dos anos setenta, desde a luta contra a tortura e as prisões arbitrárias, 
até a luta pela anistia, que tornaram a própriaexpressão "Direitos Humanos" conhecida 
do grande público. Naqueles anos, a simples menção aos Direitos Humanos já significava 
uma contestação a um regime que teve na fúria a medida exata de sua impotência. A 
partir da "transição democrática" iniciou-se uma nova fase das demandas por Direitos 
Humanos no Brasil adquirindo um relevo muito maior as exigências sociais. Não é de todo 
casual, entretanto, que o maior movimento social de luta pelos Direitos Humanos de 
nossa história, a campanha contra a fome idealizada por Betinho, não tenha sido jamais 
apresentado como tal, nem mesmo vinculado ao ideário daqueles direitos. 
 
Ocorre que, confrontados em suas práticas mais comuns de violência e privilégios, os 
"operadores da barbárie", incluídos aí uma parte dos governantes, políticos, magistrados, 
policiais, comunicadores, etc. valendo-se da notória posição de princípio de todas as 
Comissões de Direitos Humanos contrárias aos maus tratos impostos aos presidiários, 
têm se esforçado por fazer associar a luta pelos Direitos Humanos à prática da "defesa de 
bandidos". Com este movimento coordenado e sistemático obtém-se um duplo resultado: 
por um lado, reduz-se o potencial de contestação da luta pelos Direitos Humanos, 
oferecendo para o consumo de uma opinião pública angustiada pelas demandas de 
segurança pública a imagem distorcida de "Direitos Humanos" que já não podem mais ser 
concebidos como universais, vez que pretensamente limitados à defesa de uma parte da 
sociedade; de outro, promove o isolamento, a compartimentação, do próprio trabalho de 
Direitos Humanos subtraindo-lhe força política e legitimidade para o enfrentamento das 
condutas anti-democráticas inerentes ao Estado brasileiro. Em última instância, na luta 
contra os Direitos Humanos encontra-se, incontrastavelmente, a defesa de um privilégio 
ou a proposição absurda da violência. 
 6 
 
Vivemos, desta forma, um período onde a expressão histórica da luta pelos Direitos 
Humanos no Brasil encontra-se em cheque por uma mentira que, contrariando um 
conhecido dito popular, demonstra ter "pernas compridas". E, se Adorno tem razão ao 
afirmar que "a expressão do que é histórico nas coisas nada mais é do que a expressão 
de um tormento passado", então estamos em vias de consolidar o esquecimento da 
própria desolação experimentada por todos aqueles que, antes de nós, foram violados em 
seus direitos mais elementares. Em outras palavras, vivemos uma época onde o mal se 
banalizou e onde já é possível, por decorrência, conviver com ele sem sobressaltos. 
 
Em certa medida, pode-se compreender este resultado quando uma parcela considerável 
da "opinião pública"- possivelmente bem maior do que imaginamos - está disposta a 
sustentar a morte como uma política pública. Verifica-se, aqui, aquela característica 
extrema que distingue o racismo entre os crimes contra a humanidade: o fato de que, 
para o racista, o "outro" não pode ser integrado, nem transformado. Castoriadis sustenta 
que o verdadeiro racismo não permite que os outros abjurem; "para o racismo, o outro é 
inconvertível". Esta extraordinária capacidade de odiar, que tem na proposição da morte 
seu desdobramento lógico e necessário, define, hoje, um sentimento bastante 
generalizado, por exemplo, com relação às populações carcerárias no Brasil o que se 
torna ainda mais grave na exata proporção em que este sentimento só faz radicalizar uma 
expectativa já presente no tratamento conferido por nossas "elites" aos pobres e aos 
negros em geral. 
 
A luta pelos Direitos Humanos, assim, aponta para uma outra exigência normalmente 
desconsiderada que a vincula a uma ampla reforma ético-cultural do mundo 
contemporâneo. Com efeito, Castoriadis está certo ao assinalar que a vitória do ocidente 
ao final deste milênio foi, antes, a vitória da televisão, dos jipes e das metralhadoras, do 
que a vitória do habeas corpus, da soberania popular e da responsabilidade do cidadão. 
Trata-se pois de conceber o programa dos Direitos Humanos como a proposição mais 
avançada e radical de promoção da liberdade e da cidadania que se opõe, 
constitutivamente, ao "modelo" do sujeito alienado, desinteressado das questões públicas, 
obcecado pelo prazer e pelo consumo, cínico diante da política e, inevitavelmente, 
conformado.

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