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O fato da vítima contribuir para a ocorrência do crime

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O fato da vítima contribuir para a ocorrência do crime, afastaria a responsabilidade do autor do delito? Justifique e fundamente.
A vítima contribuir para a ocorrência do crime não afasta a responsabilidade do autor do crime, porém, influencia no momento da dosimetria da pena, pois a participação ou facilitação do crime pela vítima pode atenuar a pena do autor, conforme será demonstrado. 
A figura da vítima absolveu diversas conceituações com o passar dos tempos, sendo essa uma tarefa complexa e problemática, haja vista os diversos ramos doutrinários que estudam sua existência.
Alessandra Grego (2003, pg. 19) discorrendo sobre esse tema, classifica a vítima como “aquele que sofre as consequências de determinada conduta típica, de modo relevante, que propicia a atuação do Estado para atingir os fins do direito penal, no Estado Democrático de Direito. ”
Vitimologia é a ciência que estuda a vítima, de forma a entender qual a sua importância na relação delinquente-ofendido, quais as consequências sofridas por que tem algum bem seu lesado, dentre outros fatores ligados a vítima.
Os estudiosos da vitimologia defendem que o ser humano é inconstante e mutável, e se transforma de acordo com experiências vividas e conhecimentos adquiridos, e por razão desses e de outros fatores a eles inerentes, é que não existem duas pessoas iguais, pois cada uma absorve de forma diferente os acontecimentos e lições que recebem. É nessa divergência de reações que se encontra o foco dos estudos vitimológicos, pois partindo delas os cientistas analisam os dados relacionados à constituição genética, disposição de temperamento, formação de caráter, adaptação ambiental, dentre outras coisas, para saber qual a real inclinação de uma pessoa para vitimalização.
Muitas vezes nos deixamos levar pelo pensamento de que o agressor é o único responsável pelo resultado da ação delituosa, agindo por razões que somente a ele são inerentes, mas esse entendimento foi modificado com a evolução da vitimologia, pois estudiosos dessa ciência concluíram que, em certas situações, pode a vítima influenciar de forma crucial na ação criminosa. Diante do exposto concluí-se que na mesma medida em que o criminoso modela sua vitima, esta pode modelar o criminoso.
No campo da prática jurídica, uma das preocupações primordiais se encontra na formulação de tipologias de vítimas, oriundas de observações científicas, que servirão para que se possa aferir a culpa de cada uma das partes e a fixação do efeito penal representado pelo emprego da pena.
Na doutrina encontramos diversos tipos de vítimas, pois cada autor possui uma própria divisão e nomenclatura, mais todas nos permitem compreender o papel desempenhado pela vítima no fenômeno da vitimização. Desse modo, descreverei a tipologia desenvolvida por três estudiosos da vitimologia.
Bejanmin Mendelson elaborou uma classificação vitimaria de forma que a relação de culpa entre a vítima e seu agressor sejam inversamente proporcionais. Seu primeiro tipo de vítima é a completamente inocente, esta é alheia à atividade do criminoso, nada contribuindo para o crime; o segundo tipo é a vítima de culpabilidade menor do que a do agressor ou por ignorância, que se caracteriza pela existência de um certo impulso não voluntário ao delito, como exemplo podemos citar a mulher que pratica o auto-aborto por meios impróprios, pagando com a própria vida por esse ato; o terceiro tipo é o da vítima tão culpada quanto o infrator, quando qualquer participante da ação delituosa pode ser o autor do crime, acontece nos casos de Roleta Russa; o quarto tipo seria a vítima que é mais culpada que o infrator, definidas como as vítimas provocadoras, que viabilizam a ação delituosa no momento que instigam, dolosa ou culposamente, a pessoa que vem a ser acusada de cometer o crime, e as vítimas imprudentes, que são aquelas vítimas que, por imprudência, imperícia ou negligência, incitam o agente a cometer o crime; o último tipo de vítima é aquele unicamente culpável, que se dividem em infratora, quando essa comete uma infração e como resultado desse se torna a vítima, é o caso da legítima defesa, a simuladora, quando por razão de sua premeditação leva alguém a ser acusado por um crime que não cometeu, e a imaginária, ocorre nos casos de pessoas com transtornos mentais que se dizem vítima e determinam uma pessoa como sua agressora sem que o crime tenha sequer existido.
Outra esquematização importante com relação a tipificação das vítimas é a de Hans von Henting. O primeiro dos seus tipos é a vítima isolada, que vive sozinha e não interage com as outras pessoas, e que, por essa razão, não se envolve em situações de perigo, o segundo tipo é a vítima por proximidade, que são divididos em três subtipos, as por proximidade espacial, quando essa é escolhida por se encontrar muito perto do infrator no momento que ele decidi cometer o crime, as por proximidade familiar, quando essas são lesadas por se encontrarem na mesma família do infrator, e as por proximidade profissional, que ocorre em geral no âmbito das atividades laborais. Outro tipo de vítima seria aquela que, por cobiça, desejo de enriquecimento fácil, se vê chantagiado por estelionatários, chamadas de vítimas que têm ânimo de lucro. Existe também a vítima com ânsia de viver, que seria aquela pessoa que por achar que não aproveitou a vida como devia, começa a se expor e se tornar uma vítima em potencial.
A Dosimetria da Pena é a nomenclatura dada ao ato de se calcular a pena que será aplicada ao réu da ação, normatizada no art. 68 do Código Penal, sendo utilizada pelo magistrado no momento da prolação da sentença.
Esse cálculo se divide em três fases bem distintas, mas a abordagem que será feita nesse trabalho se restringe a primeira dessas fases, mais precisamente no que diz respeito a análise do comportamento da vítima como uma das circunstâncias judiciais.
O juiz, ao analisar os critérios de individualização da pena, que estão elencados no art. 59 do Código Penal, deverá estabelecer uma pena-base, observando as margens mínimas e máximas existentes em cada tipo penal, sobre a qual incidirão os demais cálculos.
Esses critérios de individualização, denominadas circunstâncias judiciais, são elementos que não se relacionam de forma direta com o delito, mais a análise desses para uma correta aplicação da pena do agressor é de suma importância.
Quando nos reportamos a circunstância judicial referente ao comportamento da vítima, verificamos que há necessidade de utilização de estudos vitimológicos, mais precisamente da vitimodogmática, pois devemos entender que a lei, quando utiliza o termo contribuição, não está colocando a vítima na condição de partícipe ou co-autora, mais, sim, pedindo que seja perquirida a exata influência que teve o ofendido na ação delituosa.
Explana Juliana Colle que “quando a vítima instiga, provoca, desafia ou facilita a conduta delitiva do agente, diz-se, portanto, que a oitava circunstância judicial está favorável ao réu. Nesses casos, a vítima teve participação efetiva na culpabilidade do autor, posto que enfraqueceu a sua determinação de agir conforme o Direito. Logo, por conseqüência, merece o agente uma censura mais branda do que a que lhe caberia nos casos de ausência total de provocação da vítima. ”
Se nos reportamos aos crimes de natureza patrimonial, esse instituto processual seria de vasta importância se for comprovado durante a fase de instrução que o autor não tomou todos os cuidados necessários para proteção do seu bem, como exemplo podemos citar o agente que pratica um furto de um veículo, cujo proprietário deixou alguma janela aberta, nesse caso a circunstância será considerada favorável para o réu.
Outro ponto seria sobre os crimes contra os costumes, onde deve haver uma ponderação por meio do magistrado, pois não se pode condenar uma pessoa somente pelos trajes que ela estava usando no momento da ação delituosa ou a mulher que decidi ir ao motel com um rapaz e desiste de consumar a relação no último momentoe, por isso se vê vítima de um estupro.
Contudo, deve o magistrado estar atento a intenção real da pessoa que se encontra como vítima da ação penal, pois cada caso é diferente e deve ter seu desfecho de forma que todos sofram o mínimo possível.
O primeiro artigo da parte especial que sofre a influencia da figura da vítima é o art. 121 do Código Penal, no seu parágrafo primeiro, que trata sobre o homicídio privilegiado, onde o agente comete o crime sob o domínio de uma violenta emoção, logo em seguida a uma injusta provocação da vítima e por motivos de relevante valor moral e social.
Configura-se o caso clássico de vítima mais culpada que o agente, não tendo este a alma assassina e cometeu o crime num momento de exaltação de ânimos, como exemplo podemos citar o pai que vê o estuprador de sua filha fazendo chacotas com a família, ou daquele que, ao chegar em casa, vê sua mulher cometendo adultério e vem a assassina-la.
Entendeu o legislador que o comportamento da vítima foi quem gerou a ação do agressor e, por essa razão sem tem uma diminuição substancial da pena, ou seja, a postura da pessoa que sofreu a agressão em face do seu agressor implica na modificação da pena deste.
Vemos a repetição dessa situação nos casos de lesão corporal, como prevê o art. 129, parágrafo quarto do Código Penal.
Existem alguns crimes em que a vítima tem uma participação decisiva, onde sua contribuição é essencial para que seja configurado o crime. Podemos citar o caso do crime de extorsão indireta, normatizado no art. 160, onde é necessário que alguém emita um cheque que esteja sem provisões de fundos, ou seja, cometa o crime de estelionato, facilitando a conduta do agente.
Outro crime em que a participação da vítima é essencial para sua consumação é o aborto consensual, onde a vítima não é procurada por ninguém da clínica, pelo contrário, vai lá por livre e espontânea vontade.
A rixa, crime descrito no art. 137 do Código Penal, tem como principal característica a indefinição da participação das pessoas que nela estão envolvidas, impedindo assim a determinação de quem é a vítima, por esse motivo todos os contendores são considerados culpados. Segundo a classificação de Mendelson esse é um crime em que a vítima é tão culpada quanto o agente.
A comprovação da existência da interação vítima-agressor serve como mais um critério de medição da pena que deve ser aplicada, mas nessa concepção do Direito Penal, raciocinando além da tradicional visão e utilizando-se de critérios de cunho supralegais, onde se é necessário observar qual a verdadeira intenção das partes envolvidas no delito, no sentido de oferecer ao juiz uma variada gama de informações aptas a indicar a participação que teve cada uma das partes envolvidas no delito, bem como o tipo de sanção que deve sofrer o agressor e o seu grau de culpabilidade.
Para que se possa mensurar esse grau de influência, foi elaborada uma espécie de tabela que estipula uma gradação progressiva de participação e se baseia nas condições personalíssimas da vítima, tais como, o temperamento, o caráter e a personalidade desta.

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