Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Síndromes pós-operações gá11 Pontos essenciais: - Síndromes de dumping precoce e tardio; - Gastrite alcalina. 1. Introdução As operações do estômago, além de acarretarem uma série de alterações no processo digestivo, podem gerar complica- ções com repercussões clínicas, às vezes tão importantes que alteram a qualidade de vida e colocam em xeque os benefícios da operação inicial. As síndromes decorrentes desses processos se relacionam não somente à ressecção gástrica realizada, mas principalmente ao tipo de reconstrução utilizada. Como são possíveis inúmeras écnicas de reconstrução do trânsito após as gastrectomias, en- fatizaremos as complicações mais freqüentes com os tipos de reconstrução mais utilizados: a Billroth I, II e Y-de-Roux. Podemos classificar as complicações pós-gastrectomias em precoces, quando ocorrem no período de pós-operató- rio recente, ou tardias se posteriores. Dentre as primeiras, abordaremos as fístulas de coto duodenal e anastomóticas, as úlceras de boca anastomótica e a gastroparesia; quanto às tardias, discutiremos a síndrome de dumping, a gastrite alcalina, as síndromes da alça aferente e da alça eferente e os distúrbios nutricionais. 2. Recidiva de úlceras A - Hemorragia digestiva Os pacientes com doença ulcerosa que sangram após o tratamento cirúrgico para úlcera são um desafio para o cirur- gião. Costumam ser pacientes graves com várias co-rnorbi- dades e que foram submetidos a procedimentos menores na hemorragia inicial, como a simples rafia da úlcera. Nesses indivíduos, a melhor conduta seria a vagotomia troncular associada à ressecção gástrica, do tipo antrec- tom ia, pois é a operação com o menor índice de recidiva. Entretanto, são pacientes graves que, geralmente, não su- portam uma operação de grande porte como tal. B - Úlcera recorrente A incidência de úlcera recorrente varia de 1 a 30%, depen- dendo da técnica utilizada. Pode ser de 2 tipos: a úlcera de boca anastomótica e a úlcera pós-vagotomia gástrica proximal. A causa mais comum da úlcera de boca anastomótica é a conduta operatória inadequada ou insuficiente, principal- mente a vagotomia gástrica incompleta e a ressecção gás- trica econômica. Após a correta determinação da etiologia da recidiva ulcerosa, a maioria dos pacientes necessita de tratamento cirúrgico (80%). Já a úlcera recorrente após a vagotomia tem caráter mais benigno e pode responder melhor ao tratamento clínico. En- tretanto, até 50% precisam de nova intervenção cirúrgica. Causas mais raras como a hipercalcemia e a síndrome de Zollinger-Ellison, além do uso de drogas ulcerogênicas, deve ser sempre lembradas no diagnóstico diferencial. Outro importante fator de risco para a recorrência de úlcera é a infecção persistente pelo H. pilory, que deve ser tratada. 3. Gastroparesia A maioria dos pacientes submetidos à vagotomia apre- senta estase gástrica no período pós-operatório, pois com- promete a resposta do relaxamento receptivo. Podem oco - rer sensação de plenitude gástrica, distensão abdominal, eructações ou vômitos. A vagotomia gástrica proximal afe pouco o esvaziamento gástrico de sólidos, mas as vagotomias troncular e seletiva o afetam significativamente. Como os procedimentos de drenagem gástrica (pilor plastia, gastroenteroanastomose) são sempre associados às MEDCEL - PRINCIPAIS TEMAS EM GASTROENTEROLOGIA vagotomias mais amplas, geralmente não há obstáculo me- cânico. Nos casos de vagotomia gástrica proximal, como a função antropilórica se encontra intacta, as queixas dos pa- cientes são mais relacionadas à distensão do fundo gástrico e podem manifestar-se por dor no ombro. Alguns pacientes podem ter dilatação gástrica após gastrectomias amplas, pelo fato de uma pequena câmara gástrica não suportar o volume de uma refeição habitual. O quadro clínico, em geral, é autolimitado, e a observação clínica é a melhor opção. São recomendados fracionamento da dieta, ingestão de alimentos pastosos e líquidos e uso de pró-cinéticos. Em casos graves e prolongados, pode-se optar pela dieta parenteral até o restabelecimento da função digestória. O tratamento cirúrgico é reservado para os casos que não respondam à terapêutica clínica após 1 mês e que tenham diagnóstico de complicações confirmado, como distorções de anastomose, úlceras de boca anastomóticas ou insuficiência no procedimento de drenagem. 4. Oeiscência Os pacientes submetidos à gastrectomia com reconstru- ção à BII ou Y-de-Roux podem apresentar ruptura da sutura do coto duodenal. Isso é o mais comum em pacientes grave- mente debilitados ou com o coto duodenal de difícil manu- seio cirúrgico por alterações anatômicas locais. Tal complica- ção ocorre em 1 a 5% das gastrectomias e é temida por sua alta morbimortalidade. A liberação de secreção biliopancreática na cavidade pe- ritoneal pode causar quadro grave de sepse abdominal com risco de morte. Geralmente, os pacientes apresentam febre, dor abdominal, leucocitose e hiperamilasemia. Os sintomas podem iniciar-se entre o 3º e o 7º dias pós-operatórios. O diagnóstico pode ser confirmado por avaliação bioquímica do líquido drenado ou por exames de imagem. Quando o paciente se encontra em bom estado geral, sem sinais de irritação peritoneal e há orientação da drenagem para o exterior, a conduta é expectante com suporte clínico, drenagem prolongada e antibioticoterapia. Nos casos em que há choque séptico, líquido livre em toda a cavidade e compro- metimento do estado geral, a melhor conduta é a lapa roto- mia exploradora com drenagem do coto duodenal. Atualmente, o índice de mortalidade dessa situação se encontra próximo aos 10%. 5. Síndrome de dumping A síndrome do esvaziamento gástrico acelerado ocorre nos pacientes que foram submetidos a derivações gastroje- junais ou, em menor grau, naqueles em que foram executa- dos procedimentos de drenagem gástrica. Há passagem rápi- iMedcel da dos alimentos para o jejuno ou o duodeno, ocasionando sintomas precoces, quando ocorre de 10 a 30 minutos após as refeições, ou tardios, quando de 1,5 a 3h. Tais condições manifestam-se por sintomas vasomotores e gastrintestinais. Essasíndrome ocorre em menos de 1% dos pacientes sub- metidos a vagotomia gástrica proximal e em mais de 50% dos pacientes submetidos a gastrectomia parcial. Apesar dos sintomas semelhantes, as síndromes de dum- ping precoce e de dumping tardio têm substratos fisiopatoló- gicos diferentes, e devemos abordá-Ias separadamente. A - O dumping precoce É o mais comum. Os pacientes, geralmente após a inges- tão de alimentos ricos em carboidratos, apresentam plenitu- de gástrica, náuseas, vômitos, cólicas abdominais e diarréia explosiva; sintomas vasomotores, como fraqueza, tontura, desmaio, palidez, visão turva, taquicardia e sudorese podem também estar presentes. Devido à ausência da fase antropilórica da digestão (con- seqüente a ablação, derivação ou destruição do pilara), o quimo chega com rapidez e hiperosmolaridade excessiva ao intestino delgado, causando um desvio do líquido extra- celular para a luz do intestino, desencadeando os sintomas gastrintestinais. Com a contração do espaço extracelular e a queda do volume plasmático efetivo, ocorrem os sintomas vasomotores. A participação de estímulos neuro-hormonais pode causar sintomas vasomotores mesmo na ausência de diminuição do volume extracelular (VEC). Liberação de pep- tídio vasointestinal ativo (VIP), serotonina, bradicinina e en- teroglucagon, dentre outros, devem desempenhar papel im- portante na gênese dos sintomas. O tratamento consiste em medidas clínicas como fracio- namento da dieta, diminuição de ingestão de carboidratos e deitar-se após as refeições, causando melhora dos sintomas na maioria dos casos. A utilização de antiespasmódicos pode aliviar os sintomas. Alguns autores propõem o uso de análo-gos da somatostatina, como a octreotida, a fim de diminuir a liberação dos neuro-hormônios. Apenas 1% dos pacientes não melhora com o tratamen- to clínico, sendo necessária a reintervenção cirúrgica. Nesses casos, podem-se tentar a interposição de alça jejunal aniso- peristáltica de 10cm (posicionada entre o coto gástrico e o duodeno) ou a conversão em Y-de-Roux. B - O dumping tardio Bem mais rara que o dumping precoce e também deno- minada hipoglicemia reativa, essa síndrome pode vir isolada- mente ou em associação com o dumping precoce. Ocorre em menos de 2% dos pacientes gastrectomizados, e os sintomas são ocasionados pela hiperinsulinemia. Como os alimentos são rapidamente esvaziados do estômago, há absorção rápida iMedcel SíNDROMES PÓS-OPERAÇÕES GÁSTRICAS de glicose, causando aumento dos níveis glicêmicos e hiperin- sulinemia reativa cerca de 1,5 a 3h após a refeição, gerando hipoglicemia. A hiperinsulinemia é regulada por meio do ente- roglucagon secretado pelo intestino. O paciente apresenta apenas sintomas vaso motores e não gastrintestinais, decorrentes de liberação de catecolami- nas estimulada pela hipoglicemia. Todos os sintomas são ali- viados pela ingestão de carboidratos. Esses 2 fatores, associa- dos ao intervalo de tempo entre a refeição e o aparecimento dos sintomas, facilitam a diferenciação entre as síndromes de dumping tardio e precoce. O tratamento clínico com orientação dietética, o uso de drogas que retardam a absorção dos carboidratos (como a pectina) e mesmo a observação clínica, geralmente, são su- ficientes para a resolução do quadro. As tentativas cirúrgicas são reservadas para os casos graves com insucesso do trata- mento clínico, e as técnicas utilizadas são as mesmas realiza- das nos casos de dumping precoce. Neste, costuma-se orientar a dieta para aumento de lipí- dias e proteínas e diminuição dos carboidratos. E, no dumping tardio, deve-se aumentar a ingesta de carboidratos, porém de forma fracionada. 6. Gastrite alcalina Quando a barreira pilórica é quebrada, através de piloro- plastia, gastrectomia ou anastomose gastroentérica, há pas- sagem do líquido alcalino biliopancreático para o estômago em quantidades excessivas. Figura 1-Aspecto endoscópico da gastrite alcalina; notar o coto gás- rico e as alças aferente e eferente É mais comum nas derivações ou reconstruções a Billroth li, mas também pode ocorrer nas Billroth I. O quadro clínico foi descrito no século XIX, caracterizado, primordialmente, por dor epigástrica e vômitos biliosos, os quais não aliviam a dor. As alterações da motilidade gástrica e o refluxo enterogástrico anormal, com a perda da barreira mucosa gástrica, são os res- ponsáveis pelo processo etiopatogênico. Recentemente, vem sendo implicada na gênese do câncer de coto gástrico, por meio de processos crônicos sucessivos de gastrite, metaplasia intestinal, displasia e câncer do tipo intestinal de Laurren. Suspeita-se do diagnóstico com anamnese e exame físico cuidadosos associados à endoscopia digestiva alta, a qual deve observar a região perianastomótica e realizar a sua biópsia. O tratamento clínico da gastrite alcalina consiste na pres- crição de pró-cinéticos, antiácidos que contêm alumínio, quelantes dos sais biliares, como a colestiramina, e bloqueá- dores da secreção ácida gástrica; é importante salientar que nenhum tratamento medicamentoso provou ser efetivo em estudos. Nos casos que não respondem ao tratamento clíni- co, está indicada a conversão de BII ou BI em Y-de-Roux, com a alça a 45cm abaixo da gastrojejunostomia, pois cursa com menor refluxo enterogástrico. Figura2 - Tratamento da gastrite alcalina- conversão de BIIem Y-de-Roux 7. Síndrome da alça aferente Tal síndrome é secundária à obstrução da alça aferente, na anastomose com o estômago ou antes dela, provavelmen- te nos casos de alças aferentes longas. Deve-se lembrar que só ocorre nas reconstruções à Billroth 11. Como os sintomas são geralmente crônicos, secundários ao mau esvaziamento da alça aferente no estômago, o trata- mento é, em geral, cirúrgico, com conversão da anastomose a Billroth 11 em Y-de-Roux. Figura 3 - Síndrome da alça aferente MEDCEL - PRINCIPAIS TEMAS EM GASTROENTEROLOGIA 8. Síndrome da alça eferente Bem menos comum que a síndrome da alça aferente, este quadro decorrente de complicações em uma anasto- mose gastrojejunal a Billroth 11caracteriza-se por vômitos pós-prandiais de conteúdo alimentar, precedidos de náu- seas e distensão abdominal. Ocorre por mau esvaziamento do estômago devido ao estreitamento anastomótico ou à angulação da alça eferente da anastomose a BII. Os pacien- tes têm distensão gástrica e melhoram com a liberação do conteúdo alimentar por meio de vômitos; por vezes, che- gam a provocá-Ios para aliviar os sintomas. Na fase aguda, pode ser difícil diferenciar da gastroparesia que acontece após gastrectomias ou vagotomias. Usualmente, o tratamento clínico com pró-cinéticos, fracionamento e modificação para dieta pastosa ou até o uso de drenagem gástrica melhoram o quadro na fase agu- da. Nos casos com obstrução mecânica comprovada e na- queles que não respondem com tratamento inicial, pode ser necessária uma reintervenção cirúrgica com gastrecto- mia e nova anastomose gastrojejunal, preferencialmente em Y-de-Roux. 9. Conclusão Em razão da alta freqüência de síndromes pós-gastrecto- mias nos pacientes submetidos à reconstrução a Billroth 11, cada vez mais esse tipo de reconstrução vem sendo substi- tuída pelo Y-de-Roux. Como as operações para o tratamento de úlceras pépticas apresentam um visível declínio e a sua re- alização tem se restringido às situações de emergência, com a opção por procedimentos minimamente invasivos, como a simples sutura, a tendência é nos depararmos cada vez me- nos com todas essas síndromes. Entretanto, pelo seu valor histórico e pelo aumento nas indicações de operações bariá- tricas e metabólicas, é possível encontrarmos em breve uma nova face dos mesmos sintomas. iMedce
Compartilhar