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Capítulo 15 - Diarréia Aguda

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15
Pontos essenciais:
- Definição de diarréia;
- Mecanismos das diarréias;
- Etiologia da diarréia aguda;
- Tratamento da diarréia aguda.
1. Introdução
o quadro clínico das diarréias pode manifestar-se com
sintomas de leve intensidade a piora clínica progressiva, em
poucas horas, com risco de morte por desidratação e infec-
ção generalizada. A prevalência mundial das doenças gastrin-
testinais agudas ocupa o 2º lugar, logo abaixo das infecções
respiratórias.
Em menores de 5 anos de idade, os episódios agudos de
diarréia prevalecem de 2 a 3 surtos por ano nos países desen-
volvidos e de 10 a 18 episódios em crianças nos países sub-
desenvolvidos. Na ÁSia, África e América Latina, as diarréias
agudas não são apenas as maiores causas de doenças nas
crianças (estimam-se 1 bilhão de casos por ano), mas, tam-
bém, a maior causa de mortalidade infantil, sendo responsável
por 4 a 6 milhões de mortes por ano (12.600 mortes/dia). Nas
regiões críticas do planeta, a desnutrição protéico-calórica
contribui muito para a morbimortalidade infantil.
Na prática médica, é importante distinguir se a diarréia é
aguda ou crônica. A primeira é definida como um período de
até 3 semanas, e a segunda quando supera 4 semanas.
2. Fisiopatologia
A presença de qualquer fenômeno que interfira na fisiolo-
gia da absorção ou na secreção de fluidos fecais pode provo-
car a síndrome diarréica.
O trato digestivo apresenta uma grande capacidade de
diluição, de secreção de íons e de transformação enzimáti-
ca dos alimentos digeridos, em porções específicas de seu
Diarréia
segmento. A capacidade de absorção de nutrientes e fluidos
excede à de secreção. O trato digestivo recebe enzimas dos
tecidos gástricos, pancreáticos e hepáticos e produz, tam-
bém, substâncias enzimáticas próprias que, em associação
com a flora bacteriana local, promove a metabolização e a
absorção dos macro e micronutrientes produzidos pelas re-
ações químicas em sua luz.
O intestino delgado pode conter até 10L de fluidos ao dia
(originados da ingestão via oral, das secreções gástricas, bi-
liar e pancreática). O cólon pode absorver de 4 a SL/dia mas,
normalmente, chega ao cólon 1L de água diariamente e, no
balanço final, a capacidade absortiva dos intestinos delgado e
grosso pode resultar em até 100mL de líquidos para as fezes,
apenas. A água é absorvida de forma passiva no intestino e
depende do gradiente osmótico intraluminal.
A absorção intestinal do delgado pode ser alterada por ex-
cesso de volume, fluxo rápido e presença de gorduras e ácidos
biliares não-absorvidos. Já no cólon, pode ter sua função ab-
sortiva alterada por uma variedade de fatores, como doença
mucosa, aumento do trânsito, alteração da flora bacteriana,
agressões por agentes infecciosos, aumento de sais biliares e
aumento dos ácidos graxas de cadeia longa.
A diarréia determina a perda de fluidos intestinais asma-
ticamente ativos, e o resultado é a diminuição da absorção
de nutrientes e eletrólitos, o excesso de secreção de eletró-
litos ou ambos. A diarréia pode ser definida como o excesso
de água nas fezes com a diminuição da consistência fecal e
inúmeros episódios de eliminações por dia. Na prática, consi-
deram-se mais do que 2 a 3 evacuações ao dia ou fezes lique-
feitas em todos os episódios.
O equilíbrio hidroeletrolítico intraluminal depende da os-
molalidade das fezes. É próxima da osmolalidade sérica, em
torno de 290mOsm/kg. Normalmente, a maior parte da os-
molalidade fecal está relacionada às concentrações de sódio
e de potássio multrpttcada por 2 (para contar, também, os
ânions associados). Os produtos da fermentação bacteriana
no cólon, como os derivados dos ácidos graxas, determinam
iMedcel
as concentrações maiores do gap osmótico. A diferença os-
mótica é calculada da seguinte forma:
Gap osmótico = 290 - [2(Na fecal + K fecal)]
Na diarréia osmótica, a presença de solutos não-absorví-
veis contribui, significativamente, para a osmolalidade, tor-
nando o material intraluminal hiperosmolar, promovendo um
movimento de água para dentro da luz intestinal. As princi-
pais causas são as deficiências de dissacaridase, a insuficiên-
cia pancreática e a ingestão de substâncias não-absorvíveis
(drogas laxativas - manitol, lactulose, sorbitol). O gap osmó-
rico, em todas as formas de diarréia osmótica, é maior do que
125mOsm/kg, embora, na diarréia secretora, apresente um
valor menor.
3. Mecanismo de ação dos agentes pa-
togênicos
A - Quantidade do inóculo (= quantidade do mi-
crorganismo introduzido no corpo)
O número de agentes microbianos varia de espécie para
espécie. Para agentes, tais como Shigella, E. coli êntero-he-
morrágica, Giardia lamblia ou Entamoeba, de 10 a 100 bacté-
rias ou cistos são capazes de produzir a infecção, enquanto de
105 a 108 organismos de Vibrio cholerae devem ser ingeridos
para causar a doença intestinal aguda. A habilidade do orga-
nismo de vencer as defesas do hospedeiro tem implicação
para a sua transmissão para outros indivíduos: Shigella, E. coli
êntero-hemorrágica, Giardia lamblia e Entamoeba podem es-
palhar-se por contato de pessoa para pessoa, embora, no caso
da contaminação por salmonela, deva haver um crescimento
prévio no alimento contaminado, por várias horas antes, para
se obter uma quantidade de inóculo suficiente para desenvol-
ver a infecção intestinal.
B - Aderência
Muitos microrganismos aderem-se à mucosa gastrintesti-
nal como passo inicial no seu processo patogênico, enquanto
outros entram em contato com a flora local e se desenvol-
vem, determinando a colonização progressiva dos segmentos
do tubo digestivo. As aderências dos agentes infecciosos es-
tão associadas à presença de receptores específicos da mem-
brana celular das células da mucosa. Como exemplo desse
mecanismo de ação, há o agente da cólera (v. cholerae), o
modelo clássico de ligação direta da mucosa. A bactéria da
cólera se adere aos enterócitos do intestino delgado, deter-
minando o desequilíbrio da absorção e secreção intestinal.
As várias formas patogênicas da família da E. coli apresentam
mecanismos diferentes de aderência entre si. O subtipo da
E. coli enterotoxigênica produz uma proteína chamada fator
••
antigênico colonizador, que possibilita a colonização do tra-
to digestivo superior antes da produção de sua enterotoxina,
enquanto o subtipo enteropatogênico (causador de diarréia
nas crianças) e a forma êntero-hemorrágica (causadora da
colite hemorrágica e da síndrome hemolítico-urêmica) deter-
minam a destruição da mucosa intestinal e a invasão tecidual
do trato digestivo.
c - Produção de toxinas
A produção de 1 ou muitos tipos de exotoxinas é importan-
te na patogênese de inúmeros agentes entéricos. Tais toxinas
incluem as enterotoxinas, que causam a diarréia aquosa por
ação direta no mecanismo secretor da mucosa intestinal; as ci-
totoxinas, que causam a destruição das célutas e estão associa-
das às diarréias inflamatórias; e as neurotoxinas, as quais agem
diretamente no sistema nervoso central ou periférico. A E. coli
enterotoxigênica pode produzir uma proteína sensível ao calor
e denominada heat-Iabile enterotoxin (LT), que é similar à toxi-
na da cólera e causa uma diarréia secretora pelo mesmo meca-
nismo anteriormente descrito. Alternativamente, essa mesma
bactéria pode produzir uma outra enterotoxina, estável ao ca-
lor, heat-stable enterotoxin (5T), que determina uma diarréia
por ativação do sistema guanilato-ciclase e elevação do GMP
cíclico intracelular. Alguns subtipos da E. cali enterotoxigênica
podem produzir ambas as toxinas (LTe 5T).
Os agentes microbianos produtores de citotoxinas deter-
minam a destruição das células mucosas intestinais e produ-
zem a síndrome disentérica, com fezes sanguinolentas e a
presença de leucócitos nas células. Os patógenos entéricos
que produzem as citotoxinasincluem S. dysenteriae tipo 1
Vibrio parahaemolyticus e Clostridium difficile. Algumas ce-
pas de E. coli êntero-hemorrágica (0157:H7) produzem urna
citotoxina potente, muito semelhante na sua estrutura co
a produzida pela S. dysenteriae tipo 1 e determinam lesões:
graves do trato digestivo (colite hemorrágica e a síndrome
hemol ítico-u rêm ica).
As neurotoxinas produzidas por agentes específicos dete'-
minam sintomas logo após a inoculação. Estão incluídos os Sto-
phylocaccus sp. e Bacillus cereus. As neurotoxinas agem direta-
mente no sistema nervoso central, promovendo vômitos.
D -Invasão
A invasão tecidual dos agentes microbianos é um agrava>
te dentro dos quadros da síndrome diarréica, de uma forrrz
geral. Pacientes imunodeprimidos (portadores de HIV, uso =:
quimioterapia para o câncer, imunossupressores para tra "-
plantados, síndromes mieloproliferativas e estados pré-leucE-
micos) correm maior risco de desenvolver a invasão tecid =
da mucosa, quando inoculados por microrganismos íntesr-
nais. Esses estados de resistência imunológica alterada (mê-
tida ou induzida por drogas) podem desenvolver a diminuiçê:
Medcel DIARRÉIA AGUDA
as defesas naturais dos intestinos (diminuição da produção
e IgA, diminuição dos linfócitos intestinais, leucopenia). A
invasão bacteriana e a destruição celular da mucosa intestinal
são situações presentes nos quadros de infecção disentérica
(através da produção de citotoxinas), e os agentes microbia-
nos responsáveis são as infecções causadas pela 5higella e as
cepas enteroinvasivas da E. coli. Esses agentes caracterizam-
se pelo predomínio da invasão tecidual, proliferação intra-
epitelial e disseminação pelas células adjacentes. Os micror-
ganismos da 5almonel/a causam a diarréia inflamatória por
invasão da mucosa do intestino, mas não estão associados
à destruição celular dos enterócitos; não determinam um
quadro completo da síndrome disentérica. As cepas da Sal-
monel/a typhi e da Yersinia enterocolitica podem penetrar a
mucosa intestinal intacta, promover a multiplicação celular
nas placas de Peyer (nódulos linfáticos agregados do intes-
tino delgado) e nos linfonodos intestinais e se disseminar
através da corrente sangüínea, causando a febre entérica
(uma síndrome caracterizada por febre, cefaléia, bradicardia
relativa, dores abdominais, esplenomegalia e leucopenia).
4. Mecanismos de defesa do hospedeiro
Numerosos microrganismos são ingeridos, diariamente,
em cada dieta, mas o organismo humano tem mecanismos
de defesa, efetivos, contra a inoculação constante de agen-
tes potencialmente enteropatogênicos.
A - Flora normal
A microflora habitual do trato digestivo exerce um me-
canismo de proteção natural, prevenindo a colonização de
patógenos entéricos potenciais. Indivíduos portadores de
poucas bactérias intestinais, como recém-nascidos ou pa-
cientes que recebem antibioticoterapia prolongada, são
mais suscetíveis a desenvolverem infecção intestinal. Mais
de 99% da flora colônica são compostos por bactérias ana-
eróbias, e o pH ácido e a presença dos gases, provenientes
da fermentação das gorduras digeridas por essas bactérias,
surgem como elementos importantes para a resistência con-
tra a colonização de agentes externos.
B - Acidez gástrica
A acidez da mucosa gástrica é um importante elemento
de barreira. O aumento na freqüência de infecções intesti-
nais, tais como 5almonel/a, G. lamblia e uma variedade de
helmintos, tem sido reportado nos pacientes que foram
submetidos a ressecção gástrica ou que possuam acloridria
por qualquer razão. A neutralização da acidez gástrica com
o uso de antiácidos ou bloqueadores H2 - muito utilizada no
paciente hospitalizado -, similarmente, aumenta o risco de
colonização intestinal. Alguns microrganismos, entretanto,
podem sobreviver na extrema acidez do meio gástrico, como
o rotavírus, que é estável na acidificação.
c -Mobilidade intestinal
A mobilidade intestinal é um mecanismo de limpeza das
bactérias intestinais localizadas nos segmentos proximais
do tubo digestivo. Quando associada à acidez gástrica e à
produção de imunoglobulinas, há a limitação da proliferação
da flora bacteriana natural. Quando a mobilidade intestinal
está prejudicada - por exemplo, através do tratamento da
dor com o uso de opióides ou drogas antiespasmódicas; de
anormalidades anatômicas (divertículos, fístulas, bloqueio
inflamatório da alça de delgado, estase de alça aferente pós-
cirúrgico); de estados de hlpomotílldade (como no diabetes
mel/itus e na esclerodermia) -, a proliferação bacteriana lo-
cal aumenta, e a infecção por patógenos entéricos está po-
tencializada.
o - Imunidade
A resposta imunológica celular e a produção de anticor-
pos são elementos importantes para a proteção dos indi-
víduos suscetíveis à infecção intestinal. A ampla variedade,
de infecções gastrintestinais provocadas por agentes virais,
bacterianos, fúngicos e parasitários, nos pacientes portado-
res de HIV, demonstra a importância da imunidade celular
na proteção do hospedeiro normal contra esses patógenos.
A imunidade humoral consiste na produção de imunoglobu-
lina sistêmica IgG e IgM, assim como a produção local de
IgA. Hoje se considera o tubo digestivo como um grande
órgão imunológico capaz de produzir imunoglobulinas lo-
cais e ter, em sua estrutura, o sistema linfocitário (placas de
Pever}, A imunoglobulina secretora IgA liga-se aos antígenos
bacterianos e os conduz até as porções distais dos intesti-
nos, apresentando ao sistema subepitelial linfóide, os quais
estimulam a proliferação de linfócitos sensibilizados. Tais
linfócitos ativados circulam e povoam por toda a rnucosa e,
assim, aumentam a produção da IgA secretora.
5. Epidemiologia
Viagens turísticas para países tropicais da Ásia, África e
América Central e do Sul determina um risco anual de 20 a
50% para o desenvolvimento de dores abdominais, anorexia
e diarréia líquida; trata-se da diarréia dos viajantes, a doença
mais comum, relacionada a viagens pelo planeta. O tempo
de incubação é de 3 dias a 2 semanas após a chegada ao país
de risco. Muitos casos têm uma evolução benigna de 3 a 5
dias, que, geralmente, é autolimitada. A causa mais comum
de contaminação é a fecal-oral (água ou alir;rTe"iítoscontami-
nados). Os agentes envolvidos variam em cada local, mas as
/'
MEDCEL - PRINCIPAIS TEMAS EM GASTROENTEROLOGIA iMedce
cepas da E. coli enterotoxigênica são os agentes mais comuns
em todas as áreas de risco (produz a diarréia secretora).
O rotavírus é um agente muito comum entre as crianças
<2 anos de idade e acomete de 75 a 100% dos indivíduos ex-
postos. G. lamblia é mais comum nas mais velhas, com baixos
índices de prevalência. Outros agentes, como Shigella, Cam-
pylobacter jejuni e Cryptosporidium são inoculados por via
fecal-oral.
Nos hospitais, concentram-se casos de diarréia especí-
ficos e estão relacionados ao próprio ambiente hospitalar
com a sua população de bactérias locais, aos pacientes de-
bilitados e internados nas unidades de terapia intensiva e
nas enfermarias de pediatria. C. difficile é o agente predomi-
nante nas infecções hospitalares, as infecções por rotavírus
podem espalhar-se com rapidez nas enfermarias de pedia-
tria, e a diarréia por E. coli enteropatogênica pode acometer
a equipe de enfermagem dos berçários de Neonatologia.
Cerca de 1/3 da população de idosos internados, freqüen-
temente, por suas condições clínicas crônicas, desenvolve
surtos diarréicos todos os anos. Estudos de cultura das fezes
na população idosa, em particular, revelam que 25% apre-
sentam a citotoxina produzida por C. difficile, o maior causa-
dor de diarréia em tal população institucionalizada. O uso de
antibioticoterapia prolongada pode predispor a colite pseu-
domembranosa, provocada pela alteração da flora intestinale facilitando a proliferação de C. difficile.
Quadro 1-Contaminação bacteriana nos alimentos
Período de incubação I Sintoma
De 1 a 6 horas
Staphylococcus aureus Náuseas,vômitos e diarréia
Bacillus cereus
De 8 a 16 horas
Clostridium perfringens Dores abdominais, diarréia líqui-
B. cereus da, vômitos raros
>16 horas
Vibrio cholerae Diarréia líquida
E. coli enterotoxigênica Diarréia líquida
E.cali êntero-hemorrágica Diarréia sanguinolenta
Salmonella spp. Diarréia inflamatória
Campylobacter jejuni Diarréia inflamatória
Shigella spp. Disenteria
Vibrio parahaemolyticus Disenteria
A maior morbidade e mortalidade dos agentes enteropa-
togênicos envolve crianças menores de 5 anos. Crianças ama-
mentadas são protegidas da contaminação da água e dos ali-
mentos e recebem a proteção dos anticorpos maternos, mas
o risco aumenta muito quando passam a ingerir alimentos só-
lidos - vide Quadro 1. As crianças são mais suscetíveis a con-
taminação por rotavírus, enquanto as crianças mais velhas e
os adultos são mais atingidos pelo vírus norwalk. Os outros
microrganismos mais comuns em crianças do que em adultos
-
são as cepas enterotoxigênicas, enteropatogênicas e êntero-
hemorrágicas da E. cali; C. jejuni; G. lamblia. A incidência de
infecção por Salmonella é mais comum em crianças menores
de 1 ano de idade, enquanto a infecção por Shigella é maior
nas crianças na faixa de 6 meses a 4 anos.
6. Classificação e sintomatologia
Na literatura médica, há inúmeras formas de classificação
das diarréias, que podem ser:
- Quanto à sua duração: aguda e crônica;
- Quanto à topografia: delgado ou colônica;
- Quanto à presença de gordura excessiva nas fezes: es-
teatorréia;
- Quanto à fisiopatologia: não-inflamatórias (osmótica, secre-
tora, motora) e inflamatórias (exsudativa ou disenteria).
A diarréia aguda é definida como um quadro de início sú-
bito de perdas intestinais aumentadas de fezes não-consis-
tentes, no período de 3 semanas; outros autores definem o
quadro agudo em até 4 semanas. Considera-se um quadro
crônico quando há persistência superior a esse período ini-
cial. Na Pediatria, alguns autores definem a diarréia com mais
de 14 dias de duração como persistente.
A diarréia aguda é causada, principalmente, por agentes
infecciosos, toxinas bacterianas ou drogas. As drogas envol-
vidas como causas da síndrome diarréica são os antibióticos
e os agentes irritantes intestinais (medicamentos laxativos e
produtos fitoterápicos).
A diarréia crônica é decorrente de problemas intrínsecos
do trato digestivo, como má absorção intestinal, doenças infla-
matórias do intestino ou presença de neoplasias benignas o
malignas. Infecções oportunísticas (bacterianas, virais ou para-
sitárias) em pacientes debilitados por outras condições clínicas
(AIOS, drogas imunossupressoras em transplantados ou em
tratamento de quimioterapia para o câncer) podem determi-
nar a síndrome diarréica e exigem tratamento mais complexo.
Há autores que classificam as diarréias de acordo com a to-
?o~ratia ou o se~mento anatômico da intestina en\la\\Iida. Se-
gundo eles, as diarréias podem ser alta e baixa.
A diarréia baixa é decorrente do segmento do cólon E
caracteriza-se pela presença de muco, sangue e até secreçã
purulenta nas fezes (descarga de leucócitos na luz intestina
nas colites de grau intenso). O paciente apresenta inúmeras
evacuações (de 10 a 20 por dia) e sensação de esvaziamen :
incompleto do reto, após cada episódio de defecação (te-
nesmo retal).
A definição de disenteria é a mesma que a da diarréia ba
xa descrita (fezes aquosas freqüentes, em geral com sangue =:
muco, e clinicamente demonstradas por dor, tenesmo, feb ==
e desidratação). Leucócitos estão presentes nas fezes e, ~
sim, a diarréia baixa é considerada inflamatória.
iMedcel DIARRÉIA AGUDA
Na diarréia alta (tipo delgado), a freqüência das evacua-
ções é elevada, e não há perdas sangüíneas nas fezes. Além
disso, não é classificada como inflamatória (ausência de leu-
cócitos nas fezes). Em geral, a eliminação é líquida, e, quando
existe má absorção, as fezes apresentam maior proporção
de gordura (fezes esteatorréicas). Essas fezes têm, como ca-
racterísticas, aspecto espurnoso, de coloração brilhante e de
odor muito forte (fermentação excessiva). O paciente pode
ter dermatite perianal devido à acidez fecal.
A diarréia alta é causada por agentes infecciosos (5. au-
teus, rotavírus, por exemplo), agentes parasitários (giardí-
ase) e má absorção (pancreatite crônica nos alcoólatras,
por exemplo).
Nos pacientes portadores da infecção por HIV, os quadros
gastrintestinais são muito variados em razão de uma gama de
agentes infecciosos que podem estar envolvidos. A enteroco-
lite é a forma mais comum de manifestação. Os agentes res-
ponsáveis são as bactérias (Campylobacter sp., Satmonetia,
5higella), viroses (citomegalovírus e adenovírus) e protozoá-
rios (criptosporídio, Entamoeba hystolitica, Giardia, lsosporo,
microsporida). Tais agentes podem estar envolvidos, tam-
bém, nos pacientes imunocomprometidos.
Os pacientes infectados por HIV tendem a ter sintomas
mais severos e crônicos, incluindo febre alta, dores abdomi-
nais intensas que podem mimetizar abdome agudo cirúrgi-
co. Bacteremia e envolvimento das vias biliares podem estar
presentes na enterocolite. Nas recorrências do quadro in-
testinal, após tratamento adequado, sugere-se infecção por
5almonella e 5higella.
A prática de relação anal sem proteção apresenta alto
risco de infecções por agentes microbianos (gonorréia, sífi-
lis, linfogranuloma venéreo e herpes simples), determinando
proctites e descarga retal.
Quanto à fisiopatologia, as diarréias podem ser classifica-
das como não-inflamatória (osmótica, secretora, motora) e
inflamatória (exsudativa ou disenteria). Considera-se não-in-
flamatória quando não há invasão tecidual por agentes infec-
ciosos e, portanto, não existem leucócitos nas fezes. Há um
desequillbfio na relação absorção/secreção intestinal com
perdas de fluidos intestinais em excesso.
A diarréia osmótica decorrente da ingestão de substân-
cias pouco absorvíveis ou que determinam efeito concentra-
dor no lúmen intestinal, atraindo água para o seu interior. Os
exemplos são o uso excessivo de laxantes, deficiência de dis-
sacaridases (intolerância à lactose), alimentação excessiva de
dieta açucarada ou gordurosa e a síndrome de má absorção.
Pode haver a presença de sangue, mas em pequena quanti-
dade. Há relato de melhora com o jejum.
A diarréia secretora promove aumento na secreção dos
enterócitos ou diminuição da absorção dos fluidos intesti-
nais (diarréia não-inflamatória). Trata-se de uma diarréia
volumosa. Pode haver sangue nas fezes, mas em pequena
quantidade. O paciente apresenta quadro clínico de do-
res abdominais tipo cólica, náuseas, vômitos, e a provável
etiologia são agentes bacterianos, virais ou parasitários.
Como exemplo, temos as bactérias produtoras de toxinas
(E. coli enterotoxigênica, 5. aureus, Bacillus cereus, Clos-
tridium perfringens). Ocorre o desequilíbrio da absorção
e secreção intestinal no intestino delgado. Vômitos de
repetição sugerem origem viral ou contaminação por 5.
aureus. O quadro diarréico é autolimitado, mas, como a
origem é do intestino delgado, pode determinar grandes
perdas líquidas de fluidos intestinais, gerando desidrata-
ção com hipocalemia e acidose metabólica (por exemplo,
na cólera). Como não há invasão dos tecidos, não há leu-
cócitos nas fezes.
A diarréia secretora determina uma grande perda de
água e eletrólitos nas fezes (perda de cloretos e a diminui-
ção da absorção de sódio com aumento da estimulação do
AMP cíclico intracelular). A cólera e a diarréia dos viajantes
(E. cali enteroinvasiva) apresentam esse mecanismo fisio-
patológico (Quadro 2).
A diarréia inflamatória implica lesão tecidual portoxinas.
ou a invasão dos agentes infecciosos e com a presença de
leucócitos nas fezes, e o quadro é mais grave. A presença de.
febre e diarréia sanguinolenta (disenteria) indica lesão teci-
dual colônica por invasão dos agentes infecciosos (shigelo-
se, salmonelose, infecções por Campylobacter ou Yersinia,
amebíase) ou lesão química por toxinas (e. difficile, E. coii,
0157:H7). Por envolverem o segmento colônico, as diarréias
apresentam menor volume «lL/d) com dores no quadrante
inferior esquerdo, puxo e tenesmo retal. Os leucócitos es-
tão presentes nas infecções por agentes invasores. A E. coli
0157:H7 é um agente não-invasivo que pode ser adquirido
por carne contaminada ou suco de maçã não-pasteurizado e
promove uma manifestação grave de diarréia hemorrágica.
Nos pacientes imunocomprometidos e portadores de HIV, o
citomegalovírus pode causar ulceração intestinal com diar-
réias aquosas ou sanguinolentas.
Quadro 2 - Leucócitos nas fezes nas doenças intestinais
Shigella Salmonella Vírus norwalk Colite ulcerativa
Campy/obacter Yersinia Rotavírus
Doença de
Crohn
E. coli ente-
Vibrio pa-
Colite ulcera-
roinvasiva
rahaemolyti- Giardia lamblia
tiva
cus
Clostridium Entamoeba Colite isquê-
difficile hystolitica mica
Aeromonas
Cryptospori-
dium
MEDCEL - PRINCIPAIS TEMAS EM GASTROENTEROLOGIA iMedce
Envenenamento
alimentar
Stapylococcus
aureus
Bacillus cereus
Clostridium
perfringens
Escherichia coli
enterotoxigê-
nica
êntero-hemor-
rágica
7. Tratamento
A - Dieta
A maioria dos casos de diarréia não chega a determinar
a desidratação grave, e a reposição adequada de fluidos
orais, contendo carboidratos e eletrólitos, é capaz de repor
as perdas hidroeletrolíticas. Alteração da dieta, evitando o
uso de alimentos com fibras, gorduras e derivados do leite
proporciona repouso digestivo satisfatório. Deve-se lem-
brar que a diarréia, de forma geral, é autolimitada.
B - Reidratação
Nos casos graves, a desidratação ocorre de forma rá-
pida, principalmente nas crianças. A reidratação oral com
soro caseiro ou preparados com glicose, sódio, potássio,
cloretos e bicarbonatos é ideal como reposição das perdas
de fluidos intestinais. Deve haver o uso de hidratação in-
travenosa nos casos graves com repercussão hemodinâmi-
ca ou à intolerância oral devido às náuseas e aos vômitos
de repetição.
c -Agentes antidiarréicos
São medicamentos que podem ser utilizados em pa-
cientes com quadros moderados e que Ihes proporcio-
nam mais conforto. Deve-se lembrar que há o risco de
estase dos conteúdos intestinais tóxicos, caso tais agen-
tes sejam usados exageradamente. Não podem ser uti-
lizados naqueles com diarréia sanguinolenta, febre alta
ou toxemia e devem ser descontinuados nos casos leves
e que evoluem com piora clínica progressiva.
D - Antibioticoterapia
Depende de cada caso. O uso indiscriminado não é in-
dicado por alterar a microflora e favorecer a proliferação
de outros agentes microbianos e diminuírem as barreiras
intestinais naturais.
- Tratamento empírico: é recomendado nos casos de apre-
sentação moderada a severa com febre, ou fezes com
•
sangue, ou na presença de leucócitos nas fezes, enquan-
to a cultura está em andamento. Os antibióticos mais
recomendados para esses casos são os derivados das
fluoroquinolonas (ciprofloxacino; ofloxacino; norfloxa-
cino) por um período de 5 a 7 dias. Pode ser feito trata-
mento alternativo com sulfametoxazol-trimetoprim ou
eritromicina. O uso de metronidazol está indicado nas
infecções por giárdia.
- Antimicrobianos específicos: não são indicados para
as infecções por salmonelas não-tifóides, Campylobac-
ter, Aeromonas, Yetsinla, ou E. coli 0157:H7, exceto
nos casos graves. Nessas infecções, não há melhora na
recuperação ou diminuição do período de excreção de
bactérias fecais patogênicas. As diarréias infecciosas
para os quais o uso de antibióticos são recomendados
são: shigelose, cólera, salmonelose extra-intestinal,
diarréia dos viajantes, infecções por C. difficile, giardí-
ase, amebíase e doenças sexualmente transmissíveis
(gonorréia, sífilis, infecção por clamídia e herpes sim-
ples). As terapias para os portadores de HIV são bem
específicas e dependem das patologias associadas; em
geral, utilizam-se antibióticos de largo espectro de ação
e antivirais.
Figura 1-Escherichia coli
Figura 2 - Rotavírus

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