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16 Pontos essenciais: - Causas de diarréia crônica; -Investigação da diarréia crônica. 1. Introdução Um quadro de diarréia prolongada implica alterações na fisiologia intestinal, e o médico deve iniciar uma investigação criteriosa. O diagnóstico etiológico é um grande desafio, e a anamnese é fundamental para direcionar a investigação diag- nóstica. A solicitação de inúmeros exames complementares pode mais atrapalhar do que ajudar, e a suspeita inicial pode não ser definida com precisão, acarretando prejuízo ao pa- ciente. Em suma, diante de um quadro de diarréia prolongada, o médico não pode perder o foco de seu raciocínio clínico com exames variados e deve basear-se em elementos suspeitos iniciais para poder começar a investigar com exames com- plementares. Muitas vezes, deve-se empregar o método de testar e tratar ou até tratar empiricamente, e excluir diag- nósticos ao longo do tempo. Podem ser usados antidiarréicos nos quadros graves com repercussão sistêmica, e os demais testes serão empregados, ao longo do tempo, para definir a causa básica. Na avaliação médica inicial, devem-se classificar os sin- tomas se pertencem a estados funcionais ou puramente or- gânicos; afastar o diagnóstico diferencial de má absorção e diarréia colônica ou inflamatória; avaliar se há questões sistê- micas envolvidas ou agentes microbianos oportunistas. Quadro 1-Características diferenciais da diarréia crônica Número de evacuações Volume das fezes e consistência Grande e fezes nor- mais ou pastosas Pequena e fezes líquidas não-con- sistentes Diarréia Coloração das fezes Normalou brilhante Normal Puxoe tenesmo Não Sim Urgênciaparaevacuação Rara Freqüente Dor abdominal Periumbilical e/ou Dor localizada dor na fossa ilíaca na fossa ilíaca direita esquerda Alívio da dor após Não Sim evacuação Muco Não Sim Sangue nas fezes Não é freqüente Comum Resíduosalimentares Freqüentes Pouco freqüente visíveis Desnutrição associada Freqüente Pouco freqüente Suspeita-se de doença orgânica quando há perda de peso, anemia, perdas sangüíneas e diarréia com duração inferior a 3 meses e prevalência dos sintomas de forma contínua ou noturna. A diarréia colônica ou inflamatória apresenta-se com fezes líquidas ou pastosas, com muco, sangue ou pus. Neste caso, a própria anamnese define a localização anatômica do pro- cesso. Nos quadros de má absorção, pode haver esteatorréia (fezes brilhantes, claras, espumantes, volumosas). História de cólicas abdominais e flatulência excessiva são elementos co- muns provocados pela fermentação intestinal dos carboidra~ tos não-absorvidos. A perda de peso ocorre nos quadros mais graves e com história prolongada. Durante a investigação diagnóstica, não se deve esque- cer de outros elementos que podem determinar o quadro orgânico, como cirurgias prévias com suspeita de ressecções intestinais alargadas, doença pancreática crônica, etilismo, viagem recente a regiões de risco para infecção intestinal por agentes microbianos, diabetes mellitus, hipertireoidis- mo. colagenoses, suspeita de neoplasia maligna e doença intestinal específica (por exemplo, doença inflamatória in- testinal e celíaca). I MEDCEL - PRINCIPAIS TEMAS EM GASTROENTEROLOGIA iMedcel .. Exames básicos na avaliação de má absorção intestinal in- cluem hemograma completo, função hepática, dosagem de folato e vitamina B12, função renal, VHS, hormônios tireoi- dianos, proteína C reativa, ferritina, protoparasitológico de fezes, coprocultura, pesquisa de leucócitos fecais e pesquisa de gordura fecal. Nas suspeitas de doença celíaca, pede-se a análise do antiendomísio (lgA) e antitransglutaminase, com alta especificidade e sensibilidade. Quando positivos, devem ser empregados os exames endoscópicos para biópsias da 2ª e da 3ª porções duodenais. Pode haver teste negativo, e a biópsia é sempre empregada para tentativa de confirmação histopatológica. Para analisar se há perda de leucócitos nas fezes (diarréia inflamatória], emprega-se o teste de avaliação da excreção de lactoferrina fecal (que está presente nos leucócitos). Na suspeita de infecção parasitária por amebas e giárdia, realiza- se o exame de 3 amostras de fezes com a sensibilidade do teste mui- to satisfatória (de 60 a 90% de detecção). Como se vê, a abordagem inicial dos pacientes com diar- réia crônica exige muita atenção e investigação sistemática paulatina, com exclusão dos diagnósticos diferenciais. A con- dução de cada caso deve ser individualizada. Mais adiante, retornaremos sobre esse tema. Uma outra forma de aborda- gem inicial é tentar classificar o quadro diarréico em 6 cate- gorias diferentes, a saber: - Diarréia osmótica; - Diarréia secretora; - Condições inflamatórias intestinais; - Síndromes disabsortivas; - Desordens da motilidade intestinal; -Infecções crônicas intestinais. r.~ f· I~ ii " Na diarréia osmótica, a osmolalidade fecal é igual à osrno- lalidade sérica (290mOsm/kg). Os elementos compostos por sódio, potássio, cloretos e bicarbonato estão em equilíbrio nas 2 interfaces (Iúmen intestinal e plasma sangüíneo). O gap osmótico é a diferença entre a medida da osmolalidade das fezes (ou sérica) e os valores encontrados nas fezes do pa- ciente. Um aumento desse gap (>125mOsm/kg) implica que a diarréia é causada por ingestão ou má absorção de subs- tâncias osmoticamente ativas. As causas mais comuns são as deficiências de dissacaridases, o uso abusivo de laxativos e a síndrome de má absorção. Com o jejum prolongado, há me- lhora do quadro. A má absorção de carboidratos determina dores abdominais, distensão gasosa e flatulência excessiva (aumento da fermentação nos cólons). As deficiências de dissacaridases são as mais comuns e devem ser consideradas em todos os pacientes com diarréia crônica. A deficiência da lactose é a doença mais comum na população não-branca (3/4 casos) e em 25% dos caucasianos. É adquirida após uma gastroenterite viral, doenças sistêmicas graves ou cirurgias gastrintestinais. O sorbitol está presen- . .. , '. te em doces, balas e guloseimas e como veículo de alguns medicamentos; todos podem causar diarréia. O diagnóstico de má absorção de sorbitol ou lactose pode ser obtido após uma dieta restrita, desses elementos, por um período de 2 a 3 semanas. Em relação à má absorção, as maiores causas são as do- enças da mucosa intestinal do intestino delgado, ressecções intestinais, obstrução linfática, insuficiência pancreática e cres- cimento bacteriano aumentado. As características são perda de peso, diarréia osmótica e deficiências nutricionais. Diarréia importante na ausência de perda de peso não é comum na má absorção. Devemos lembrar que o paciente pode ter um desequilí- brio da secreção e absorção intestinal (condições secretórias intestinais anormais). Esse fato determina uma diarréia aquo- sa de grande volume com gap osmótico normal. Há pouca me- lhora com o jejum prolongado, e pode haver desidratação e distúrbio hidroeletrolítico. Como causas mais comuns, há os tumores endócrinos (que apresentam elementos estimulantes das secreções intestinais ou pancreáticas), a má absorção de sais biliares (que promovem o aumento da secreção colônica) e o uso abusivo de laxativos. Nas manifestações inflamatórias intestinais, temos uma grande variedade de apresentações clínicas e histopatológi- cas características para cada uma das entidades mórbidas. A diarréia é a manifestação comum em todas elas (colite ulce- ratíva, doença de Crohn, colite microscópica L e os sintomas são muito variados e incluem dores abdominais, febre, perda de peso e hematoquezia. As diarréias por desordens da motilidade intestinal podem ser conseqüência de outras condições clínicas e sistêmicas ou cirurgias, determinando um trânsito rápido dos conteúdos intestinais ou a proliferação bacterianaexcessiva que resulta em má absorção. Nas doenças crônicas infecciosas, há a parasitose intes- tinal que age por inúmeros mecanismos fisiopatológicos. Os agentes microbianos mais comuns são protozoários, giárdia, Entamoeba hvstoiitica, Cyc/ospora e helmintos. Os pacientes portadores de HIV apresentam uma gama maior de agentes. 2. Quadro da diarréia crônica A - Diarréia osmótica -Suspeita: quantidade de fezes diminuem com o jejum prolongado; aumento do gap osmótico; - Medicações: antiácidos, lactulose, sorbitol; - Deficiência de dissacaridase: intolerância à lactose; -Diarréia propositalmente provocada (distúrbio de com- portamento neurótico/psiquiátrico): drogas irritantes e osmóticas (magnésio, laxantes, fitoterápicos). B- Diarréia secretora ~Me"ce' DIARRÉIA CRÔNICA -Suspeita: grande quantidade de fezes (>lL/d) e pouca mudança no jejum prolongado; gap osmótico normal; - Diarréia provocada por ação hormonàl: VIPoma, tumor carcinóide, carcinoma medular da tireóide (calcitonina), síndrome de Zollinger-Ellison (gastrina); - Diarréia provoca da (uso abusivo de laxantes): fenofta- leína, fitoterápicos (cascara, senna); - Adenoma viloso; - Má absorção de sais biliares: ressecção cirúrgica ileal, ileíte de Crohn, pós-colecistectomia; - Medicações variadas: efeito colateral. c -Condições inflamatórias intestinais -Suspeita: febre, hematoquezia, dor abdominal; - Colite ulcerativa; - Doença de Crohn; - Colite microscópica; - Malignidade: linfoma, adenocarcinoma (com obstrução e pseudodiarréia); - Enterite actínica. D - Síndromes disabsortivas - Suspeita: perda de peso, valores laboratoriais, gordura fecal elevada (>10g/24h); - Desordens da mucosa do intestino delgado: doença ce- líaca, spru tropical, doença de Whipple, gastroenterite eosinofílica, enterectomias alargadas (síndrome do in- testino curto), doença de Crohn; - Obstrução linfática: linfoma, tumor carcinóide, tubercu- lose, sarcoma de Kaposi, sarcoidose, fibrose retroperi- toneal; - Doenças pancreáticas: pancreatite crônica, carcinoma do pâncreas; - Crescimento bacteriano: desordens da motilidade (va- gotomia, diabetes), esclerodermia, fístulas e divertículos do intestino delgado. E- Desordens da motilidade intestinal -Suspeita: doença sistêmica ou cirurgia abdominal prévia; - Pós-operatório: vagotomia, gastrectomia parcial, alça cega com crescimento bacteriano; - Desordens sistêmicas: esclerodermia, diabetes mel/itus, hipertireoidismo; - Síndrome do cólon irritável. - Parasitas: Giardia lamblia, Entamoeba hystolitica; - Virais: citomegalovírus, infecção HIV; - Bacteriana: Clostridium difficile, Mycobacterium avium; - Protozoários: microsporida (Enterocytozoon bieneusi, Cryptosporidium, Isospora belli). Retomando o tema de como o médico poderia conduzir o paciente, nessa entidade tão ampla de possibilidades diag- nósticas, podemos empregar o raciocínio de exclusão de enti- dades agudas infecciosas, de origem cirúrgica e medicamen- tosa. Inicialmente, utilizaremos os critérios de exclusão de: • Causas de diarréia aguda; • Intolerância à lactose; • Cirurgia gástrica ou ressecção intestinal; • Infecções parasitárias; • Medicações; • Doenças sistêmicas. G - E me CO"1 lernenta-es - Pesquisa de leucócitos nas fezes; - Colonoscopia com biópsias; - Exame contrastado de trânsito intestinal e enema opaco. Se ocorrerem anormalidades nos achados dos exames, a possibilidade de doença inflamatória intestinal ou câncer será a causa principal. Se os exames diagnósticos não revelarem anormalidades, haverá a necessidade da pesquisa dos com- ponentes das fezes (eletrólitos, osmolalidade, peso das fezes, gordura quantitativa). Se existir aumento do gap osmótico e aumento das gorduras fecais, as hipóteses serão síndromes disabsortivas, insuficiência pancreática e crescimento bacte- ria no. Se o aumento do gap osmótico não determinar aumen- to das gorduras fecais, então os diagnósticos de intolerância à lactose, sorbitol, lactulose ou uso abusivo de laxativos serão os mais prováveis. Para os casos de gap osmótico normal e peso fecal normal, as hipóteses serão síndrome do intestino irritável e diarréias provocadas. Em caso de Gap osmótico normal e aumento do peso das fezes (>l.OOOg), deve-se avaliar a existência de uso abusivo de laxativos. Os exames de imagem podem ajudar no raciocínio diag- nóstico. A presença de calcificação nas radiografias do abdo- me levanta a suspeita de pancreatite crônica. A tomografia computadorizada e a ressonância nuclear magnética auxi- liam a determinar, com mais precisão, o diferencial de pa - creatite crônica ou câncer. E o trânsito intestinal com co traste auxilia no diagnóstico da doença de Crohn, linfo c intestinal e divertículos jejunais. MEDCEL - PRINCIPAIS TEMAS EM GASTROENTEROLOGIA iMedce H - Tratamento Inúmeros agentes antidiarréicos podem ser empregados. Já os opióides podem ser empregados para os quadros mais estáveis. -loperamida: 4mg inicial; metade da dose após cada eva- cuação (dose máxima diária de 16mg); - Difenoxilato com atropina: de 1 a 4 tabletes por dia; -Codeína: é um potente analgésico com efeito colateral de obstipação intestinal. Pode ser empregado de 15 a 60mg, a cada 4 horas; - Tintura de ópium: é muito pouco empregada, apresen- ta dificuldade de manipulação farmacológica, devido às leis federais, e pode causar dependência química. Pode- se utilizar o sulfato de morfina (receita especial contro- lada), que é a droga mais utilizada em conjunto com outras medicações para o controle das dores intratáveis (por exemplo, dores oncológicas). Tem o efeito colate- ral de diminuir a motilidade intestinal e é utilizada em casos estritos com cronicidade e deterioração clínica do paciente; - Clonidina: é um agonista adrenérgico que inibe a secre- ção intestinal de eletrólitos. Além disso, é útil nos casos de diarréias secretoras, de origem diabética, e na crip- tosporidose (de 0,1 a 0,6mg/dia, em 2 tomadas); - Octreotide: é o análogo da somatostatina que estimula a absorção dos eletrólitos e inibe a secreção intestinal e de peptídios. É usado nas diarréias decorrentes dos tumores neuroendócrinos (VIPomas, carcinóide) e em alguns casos de diarréia relacionada a AIDS (3 doses di- árias subcutâneas de 50 a 250Ilg); - Colestiramina: é um quelante de ácidos biliares, útil nas diarréias secundárias a ressecções intestinais ou doen- ças no íleo (dose de 4g em até 3 tomadas ao dia). Figura 1-Aspecto da mucosa na doença celíaca - Figura 2 - Doença de Crohn Figura 3 -Ascoridíase Figura 4 - Aspecto endoscópico da doença de Crohn Figura 5 -Aspecto radiológico da retocolite ulcerativa
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