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Paulo Mosânio Teixeira Duarte INTRODUÇÃO À SEMÂNTICA 2ª. edição Revista e Ampliada SUMÁRIO PREFÁCIO CAPÍTULO I A SEMÂNTICA NOS PRIMÓRDIOS: A ABORDAGEM DIACRÔNICA 1 O INÍCIO: A CONTRIBUIÇÃO DE MICHEL BRÉAL 2 OUTROS AUTORES 3 CONCLUSÃO Exercícios de reflexão CAPÍTULO II PARA UMA TEORIA SEMÂNTICA: DOS OBJETIVOS 4 OS IMPASSES PARA A ELABORAÇÃO TEÓRICA 5 QUE TEORIA DO SIGNIFICADO ADOTAR? 5.1 Uma Teoria Mentalista: O Imagismo 5.2 Teorias Não-Mentalistas 5.2.1 A teoria behaviorista 5.2.2 A teoria extensionalista 5.2.3 Outras propostas: a instrumental e a contextual 6 ELEMENTOS PARA UMA TEORIA SEMÂNTICA: A PROPOSTA DE KATZ Exercícios de reflexão CAPÍTULO III PARA UMA TEORIA SEMÂNTICA: DA NOÇÃO DE SIGNO 7 INTRODUÇÃO 8 DA ESTRUTURA DO SIGNO 8.1 A Concepção de Ferdinand de Saussure 8.2 A Concepção de Hjelmslev 9 DAS RELAÇÕES ENTRE SIGNOS 9.1 A Perspectiva de Hjelmslev 9.2 A Perspectiva de Eco 10 DAS CONDIÇÕES EXTERNAS PARA O FUNCIONAMENTO DO SIGNO Exercícios de reflexão CAPÍTULO IV A SINONÍMIA LÉXICA 11 INTRODUÇÃO 12 A SINONÍMIA NA PERSPECTIVA DE ULLMANN 13 A PROPOSTA DE LYONS Exercícios de reflexão CAPÍTULO V SINONÍMIA FRASAL: A PARÁFRASE 14 INTRODUÇÃO 15 A PARÁFRASE: ASPECTOS DEFINIDORES 16 PARÁFRASE E CORRESPONDÊNCIA 17 CONCLUSÃO Exercícios de reflexão CAPÍTULO VI OPOSIÇÕES E CONTRASTES 18 INTRODUÇÃO 19 OPOSIÇÕES ANTONÍMICA, COMPLEMENTAR E CONVERSA 20 OPOSIÇÕES DIRECIONAIS, ORTOGONAIS, ATIPODAIS E CONTRASTES NÃO-BINÁRIOS 21 A OPOSIÇÃO E O CONTEXTO DISCURSIVO 22 CONCLUSÃO Exercícios de reflexão CAPÍTULO VII HIPONÍMIA E HIPERONÍMIA 23 INTRODUÇÃO 24 RELAÇÕES DE INCLUSÃO: HIPONÍMIA E HIPERONÍMIA 25 CONCLUSÃO Exercícios de reflexão CAPÍTULO VIII POLISSEMIA E HOMONÍMIA 26 INTRODUÇÃO 27 A HOMONÍMIA E A POLISSEMIA: A VISÃO TRADICIONAL 28 A HOMONÍMIA E A POLISSEMIA: A PROPOSTA DE BARBOSA 29 CONCLUSÃO Exercícios de reflexão CAPÍTULO IX RELAÇÕES DE SIGNIFICADO NA FRASE: A VALÊNCIA SEMÂNTICA 30 INTRODUÇÃO 31 PROPOSTA DE FILLMORE 32 A PROPOSTA DE CHAFE 33 CONCLUSÃO Exercícios de reflexão CAPÍTULO X O CAMPO LÉXICO 34 INTRODUÇÃO: OS PRECURSORES 35 A MODERNA TEORIA DOS CAMPOS LÉXICOS 35.1 Pottier 35.2 Greimas 35.3 Coseriu 35.3.1 Das distinções de base 35.3.2 Das relações paradigmáticas do léxico 35.3.3 Das relações sintagmáticas do léxico CAPÍTULO XI ADITAMENTOS AO CAMPO LÉXICO 36 A TEORIA KATZ-FODOR 37 BALANÇO CRÍTICO Exercícios de reflexão CAPÍTULO XII O CONTEXTO NA DETERMINAÇÃO DO SENTIDO – PARTE I 38 INTRODUÇÃO 39 A DÊIXIS 39.1 A Pessoa 39.2 O Espaço e o Tempo 39.2.1 O espaço 39.2.2 O tempo 39.3 Síntese 40 A FORMULAÇÃO MODAL 40.1 Da Modalidade 40.2 Da Asserção 40.3 Do Desenvolvimento e da Determinação 41 CONCLUSÃO CAPÍTULO XIII O CONTEXTO NA DETERMINAÇÃO DO SENTIDO – PARTE II 42 RELAÇÕES DE ACARRETAMENTO 42.1 Implicação/Pressuposição 42.2 Pressuposição/Implicatura 43 A ESCALARIDADE Exercícios de reflexão REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Agradeço a Claudete Lima, minha dileta mulher, graças a cujo companheiril e psicológico, e ao empenho devotado na digitação, na revisão técnica, conteudística e textual, veio a lume esta 2ª. edição, sem as imperfeições da primeira. Agradeço também ao Diretor da Imprensa Universitário Luiz Falcão, pelo perfeccionismo e empenho de natureza interpessoal com que conduziu o percurso desta 2ª. edição. Por fim, agradeço à equipe técnica, Luiz Carlos, Dorinha, Roberto Cunha Lima e Socorro Azevedo, que contribuiu para a estética, para os aspectos técnicos e a revisão vernácula deste trabalho. PREFÁCIO Este trabalho fez parte de uma pesquisa intitulada “Projeto de Melhoria da Qualidade do Ensino”. Destina-se a estudiosos de Lingüística e Língua Portuguesa. Visa a suprir carências de obras sobre Semântica, a maior parte das quais de difícil acesso ou relegada ao esquecimento. Conseqüentemente a isto, o professor se vê obrigado a juntar material teórico das mais diversas fontes. Esta segunda edição, revista e ampliada, passou por correções vernáculas de pontos obscuros que, algumas vezes, comprometiam a legibilidade do texto. Os objetivos foram reformulados de modo a tratar outros assuntos não presentes na primeira edição, do que decorria uma visão de Semântica tradicional. Nos assuntos já existentes, acrescentamos conteúdos importantes. Por exemplo, no capítulo de oposições e contrastes, referimo-nos aos jogos de oposição instaurados pelo discurso. No capítulo sobre hiponímia e hiperonímia, aludimos ao papel destes fenômenos na coesão textual e, naquele dedicado à polissemia e homonímia, estendemo-nos mais sobre a contribuição de Maria Aparecida Barbosa e acrescentamos mais pistas a serem investigadas no estudo sobre a polissemia lato sensu e a polissemia stricto sensu. O capítulo, referente ao campo léxico, foi divido em dois, devido à grande extensão do mesmo. Até aí, houve estilização e ampliação de assuntos já tratados na primeira edição. No mais, mantivemos assuntos já tratados sem alterações: as origens da Semântica, os objetivos de uma teoria semântica, sinonímia léxica e relações de significado na frase. Novos capítulos foram inseridos para que o livro fizesse jus ao caráter genérico que pretende. Abrimos um capítulo teórico e geral para a noção essencial de signo, baseando-nos na Lingüística e na Semiótica. Outro capítulo, de caráter específico, trata da sinonímia frasal ou paráfrase. Abordamos também, em mais dois capítulos, o papel do contexto e sua relação com o sentido: no primeiro, da dêixis e da formulação modal, e no segundo, das relações de acarretamento e da escalaridade. Com estes acréscimos e revisões, este livro pretende fazer o leitor familiarizar-se com a tradição e com a novidade. O Autor. CAPÍTULO I A SEMÂNTICA NOS PRIMÓRDIOS: A ABORDAGEM DIACRÔNICA 1 O INÍCIO: A CONTRIBUIÇÃO DE MICHEL BRÉAL A Semântica tem suas raízes na obra de Bréal, Ensaio de Semântica (1992). A obra consta de três partes: uma dedicada ao que ele chama “as leis intelectuais da linguagem”, outra dedicada ao “como se fixou o sentido das palavras” e, por fim, outra voltada para o “como se formou a sintaxe”. O Ensaio tem como base a diacronia. À primeira vista, pode parecer que o lingüista francês era um dentre outros que adotavam a perspectiva histórica e mecanicista, bastante em voga no século XIX. Esta impressão se deve, em primeiro lugar, ao fato de a primeira parte intitular-se “As leis intelectuais da linguagem”. Porém, o autor matiza a palavra lei nos termos abaixo, expurgando-a de possíveis interpretações deterministas: (...) se a gramática de uma língua tende de um modo constante a se simplificar, podemos dizer que a simplificação é a lei da gramática dessa língua. E, para chegar ao nosso assunto, se certas modificações do pensamento, expressas inicialmente por todas as palavras, são pouco a pouco reservadas a um pequeno número de palavras, ou mesmo a uma única palavra, que assume a função somente para si, dizemos que a especialidade é a lei que presidiu essas mudanças. Não se trata de uma lei previamente estabelecida, menos ainda de uma lei imposta em nome de uma autoridade superior (1992, p.24). Em segundo lugar, à semelhança de muitos autores de tendência historicista,estuda os fenômenos semânticos sob ótica diacrônica. Assim, ilustrando a chamada lei da especialidade, que se relaciona com um objetivo geral da linguagem, o de se fazer compreender com o mínimo de dificuldade e com o menor esforço possível, refere-se ao grau. Por exemplo, nas línguas antigas, entre as quais o latim, o adjetivo exprime gradação por meio de sufixos. No comparativo, o latim vulgar generalizou o emprego do advérbio magis (que deriva mais), tendência que já havia no latim clássico com os adjetivos terminados em –uus e –eus, como contiguus e idoneus. O português, como regra, continuando a deriva para o analitismo, forma o comparativo com mais, resultado desta simplificação em latim vulgar. Além da lei da especialidade, Bréal se reporta à lei da repartição, sendo esta “a ordem intencional em virtude da qual as palavras que deveriam ser sinônimas, e que o eram efetivamente, tomaram, entretanto, sentidos diferentes e não podem mais ser empregadas por uma outra” (1992, p. 33). Com isso, sustenta a sinonímia integral como fenômeno que atenta contra a economia da linguagem. Bréal se refere também à irradiação, fenômeno que ele não define precisamente e que decorre de uma ação analógica lenta e gradual sobre um determinado número de lexemas ou morfemas e que se estende posteriormente na língua. Para não darmos exemplos de línguas clássicas, podemos exemplificar com o português, em que o sufixo –dor, confundido com –douro (bebedouro, matadouro) tem o sentido locativo: bebedor, provador. O lingüista francês, como muitos dos seus contemporâneos, estudou os fenômenos da restrição e da ampliação semânticas, bem como a metáfora e o espessamento de sentido. No que diz respeito ao primeiro fenômeno, exemplifica com a palvra latina adulterare, formada a partir do prefiro ad-e da base alterare. Dizia-se adulterare colores, “mudar as cores”, adulterare nummos “falsificar as moedas”, adulterare jus, “falsificar o direito”. Como se dizia também adulterare matrimonium, daí saiu um sentido especial que passou aos derivados adulterium e adulter. No que tange ao segundo fenômeno, a ampliação de sentido, Bréal ilustra com a palavra spatium, de onde veio a palavra portuguesa espaço, que significava originalmente “espaço onde corriam os cavalos”. Depois a palavra tomou o significado de qualquer extensão espacial. Quanto à metáfora, calcada, segundo Bréal, na similaridade entre dois objetos, o autor cita numerosos exemplos. Assim pensar é “calcular”: daí em português o verbo pesar (<pensare). “Um caráter simples é comparado a uma roupa que não tem uma ruga sequer (simplex): os motivos tidos como falsos são bordas que dissimulam o defeito do tecido (praetextum)” (BRÉAL, 1992, P.91). Por fim, o espessamento de sentido consiste na subsistência da significação material de uma palavra, sendo esquecida a idéia abstrata. Deste modo, a palavra vestis, pelo sufixo –tis, significava “ação de vestir” e dessa significação geral passou a ser objeto que serve para este uso. Em português, temos ornamento e aterro, que, embora se liguem a verbos, apresentam sentidos concretos. A despeito das incursões na diacronia, ressalte-se que Bréal enfatiza o papel do homem na evolução da fala. Repudiava a redução da Lingüística ao mero estudo das mudanças de vogais e consoantes ao longo do tempo. Citemos, a título de exemplo, esta passagem. O abuso das abstrações e das metáforas tal foi e ainda é o perigo de nossos estudos. Vimos as línguas serem tratadas como seres vivos: disseram-nos que as palavras nasciam, venciam os combates, se propagavam e morriam. Não haveria inconveniente algum nesse modo de dizer, se não houvesse pessoas que o tomassem no sentido literal. Mas exatamente porque elas existem é que é preciso não deixar de protestar contra uma terminologia que, entre outros inconvenientes, tem o de nos dispensar de buscar as causas verdadeiras (1992, p. 17-8). Em suma, para Bréal, que adotava uma concepção sociológica no seu trabalho, a linguagem é um instrumento de civilização. Nela não impera o caráter necessário das leis fonéticas, porque existe a ação da vontade humana. A propósito disso, ilustremos uma vez mais com esta passagem do Ensaio. Fazer intervir a vontade na história da linguagem, isso parece quase uma histeria, já que, durante cinqüenta anos, tantos cuidados se tomou para bani-la. Mas, se teve razão em renunciar às ingenuidades da ciência de outrora, por outro lado contentou-se, ao entregar-se ao extremo oposto, com uma psicologia verdadeiramente muito simples. Entre os atos de uma vontade consciente, refletida, e o puro fenômeno instintivo, há uma distância que deixa lugar para muitos estágios intermediários, e nossos lingüistas teriam aproveitado mal as lições da filosofia contemporânea se continuassem a nos impor a escolha entre as duas alternativas desse dilema. É preciso fechar os olhos à evidência para não ver que uma vontade obscura, mas perseverante, preside às mudanças da linguagem (1992, p. 19). Bréal representa essa vontade sob a forma de tentativas e erros, por parte do falante, que acabam por determinar uma dada direção, cuja finalidade é ser compreendido. Exemplo disso são as construções gramaticais, a princípio confusas e obscuras na infância, até que, com o passar do tempo, se tornam expressão suficiente do pensamento. Bréal não negligenciou o elemento subjetivo na linguagem, na qual somos, ao mesmo tempo, espectador interessado e autor dos acontecimentos. Este aspectos subjetivo é representado: a) por palavras ou membros de frases; b) por formas gramaticais; c) pelo plano geral de nossas línguas. Assim, para marcar maior ou menor certeza de seu próprio discurso, o falante se vale de advérbios como sem dúvida, talvez, provavelmente, seguramente etc. Para expressar desejo, o falante vale-se do subjuntivo, de valor optativo, como em “Deus te abençoe”. Bréal resume desta maneira seu ponto de vista: deve-se começar a ver de que ponto de vista o homem agenciou sua linguagem. A fala não foi feita para a descrição, para a narrativa, para as considerações desinteressadas. Expressar um desejo, dar uma ordem, demonstrar a posse sobre as pessoas ou sobre as coisas – esses empregos da linguagem foram os primeiros. Para muitos homens, eles são ainda quase os únicos ... Se descêssemos um ou vários degraus, e se procurássemos o início da linguagem humana na linguagem dos animais, veríamos que neles o elemento subjetivo reina sozinho, que ele é o único expresso, o único compreendido, que ele esgota sua faculdade de entendimento e toda a matéria de seus pensamentos (1992, p. 161). Bréal investigou o fenômeno da analogia em bases psicológicas. Reconheceu-lhe quatro funções: a) evitar qualquer dificuldade; b) obter mais clareza; c) sublinhar uma oposição ou uma semelhança; d) ajustar-se a uma regra antiga ou nova. No entanto, recusa-se a apresentar a analogia como uma causa, muito menos como uma força cega. Pondera: levada ao extremo, a analogia tornaria as línguas muito uniformes e, por conseqüência, monótonas e pobres. O filólogo, o escritor estarão sempre, tanto por gosto como por profissão, do lado dos vencidos, isto é, das formas que a analogia ameaça absorver. Mas é graças à analogia que a criança, sem aprender uma após outra todas as palavras da língua, sem ser obrigada a tentá-las uma a uma, as domina num tempo relativamente curto. É graças a ela que estamos certos de sermos entendidos, certos de sermos compreendidos, mesmo se chegamos a criar uma palavra nova. É preciso olhar a analogia como uma condição primordial de toda linguagem. Se ela foi uma fonte de clareza e de fecundidade, ou se foi uma causa de uniformidade estéril, é o que somente a história individual de cada línguapode nos ensinar (1992, p. 62). 2 OUTROS AUTORES O especial relevo conferido a Bréal, e m nosso trabalho, não se deve apenas ao fato de ter sido ele que se consagrou como pai da disciplina a que hoje chamamos Semântica, mas por ter se oposto tenazmente às concepções mecanicistas da época, enfatizando o papel da cultura e chamando atenção para a presença do elemento subjetivo. Houve, todavia, outros autores que, mesmo numa concepção historicista, fizeram referência à Semântica. Hermann Pall (s.d.) foi um desses autores. Ele dedicou o IV capítulo de sua conhecida obra ao que chamou mutação semântica. Reconheceu, à semelhança de Bréal, os mais diversos tipos de mudanças semânticas, a saber: a) especialização da significação: por exemplo, a palavra alemã Fass designou a princípio todas as espécies de recipientes e hoje designa um só tipo, o barril. Em português, palavras como acidente, fatalidade, fortuna, sorte, apresentaram originalmente o significado “acontecimento de natureza casual”. Acidente e fatalidade tendem, mais tarde, a serem usadas com restrição de significação ao valor negativo “acontecimento casual desastroso, que pode destruir”. Fortuna, sorte, sucesso tendem a ocorrer com restrição de sentido ao valor positivo “acontecimento casual bem-sucedido, que tem resultado feliz, que traz riqueza, prestígio, prêmio.” (MARQUES, 1990, P. 34). b) extensão da significação: a palavra alemã fertig significava a princípio “preparado para um trajeto de carro, a cavalo ou a pé” e hoje significa apenas “preparado”. Em português, a palavra brilhar procede do castelhano billar, etimologicamente “brilhar como berílio”. Destino, além do significado original “acontecimento decorrente do acaso”, revela extensão ou ampliação de significados, com acréscimo de outras noções: “futuro”, “direção”, “objetivo”, “tipo de aplicação”, “caminho”, “endereço”. c) transferência, que se dá por contigüidade semântica, no plano espacial ou temporal. Exemplo disto é o emprego de vela em lugar de barco e de alma em vez de homem(ex.: fui à aldeia e não encontrei viva alma). d) similaridade: explicar etimologicamente “abrir as dobras”, por oposição a complicar “juntar as dobras,” e destas acepções originais decorrem as noções de “explicar” e “complicar”. Para maior exemplificação, conviria que o leitor pesquisasse os compostos de que participa o lexema pé, a exemplo de pé de meia e pé de galinha. e) sinestesia: é um tipo de metáfora em que a palavra passa a se aplicar a uma área sensorial diversa. Horrível, por exemplo, não tem relação só com o visual, mas também com o gustativo (gosto horrível), olfativo (cheiro horrível) e auditivo (som horrível). Hermann Paul reconheceu ainda o papel dos exageros e dos eufemismos na mudança de significado e não se limitou apenas à apresentação de nomenclaturas e exemplos. Procurava também a explicação em termos lingüísticos, embora um tanto sumários, como que bons vislumbres seguidos não raro de farta lista de exemplos. Explicitou deste modo que a restrição semântica ocorre porque a palavra se enriquece quanto a seus conteúdos, embora tenha sua extensão diminuída, ao contrário do que acontece com a extensão semântica. Meillet (1965, p. 231-71), outro lingüista de formação historicista, reconhece também as mudanças semânticas, estabelecendo, para as mesmas, condições dos seguintes tipos: a) lingüísticas: a exemplo do caráter negativo das palavras pás, rien e personne, que decorre da ação de ne (não), que tem caráter negativo (ne...rien, ne...pas, ne...personne). Illari (1992, p. 124) explica este fenômeno aludido por Meillet de forma mais sistemática. Afirma que a palavra pas, que significa ainda hoje “passo”, era habitualmente usada depois de verbos intransitivos de movimento, como reforço da negação, semelhantemente ao que ocorre com outras expressões, estendendo-se posteriormente este reforço como morfema de negação para outros tipos de verbos. (01) ne bouger pas “não mexer-se nem mesmo um passo” (02) ne manger mie “não comer nem mesmo uma migalha” (03) ne boire goutte “não beber nem mesmo uma gota” (04) ne voir point “não ver nem mesmo um ponto” b) ligadas aos objetos ou coisas, que sofrem mudanças: papel provém do latim papyrum, nome dado a uma cana do Egito com a qual se fabricava uma folha que os antigos usavam para escrever; mantém- se o nome papel, embora o objeto não seja mais feito a partir do papiro. Podemos citar também como exemplos as palavras latinas gladius e ensis, dois tipos de arma branca mais usados pelos soldados romanos: a espada curta que feria com a ponta e o corte, e a espada longa que feria principalmente com o corte. Porém, o termo corrente para essas armas em língua vulgar era spatha, de onde veio o português espada. A spatha era, na origem, a tábua longa, larga e alongada com que os tecelões romanos comprimiam as tramas para obter um tecido mais encorpado nos teares verticais da época (é a função que nos teares mecânicos modernos é reservada ao pente). Quando apareceram em Roma espadas longas e largas, o termo a que se recorreu para denominá-las foi naturalmente o do antigo instrumento de tecelagem. A extensão metafórica de sentido e criação metafórica de sentidos novos para preencher um vazio do léxico correspondem a uma figura de linguagem cuja importância já era reconhecida por Aristóteles – a catacrese (ILARI, 1992, P. 127). c) sociais, em razão das quais uma palavra se alarga ou se restringe semanticamente conforme ela passe para um círculo social mais amplo ou mais restrito, a exemplo da palavra operação que tem diversos matizes de significados, quando aparece na Matemática, na Medicina, nas Ciências Contábeis ou na Silvicultura. Nem sempre é possível separar as razões sociais das históricas. Prova disso é o estudo feito por Cristina Mohrmann, em seu livro sobre o latim vulgar dos cristãos (C.f. ELIA, 1979, P. 53-9). Mohrmann identificou três processos no latim cristão para veicular idéias novas: empréstimo puro e simples ao grego, a exemplo de evangelium, angelus, anathema, diaconus; formação de neologismos latinos, a exemplo de salvator, que traduz o grego sotér, e revelatio, que traduz o termo grego apokálypsis, e de verbum correspondente ao grego lógos; transferência de significado como fides (fé e não lealdade), lavacrum (batismo e não banho), spiritus (espírito e não sopro), peccare (pecar e não errar), virtus, utis (virtude e não valor) etc. Meillet confere maior saliência às condições sociais, influenciado que era pela doutrina de Durkheim, sociólogo que atribuía ao fato social o caráter de exterioridade e coercitividade em relação aos indivíduos. Ullmann (1951) prefere um enfoque mais amplo da transferência. Reconhece dois grandes tipos: a do nome e a do sentido, que comportam subdivisões como descritas abaixo: a) transferência do nome: - por similaridade entre os nomes, motivada pelo contágio fonético e pela etimologia popular, a exemplo da passagem de fors-bourg (fora do burgo) para faubourg (falso burgo), em francês; - por contigüidade do nome: derivada da elipse, como se vê na passagem de cidade capital para capital, de frate germanu para irmão, de mala mattiana para maçã, de hora maneana para manhã. b) transferência do sentido, já exemplificadas: - por similaridade entre os sentidos, que se dá por metáfora; - por contigüidade entre os sentidos, a metonímia. A classificação de Ullmann é mais racional e simples. Evita a multiplicação de nomenclaturas e coloca os fenômenos de mudança lexical sob o fenômeno geral da transferência. Vale-se das contribuições da Lingüística moderna, ao opor similaridade, no eixo paradigmático, à contigüidade, no eixo sintagmático.Interpreta a metáfora e a metonímia, da antiga retórica, em termos lingüísticos, para finalidades não estético-literárias. 3 CONCLUSÃO É possível aludir a outros autores insignes como Vendryés (1950), mas julgamos dispensável fazê-lo para nossos propósitos. Para os que desejarem maior detalhamento, aconselhamos a leitura de Guiraud (1980) e Marques (1990). Quaisquer detalhes sobre a Semântica diacrônica não constituirão mais que meras ilustrações adicionais e essencialmente repetitivas. Sinalizam que a Semântica diacrônica, para se consolidar, precisa apoiar-se em uma teoria geral das mudanças, que explicite em que condições existe a implementação das mesmas. Para atingir um nível satisfatório nas explicações, é necessário ultrapassar o plano lexical, que é dominante, para adentrar a sintaxe e o discurso. Isto sem falar da necessidade de reconstituir-se as etapas intermediárias entre uma forma em seu estádio inicial e seu estádio final. Cumpre acrescentar que é também possível, no plano sincrônico, construir uma teorização. Todavia, muitos têm sido os obstáculos para a consolidação de um projeto consistente em termos de uma teoria semântica. A delimitação do objeto, pelo menos em versão preliminar, foi algo tardio. Dizer que a Semântica é ciência do significado em pouco ajuda, simplesmente porque significado é, entre os muitos termos empregados em Lingüística, de caráter polissêmico. As devidas considerações em torno de uma teoria semântica serão postas em relevo nos capítulos seguintes. Exercícios de reflexão 1. Procure outros exemplos, em português, de restrição e extensão de significado. 2. Dê exemplos de metáfora, em português. Comente-os. 3. Mostre que a metonímia é igualmente importante como fenômeno semântico. Exemplifique. 4. Procure a diferença classicamente estabelecida entre metonímia e sinédoque. Exemplifique. Em seguida, comente até que ponto se sustenta tal diferença. 5. Tente definir o fenômeno da catacrese, relacionando-o com a metáfora. Procure ilustrações para o mesmo. 6. Verifique a possibilidade de reunir sinestesia e metáfora sob o mesmo fenômeno. 7. Estude a proposta de Hermann Paull apresentada neste capítulo. Verifique se as classificações para as “causas” das mudanças semânticas podem ser descritas de forma mais enxuta. CAPÍTULO II PARA UMA TEORIA SEMÂNTICA: DOS OBJETIVOS 4 OS IMPASSES PARA A ELABORAÇÃO TEÓRICA Nascida no domínio diacrônico e tendo sido objeto de abalizados estudos feitos por eminentes lingüistas, a Semântica, em um momento posterior, passou um período de declínio e descrédito. Lançaram-se os alicerces da Fonologia, através da escola de Praga, mas ainda estava distante a elaboração de uma teoria semântica consistente. O motivo disto, como bem assinalou Greimas (1973), é que se pôs em dúvida o objeto da Semântica, pois se negava a ela o caráter de disciplina autônoma. Isto sem falar no atraso histórico dos estudos semânticos e na onda de formalismo vigente há algum tempo. Acrescente-se também que o próprio termo significado é fortemente marcado pela polissemia. Ogden e Richards (1972, p. 194) apresentam uma lista das 16 principais definições vigentes entre os estudiosos do significado, entre as quais: a) uma propriedade intrínseca; b) as outras palavras anexadas a uma palavra no dicionário; c) a conotação de uma palavra; d) emoção suscitada por qualquer coisa; e) aquilo a que o usuário de um símbolo realmente se refere. Por estes motivos acima, houve muita dificuldade em constituir-se uma teoria semântica. O mais poderoso adversário de uma teoria do significado foi, sem dúvida, o mecanicismo bloomfieldiano, que, estribado no materialismo behaviorista, difundia opiniões desalentadoras sobre uma pretensa teorização sobre o significado. Bloomfield (1933, p. 140) afirmava categoricamente que o estatuto do sentido é o ponto fraco da ciência da linguagem e que continuaria assim até que o conhecimento humano avançasse para além do atual estádio. Bloomfield nutria a dupla ilusão de que o sentido se confundia com os dados da situação extralingüística e que a metalinguagem, em termos de Semântica, deveria ser construída a partir de dados de ciências, como a Física ou a Química. Por isto, palavras como amor e ódio, “que concernem a situações que não tem sido classificadas acuradamente” (1933, p. 139), constituiriam sérios entraves à descrição semântica. Por sua natureza intrinsecamente complexa, o significado não foi apenas alvo de teorias behavioristas como a de Bloomfield. Outras teorias vieram à baila, como a imagística e a conceptualista, sem que se tenha chegado a nenhum resultado conclusivo. Para não sobrecarregarmos esta secção, trataremos em separado das diversas teorias do significado, inclusive a bloomfieldiana. A separação entre as teorias, mormente as não-mentalistas, é de cunho didático. Na prática, há intersecção entre elas. Após a exposição das teorias do significado, nos referiremos à proposta de Katz (in: DASCAL, 1982, p. 43-62), que contribuiu para o assentamento da Semântica em termos lingüísticos. 5 QUE TEORIA DO SIGNIFICADO ADOTAR? 5.1. Uma Teoria Mentalista: O Imagismo Esta teoria postula haver no cérebro uma imagem correspondente a uma dada expressão. Não sabemos, todavia, o que é e nem como se estrutura semelhante imagem. Que forma imagística existe quando nos referimos a um item lexical genérico, como o destacado na frase: o homem é um animal racional? Que imagem se constitui a partir dos diversos morfemas gramaticais, como as preposições e as conjunções? Isto sem falar de nomes designadores de emoções e sentimentos, a exemplo de amor e ódio. Kempson (1980, p. 26) alude a outros problemas: a) pode-se ter mais de uma imagem para uma mesma expressão. b) duas expressões podem ter a mesma imagem. Acrescentamos a isto o problema da variação de cada falante. As imagens que temos do possível referente de uma palavra não só podem variar segundo a ocasião, mas como dependem de nossa experiência, certamente terão muitas variações de detalhes, e talvez radicalmente de substâncias de pessoa para pessoa (1980, p. 26). Além do problema relativo à natureza da imagem e às configurações imagísticas assumidas de acordo com a forma lingüística e com as ocasiões de enunciação, há o problema adicional respeitante à questão dos universais. Seria lícito afirmar que, ante a figura de três espécies de triângulo, isósceles, escaleno e eqüilátero, o cérebro forma um triângulo universal, indiferente a aspectos particulares de representação geométrica? 5.2 Teorias Não-Mentalistas 5.2.1 A teoria behaviorista Existe uma tentativa de explicar o significado sem necessidade de recorrer-se a entidades tidas como metafísicas: mente, consciência, pensamento. Estamos nos referindo à teoria behaviorista, à qual Lyons (s.d., p. 103-105) atribui quatro características, que não são necessariamente indissociáveis: a) rejeição ao mentalismo: o que implica o afastamento de noções como mente e consciência, atribuindo-se ao pensamento o caráter de discurso inaudível; b) identificação essencial entre o comportamento humano e animal: o que conduz à biologização da psicologia; c) empirismo: que leva à ênfase na experiência como meio primordial de conhecimento; d) determinismo mecanicista: segundo o qual os fenômenos que acontecem no universo, inclusive as ações humanas, são determinados conforme as mesmas leis físicas. Entre os lingüistas de tendência behaviorista, cabe especial menção a Bloomfield (1933), que analisou o significado em função de três fatores: a) situação do falante; b) o enunciado; c) a resposta do ouvinte; o exemplo clássico de Bloomfield para um acontecimentode fala é este: Jack e Jill passeiam e Jill vê uma maçã numa árvore. Como está com fome, solicita a Jack que a apanhe. Este sobe na árvore, dá a maçã a Jill, que a come. Interpretando: a) o fato de Jill ter fome constitui o estímulo (S); b) ao invés de dar resposta mais direta (R), subindo ela própria na árvore para pegar a maçã, produz uma resposta substitua (r), que é um enunciado; c) ao agir sobre Jack, o enunciado tem status de estímulo substituto (s); d) o estímulo-substituto provoca em Jack uma resposta (R); Bloomfield simboliza a cadeia estímulo-resposta do seguinte modo: S → r...s → R A descrição do evento peca pelo excesso de mecanicismo. Assim, a fome de Jill é descrita em termos de contrações musculares e fluidos secretados no estômago dela. As ondas luminosas provenientes da maçã vermelha atingiam os olhos de Jill, que, em vez de ter ido apanhar, preferiu recorrer a um enunciado verbal, através do qual estimulou vicariamente Jack a apanhar a maçã. Mas nem sempre as explicações são claras em Bloomfield. São por vezes vagas como os fatores predisponentes (predisposing factors), que ocorrem para explicar “acidentes” no percurso estímulo-resposta. Bloomfield assim se expressa: “a ocorrência de um discurso (e, como veremos, a verbalização dele) e toda história dos eventos práticos antes e depois dele dependem da história de vida inteira do falante e do ouvinte” (1933, p. 23). É esta variável que determina os fatores predisponentes e fogem ao controle de qualquer observador, dadas as inúmeras particularidades que envolveriam cada caso. Portanto, não estamos perante idéias, mas eventos práticos, supostamente aferíveis na situação extralingüística, conforme atesta o excerto abaixo. As situações que nos preparam para enunciar qualquer forma lingüística são muito variadas; os filósofos nos dizem, com efeito, que não há jamais duas situações idênticas. Cada um de nós usa a palavra maçã, no curso de alguns meses, referindo-se a diversas frutas individuais, que diferem em tamanho, forma, cor, cheiro, gosto etc. Em um caso favorável, tal como aquele da palavra maçã, todos os membros da comunidade de fala têm sido treinados, desde a infância, a usar a forma lingüística sempre que a situação (neste caso, o objeto) apresente certas características relativamente definíveis. Mesmo em casos como estes, nosso uso não é nunca muito uniforme e a maior parte das formas lingüísticas têm menos significados facilmente discrimináveis. Todavia, é claro que devemos diferenciar entre traços não distintivos da situação, tais como tamanho, forma, cor etc. de qualquer maçã particular, e o significado lingüístico, distintivo (os trações semânticos que são comuns a todas as situações que emergem a partir da enunciação da forma lingüística), tais como os traços que são comuns a todos os objetos para os quais o povo de língua inglesa usa a palavra maçã (1933, p. 140-41). Eis a explicação mecanicista e materialista para o significado, em termos de eventos práticos. Trata-se de uma falácia, pois recorrendo a termos fisiológicos, a fim de evitar alusões a processos não-físicos, como pensamento, conceito, imagem, sentimento, ato de vontade, a teoria behaviorista na verdade pouco explica. Usa o aparato da fisiologia para dar um aspecto de cientificidade às suas pretensas explicações. Bloomfield reconhece que há muito por explicar, de modo que as suas teses fisicistas ainda padecem de obscuridade. Ele mesmo o reconhece: mesmo se tivéssemos uma definição acurada do significado que é vinculado a cada uma das formas de língua, teríamos ainda de enfrentar uma dificuldade de outra espécie. Uma parte muito importante de toda situação é o estado do corpo do falante. Isto inclui, é óbvio, a predisposição do seu sistema nervoso, que resulta de todas as suas experiências, lingüísticas ou não, até exato momento. Isto sem falar nos fatores hereditários e pré-natais. Se pudéssemos manter uma situação externa idealmente uniforme e nela inserir diferentes falantes, ainda assim seríamos incapazes de mensurar o equipamento que cada falante trouxe consigo (1933, p. 141). Como vemos, as dificuldades são inúmeras no âmbito de uma teoria behaviorista do significado. Tal como está posta por Bloomfield, ela é impraticável. O autor reconhece que, em muitas circunstâncias de fala, as pessoas, muito freqüentemente, enunciam uma palavra como maçã, quando nenhuma maçã está presente. Uma criança, na hora de dormir pode muito bem dizer I’m hungry (estou com fome), para evitar que sua mãe a leve para a cama, ao que ela não aquiesce. Bloomfield trata ambas as situações como discurso deslocado (displaced speech), porque num caso e noutro não ocorreram estímulos efetivos: a maçã não está presente e a criança não está de fato sentindo fome. Ora, tratar um e outro evento como ilustrativos de discurso deslocado nada explica, muito menos em termos de behaviorismo. Apenas é uma questão de rótulo. Parece bastante simples, senão ingênua a afirmação de que “os usos deslocados do discurso são derivados, de maneira razoavelmente uniformes, a partir do seu valor primário estabelecido em dicionário” (1933, p. 142). Não convence a asserção de que tão logo saibamos o significado dicionarial de uma forma, estamos plenamente aptos a usá-la em um discurso deslocado. Este simples rótulo está longe de explicar a mentira, a ironia, a poesia, a ficção narrativa, entre outros fenômenos de linguagem. Na ilusão de definir o significado das formas lingüísticas, recorrendo aos diversos campos do saber humano, como a Química, a Botânica, a Zoologia, Bloomfield reconhece, no entanto, que “não temos meios precisos de definir palavras como amor e ódio, concernentes a situações que não têm sido ainda perfeitamente classificadas”. Acrescente-se o arrazoamento de Câmara Jr. (1978), a propósito do signo lingüístico enquanto portador de um significado representativo, fora do domínio da abordagem científica. Um valor representativo desses nem sempre é bem delimitado e nítido, pois as palavras da língua, com os seus significados, não resultam de um raciocínio consciente sobre o mundo das coisas, mas de uma atividade da inteligência intuitiva, procurando consubstanciar experiências parceladas sem a visão de um conjunto. Daí o conflito entre o léxico usual e a terminologia científica, onde entrou a linha diretriz de um pensamento racional. Para a língua comum, a aranha é um inseto; a espiral e a hélice são equivalente e assim “o fumo sobe em espirais”, e a baleia pode perfeitamente ser um peixe, como ressaltou Greenough e Kittredge a propósito do correspondente inglês whale, lembrando que para o alemão a formação do vocábulo selou até esta classificação para todo o sempre (1978, p. 49). A questão crucial que se põe não é, portanto, a língua como mera representação da realidade. A descrição estrutural dos significados é possível adotando-se uma versão matizada do relativismo lingüístico para o qual um dado sistema lingüístico revela, tanto no seu léxico como na sua gramática, uma classificação e uma ordenação dos dados da realidade, típicas deste sistema (cf. BIDERMAN, 1978, p. 80-93). 5.2.2 A teoria extensionalista Lingüistas há, assim como filósofos, que tratam do significado de uma palavra em termos de relação entre ela e os objetos a que ela remete, relação esta a que se dá o nome de referência. A tal concepção de significado chamamos de extensionalista. Expliquemos o que foi dito acima em termos do conhecido triângulo de Ogden e Richards (1972, p. 32), abaixo apresentado: Expliquemos agora detalhes conceituais importantes sobre a figura. O símbolo equivale aproximadamente ao significante saussureano. Mantém com a referênciaou significado, na terminologia de Saussure, uma relação direta. Ou em termos do mestre genebrino: “o signo não une um nome a uma coisa mas um conceito a uma imagem acústica” (1977, p. 80). Por sua vez, entre o símbolo e o referente (ou coisa, na nomenclatura de Saussure) estabelece-se uma relação indireta. Diz-se então que há, entre um e outro, uma conexão arbitrária ou, mais propriamente, imotivada. CORRETO Simboliza (uma relação causal) PENSAMENTO OU REFERÊNCIA ADEQUADO Refere-se a (outras relações causais) SÍMBOLO Representa REFERENTE (Uma relação imputada) VERDADEIRO Aqui preferimos empregar referente em vez de coisa porque o primeiro termo sugere uma acepção mais ampla que aquela sugerida pelo segundo. Se empregarmos, por exemplo, um nome próprio, dizemos que ele se refere a um dado indivíduo. Se utilizarmos um substantivo comum, ele poderá designar um só indivíduo (ex.: este livro) ou uma classe deles (ex.: o livro, em sentido genérico). Caso usemos um adjetivo como vermelho, podemos defini-lo em termos de propriedade observáveis, por exemplo, em objetos que ostentam a referida cor. Até mesmo advérbios podem definir-se referencialmente: o significado de devagar pode ser apreendido através de ações que exibem a propriedade da lentidão. Esclarecida a noção de referente, podemos estabelecer uma condição para que a referência tenha êxito: a expressão referencial, em termos de nomes próprios, substantivo comum, adjetivo ou advérbios (ou qualquer entidade lingüística passível de ancorar-se no referente, a exemplo e verbos como andar e ler), deve permitir que o interlocutor identifique o “indivíduo”. À primeira vista, parece simples, até mesmo primário, definir o significado de uma palavra em função do “objeto” (“coisa” ou “indivíduo”) a que ela remete. Contudo, há situações embaraçosas para uma teoria da referência. No continuum das cores, por exemplo, quais os limites precisos, numa situação comum de intercâmbio verbal, para delimitar onde começa e termina o vermelho? O mesmo se diga com relação aos limites entre monte e montanha, entre andar e correr. Outras objeções se põem: que significado atribuir aos instrumentos gramaticais, preposições e conjunções, e, em termos de referente, a entidades históricas, como Napoleão e César, e a entidades míticas, como unicórnio e duende? Tomemos, por fim, estes exemplos extraídos de Kempson (1980, p. 25). (01) Iguanas não são muito comuns. (02) Estão extintas as iguanas? (03) O professor Branestawn está procurando iguanas. A partir da primeira frase, em que se predica algo a respeito das iguanas, pressupomos que elas existem. Na segunda frase, por sua vez, em virtude do caráter interrogativo da mesma, não está implicada necessariamente a existência das iguanas. Isto depende do sim ou do não dados à pergunta. Na terceira frase, há um problema mais complexo, dependendo da interpretação que cabe a ela: se existe pelo menos duas iguanas específicas ou se não existe necessariamente o objeto. Maiores problemas surgem quando aparecem verbos que não refletem a existência de objetos, mas apenas crenças, julgamentos, opiniões ou expectativas. (04) Creio que o livro está aqui. (05) Julgo que as iguanas existem. (06) Acho que o prédio se localiza na outra rua. (07) Espero que apareça um candidato ao cargo. Isto sem falar na possibilidade de modalizar predicados existenciais. (08) É certo que Deus existe. (09) É possível que Deus exista. (10) É impossível que Deus exista. Não se podem fazer considerações sobre os enunciados acima sem levar em conta os aspectos subjetivos inerentes aos adjetivos subseqüentes à cópula. Devido a todas essas questões, Eco (1974) assim se expressa sobre o que denomina o equívoco do referente: comumente falamos numa coisa chamada /Alpha Centauri/, mas sem jamais tê-la experimentado. Com algum estranho aparelho, um astrônomo passou alguma vez por essa experiência. Mas nós não conhecemos esse astrônomo. Conhecemos apenas uma unidade cultural que nos foi comunicada através de palavras, desenhos, ou de outros meios. Em defesa ou pela destruição dessas unidades culturais (como de outras, tais como /liberdade/, /transubstanciação/ ou /mundo livre/, estamos dispostos até mesmo a enfrentar a morte. Quando a morte chega, e só depois, ela é o único referente, o único evento não-semiotizável (um semiótico morto não mais comunica teorias semióticas). Mas até um instante atrás é ela usada quando muito como unidade cultural (1974, p. 15). 5.2.3 Outras propostas: a instrumental e a contextual Existem outras tentativas de definir-se o significado em bases tangíveis. Uma delas é de Wittgenstein, que adota uma abordagem operacional nas Investigações Filosóficas. Nesta obra, a língua e seus conceitos são vistos como instrumentos, sendo as palavras comparáveis a ferramentas. As funções das palavras são tão diversas quanto as destas últimas. Decorrente desta visão instrumentalista, o sentido de uma palavra é o seu uso na linguagem. Só podemos compreender a linguagem humana, considerando os contextos, lingüístico e extralingüístico, de comunicação entre os homens. Ullmann (s.d., p. 138-41) assim comenta a proposta de Wittgenstein: a) se nos limitarmos a reunir e analisar contextos nos quais ocorra a palavra, então a tarefa é não só ingrata como inconseqüente; b) poderíamos pensar em testes de substituição como, por exemplo, em o ____ apanhou o rato, comprei peixe para o meu ____, e afirmar que o privilégio de palavras aparecerem em tais contextos com uma certa distribuição de freqüência entre as ocorrências é o significado lingüístico de gato (!); c) desta forma, uso e significado se aproximam. Outra observação: já que significado e uso se confundem e o valor semântico de uma palavra está em função do contexto lingüístico ou extralingüístico, como justificar a prática lexicológica de uma palavra em campo semântico? No âmbito da Lingüística, existem outras teorias contextualistas como as de Firth (cf. PALMER, s.d., p. 63-6), que explicitando melhor a noção de contexto empregada pelo antropólogo polonês Malinowsky, sugeriu o seguinte roteiro para a análise lingüística: 1. as características relevantes dos intervenientes: pessoas, personalidades 1.1. a ação verbal dos intervenientes 1.2 a ação não-verbal dos intervenientes 2. os objetos relevantes 3. os efeitos da ação verbal Teceram-se críticas a Firth. Uma delas diz respeito ao uso equivocado da palavra significado, tanto para referir-se à relação entre linguagem e mundo quanto para reportar-se a relações gramaticais. 6 ELEMENTOS PARA UMA TEORIA SEMÂNTICA: A PROPOSTA DE KATZ Como demos a conhecer, responder à pergunta “o que é significado?” não é tarefa fácil, porque não há consenso entre filósofos e psicólogos a respeito da natureza do mesmo. Isto sem mencionar as diversas abordagens teóricas sobre o assunto, Objetando contra o modo de conduzir a questão do significado em termos tradicionais, voltados para a identificação de sua natureza, Katz (1982) argumenta: o equívoco, parece-me, está na suposição de que a questão “O que é o significado?” pode ser respondida de modo direto e conclusivo. A questão é geralmente tratada como “Qual é a capital da França?”, para a qual uma resposta direta e conclusiva, “Paris”, pode ser dada. Supõe-se que pode ser obtida uma resposta da forma “Significado é isto ou aquilo.” Mas a questão “O que é o significado?” não admite uma resposta direta, “isto ou aquilo;” sua resposta é ao contrário uma teoria toda. Não é uma questão como “Qual é a capital da França?”, “Quando Einstein se aposentou?”, “Onde é a Tasmânia?”. Por que não é simplesmente uma pergunta feita sobre um fatoisolado, uma pergunta que pode ser respondida simples e diretamente. Ao contrário, é uma questão teórica, como “o que é a matéria?”, “o que é a luz?” (KATZ, 1982, P. 46). Katz tece uma analogia. Da mesma maneira que os físicos não podem dizer o que é a matéria mas somente identificar um vasto número de fenômenos manifestos no comportamento da mesma, somente através das manifestações dos significados é que se pode construir uma teoria semântica. Assim, em vez de perguntarmos “o que é o significado”, podemos estudar os seguintes fenômenos: a) sinonímia e paráfrase, relação de igualdade que se dá respectivamente entre palavras (garoto e menino) ou entre frases (João ama Maria ou Maria é amada por João); b) similaridade semântica, que ocorre entre conjuntos de lexemas que têm em comum um traço semântico (exemplo tia, vaca, freira, irmã, mulher, égua, atriz com o traço comum fêmea) e sua diferença semântica em relação a outros conjuntos de lexemas; c) antonímia, que se estabelece a partir de diferença semântica devido à incompatibilidade de componentes (amor/ódio, aberto/fechado); d) hiperonímia e seu inverso, hiponímia, em que palavras superordenadas e subordenadas se relacionam (flor/tulipa); e) significatividade e anomalia semântica, que se deve ao fato de sintagmas ou sentenças terem significado e outros não apresentarem significado (cócega mal cheirosa); f) ambigüidade semântica, isto é, a multiplicidade de sentidos de palavras ou sentenças (é o que acontece com palavras como botão ou pé e com a sentença vi o rapaz da janela); g) redundância semântica, que acontece quando os componentes de significado dos modificadores se incluem nos constituintes centrais (um nu despido); h) verdade analítica, que ocorre quando o significado do sujeito contém a propriedade expressa pelo predicado (reis são monarcas); i) contradição, que se estabelece em virtude de o significado do sujeito conter informação incompatível com a que é atribuída a ele pelo predicado (bebês são adultos); j) sinteticidade, em que a verdade ou a falsidade de uma sentença não é determinada pela linguagem, mas pelo que ocorre na realidade (reis são generosos); k) inconsistência, em que é impossível atribuir simultaneamente verdade ou falsidade a sentenças como João está vivo e João está morto, pelo fato de a verdade de uma implicar a falsidade da outra; l) implicação, que é a relação entre duas sentenças pela qual uma se segue necessariamente da outra em virtude de uma certa relação semântica entre elas (monarcas são pródigos implica rainhas são pródigas); m) pressuposição, em que uma sentença só apresenta sentido de verdade lógica, se decorre de outra sentença implícita verdadeira (Onde está a chave? pressupõe a chave está em algum lugar); n) resposta possível, que pressupõe uma compatibilidade entre sentenças interrogativas e sentenças afirmativas (João chegou ao meio-dia, João chegou terça-feira são respostas possíveis a quando João chegou?); o) questão auto-respondida, em que, por implicação semântica, a resposta está incluída na própria pergunta (Qual é a cor do meu carro vermelho?). Em virtude dos amplos objetivos atribuídos por Katz à Semântica, segue-se que há espaço para várias abordagens semânticas e não apenas para uma. O sentido, convém destacar, se presentifica desde as formas mínimas, os morfemas. Presentifica-se também nas categorias pronominais e verbais e complexifica-se se consideramos o contexto discursivo. Dada a amplitude da entidade sentido quanto a suas manifestações, limitamo-nos, neste livro, aos seguintes aspectos: sinonímia (léxica e frasal), oposições e contrastes, hiperonímia e hiponímia, polissemia e homonímia, campo léxico, relações de sentido na frase, influência do contexto na produção do sentido, referindo-nos aqui à dêixis, à formulação modal, às relações de acarretamento e à escalaridade. Antes de passarmos a estes tópicos específicos, julgamos por bem tecer mais uma consideração teórica geral: a noção de signo, a ser tratada no próximo capítulo. Exercícios de reflexão 1. Analise os pontos comuns e diferenciais entre as teorias behaviorista, extensional, instrumentalista e contextual. 2. Examine o triângulo de Ogden e Richards. Interprete a extensão e a restrição de significados em termos de referência e de referente. Exemplifique. 3. Leia o sétimo capítulo de Lyons (s.d.) sobre referência, sentido e denotação e responda aos itens seguintes. a) Diz o autor: “o termo ‘referência’, tal como o definiremos adiante, tem a ver com a relação existente entre uma expressão e aquilo que essa expressão designa ou representa em ocasiões particulares de sua enunciação.” (s.d., p. 145). Em que medida o significado do termo referência se aproxima ou diverge do mesmo termo empregado por Ogden e Richards? b) Lyons reconhece três tipos principais de expressões singulares definidas: - sintagmas nominais definidos; - nomes próprios; - pronomes pessoais. Distinga cada um deles com exemplos. 4. Mostre a ambigüidade dos sintagmas nominais nas sentenças abaixo. a) Aquelas pastas custam cem reais. b) Os professores têm o direito de escolher uma linha teórica. c) Todas as noites, às seis horas uma cegonha sobrevoa a nossa casa. d) João quer casar com uma moça de cabelos louros. e) O senhor Ferreira procura o prefeito. f) O leão é um animal pacífico. 5. Procure, em dicionários técnicos apropriados, a definição dos lexemas: denotação; conotação; extensão; intensão. Verifique até que ponto existe a equivalência denotação/extensão; conotação/intensão. CAPÍTULO III PARA UMA TEORIA SEMÂNTICA: DA NOÇÃO DE SIGNO 7 INTRODUÇÃO A finalidade deste capítulo é fornecer informações básicas sobre uma noção importante em Semântica e em teoria lingüística em geral: a de signo. Como ela envolve muitos aspectos: estrutura sígnica, o signo na cadeia de produção de significados, teoria dos códigos e condições de produção do signo, achamos por bem limitar nosso trabalho ao essencial num livro introdutório. Tratamos, em primeiro lugar, do signo como estrutura, para, em seguida, mostrarmos como ocorrem as relações entre signos. Só em passant nos referiremos às condições de produção. Comecemos, pois, pela estrutura do signo. 8 DA ESTRUTURA DO SIGNO 8.1 A Concepção de Ferdinand de Saussure Foi Saussure (1977) que enfeixou reconhecidamente valiosas contribuições da tradição sobre o signo lingüístico, objeto de estudo desde a tradição clássica. O lingüista genebrino, como se sabe, reconhecia duas faces na entidade signo: significado e significante. Ou, em outros termos, conceito e imagem acústica. O uso do termo conceito já induz o leitor de Saussure a constatar que o autor, pelo menos neste ponto, tinha tendências mentalistas, uma vez que não associa o significado de uma palavra à situação extralingüística: “o signo lingüístico une não uma coisa e uma palavra, mas um conceito e uma imagem acústica” (1977, p. 80). Mas o que dizer da imagem acústica? Sobre ela, assim se exprime o mestre de Genebra: esta não é o som matéria, coisa puramente física, mas a impressão (empreinte) psíquica desse som, a representação que dele nos dá o testemunho de nossos sentidos; tal imagem é sensorial e, se chegamos a chamá-la “material”, é somente neste sentido, e por oposição ao outro termo da associação, o conceito, geralmente mais abstrato (1977, p. 80). Como vemos, é apenas por comodidade que caracterizamos o significante como físico. Se o fazemos, isto se deve à oposição que se estabelece com o conceito, “geralmente mais abstrato”, como bem assevera Saussure, que, na realidade, tem o signo lingüístico como entidade de duas faces, ambas de natureza psíquica. O lingüistaadvoga, em favor da tese do caráter psíquico da imagem acústica, o fato de, “sem movermos os lábios nem a língua, podermos falar ou recitar mentalmente um poema” (1977, p. 80). Sendo o significante imagem acústica, de natureza psíquica, é despropositado mencionar os fonemas que o compõem. Fonema traz implicada uma idéia de ação vocal e só é aplicável aos sons e às sílabas de uma palavra. O signo lingüístico exibe duas características essenciais: a arbitrariedade do signo e o caráter linear do significante. Saussure defende a arbitrariedade em termos de relação imotivada entre significante e significado, não entre significante e coisa. Fiel à tradição sociológica, deixa bem claro que não se deve pensar que arbitrariedade implica livre escolha do falante. Insiste na ausência de laços naturais na realidade. A propósito, vale destacar que o adjunto adverbal na realidade introduz, talvez pó um lapso de Saussure, o referente, que o lingüista afasta tanto quanto pode de suas considerações sobre o signo lingüístico. O segundo princípio referente ao significante, diz respeito ao seu caráter linear, o que implica que “o significante, sendo de natureza auditiva, desenvolve-se no tempo unicamente e tem as características que toma do tempo: a) representa uma extensão, e b) esta extensão é mensurável numa só dimensão: é uma linha” (1977, p. 84). As conseqüências da linearidade do significante são valiosas, a despeito da obviedade do princípio. O conceito de distribuição, por exemplo, depende do da linearidade do significante. Esta característica distingue o signo lingüístico de outros signos, como os marítimos, em que os significantes visuais co- ocorrem e em várias dimensões. Registre-se que a escrita, devido à sua disposição espacial, reflete a linearidade do significante. A doutrina de Ferdinand de Saussure sobre o signo lingüístico nos parece mais ambiciosa do que pode parecer à primeira vista. A idéia desta entidade persiste ao longo do Curso, sinal de sua importância. Não é o caso aqui de avaliarmos a amplitude desta noção. Podemos, todavia, ilustrar. Saussure não parecia interessado apenas em lançar as bases da Lingüística que se convencionou estrutural. Seu projeto ia além e tinha a noção de signo como carro-chefe. Visava a fundação de uma Semiologia, como se pode atestar no Curso. Pode-se, então, conceber uma ciência que estude a vida dos signos no seio da vida social; ela constituiria uma parte da Psicologia social e, por conseguinte, da Psicologia geral; chamá-la-emos de Semiologia (do grego sêmeion, “signo”). Ela nos ensinará em que consistem os signos, que leis os regem. Como tal ciência não existe ainda, não se pode dizer o que será; ela tem direito, porém, à existência; seu lugar está determinado de antemão. A Lingüística não é senão uma parte dessa ciência geral; as leis que a Semiologia descobrir serão aplicáveis à Lingüística e esta se achará dessarte vinculada a um domínio bem definido no conjunto dos fatos humanos (1977, p. 24). 8.2 A Concepção de Hjelmslev A concepção de signo de Hjelmslev (1975) se prende à tradição saussuriana. A nós parece que juntou concepções e vislumbres que se encontram no Curso de Lingüística Geral, para daí extrair uma doutrina “coesa”. Antes de nos reportarmos ao lingüista dinamarquês, vale a pena citar esta passagem do Curso, em que fica clara a noção de signo como entidade relacional entre duas massas amorfas, a do pensamento e a do som, e se estabelece a referida noção como forma e objeto em Lingüística. O papel característico da língua, frente ao pensamento não é criar um meio fônico material para a expressão das idéias, mas servir de intermediário entre o pensamento e o som, em condições tais que uma união conduza necessariamente a delimitações recíprocas de unidades. O pensamento, caótico por natureza, é forçado a precisar- se ao se decompor. Não há, pois, nem materialização de pensamento, nem espiritualização de sons; trata-se, antes, do fato, de certo modo misterioso, de o “pensamento-som” implicar divisões e de a língua elaborar suas unidades constituindo-se entre duas massas amorfas (1977, p. 131). Como arremate da concepção acima exposta, o autor conclui naturalmente que “a Lingüística trabalha, pois, no terreno limítrofe, onde os elementos das duas ordens se combinam; esta combinação produz uma forma não uma substância” (1977, p. 131) Hjelmslev opera, como ponto de partida, com as seguintes noções: significante/significado; forma/substância. No que diz respeito ao primeiro par, muda a nomenclatura: expressão/conteúdo. Como juntar este par ao outro, forma/substância? Definamos antes o que Hjelmslev entende por substância e forma. A substância incide tanto sobre a expressão quanto sobre o conteúdo. Num caso, é o continuum sonoro, a gama ilimitada de sons, capazes de serem articulados, ainda inespecíficos porque não se distribuem nem se opõem numa dada língua. No outro caso, constitui a realidade extralingüística, tal como percebida ou pensada, ainda sem forma e sem organização no sistema gramatical de uma língua. Em outras palavras, numa perspectiva meramente aproximativa: ainda estamos nos dois pólos extremos do som e do pensamento, matérias amorfas para Ferdinand Saussure. Quando a língua organiza o continuum sonoro, temos a forma da expressão, e, quando organiza o continuum do pensamento e das percepções, temos a forma do conteúdo. Legitima-se assim a fonologia (para o autor, chamada cenemática) e a gramática (para o autor, pleremática). O esquema hjelmsleviano para o signo, em que conjuga, de um lado, as noções de expressão e conteúdo e, de outro, as de forma e substância, é o exposto abaixo (retirado de LOPES, s.d., p. 95). PLANO DO Substância do conteúdo – (SC) (= designatum) CONTEÚDO Forma do Conteúdo – (FC) (= significado) PLANO DA Forma da expressão – (FE) (= significante) EXPRESSÃO Substância da Expressão – (SE) (= som) Hjelmslev sofistica um pouco mais a noção saussuriana de signo com a noção de função, em um sentido próximo do da Matemática. “Uma dependência que preenche as condições de uma análise será denominada função” (1975, p. 39). Dependência e função são termos que se pressupõem. Por exemplo, existe função entre o predicado e o sujeito de uma frase, sendo o primeiro constante, já que aparece sempre para configurar uma oração, e o segundo variável, já que nem sempre ocorre como nas orações sem sujeito. Existe também função entre raízes e afixos, nos mesmos termos em que há função entre sujeito e predicado. Os membros de uma função são functivos. Deste modo, forma da expressão e forma do conteúdo são functivos da função signo. Como a função signo pressupõe uma relação recíproca entre forma da expressão e forma do conteúdo, isto é, uma pressupõe a outra e vice-versa, afirmamos que existe solidariedade nesta função. SIGNO Em alguns outros pontos, Hjelmslev assume posição própria que destoa da de Saussure. Para o lingüista dinamarquês, a forma tem primazia sobre a substância. “A forma é independente da substância, mas a recíproca não é verdadeira: uma forma lingüística pode não se manifestar por uma substância lingüística (caso do morfema zero), mas uma substância lingüística, em contrapartida, manifesta necessariamente uma forma lingüística.” (DUBOIS et al., 1978, s.v. substância). 9 DAS RELAÇÕES ENTRE SIGNOS 9.1 A Perspectiva de Hjelmslev Hjelmslev parte da noção de signo para mostrar os mecanismos de denotação, da conotação e da metalinguagem. Comecemos com a conotação. Esta tem como significante um signo anterior, numa definição um tanto inexata. Dados os objetivos didáticos deste livro, preferimos ilustrar com o quadro abaixo, baseadoem Eco (s.d., p. 89), em vez de definir com rigor o processo citado. significante significado significante significado Eco (s.d.) exemplifica o mecanismo denotação/conotação nestes termos: quando atravesso um cruzamento com semáforo sei que /vermelho/ significa “não-passagem” e /verde/ significa “passagem”. Mas sei também que a ordem de /não-passagem/ significa “obrigação”, enquanto a permissão /passagem/ significa “livre escolha” (posso também não passar). Além disso, sei que /obrigação/ significa “castigo pecuniário”, enquanto a /livre escolha/ significa, digamos, “apressar-se a decidir” (s.d., p. 89). Tudo que foi dito acima pode ser ilustrado por este quadro, extraído de Eco (s.d., p. 90), em que os termos significante e significado correspondem, respectivamente, a expressão e conteúdo. punição ← significante de significante de→ decisão obrigação ← significante de significante de→ livre escolha não vermelho verde passagem passagem S← s S→ s Resumindo: denotação e conotação são termos relativos. Na cadeia de produção interna de significados, podemos ter teoricamente sucessivas denotações e conotações. Isto depende de um ponto de partia. “O primeiro nível de significantes-significados constitui uma semiótica denotativa. O segundo nível é uma semiótica conotativa cujos significantes são signos (significantes + significados) de uma semiótica denotativa. O terceiro nível é uma semiótica conotativa de segunda potência, cujos significantes são signos de uma semiótica que é denotativa em relação em nível mais alto, mas conotativa segundo um nível mais baixo” (ECO, s.d., p. 90). É claro que a parelha denotação/conotação reflete no exemplo e em outros congêneres aquilo que já está codificado na cultura. Por isto, ganha uma dimensão essencialmente descritiva. Hjelmslev também define a noção de metalinguagem. Esta acontece quando, por exemplo, usamos a língua para falar da própria língua, tanto no discurso ordinário, quanto no discurso científico. Também acontece quando um determinado código remete a outro. Em outras palavras, a metalinguagem pode ser resumida conforme o quadro abaixo. significante Significado significante Significado Como vemos, Hjelmslev não se preocupa apenas com o signo enquanto estrutura, mas também enquanto funcionamento interno, de modo a garantir a circulação teoricamente ilimitada de signos. Dava mostras de compreender o espírito do Curso, no qual se esboçava uma nova ciência que daria conta da vida dos signos no seio da vida social, a Semiologia, que difere da Semiótica. A primeira tem inspiração lingüística, enquanto a segunda, fundada por Peirce, se baseia em noções filosóficas. Mas Semiologia e Semiótica dependem da noção de signo, embora com dimensões distintas: o signo semiológico é o signo apenas da cultura, do universo humano; o signo semiótico ultrapassa a cultura e pode ser aplicado ao domínio da natureza. Daí poder falar-se de processos sígnicos na Botânica e na Zoologia. 9.2 A Perspectiva de Eco Eco (1980) tenta agregar a noção de signo de Hjelmslev e a noção de signo de um filósofo, Peirce. Vale-se das noções já referidas de denotação e conotação, bem como de metalinguagem, mas introduz um conceito, o de interpretante, inspirado em Peirce. Percebemos, na obra de Eco, já citada, bem como em outras, uma grandiosa tentativa de conciliar perspectivas filosóficas e perspectivas lingüísticas, de modo a situar-se no limite entre a Semiologia e a Semiótica. Para Eco, o interpretante é um signo de signo. Deste modo, a noção é relativa. Na produção interna do significado, um signo se deixa traduzir por outro signo, que, por sua vez, já exige outro, e assim sucessivamente. Há, assim, uma cadeia de interpretantes, que leva ao processo de semiose ilimitada, que “é a única garantia de um sistema semiótico capaz de explicar-se a si próprio, em seus próprios termos. A soma das várias linguagens seria um sistema auto-explicativo, ou um sistema que se explica por sucessivos sistemas de convenções a se esclarecerem entre si.” (ECO, 1980, p. 58). Não vãos nos deter na noção de interpretante, porque seu domínio vai além do lingüístico. A noção se aplica multiformemente, por exemplo, na tradução de uma linguagem para outra ou até mesmo numa associação emotiva (ex.: o lexema cão se associa à noção de fidelidade). Se pedimos a definição de cadeira e alguém aponta para um objeto que represente o conceito, a indicação sobre o objeto cadeira é interpretante das cadeiras em geral. Em suma, podemos resumir assim, com Rector & Yunes (1980), a doutrina dos interpretantes. O interpretante é um “mediador” – serve de intermediário entre o signo antecedente e o objeto que tem em comum com este último. Pode-se dizer também que todo signo é um interpretante. O signo é atado novamente ao seu objeto por meio de um outro signo que o interpreta. As definições signo, objeto, interpretante são, pois, circulares: para todo signo há um signo antecedente para o qual ele é intérprete, e um signo conseqüente que é seu interpretante. Assim, o termo interpretante é um termo relativo (1980, p. 38). O esquema do que acabamos de afirmar pode ser sintetizado na cadeia abaixo. OBJETO SIGNO INTERPRETANTE (signo antecedente) (interpretante) (signo conseqüente) A teoria dos interpretantes (que não devem ser confundidos com os intérpretes, pois podem existir na ausência destes) leva a concepções arrojadas. É tentador verificar de que modo a doutrina de Hjelmslev sobre conotação e metalinguagem pode-se assujeitar a uma doutrina mais geral dos interpretantes, mas isto é objeto de um trabalho especializado. 10 DAS CONDIÇÕES EXTERNAS PARA O FUNCIONAMENTO DO SIGNO Pelo último esquema apresentado na seção acima, não temos limites para que a cadeia de interpretantes deixe de funcionar incessantemente. No plano estritamente teórico, nenhum interpretante de um objeto é o primeiro ou o último. Na prática, todavia, a semiose deve chegar a um termo, respeitadas as condições externas de tempo e espaço, isto sem falar dos participantes (estamos falando aqui do signo lingüístico). Quando pronunciamos palavras ou frases, devemos primeiro pensar em termos de aceitabilidade e compreensiblidade das mesmas. Tais emissões verbais são utilizadas para referir-se a um estado de coisas no mundo, para afirmar sobre a organização de um dado código, para interrogar ou pedir. Ao mandar ou receber mensagens, emissor e receptor têm individualizadas suas pressuposições e as possíveis conseqüências lógicas das mesmas. Compartilham crenças em variados graus. O receptor não é passivo: não participa apenas de um jogo comunicativo como que em corrente alternada com o emissor. A mensagem produz sobre ele efeitos, pode até modificar em diversos graus seu sistema de crenças sobre o mundo. O ato de recepção não se resume a uma mera decodificação lingüística stricto sensu do conteúdo veiculado pela expressão. O signo, além disso, pressupõe a situação, o entorno, no qual se situam o falante e o ouvinte, de modo que o discurso está circunscrito ao espaço e ao tempo. Neste sentido, a despeito de sujeitar-se a condições gerais de funcionamento, cada emissão discursiva tem seu aqui e seu agora, de modo que se configura como um acontecimento, um evento irrepetível. Como bem sintetiza Eco (1980), que, após tratar do signo numa teoria dos códigos em geral, admite a intervenção do fator extra-sígnico na moldagem do significado do próprio signo. O trabalho desenvolvido para manipular o continuum expressivo, onde produz ocorrências concretas de dadossignificantes, traz como evidência imediata o fato de que existem diversos tipos de signos. Se a teoria dos códigos, no seu esforço de oferecer uma definição unificada da função sígnica, havia voluntariamente obliterado essas diferenças, a teoria da produção sígnica, considerando o trabalho efeito e material necessário para a produção dos significantes, é obrigada a reconhecer que existem diversos modos de produção, decorrentes de um processo tríplice: (i) o processo de MANIPULAÇÃO do continuum expressivo; (ii) o processo de CORREÇÃO da expressão formada por um conteúdo; (iii) o processo de CONEXÃO entre estes signos e eventos reais, coisas ou estados do mundo. Estes três processos estão estreitamente inter-relacionados: uma vez colocado o problema da formação do continuum expressivo, nasce o da sua relação com o conteúdo e com o mundo. Ao mesmo tempo, porém, compreende-se que aqueles que eram comumente chamados de “tipos de signos” não são o resultado claro e inequívoco dessas operações, mas da sua inter-relação complexa (1980, p. 136). Assim entendido, o discurso, contempladas suas condições de produção, é um ato, um trabalho, um trabalho produtivo. É trabalho porque envolve produção de sinal e também porque envolve escolha (tanto dentro do sistema de signos como também entre sistema de signos) dos sinais apropriados para se combinarem uns com os outros. Não basta, pois, uma definição de signo enquanto tal. Tampouco basta a listagem dos diversos signos. Num determinado estádio de investigação, deve- se passar de uma teoria dos códigos para uma teoria da produção do signo. Logicamente, isto se aplica aos signos verbais, uma vez que estamos nos reportando aos signos sociais em geral. Não podemos aqui nos estender nos detalhes da produção de sentido, tendo em vista a variedade de fatores implicados. O objetivo desta secção final é simplesmente indicar que o signo vai além de uma mera estrutura, de um simples funcionamento interno, porque isto implicaria uma cadeia ininterrupta de interpretantes, sem nunca chegar ao interpretante final. Deste modo, o signo não teria uma dimensão social que se define por regras de uso. Exercícios de reflexão 1. Mostre que a relação entre significante e significado, como assevera Saussure, é imotivada. Para tanto investigue sobre isso em manuais especializados de Lingüística. 2. Em que medida as onomatopéias interferem na arbitrariedade do signo lingüístico? Em que medida elas fazem intervir o referente e a cultura na questão da arbitrariedade? 3. Procure verificar se há relação entre mudança e arbitrariedade do signo. Consulte o Curso de Lingüística Geral sobre este assunto. 4. neste capítulo, há duas idéias sobre o signo, que, embora compartilhem traços, diferem em alguns pontos. a) Quais os traços comuns? b) Quais os traços diferenciais? 5. Além da noção de signo, existe a noção de semiose ilimitaa, que garante a estrutura da cadeia de signos e seu funcionamento interno. a) Em que consiste essa semiose? b) Para você, qual noção prevalece como central na produção do sentido: a de signo ou a de semiose? 6. Mostre que a noção de denotação/conotação garante a cadeia de signos na produção de sentido. 7. Relacione denotação/conotação com a noção de interpretante. 8. Na teoria da produção sígnica, são essenciais: os participantes, o tempo e o espaço. a) De que modo os participantes particularizam seus papéis? b) Como o espaço e o tempo condicionam a produção de sentido? Responda com base em situações hipotética, criadas por você. 9. Relacione produção de sentido e trabalho e mostre que a relação entre duas noções confere ao signo sua mais ampla dimensão social. CAPÍTULO IV A SINONÍMIA LÉXICA 11 INTRODUÇÃO Um dos assuntos mais controversos em teoria semântica é a sinonímia, em virtude de uma grande variedade de fatores que interferem no fenômeno, acerca dos quais falaremos oportunamente. Há lingüistas que negam a sinonímia, como Bloomfield (1933). A respeito dela, assevera: “nosso pressuposto fundamental implica que cada forma lingüística tem um significado constante e específico. Se as formas são foneticamente diferentes, supomos que os significados das mesmas também são diferentes” (1933, p. 145) (tradução nossa). Bréal (1992), num capítulo intitulado “A Lei da Repartição”, coloca em dúvida a existência da sinonímia. Bréal chama de repartição “a ordem intencional em virtude da qual as palavras que deveriam ser sinônimas, e que o eram efetivamente, tomaram, entretando sentidos diferentes e não podem mais ser empregadas uma por outra” (1992, p. 33). Afirma o autor, argumentando, que, para o povo, a linguagem se presta à troca de idéias, à expressão dos sentimentos, à discussão dos interesses e, por isso, ele se recusa a aceitar uma sinonímia que seria inútil e perigosa. Ou os termos sinônimos se diferenciam ou um deles desaparece. Vários fatores interferem na não-existência da sinonímia. Um deles: quando duas línguas, ou mesmo dois dialetos, entram em contato, opera-se um trabalho de classificação que consiste em atribuir valores às expressões sinônimas. Se um idioma é considerado superior ou inferior, seus termos podem aumentar de prestígio ou ficar desprestigiados. Na Bretanha, por exemplo, segundo Bréal, os jardins eram denominados courtils. Uma vez conhecida a palavra jardin, um sentimento de desprezo ligou-se à denominação rústica. A influência das ciências, da filosofia e da literatura pode também ser decisiva. Por exemplo: Platão, no domínio filosófico, sentiu necessidade de distinguir dois termos que antes eram sinônimos: archai (dos princípios) e os stoicheia (os elementos: fogo, terra, ar). Outro fator a ser considerado é a evolução conceitual na psicologia dos povos. Um exemplo é a raiz man, que parece ter servido no princípio para denominar as operações mentais em sua totalidade, o pensamento ou a paixão. Com o passar do tempo, estabeleceram-se distinções, em nível verbal, entre as duas citadas operações. Além dos autores que negam a sinonímia, há aqueles que, como Perini (1995), mostram descrença quanto a uma definição precisa do fenômeno. Para Perini, “a noção de sinonímia permanece intuitiva e bastante nebulosa” (1995, p. 249). Afirma o autor que os chamados dicionários de sinônimos apresentam na verdade palavras de significados muito próximos, sendo, de fato, dicionários de idéias afins. O autor tenta estabelecer um critério para a sinonímia, com base no conceito de implicação mútua: dadas duas palavras A e B, se A implica B e B implica A, haveria sinonímia. Contra-argumenta com duas palavras, costume e hábito, cujos significados se implicam reciprocamente. Todavia, a língua impõe restrições de emprego a uma e outra. Por exemplo: é lícito falar de usos e costumes da nossa tribo, mas não usos e hábitos da nossa tribo. No entanto, apesar de todas as objeções supra contra a existência da sinonímia, existem autores que optam por enfoque menos radical sobre o assunto, embora admitam que são muitos os fatores interferentes, que limitam a sinonímia e põem em xeque o fenômeno enquanto pura identidade de significados. Vejamos algumas destas posições. 12 A SINONÍMIA NA PERSPECTIVA DE ULLMANN Ullmann (s.d.) reconhece que há uma grande dose de verdade nas afirmações contrárias à possibilidade de uma completa sinonímia. Admite, porém, que não é verdade absoluta. Exemplifica com a linguagem técnica. Dá como exemplos os termos da Fonética espirantes e fricativas, que o mesmo autor pode usar indiferentemente. Ilustra também com os termos da Lingüística: semântica e semasiologia, e da Medicina: cecitus e typhlites (inflamação do intestino cego). Em alemão, temos:
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