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por trás dessas inúmeras conversas, primeiro em Westerham e depois em sua casa na rua St. James. Para mim, ele era uma companhia de fácil trato e convívio. Fiquei contente por conhecê-lo. Mas não notei nada de especial, nada de familiar ou significativo a seu respeito. Tal como Celendine Kennington alguns anos antes, Janet dedicou-se a intenso trabalho de proselitismo, acabando por me levar a visitar Francis Roles na rua Wimpole. Lá, fui inscrita num pequeno grupo de principiantes, à tarde. Não podia comparecer a sessões noturnas, pois minha filha ainda estava na escola diurna e eu tinha de voltar para casa, em Kent, para cuidar dela. A primeira pergunta que Francis Roles me fez foi: "O que você deseja?" Aparentemente, esta era uma abertura padronizada, funcionando como 'gancho' para darem informações aos aspirantes aos crescentes círculos fechados do ensinamento esotérico. Após um breve momento, respondi: "Voltar para o lugar de onde vim. Voltar para Deus". Aparentemente, a tendência das pessoas era dar respostas que iam de "quero ser perfeito", "atingir a unidade", "ajudar no processo evolutivo", "entender Deus", "compreender-me melhor" a "saber do que se trata" e uma série de outras. Focalizando a atenção do indivíduo em seus próprios desejos, suas próprias necessidades, Francis fazia com que todos se dedicassem a disciplinas e exercícios de observação. O drástico exercício de 'pare' tinha sido abandonado, mas houve uma ênfase na técnica da 'auto-recordação'. Para praticá-la, o estudante havia, tantas vezes ao dia quanto pudesse, tomar consciência de si mesmo no momento e lugar em que se encontrasse; de sua postura, seus pés sobre o chão, a sensação de suas roupas sobre o corpo, as pessoas e objetos à sua volta; e usar seus sentidos ao máximo para registrar tudo o que visse, ouvisse, cheirasse, saboreasse ou tocasse naquele momento. Apesar disso parecer relativamente fácil, logo se percebe que é um estado que não pode, como regra geral, ser mantido por mais do que um ou dois minutos. A vigilância relaxa logo a seguir, pois alguma coisa — uma palavra, um som, um móvel — chama a atenção e a pessoa se 'identifica' com aquela coisa e só percebe as outras coisas de modo marginal. Ouspensky recordava que, certa vez, decidira ''lembrar-se de si mesmo" enquanto caminhava pela avenida Nevsky, em Moscou, enquanto trabalhava com Gurdjieff. Ele estava em estado de alerta, observando os cavalos e carruagens, os pedestres e os edifícios de ambos os lados da rua. Uma hora ou duas depois, ele "acordou" novamente, "lembrando-se de si mesmo", de volta a seu apartamento. Nesse ínterim, entrara em contato com a tabacaria e encomendara seus cigarros especiais, foi até uma papelaria e comprou canetas e fez mais alguns trajetos de rotina, tudo no estado de 'sono acordado', no qual a maior parte das atividades diárias das pessoas comuns é levada a cabo. O estado de 'sono acordado' ou 'identificação', no qual a maioria das pessoas realizam seu trabalho cotidiano, identifica o baixo nível de consciência dos indivíduos em geral, o que, por sua vez, reflete-se no baixo nível da ordem e propósito ou unidade de um país ou do mundo. Tommy Steele, que esteve em Moscou na época de sua juventude do rock, comentou que todos os cidadãos "davam a impressão de estarem correndo até a loja Woolworths para comprar latas de tinta ou alguma coisa assim, e de que tudo o que conseguiam pensar era 'Woolworths-tinta' ". Naturalmente, pode-se dizer o mesmo de Londres ou de qualquer cidade. Cada pessoa está encerrada em seus próprios problemas e idéias individuais, e se devota a seus propósitos imediatos. Gostei do exercício de auto-recordação. Sendo uma pessoa naturalmente observadora, provavelmente como resultado de minha formação jornalística, achei relativamente fácil manter-me assim por alguns minutos. Após certo tempo, também fiquei consciente de estar sendo mais observadora, como regra geral, do que muitas das pessoas naquele agradável e sortido grupo, que me surpreenderam por não serem capazes de lembrar o que comeram no almoço naquele dia, a posição exata onde estacionaram o carro ou o caminho que traçavam quando iam trabalhar. Logo ficou aparente para mim que não bastava a técnica da 'voz interior', a 'escuta de Deus', para descobrirmos quem éramos na realidade, e o que estávamos fazendo; precisávamos cultivar o mundo à nossa volta através do uso pleno e constante dos sentidos. Certa vez, sentada à mesa no refeitório da escola, época em que cursava a sexta série, adolescente magra e de pernas compridas, enquanto nós, garotas, discutíamos nossa filosofia juvenil, tive uma súbita e pequena experiência de ápice, o que me fez dizer: — Bem, há duas maneiras diferentes para fazermos isso. Uma é agir como as freiras, caminhando de cabeça baixa e mãos dentro das mangas, sem olhar para ninguém, sem tocar nada, sempre procurando por Deus em algum lugar interior. A outra consiste em andarmos por aí de cabeça para cima, olhando para tudo, envolvendo-nos, e... e amor e sexo e essas coisas, querendo realmente fazer parte do mundo, pois Deus é tudo isso também. Ao subir pelo elevador do prédio da rua Wimpole até o apartamento onde o dr. Roles dava seus cursos diurnos, logo acima de seu consultório, lembrei-me certa tarde daquele momento, subitamente, com a abertura de um novo canal de compreensão. Por meio de experiências como 'escutando Deus' e auto-recordação e da lembrança daquele incidente, fatos separados pela época da guerra e por tragédias pessoais e particulares, captei a natureza das duas modalidades do Criador. Deus imanente e Deus transcendente tornaram-se, de repente, compreensíveis para mim. Apesar das regras e restrições, consegui me manter em contato com Rodney e Janet, e permanecer no grupo do dr. Roles também, durante um bom tempo. Logo descobri que, apesar de ele ter herdado um ensinamento muito interessante e antigo, este ia ficando disperso a cada nova liderança. Os presentes seguidores, apesar de seu número crescente (Francis Roles tinha uns 200 alunos quando estive com ele, e afirmava ter chegado a mais de mil, mais tarde), demonstravam, em sua maioria, mediocridade sem inspiração. Eram, principalmente, profissionais liberais, muitos de meia-idade, e, diferentemente do Movimento de Rearmamento Moral, raramente jovens espertos e animados eram admitidos. Na verdade, a natureza fechada das atividades da Obra significava que os forasteiros de todo tipo eram vistos com certa dose de suspeita. ''Levar alguém para a Obra'' era considerado uma atividade para especialistas e de proporções geralmente indesejáveis. As pessoas da Obra tinham aprendido, na terminologia de Gurdjieff, que não podiam "fazer". Isto é, que tudo simplesmente acontecia com elas, pois viviam inteiramente sob a lei do acaso, e só pelo desmantelamento positivo de suas 'falsas personalidades' é que poderiam começar a crescer. Para isto, deveriam se entregar totalmente a seu novo mestre, obedecendo a seus caprichos e desejos com humildade, sem questionar seus motivos ou suas leis. Não havia mais a atitude liberal de Ouspensky, com seu "não acreditem no que digo, descubram por si mesmos". Tampouco havia a implacável e vigorosa autoridade de Gurdjieff, que entendia claramente muitas coisas acima do nível humano normal de compreensão da vida. Em vez disso, estava se formando um despotismo gratuito. Roles estava, portanto, atraindo aqueles que queriam