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Convite à Filosofia 
De Marilena Chaui 
Ed. Ática, São Paulo, 2000. 
Unidade 5 
A lógica 
Capítulo 1 
O nascimento da lógica 
É lógico! 
“É lógico que eu vou!”, “É lógico que ela disse isso!”. Quando dizemos frases como essas, 
a expressão “é lógico que” indica, para nós e para a pessoa com quem estamos falando, 
que se trata de alguma coisa evidente. A expressão aparece como se fosse a conclusão 
de um raciocínio implícito, compartilhado pelos interlocutores do discurso. Ao dizer “É 
lógico que eu vou!”, estou supondo que quem me ouve sabe, sem que isso seja dito 
explicitamente, que também estou afirmando: “Você me conhece, sabe o que penso, 
gosto ou quero, sabe o que vai acontecer no lugar x e na hora y e, portanto, não há 
dúvida de que irei até lá”. 
Ao dizer “É lógico que ela disse isso!”, a situação é semelhante. A expressão seria a 
conclusão de algo que eu e a outra pessoa sabemos, como se eu estivesse dizendo: 
“Sabendo quem ela é, o que pensa, gosta, quer, o que costuma dizer e fazer, e vendo o 
que está acontecendo agora, concluo que é evidente que ela disse isso, pois era de se 
esperar que ela o dissesse”. 
Nesses casos, estamos tirando uma conclusão que nos parece óbvia, e dizer “é lógico 
que” seria o mesmo que dizer: “é claro que” ou “não há dúvida de que”. 
Em certas ocasiões, ouvimos, lemos, vemos alguma coisa e nossa reação é dizer: “Não. 
Não pode ser assim. Isso não tem lógica!”. Ou, então: “Isso não é lógico!”. Essas duas 
expressões indicam uma situação oposta às anteriores, ou seja, agora uma conclusão foi 
tirada por alguém, mas o que já sabemos (de uma pessoa, de um fato, de uma idéia, de 
um livro) nos faz julgar que a conclusão é indevida, está errada, deveria ser outra. É 
possível, também, que as duas expressões estejam indicando que o conhecimento que 
possuímos sobre alguma coisa, sobre alguém ou sobre um fato não é suficiente para 
compreendermos o que estamos ouvindo, vendo, lendo e por isso nos parece “não ter 
lógica”. 
Nesses vários exemplos, podemos perceber que as palavras lógica e lógico são usadas 
por nós para significar: 
1. ou uma inferência: visto que conheço x, disso posso concluir y como conseqüência; 
2. ou a exigência de coerência: visto que x é assim, então é preciso que y seja assim; 
3. ou a exigência de que não haja contradição entre o que sabemos de x e a conclusão y 
a que chegamos; 
4. ou a exigência de que, para entender a conclusão y, precisamos saber o suficiente 
sobre x para conhecer por que se chegou a y. 
Inferência, coerência, conclusão sem contradições, conclusão a partir de conhecimentos 
suficientes são algumas noções implicitamente pressupostas por nós toda vez que 
afirmamos que algo é lógico ou ilógico. 
Ao usarmos as palavras lógica e lógico estamos participando de uma tradição de 
pensamento que se origina da Filosofia grega, quando a palavra logos – significando 
linguagem-discurso e pensamento-conhecimento – conduziu os filósofos a indagar se o 
logos obedecia ou não a regras, possuía ou não normas, princípios e critérios para seu 
uso e funcionamento. A disciplina filosófica que se ocupa com essas questões chama-se 
lógica. 
O aparecimento da lógica: Heráclito e Parmênides 
Quando estudamos o nascimento da Filosofia, vimos que os primeiros filósofos se 
preocupavam com a origem, a transformação e o desaparecimento de todos os seres. 
Preocupavam-se com o devir. Duas grandes tendências adotaram posições opostas a 
esse respeito, na época do surgimento da Filosofia: a do filósofo Heráclito de Éfeso e a do 
filósofo Parmênides de Eléia. 
Heráclito afirmava que somente o devir ou a mudança é real. O dia se torna noite, o 
inverno se torna primavera, esta se torna verão, o úmido seca, o seco umedece, o frio 
esquenta, o quente esfria, o grande diminui, o pequeno cresce, o doente ganha saúde, a 
treva se faz luz, esta se transforma naquela, a vida cede lugar à morte, esta dá origem 
àquela. 
O mundo, dizia Heráclito, é um fluxo perpétuo onde nada permanece idêntico a si 
mesmo, mas tudo se transforma no seu contrário. A luta é a harmonia dos contrários, 
responsável pela ordem racional do universo. Nossa experiência sensorial percebe o 
mundo como se tudo fosse estável e permanente, mas o pensamento sabe que nada 
permanece, tudo se torna contrário de si mesmo. O logos é a mudança e a contradição. 
Parmênides, porém, afirmava que o devir, o fluxo dos contrários, é uma aparência, 
mera opinião que formamos porque confundimos a realidade com as nossas sensações, 
percepções e lembranças. O devir dos contrários é uma linguagem ilusória, não existe, é 
irreal, não é. É o Não-Ser, o nada, impensável e indizível. O que existe real e 
verdadeiramente é o que não muda nunca, o que não se torna oposto a si mesmo, mas 
permanece sempre idêntico a si mesmo, sem contrariedades internas. É o Ser. 
Pensar e dizer só são possíveis se as coisas que pensamos e dizemos guardarem a 
identidade, forem permanentes. Só podemos dizer e pensar aquilo que é sempre idêntico 
a si mesmo. Por isso somente o Ser pode ser pensado e dito. Nossos sentidos nos dão a 
aparência mutável e contraditória, o Não-Ser; somente o pensamento puro pode alcançar 
e conhecer aquilo que é ou existe realmente, o Ser, e dizê-lo em sua verdade. O logos é 
o ser como pensamento e linguagem verdadeiros e, portanto, a verdade é a afirmação da 
permanência contra a mudança, da identidade contra a contradição dos opostos. 
Assim, Heráclito afirmava que a verdade e o logos são a mudança das coisas nos seus 
contrários, enquanto Parmênides afirmava que são a identidade do Ser imutável, oposto 
à aparência sensível da luta dos contrários. Parmênides introduz a idéia de que o que é 
contrário a si mesmo, ou se torna o contrário do que era, não pode ser (existir), não 
pode ser pensado nem dito porque é contraditório, e a contradição é o impensável e o 
indizível, uma vez que uma coisa que se torne oposta de si mesma destrói-se a si 
mesma, torna-se nada. Para Heráclito, a contradição é a lei racional da realidade; para 
Parmênides, a identidade é essa lei racional. 
A história da Filosofia grega será a história de um gigantesco esforço para encontrar uma 
solução para o problema posto por Heráclito e Parmênides, pois, se o primeiro tiver 
razão, o pensamento deverá ser um fluxo perpétuo e a verdade será a perpétua 
contradição dos seres em mudança contínua; mas se Parmênides tiver razão, o mundo 
em que vivemos não terá sentido, não poderá ser conhecido, será uma aparência 
impensável e viveremos na ilusão. 
Será preciso, portanto, uma solução que prove que a mudança e os contrários existem e 
podem ser pensados, mas, ao mesmo tempo, que prove que a identidade ou 
permanência dos seres também existe, é verdadeira e pode ser pensada. Como 
encontrar essa solução? 
O aparecimento da lógica: Platão e Aristóteles 
No momento de seu apogeu, isto é, de Platão e de Aristóteles, a Filosofia oferecerá as 
duas soluções mais importantes para o problema da contradição-mudança e identidade-
permanência dos seres. Não vamos, aqui, falar dessas duas filosofias, mas destacar um 
aspecto de cada uma delas relacionado com o nosso assunto, isto é, com o surgimento 
da lógica. 
Platão considerou que Heráclito tinha razão no que se refere ao mundo material ou físico, 
isto é, ao mundo dos seres corporais, pois a matéria é o que está sujeito a mudanças 
contínuas e a oposições internas. Heráclito está certo no que diz respeito ao mundo de 
nossas sensações, percepções e opiniões: o mundo natural ou material (que Platão 
chama de mundo sensível) é o devir permanente. 
No entanto, dizia Platão, esse mundo é uma aparência (é o mundo dos prisioneiros da 
caverna), é uma cópia ou sombra do mundo verdadeiro e reale, nesse, Parmênides é 
quem tem razão. O mundo verdadeiro é o das essências imutáveis (que Platão chama 
de mundo inteligível), sem contradições nem oposições, sem transformação, onde 
nenhum ser passa para o seu contraditório. Mas como conhecer as essências e 
abandonar as aparências? Como sair da caverna? Através de um método do pensamento 
e da linguagem chamado dialética. 
Em grego, a palavra dia quer dizer dois, duplo; o sufixo lética deriva-se de logos e do 
verbo legin (cujo sentido estudamos nos capítulos dedicados à linguagem e ao 
pensamento). A dialética, como já vimos, é um diálogo ou uma conversa em que os 
interlocutores possuem opiniões opostas sobre alguma coisa e devem discutir ou 
argumentar de modo a passar das opiniões contrárias à mesma idéia ou ao mesmo 
pensamento sobre aquilo que conversam. Devem passar de imagens contraditórias a 
conceitos idênticos para todos os pensantes. 
A dialética platônica é um procedimento intelectual e lingüístico que parte de alguma 
coisa que deve ser separada ou dividida em dois ou duas partes contrárias ou opostas, 
de modo que se conheça sua contradição e se possa determinar qual dos contrários é 
verdadeiro e qual é falso. A cada divisão surge um par de contrários, que devem ser 
separados e novamente divididos, até que se chegue a um termo indivisível, isto é, não 
formado por nenhuma oposição ou contradição e que será a idéia verdadeira ou a 
essência da coisa investigada. Partindo de sensações, imagens, opiniões contraditórias 
sobre alguma coisa, a dialética vai separando os opostos em pares, mostrando que um 
dos termos é aparência e ilusão e o outro, verdadeiro ou essência. 
A dialética é um debate, uma discussão, um diálogo entre opiniões contrárias e 
contraditórias para que o pensamento e a linguagem passem da contradição entre as 
aparências à identidade de uma essência. Superar os contraditórios e chegar ao que é 
sempre idêntico a si mesmo é a tarefa da discussão dialética, que revela o mundo 
sensível como heraclitiano (a luta dos contrários, a mudança incessante) e o mundo 
inteligível como parmenidiano (a identidade perene de cada idéia consigo mesma). 
Aristóteles, por sua vez, segue uma via diferente da escolhida por Platão. 
Considera desnecessário separar realidade e aparência em dois mundos diferentes – há 
um único mundo no qual existem essências e aparências – e não aceita que a mudança 
ou o devir seja mera aparência ilusória. Há seres cuja essência é mudar e há seres cuja 
essência é imutável. O erro de Heráclito foi supor que a mudança se realiza sob a forma 
da contradição, isto é, que as coisas se transformam nos seus opostos, pois a mudança 
ou transformação é a maneira pela qual as coisas realizam todas as potencialidades 
contidas em suas essência e esta não é contraditória, mas uma identidade que o 
pensamento pode conhecer. 
Assim, por exemplo, quando a criança se torna adulta ou quando a semente se torna 
árvore, nenhuma delas tornou-se contrária a si mesma, mas desenvolveu uma 
potencialidade definida pela identidade própria de sua essência. Cabe à Filosofia conhecer 
como e por que as coisas, sem mudarem de essência, transformam-se, assim como cabe 
à Filosofia conhecer como e por que há seres imutáveis (como as entidades matemáticas 
e as divinas). Parmênides tem razão: o pensamento e a linguagem exigem a identidade. 
Heráclito tem razão: as coisas mudam. Ambos se enganaram ao supor que identidade e 
mudança são contraditórias. Tal engano levou Platão à desnecessária divisão dos 
mundos. 
Em segundo lugar, Aristóteles considera que a dialética não é um procedimento seguro 
para o pensamento e a linguagem da Filosofia e da ciência, pois tem como ponto de 
partida simples opiniões contrárias dos debatedores, e a escolha de uma opinião contra 
outra não garante chegar à essência da coisa investigada. A dialética, diz Aristóteles, é 
boa para as disputas oratórias da política e do teatro, para a retórica, pois esta tem 
como finalidade persuadir alguém, oferecendo argumentos fortes que convençam o 
oponente e os ouvintes. É adequada para os assuntos sobre os quais só cabe a 
persuasão, mas não para a Filosofia e a ciência, porque, nestas, interessa a 
demonstração e a prova de uma verdade. 
Substituindo a dialética por um conjunto de procedimentos de demonstração e prova, 
Aristóteles criou a lógica propriamente dita, que ele chamava de analítica (a palavra 
lógica será empregada, séculos mais tarde, pelos estóicos e Alexandre de Afrodísia). 
Qual a diferença entre a dialética platônica e a lógica (ou analítica) aristotélica? 
Em primeiro lugar, a dialética platônica é o exercício direto do pensamento e da 
linguagem, um modo de pensar que opera com os conteúdos do pensamento e do 
discurso. A lógica aristotélica é um instrumento que antecede o exercício do pensamento 
e da linguagem, oferecendo-lhes meios para realizar o conhecimento e o discurso. Para 
Platão, a dialética é um modo de conhecer. Para Aristóteles, a lógica (ou analítica) é 
um instrumento para o conhecer. 
Em segundo lugar, a dialética platônica é uma atividade intelectual destinada a trabalhar 
contrários e contradições para superá-los, chegando à identidade da essência ou da idéia 
imutável. Depurando e purificando as opiniões contrárias, a dialética platônica chega à 
verdade do que é idêntico e o mesmo para todas as inteligências. A lógica aristotélica 
oferece procedimentos que devem ser empregados naqueles raciocínios que se referem a 
todas as coisas das quais possamos ter um conhecimento universal e necessário, e seu 
ponto de partida não são opiniões contrárias, mas princípios, regras e leis necessárias e 
universais do pensamento.

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