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Texto Produtor & Gestor - Flavio Aniceto

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O Produtor como gestor cultural: mas o gestor é um produtor? 
 
Flavio Aniceto
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Dia destes, participando de uma mesa em Nova Iguaçu (2ª Conferência Municipal de Cultura do 
município), o tema proposto foi “Lugar de artista é no governo?”, sobrando para mim o “papel chato” da 
mesa: disse que não! Na verdade, respondi caetanovelosamente, sim/não. Mas longe de posição dúbia ou 
vacilante, parti de uma idéia clara, ali defendida e que aqui utilizarei como base para esta reflexão. 
Em princípio, e talvez óbvio, lugar de artista é no seu estúdio, escola, laboratório, teatro, sala de 
concerto, enfim, em todo espaço no qual ele possa se dedicar a pesquisa de linguagem, reflexão, estudo 
técnico e, sobretudo, criação. Nada disso exclui a possibilidade do “cenário” da ação pública ser área de 
“representação” e fazer artístico. Temos o ministro Gilberto Gil como um exemplo positivo de integração 
entre o pensar/criar artístico e o gerir/fazer. Assim como tivemos desastrosos exemplos de artistas péssimos 
gestores ou que, como Ipojuca Pontes no governo Collor, se prestaram aos piores papéis. 
Mas o artista dublê de gestor tem que, de um lado, vestir a sua capa de mágico (o artista circense e 
criativo), mas também se despir desta e utilizar da cartola, não totalmente mágica, mas de soluções para a 
gestão. E vamos entrar na conversa. 
A partir da mesa-provocação em Nova Iguaçu, podemos refletir sobre outra face deste problema, e 
daí o título desta comunicação: o produtor cultural contemporâneo deve ter o aspecto gerencial e a 
capacidade ampla de entender o processo cultural (visão estratégica e tática), sendo mais que um 
“preenchedor” de formulários, um profissional pleno e consciente de sua função. No entanto, e aqui 
aproximo de minha “tese iguaçuana”, o gestor público de cultura não precisa necessariamente ser um 
produtor (e/ou artista). Não é excluir esta possibilidade, mas é afirmar que, para ser um bom tocador de 
políticas culturais, tem que ser alguém com domínio do processo, sensibilidade e capacidade cognitiva e de 
formulação. Atributos que boa parte dos artistas têm, mas não todos, e ainda assim estes seriam apenas 
alguns critérios. Vamos destrinchar isso? 
O estado da arte: seja qual for a origem do responsável pela implementação da política pública de 
cultura, seja nos níveis federal, estaduais ou, mais próximo do nosso caso, municipais, este elemento deve 
ser um gestor. Não vamos convocar os manuais de “auto-ajuda” administrativa que povoam os cursos de 
MBA e fórmulas sacramentadas como eficazes para isto. Longe de diminuir a importância da academia, 
mas aqui partimos da concepção de um gestor que consiga articular os saberes à prática. A própria idéia 
base deste Seminário Permanente da COMCULTURA, de que ora participamos, foi um esforço 
concentrado de “gestores práticos” em articular ao seu fazer/saber tradicional os elementos teóricos e a 
reflexão que o ambiente acadêmico opera. A minha própria trajetória pessoal como produtor parte desta 
tensão; antes de entrar na universidade já tinha mais de dez anos de pedras e tropeços na profissão, e a 
academia veio organizar (e também desorganizar) informações que tinha. 
O produtor deve ser gestor. O que isto significa? Primeiro: vamos sepultar a velha e recorrente idéia 
do produtor como empresário cultural. Em outro debate sobre trabalhadores da cultura, um velho 
acadêmico e provocador disse que produtor era o mesmo que proxeneta. Súbitos protestos: os que sabiam o 
que significava – meu caso – protestaram pela ofensa, e os que não sabiam, o fizeram por terem como certo 
que sendo palavra feia e caduca, significaria algum agravo ou palavrão. Quando esta sentença foi proferida, 
o (talvez justo) preconceito latente mostrava uma ignorância com o contexto atual, mas também um reflexo 
do passado recente. 
O produtor cultural ainda é visto como um empresário que tanto pode ser uma babá de luxo de 
artistas como – ao mesmo tempo – um usurpador, déspota e explorador daqueles que são puros e raros (os 
artistas). Se diversos casos na historiografia cultural brasileira e mundial corroboram esta tese, é fato 
também que não é para isso que nós, os produtores, existimos. Mudou a profissão, mudaram os artistas e as 
próprias atividades de criação e produção nos ambientes culturais. 
 
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 Flavio Aniceto, produtor cultural e coordenador do Centro Popular de Cultura Aracy de Almeida, formado em Produção e 
Marketing Cultural – Universidade Candido Mendes, mesma instituição onde cursa Bacharelado em Produção e Política Cultural 
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O advento das leis de incentivo à Cultura, iniciado em 02 de julho de 1986, com a Lei nº 7.505, a 
“Lei Sarney”, depois revogada e substituída pela Lei º 8.313, de 23 de dezembro de 1991, a famosa e 
decantada “Lei Rouanet”, é talvez o fato histórico que opera a grande virada neste modelo de 
pensar/produzir/criar/gerir a nossa cultura. 
Com as leis federais, estaduais e municipais, além dos sucessivos ciclos depressivos na economia 
“pré-capitalista” brasileira, o velho produtor-empresário, responsável pelo bem estar geral das verdadeiras 
nações que eram os grupos e companhias teatrais, gigantescas bandas de músicos, etc. perdeu terreno. Com 
os “Free Jazz” da vida, entram em cena jovens bem nascidos, ex-exilados políticos e novos atores no 
processo. São “especialistas” na nova forma de fazer cultural, a quem leis vieram atender. 
Não mais os caderninhos de contatos e telefonemas. Na verdade, seriam úteis, claro, mas os 
contatos focaram-se primordialmente nos diretores de empresas estatais e públicas e especialmente os 
diretores de marketing destas. Não que a influência política e social seja uma novidade. Ninguém seria 
ingênuo em achar que os diretores de teatro e empresários que organizavam os grandes musicais e revistas 
da Praça Tiradentes não se utilizavam de toda sorte de recursos e contatos. Escusos inclusive. Mas com as 
leis, os “proxenetas de plantão” passam também a serem os que sabem decodificar e “adaptar” os projetos, 
espetáculos, etc. nos rigores dos formulários e editais das leis para projetos incentivados. A criatividade é 
tolhida pelos campos a serem preenchidos e não mais se adapta Lima Barreto, por exemplo. Agora, este 
tem que ser adaptado aos interesses do “mercado”. Os diretores de marketing tornam-se tão ou mais 
influentes no processo que muitos secretários e técnicos de cultura nos três níveis de governo. 
Para dar conta das novas necessidades, pulularam cursos que ensinavam estas mágicas, em uma 
correria de adequação e mesmo de mudança da forma de vida dos profissionais. Como pessoas que há 
anos, décadas em alguns casos, tinham um determinado fazer profissional perdem terreno para uma 
garotada com seus computadores e novos meios tecnológicos ávidos para ocuparem seus espaços? 
Conciliações houveram, acordos tácitos e claro, com ressentimentos mútuos, mas aos poucos tudo se 
ajeitou. E a academia, sempre atenta, captou este negócio. Aqui no RJ, surgem os primeiros cursos nesta 
área, UFF, depois as privadas – Estácio, Candido Mendes, CEFET, etc. 
Mas, infelizmente, se por um lado naquele momento estávamos (e estamos) distantes do produtor 
como misto de empresário, guarda-costas, babá e mesmo mecenas, temos um exagero na questão tecnicista 
deste novo produtor. Basta entender de leis, formulários e da famigerada “captação de recursos” para que 
tudo esteja resolvido? Possivelmente não. A partir disto, a poesia e o romantismo de outrora davam lugar a 
correria e frieza típicas da pós-modernidade. Claro que exagero nessa afirmação, mas descontando um 
pouco, a provocação é valida. 
Quando apresento a idéia do produtorcultural como gestor, parto da minha experiência profissional. 
Sou um jovem produtor e nasci para a profissão, pós-leis, oscilando minhas criações e projetos em diálogo 
e oposição a este processo. Muito pelas particularidades dos assuntos com os quais lido na produção 
(memória, música popular “da antiga”, etc.) fui atuando com pouco ou nenhum apoio das empresas 
tradicionais de patrocínio. Este fato me colocou no caminho de alternativas, criando mercado nas áreas 
sindicais (organizando projetos corporativos em entidades classistas) e precisando ser este produtor/gestor. 
Foi necessário mais que entender os mecanismos de produção e interferir nos mesmos. E dentro 
deste quadro, como parte de minha geração, fui/fomos lançados no mar bravio de participar dos fóruns nos 
quais a própria profissão e seus mecanismos de financiamento eram/são colocados em pauta e sobretudo, 
em cheque. Por isto, a concepção de gestor aqui colocada defende um profissional que, sendo especialista 
em organizar o processo de criação, distribuição e circulação de bens e produtos culturais, o fará em 
sentido amplo. Se antecipa aos fatos, interfere nos rumos da profissão e no conjunto de políticas que o 
incluirá ou excluirá do mercado, e mais que isso, ajude a definir e criar mercados. 
E mesmo sobre o fazer artístico, não adianta saber preencher formulários e ter contatos, se o 
produtor é incapaz de entender de arte e criação. Se sabemos que nos porões da burocracia estatal ou nos 
frios andares altos das empresas patrocinadoras encontraremos quem peça a autorização de Kafka! para 
dar um parecer ou patrocínio cultural, encontramos também produtores que não sabem sequer o “motivo de 
tanta polêmica em torno desta tal de Capitu”. Sinais dos tempos. Vivemos a era na qual o excesso de 
informação nos trouxe também o saber fast-food. “Nunca antes na história cultural deste país” tivemos 
tantos almanaques, resumos, livros de propaganda e explicação, que tentam simplificar o conhecimento, 
mas acabam necrosando e embotando o saber. É o “Valor das Idéias” que um banco (aliás patrocinador 
cultural de peso) propagandeia. 
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Infelizmente, encontraremos produtores culturais que inacreditavelmente não gostam de cultura. Só 
isso justifica o desleixo com o qual alguns projetos são apresentados. Há pouco tempo atrás, Olivia 
Byington, cantora e compositora que pauta sua carreira nas regras da arte e não da mídia, declarou estar 
exausta, pois tudo agora se resume a “ter um projeto”. Ela tem razão, e muitas vezes, quem tem “um 
projeto” não tem Projeto (de vida, visão de mundo, estético, ideológico e sobretudo cultural). Se não somos 
proxenetas, nem babás de adultos exóticos (os artistas), somos outra coisa. A nossa profissão está aí em 
processo de constituição, e neste contexto cabem interpretações e variadas formas e fôrmas. O produtor 
como gestor é aquele que tem conhecimentos gerais, que o possibilitem gerir, administrar, mas sobretudo 
investigar, instigar e provocar. 
Atributos e qualidades que podemos transpor ao ocuparmos postos chaves nas políticas culturais. 
Sejamos produtores ou artistas, conforme defendi em Nova Iguaçu e o farei sempre que perguntado. Outro 
resultado da angústia que este excesso de tecnocratas da cultura fez foi uma exagerada reação dos artistas e 
produtores excluídos. Como no rock de um longínquo grupo Ultraje a Rigor: “agora nós vamos invadir sua 
praia”. Após a “exclusão da arte” no mercado cultural, os artistas com as suas inquietações e questões 
tomariam de assalto os mecanismos de ação cultural. 
Um erro não pode derivar outros. Artistas, produtores, administradores, acadêmicos, seja qual for a 
origem do gestor cultural, este tem que ter um pressuposto básico: política pública é para atender o cidadão 
(o público alvo dos governos e que constitui a tal “sociedade”). E, neste sentido, tem que pugnar por regras 
claras, públicas, democráticas e democratizantes. 
Se a crítica aos diretores de marketing das empresas estatais e privadas como os que decidem o que 
irá ser apresentado ao público é correta, não faremos o mesmo. Os artistas e produtores, ao assumirem 
funções públicas, não podem deixar que suas concepções estéticas, e sobretudos suas vinculações com as 
áreas de expressão artística, interfiram no processo cultural. Ninguém espera que um artista ou produtor vá 
ignorar seus conhecimentos e experiências, mas todo cuidado é pouco. É desta provocação que se dá a 
segunda questão de nosso título: o gestor é um produtor? Deve ser um produtor? 
Aqui ampliaremos a questão: o gestor cultural, de um espaço ou da máquina pública, seja ele artista 
ou produtor cultural, deve ser também criador? Evidentemente que um gestor deve ser criativo, afinal a 
área cultural é sempre a mais desprotegida e contemplada pelo conjunto do governo. Mas desta tensão não 
pode nascer uma idéia e prática na qual a gestão cultural seja palco de experimentações artísticas nascidas 
não na esfera pública, mas nas inquietações e concepções do artista/produtor e de seu grupo mais imediato. 
Finalmente, esta comunicação, assim como todas as nossas ações, vem bater em uma tecla: a cultura 
não é a cereja do bolo. Com isto todos concordam. E para ter gestão temos que ter recursos, daí outro 
consenso possível: o mínimo de 1% dos orçamentos municipais deve ser garantido por lei para a área 
cultural. Assim como são necessárias a criação de órgãos públicos de cultura em todos os municípios, 
sejam secretarias, departamentos ou assessorias, de acordo com a especificidade local. E estes órgãos tem 
que ter autonomia legal para a ação cultural. Como assessoria e/ou garantia de tensão e questionamento 
temos, também quase consensual, a necessidade dos conselhos paritários de cultura, precedidos ou 
secundados pelos fóruns permanentes e da sociedade. E, concluindo, defendemos a tese de que todos os 
municípios tenham legislação, órgãos e políticas de patrimônio, mas este entendido não como olhar o 
passado e as supostas tradições. Patrimônio é algo vivo e que neste exato momento está sendo gerado, e 
claro, precisamos proteger bens edificados ou imateriais que constituem a história das cidades. 
É esta pequena receita que pode, e acredito, deve ser aplicada nas cidades brasileiras. E, para que 
aconteçam, o gestor tem que usar de todo seu repertório e capacidade de articulação política. Relação com 
a classe artística é importante, mas não será a única. Precisa-se de interação com as comunidades, 
associações comunitárias, sindicatos de trabalhadores e patronais, Sistema “S”, universidades, entidades 
religiosas (de todos os credos), movimentos específicos (mulheres, negros, homossexuais, indígenas, 
ciganos e todos aqueles que existam nas cidades). Novamente o lembrete: os artistas e produtores, estando 
na qualidade e papel de gestores, têm que ter o olhar mais amplo possível. Não o seu específico, mas, 
utilizando os seus conhecimentos e experiências prévias, utilizá-los para que a sociedade compreenda a 
necessidade e importância da cultura em suas vidas. Mais ou menos como procede nosso Gilberto Gil, 
mostrando que a cultura não é apartada, ou para privilegiados. Ao contrário, é algo que todos temos, e a 
gestão cultural não é levar cultura para, e fazer com todos. A cidade é um palco, subamos nele. 
 
 
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