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1 LE NOUVEL OBSERVATEUR / DOSSIER 23/29 JAN. 1992 ENTREVISTA com o geneticista L.Lv CAVALLI-SFORZA. A CIÊNCIA E AS RAÇAS Duro golpe para a extrema direita: as raças não existem, elas são apenas noções arbitrárias sem fundamento cientifico. Quem diz isto? O célebre geneticista das populações, Luigi Luca Cavalli-Sforza quem, após cerca de vinte anos de pesquisas, estabeleceu a árvore genealógica da humanidade - de suas origens na África, há mais de 150.000 anos até hoje. Para este professor da Universidade de Stanford, as diferenças visíveis entre os grupos étnicos -cor da pele, morfologia.. - - são menos importantes do que as barreiras culturais. Ele explicou suas descobertas à Michel de Pracontal. "Por que se bater pela preservação de espécies animais e aceitar ao mesmo tempo o princípio do desaparecimento das raças humanas por mestiçagem generalizada?" Se deve esta pergunta à Bruno Mégret, quando de um recente colóquio sobre ecologia (Lê N. O. n° 1412). Resta a saber o que o n° 2 do Front National (N.T.: partido da extrema direita francesa) entende por "raça humana". Se funda ela sobre critérios biológicos? Culturais? Políticos? Sobre a cor da pele ou sobre a da bandeira? Questão acadêmica? Ela cessa de ser assim que um partido consegue 15% das intenções de voto propondo um programa de louvação ..-.a xenofobia e o retorno ao direito de sangue. Até a última guerra mundial, os antropólogos definiam as raças à partir de tipos físicos e as classificavam segundo uma hierarquia que assinalava a superioridade do Branco sobre o homem de cor. A teoria das raças, sendo ela mesmo racista, aí se encontrava à vontade. As descobertas da biologia moderna pulverizaram esta simplicidade. "Certamente, meu amigo Lampa, camponês do Senegal Oriental é bem preto enquanto eu sou mais ou menos branco, mas certos de seus sistemas sangüíneos talvez sejam mais próximos dos meus que os do meu vizinho de andar" escreve Albert Jacquard em "Eloge de la dífférence". Ê necessário abandonar a noção de raça? Declarar a humanidade una e indivisível apesar de sua prodigiosa diversidade? As desigualdades entre os homens se repartem ao azar ou dependem do pertencimento étnico? Os Russos, são eles predispostos à produzir grandes jogadores de xadrez, os Negros americanos, grandes sprinters e os Alemães de grandes músicos? Ninguém ê melhor qualificado por responder estas questões que Luigi Luca Cavalli-Sforza. Nascido em Gênova em 1922, professor na Universidade de Stanford, este geneticista italiano realiza há quarenta anos um projeto de uma louca ambição: estabelecer a árvore genealógica completa de nossa espécie. Sherlock Holmes do ADN, Cavalli- Sforza coletou dados biológicos acumulados no curso do último meio - século. Ele os tratou tom ajuda de um computador e os confrontou com as informações fornecidas pela arqueologia e a lingüística. Resumindo, os resultados desta pesquisa sem precedentes: O "Homem Moderno" - assim os cientistas, eternos otimistas,, se obstinam a lhe qualificar - teria aparecido 100.000 à 150.000 anos/"qualquer parte entre a África Central e o Oriente Próximo. Levado pelo "gosto das viagens e uma sexualidade vigorosa11 - suas duas características principais segundo p paleontologista Stephen Jáy Gould - ele teria conquistado sucessivamente a Ásia, a Oceania, a Europa e a América. Tudo num tempo recorde de 60.000 à 80.000 anos. A titulo de comparação, nosso predecessor imediato, o Homo Erectus, se acantonou no Mundo Antigo durante 1,5 milhões de anos, sem chegar à Oceania e a América. 2 Em sua febre colonizadora, nossa espécie não teve o lazer de formar raças. O homem moderno nSo cessou de bancar o "salta - fronteiras", sem que alguma população se encontrasse isolada por bastante tempo para se diferenciar fortemente. A * mestiçagem generalizada se pratica desde 80.000 anos. As populações atuais podem contudo ser classificadas em sete famílias - Africanos, Caucasianos, Norte-Africanos, Ameríndios, Sul-Asiáticos, insulares do Pacifico e Australianos. Estas famílias não são raças no sentido tradicional e não recortam a divisão clássica entre Brancos, Amarelos e Negros. Assim, encontra -se Negros na África e nas ilhas do Pacifico, duas famílias muito distantes umas das outras. Mesmo os Amarelos se distribuem em quatro famílias. Outro sujeito de reflexão: os mais próximos primos dos europeus são os Bérberes, os Iranianos e os Norte-Africanos. Se conhece as preferências de Jean-Marie Lê Pen (N.T./ presidente do Front National) "Eu amo mais minhas filhas e minhas sobrinhas que minhas vizinhas...eu amo mais meus compatriotas, eu amo mais a França e os franceses— os Europeus e as pessoas da Aliança Atlântica." A Dinamarca, membro da OTAN abriga os esquimós, menos aparentados aos Europeus que os Norte- Africanos. Considerar-se-ia os países do Maghreb como pertencendo naturalmente à Aliança Atlântica? Em seu bureau de Stanford, Cavaili-Sforza pendurou a foto de um Pigmeu da África Central que tem um livro aberto à altura dos olhos. Ele não lê. Sua língua tribal, aka, mais complexa que o inglês, nunca foi escrita. Mas ele sabe de que se trata o livro, cujo titulo é "Pigmeus Africanos". Um largo sorriso ilumina seus traços. Imagem alegre e trágica ao mesmo tempo: este representante de uma cultura em via de extinção tem entre suas mãos o instrumento que transmitirá a memória de seu povo, um dos últimos grupos de caçadores-coletores em atividade. Caçador-coletor, o mais velho ofício do mundo, praticado pelos hominídeos há milhares de anos* Em cinqüenta, cem anos, a destruição da floresta tropical e as pressões econômicas terão acabado este modo de vida ancestral. * Esta foto exprime toda uma busca do geneticista italiano. Dedicar uma obra de antropologia a um "Ifeitor" analfabeto cuja cultura se situa a anos-luz da vida universitária mostra uma paixão mais profunda que uma coqueteria do autor. Aquela que leva, apesar da fobia racista, a construir pontes sobre os precipícios da História. N.O.- O senhor consagrou quarenta anos de sua vida a estudar os laços de parentesco entre os povos. A noção de raça humana, tem ela sentido? C.S.- Para mim, ela é totalmente arbitrária. Segundo os critérios utilizados, pode-se muito bem decretar que existem três, dez ou cinqüenta raças. Quando se compara os gens das diferentes populações, não se encontra diferenças nítidas, fatiadas. Observa-se uma gama continua de variações. Nenhum grupo humano corresponde a um tipo biológicamente puro, como pode ser uma camada de camundongos de laboratório. Se pegarmos um casal de camundongos e forçarmos seus descendentes a se reproduzirem entre irmãos e irmãs durante vinte gerações, obteremos uma "raça pura". Isto não existe no homem. Há sempre uma certa mistura. Além disso, globalmente, as diferenças genéticas entre grupos humanos são muito frágeis, apesar das aparências. Há bem algumas populações insulares que se encontram isoladas durante milhares de anos, mas isto não é suficiente para produzir verdadeiras raças. N.O.- Portanto, as diferenças de cor saltam aos olhos! C.S.- Sim, e dai? Tão curioso quanto possa parecer, os Brancos, Negros e Amarelos não formam raças. Biologicamente, uma raça é um grupo de indivíduos geneticamente muito próximos. Ora, os traços fenótipos - como a cor da pele, a dos cabelos, o tamanho, à forma do rosto - são pouco numerosos para, por si só, caracterizar de maneira significativa 3 um grupo humano. A prova é que populações estreitamente aparentadas podem ser compostas de indivíduos de cores diferentes. Por exemplo, certos Indo-Europeus, tidos de pertencer à raça branca tem a tez tão sombria que o mais negro dos africanos. Lá, onde o sol é forte, se encontram populações negras, é simples assim. Defato, a cor da pele conta a história dos climas e não a dos povos. N.O.- Imaginemos uma experiência fictícia: pega-se um grupo de Suecos e o obriga a viver na África durante um muito longo tempo. Eles virarão negros? C.S.- Eu nunca tentei esta experiência...mas é verdadeiro que a cor da pele pode se modificar numa escala de tempo muito curta. Talvez alguns milhares de anos. N.O.- Se eu compreendo bem, as teorias racistas, estas que estabelecem uma hierarquia de aptidões entre os grupos de diferentes cores, não possuem nenhum valor científico? C. S.- Não, nenhum. Certamente há desigualdades de aptidões entre os homens e elas são em parte determinadas geneticamente. Mas estas disparidades são distribuídas completamente ao azar. Nada nos permite dizer - e tudo indica o contrário - que certas populações produzem mais indivíduos inteligentes que outros. Na realidade, a grande maioria das diferenças genéticas entre populações corresponde a caracteres "neutros" do ponto de vista da seleção natural. Dito de outra forma, estas diferenças não resultam de um processo adaptativo e não podem então refletir uma eventual superioridade de aptidões ou de performances. São os genes ditos variáveis - grupos sangüíneos, fator Rhesus, grupos HLA...- que são em questão. N.O.- É então a partir deles que os geneticistas de populações como o senhor estabelecem a "distância" entre os grupos humanos? C.S. - Exatamente. Tomemos um exemplo simples: o fator Rhesus, que depende de um gen único, pode ser positivo ou negativo. Entre os ingleses, se encontra 16% de indivíduos com RH negativo, entre os Bascos, 25% e entre os japoneses, perto de 0%. Os ingleses diferem dos Bascos de 9% e dos Japoneses de 16%. Se se limitar a um só fator- Rhesus, então se pode dizer que os Ingleses são mais próximos dos Bascos que dos Japoneses. Na realidade, não se deve considerar um só gene mas ao menos uma centena e comparar as populações por cada um deles. Fazendo a média dos desvios, se obtém a distância genética. N.O.- Então não se pode pegar os genes de um indivíduo isolado e dizer: "este homem é bretão, bérbere ou judeu". C.S.- Não, mas estatisticamente, se considerarmos um grupo de Bretoes, de Bérberes ou de Judeus, podemos colocar em evidência um "ar de família" genético. É o que nós fazemos, numa grande escala, com meus colegas Paolo Menozzi de Parma e Alberto Piazza de Milão. Nós analisamos dados acumulados no curso do último meio século, provenientes de milhares de trabalhos. A maior parte das mostras comportavam centenas ou milhares de indivíduos. Colocamos tudo em computador e constituímos um conjunto de 42 populações de cinco continentes, estudados por 120 características diferentes. (1). Assim,nós podemos estabelecer uma árvore genealógica da humanidade, a mais completa existente até hoje (ver desenho) Isto permitiu classificar as populações atuais em sete grupos: Africanos, Caucasianos, Ameríndios, Norte-Asiáticos, insulares do Pacífico, Australianos. N.O.- Sete raças? C.S- Não. As teorias raciais tradicionais procuram estabelecer uma tipologia da humanidade. Nós vemos que biologicamente isto não tem sentido. Observe mais uma vez que em nossa árvore a cor de pele não é um critério discriminante. Se encontra, por exemplo, Amarelos dentro de quatro famílias. A proximidade genética da qual eu falo é, em realidade, uma resposta às questões: "Quem veio de onde e quem são 4 seus ancestrais?" Esta árvore genealógica traça assim a história das populações e das migrações sobre 150 000 anos. N.O.- Como se passa dos genes à história? C.S- Muito simplesmente., A distância genética indica aproximativamente a duração que decorreu depois que as populações se diferenciaram. É, de alguma forma, um relógio da evolução. N.O.- Isto quer dizer? C.S- Imagine uma população original que se separou em dois grupos. No inicio, a distância genética entre eles é nula. Mas, se as duas sub- populações ficam separadas durante um grande número de gerações, elas vão se diferenciar progressivamente. Na ausência de pressão particular devida ao meio, a distância entre os dois grupos aumenta consideravelmente com o tempo. N.O.- Mas porque os genes mudam, se não há pressão do meio? C. S.- Pelo efeito do azar. Um gene variável pode ser comparado a um dado que se lança cada vez que um novo indivíduo vem ao mundo. O dado não cai sobre a mesma face a cada vez. De sorte que, globalmente, dentro de cada população, as freqüências de cada um dos genes variáveis se modificam pouco a pouco. Mais a separação entre dois grupos é antiga, mais sua distância genética cresce. Assim que nós estabelecemos nossa árvore genealógica, a primeira coisa que observamos é que as distâncias entre Africanos e não-africanos eram as maiores. Ê coerente com a idéia de que a separação entre africanos e não - africanos é a mais antiga. E, com efeito, os vestígios arqueológicos indicam que nossa espécie, Homo sapiens sapiens ou Homem moderno - nasceu na África. Os mais antigos restos dos Homens modernos foram encontrados na bacia do Orno, entre Etiópia e o Quênia. (Orno I, velho de 130 000 anos) e em Laetoli na Tanzânia (um fóssil datado de 120 000 anos) De outra parte, a equipe de Allan Wilson, da Universidade de Berkeley, datou a árvore humana por um método totalmente diferente da nossa, baseado sobre o ADN, mitocôndrias (as "centrais energéticas" das células). Os resultados de Wilson sugerem igualmente uma origem 'africana, remontando a alguns 150 000 anos. A este propósito, devo fazer uma breve digressão, diferença dos genes ordinários, os genes das mitocôndrias se transmitem unicamente pela mãe. A equipe de Berkeley conseguiu , remontar até ao ADN mitocondrial de uma só mulher, a "Eva Africana", que obteve 'grande sucesso midiático. N.O.- Então, Eva era negra? C.S.- Não se pode ter certeza. Isto depende do clima que havia então na África. E não se sabe se os homens modernos de 100 000 anos tinham já perdido seus pelos. Se eles eram tão nus como nós e se a radiação solar era tão forte quanto hoje, eles eram, provavelmente, negros. Dito isto, a expressão "Eva africana" é ambígua. Há muito poucas chances que possamos ter descendido todos de uma só mulher. É mais acreditável que numerosas outras mulheres tenham vivido na mesma época mas que suas linhas tenham desaparecido. De qualquer forma, a origem do homem moderno parece bem estabelecida. Ela remontaria à 150 000 ou 200 000 anos. Nós temos três outras datas muito sólidas: a primeira saída da África em direção da Ásia, há mais ou menos perto de 100 000 anos; o primeiro desembarque na Austrália, em torno de 55 000 anos e a conquista da Europa há mais ou menos 35 000 anos. A data da primeira chegada na América é controvertida. Ê certo que o Homem moderno tinha chegado ao Novo Mundo há 15 000 anos mas certos arqueólogos remontam até 30 000. Recapitulemos: os Asiáticos se separaram dos Africanos há 100 000 anos, os Australianos dos Asiáticos há 50 000 anos e os Europeus dos Asiáticos há 35 000 à 40 000 anos. Dentro destes três casos, nós podemos verificar que as distâncias genéticas são proporcionais à duração da separação. Elas fornecem então de relógios biológicos aceitáveis. 5 N.O.- O fator tempo é ele tão importante do ponto de vista das raças? C.S.- Certamente ele joga um papel crucial. Se dois grupos de origem comum se separam e ficam sem contato durante um tempo extremamente longo, eles acabam por se diferenciar suficientemente para formar raças, até espécies distintas. Isto não se produz na história do Homem moderno por que nenhum povo se encontrou isolado de outros por longo tempo. Em revanche, é possível que o Homem de Neandertal, que foi substituído na Europa pelo Homem moderno há 30 000 anos, tenha constituído uma espécie diferente. Contudo, este ponto é controverso.Certos antropólogos pensam que os Neandertalenses foram simplesmente absorvidos por mestiçagem com o Sapiens. Isto implicaria que eles teriam formado, não uma verdadeira espécie mas uma sub-espécie, uma raça. A última raça distinta do Homem moderno, em suma. Em todo o caso, as populações atuais são totalmente interfecundas. Observe, eu não sei se alguma vez teve cruzamentos entre Esquimós e Aborígenes da Austrália... Mas parece que a espécie humana não teve tempo de se diferenciar fortemente. Entre a "Eva africana” e a época atual há um fluxo continuo de migrações e de trocas entre populações. N.O.- O senhor sustenta então a tese de uma origem única do Homem moderno. No entanto, outros pesquisadores estimam que há continuidade entre o. Homem moderno e seu ancestral direto, Homo Erectus. Este último apareceu de 1,5 a 2 milhões de anos e colonizou todo o Antigo Mundo, Se Erectus e Sapiens não são que uma só e mesma espécie, a "Eva Africana" sofreria um golpe de velhice. Ela não teria 200 000 anos mas 2 milhões de anos. Além disso, neste esquema, o Homem moderno teria podido se desenvolver a partir de numerosos lugares distintos na África e na Ásia do que num único berço africano. E de mesmo golpe, nossa espécie teria tido bastante mais tempo de evoluir, o que daria lugar à formação de raças. C.S.- É justamente por isso que eu não acredito. As diferenças que se observam entre as populações atuais de Sapiens sobre os cinco continentes são pequenas em relação a um tempo da ordem de um milhão de anos. Se havia muitas cepas de homens modernos, eu não vejo como se chegaria a grupos tão semelhantes. N.O.- Em suma, o gênero humano, nascido duas vezes na África, partiu duas vezes a conquista do mundo,.. C.S.- É verdade, mas Erectus foi um conquistador menos eficaz que seu sucessor. Ele não chegou nem na América nem na Austrália. Dito isto, eu não posso recortar ao ponto de saber se o Sapiens representa uma espécie verdadeiramente nova ou uma espécie mais evoluída de uma espécie arcaica. Talvez tenham tido trocas genéticas entre os homens novos e os antigos. Mas eu creio que a hipótese de uma segunda conquista a partir de um lugar africano único é aquela que está em melhor acordo com os conhecimentos atuais. H.O.- Como o senhor explica a expansão do Homem moderno? C.S.- Ela é muito rápida pois ela se espalhou sobre menos de 100.000 anos. Eu penso que ela está ligada à uma inovação importante dentro do domínio da linguagem. A comunicação é vital dentro do processo de expansão. Minha hipótese é que a linguagem chegou a seu grau de perfeição atual há cerca de 100 000 anos. Seria aperfeiçoada por etapas sucessivas e a última teria permitido o sucesso do Homem moderno. Havia sem dúvida formas de linguagem anteriores mas menos sofisticadas. Este progresso repousaria, ao mesmo tempo, sobre uma base biológica e sobre uma evolução cultural. A criança tem uma forte motivação para- aprender a falar e o desenvolvimento verbal segue uma curva exponencial nos primeiros anos da vida. Esta aptidão inata depende de certas estruturas do cérebro humano, Erectus possuía a mesma faculdade? Eu duvido. Sua pequena cabeça não fala a seu favor. Eu o situaria num estágio intermediário entre símio e nós. O que me toca é que as linguagens humanas são muito semelhantes quanto a sua 6 estrutura, mesmo se os sons diferem. E difícil de acreditar que uma tal similitude teria se mantido se a linguagem fosse muito antiga. N.O.- Quer dizer que os homens de 100 000 anos falavam uma língua do mesmo tipo que as nossas? C.S.- Não se pode provar formalmente. Mas é remarcável constatar que as línguas das populações as mais primitivas, aquelas que não tem escrita, não são menos complexas que as línguas modernas. O inglês tem estruturas sintáticas mais simples que certas línguas de tradição oral. É provável que nós utilizemos o mesmo sistema de comunicação desde 100 000 anos, e que é este sistema que nos permitiu colonizar o planeta. N.O.- O senhor descobriu concordâncias entre os dados genéticos e as línguas? C.S.- Sim. Nossa árvore genealógica concorda remarcavelmente com as famílias lingüísticas. Há um pequeno número de exceções. Por exemplo, os Lapões, geneticamente sobretudo europeus, conservaram a língua que eles falavam quando viviam ainda na Sibéria ou nos Urais. Os Húngaros apresentam um outro caso interessante. Eles falam uma língua urálica, como os Lapões, e eles são europeus. No fim do século IX, a Hungria, que se chamava então Panonia e onde se falava uma língua latina, foi invadido pelos Magyars vindo dos Cárpatos. Os invasores falavam uma língua urálica, que eles impuseram aos autóctones. Bem que pouco numerosos, os Magyars eram militarmente muito fortes, tanto que as populações latinas decadentes não ofereceram muita resistência às invasões. Do ponto de vista genético, o quê conta é o número de invasores em relação com os invadidos. Como os Magyars eram _era frágil efetivo, eles não deixaram que uma frágil impressão genética na população. N.O.- E porque sua língua não se diluiu ela também? C,S.- As línguas não se misturam da mesma forma. De fato, há pouco de mestiçagem lingüística. Assim que uma invasão se produz, a língua de origem ou se mantém ou é completamente substituída. Pode haver empréstimos, mas não há uma verdadeira mistura. O inglês contém quase 50% de palavras francesas mas se discerne muito bem sua estrutura germânica. E as palavras mais importantes são palavras alemãs. Dentro de outro caso de invasões bárbaras, a língua não foi substituída de todo. Assim, os Francos não impuseram sua língua germânica na Gália antíga. N.O.- E os Bascos? C.S.- É o caso inverso dos Húngaros: uma ausência de substituição, O basco descende diretamente de uma língua que deve ter chegado com o Homem moderno há 30 000 anos. Ê a única língua anterior às línguas indo-européias que foi preservada. Porque? Provavelmente porque o povo Basco possuía uma coesão social muito forte. Geneticamente, eles também são diferentes. Eles não se misturaram muito. Todos os outros europeus perderam sua língua de origem e adquiriram uma língua indo- européia. N.O.- Em que momento? C.S.- Há duas teorias, provavelmente verdadeiras todas as duas. De uma parte, os agricultores vindos da Anatólia e da Turquia começaram, há 9 000 anos a trazer as línguas indo-européias. Mas estas línguas chegaram ao norte do mar Negro com os pastores da idade do bronze que vinham das estepes eurasianas. As duas expansões, a dos agricultores e a dos pastores trouxeram duas das línguas indo-européias, mas diferentes. Numa cultura tradicional, tribal, onde não há escola, as línguas se transmitem dos pais aos filhos, verticalmente, como os genes. Mas quando há conquistas ou em civilizações mais modernas dotadas de sistemas escolares, há transmissão horizontal , substituições de línguas. Os Romanos introduziram as escolas na Europa e eles puderam substituir as línguas autóctones pela sua. Mas este tipo de fenômeno é 7 recente. Durante os nove décimos de sua história, a humanidade se constituiu de caçadores-coletores que falavam suas línguas tribais. É assim que a árvore genética conservou uma forte concordância com a árvore lingüística. Mas, mais uma vez, este paralelismo não significa que os genes determinam a cultura. N.O.- Apesar de tudo, as vezes se tem a impressão que certas aptidões culturais são características de um grupo étnico. Por exemplo, o senhor não pensa que a capacidade dos Negros americanos de produzir grandes sprinters ou de jogadores de basquete tenha qualquer coisa a ver com os genes? C.S.- Eu duvido. Nos Estados Unidos, os Brancos têm muito mais possibilidades de sucesso social que os Negros. Para estes últimos, o esporte é uma das raras formas de sucesso. Então, há neles uma pressão social muitoforte para procurar indivíduos fisicamente excepcionais. Eu não diria a mesma coisa dos maratonistas da Etiópia e da África do leste: eles vivem há milhares de anos sobre altos planaltos, o que pode selecionar um componente hereditário favorizando uma melhor capacidade de oxigenação. Mas não importa qual povo vivendo no mesmo tipo de meio desenvolveria capacidades semelhantes. N.O.- O senhor pensa que as aptidões intelectuais podem elas também ter vim componente hereditários? Porque encontra-se, por exemplo, tantos grandes jogadores de xadrez na Rússia? C.S.- Suponha que o talento para o xadrez seja geneticamente determinado. Quais as qualidades necessárias para ser um grande jogador? Nervos de aço, uma excelente memória, uma capacidade de raciocínio lógico e combinatório, imaginação, etc. Bom, isto pede toda uma panóplia de qualidades complexas onde cada uma deve corresponder a vários genes. Dito de outra forma, para ser um grande jogador de xadrez, é preciso uma combinação de genes que deve ser muito raro, difícil de produzir. Sem dúvida, as crianças de pais que possuem uma combinação rara tem, eles mesmos, um pouco mais de chances que os outros de a possuir. Mas eu não vejo porque a probabilidade aumentaria porque se é russo, alemão ou húngaro. Em última análise, as condições culturais me parecem mais determinantes que a origem genética. Os pigmeus são os campeões mundiais de um teste chamado field independence. Ê a capacidade de julgar Uma coisa independente de um contexto. Por exemplo, lhes mostram um pequeno bastaozinho que pode estar vertical ou inclinado sobre um fundo que perturba a observação. É preciso julgar se o bastão é ou não vertical. É verdadeiro que o talento dos Pigmeus neste domínio está ligado a sua prática na floresta. Quando você caça no bosque, é importante saber se qualquer coisa está vertical ou não. É então uma adaptação cultural. Mas ela não é genética. Assim que se aplica o teste a americanos, se constata uma diferença entre citadinos e rurais. Portanto, é bem ligado ao meio. N.O.- Toda a sua demonstração, ao fim, demonstra a ignorância do racismo. No entanto, na vida cotidiana, nós vemos que os argumentos científicos não são suficientes para terminar com ele. Como o senhor explica este divórcio entre a ciência e o senso comum? C.S.- As diferenças culturais são difíceis a compreender e podem parecer como ameaças. É por que certos se refugiam na idéia que sua pretendida raça é superior às outras. Uma tal atitude é o fruto amargo da ignorância e do medo os quais, todos os dois, não desaparecerão tão cedo. Assim, qual que seja o valor dos argumentos científicos, eu temo que o racismo encontre ainda perigosas ocasiões de mostrar sua face hedionda.
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