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Entrevista com o geneticista L. Lu. CAVALLI-SFORZA

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1 
 
LE NOUVEL OBSERVATEUR / DOSSIER 23/29 JAN. 1992 
ENTREVISTA com o geneticista L.Lv CAVALLI-SFORZA. 
 
A CIÊNCIA E AS RAÇAS 
 
Duro golpe para a extrema direita: as raças não existem, elas são 
apenas noções arbitrárias sem fundamento cientifico. Quem diz isto? O 
célebre geneticista das populações, Luigi Luca Cavalli-Sforza quem, 
após cerca de vinte anos de pesquisas, estabeleceu a árvore 
genealógica da humanidade - de suas origens na África, há mais de 
150.000 anos até hoje. Para este professor da Universidade de 
Stanford, as diferenças visíveis entre os grupos étnicos -cor da pele, 
morfologia.. - - são menos importantes do que as barreiras culturais. 
Ele explicou suas descobertas à Michel de Pracontal. 
"Por que se bater pela preservação de espécies animais e aceitar ao 
mesmo tempo o princípio do desaparecimento das raças humanas por 
mestiçagem generalizada?" 
Se deve esta pergunta à Bruno Mégret, quando de um recente colóquio 
sobre ecologia (Lê N. O. n° 1412). Resta a saber o que o n° 2 do Front 
National (N.T.: partido da extrema direita francesa) entende por "raça 
humana". Se funda ela sobre critérios biológicos? Culturais? 
Políticos? Sobre a cor da pele ou sobre a da bandeira? Questão 
acadêmica? Ela cessa de ser assim que um partido consegue 15% das 
intenções de voto propondo um programa de louvação ..-.a xenofobia e o 
retorno ao direito de sangue. 
Até a última guerra mundial, os antropólogos definiam as raças à 
partir de tipos físicos e as classificavam segundo uma hierarquia que 
assinalava a superioridade do Branco sobre o homem de cor. A teoria 
das raças, sendo ela mesmo racista, aí se encontrava à vontade. As 
descobertas da biologia moderna pulverizaram esta simplicidade. 
"Certamente, meu amigo Lampa, camponês do Senegal Oriental é bem preto 
enquanto eu sou mais ou menos branco, mas certos de seus sistemas 
sangüíneos talvez sejam mais próximos dos meus que os do meu vizinho 
de andar" escreve Albert Jacquard em "Eloge de la dífférence". 
Ê necessário abandonar a noção de raça? Declarar a humanidade una e 
indivisível apesar de sua prodigiosa diversidade? As desigualdades 
entre os homens se repartem ao azar ou dependem do pertencimento 
étnico? Os Russos, são eles predispostos à produzir grandes jogadores 
de xadrez, os Negros americanos, grandes sprinters e os Alemães de 
grandes músicos? 
Ninguém ê melhor qualificado por responder estas questões que Luigi 
Luca Cavalli-Sforza. Nascido em Gênova em 1922, professor na 
Universidade de Stanford, este geneticista italiano realiza há 
quarenta anos um projeto de uma louca ambição: estabelecer a árvore 
genealógica completa de nossa espécie. Sherlock Holmes do ADN, 
Cavalli- Sforza coletou dados biológicos acumulados no curso do último 
meio - século. Ele os tratou tom ajuda de um computador e os 
confrontou com as informações fornecidas pela arqueologia e a 
lingüística. 
Resumindo, os resultados desta pesquisa sem precedentes: O "Homem 
Moderno" - assim os cientistas, eternos otimistas,, se obstinam a lhe 
qualificar - teria aparecido 100.000 à 150.000 anos/"qualquer parte 
entre a África Central e o Oriente Próximo. Levado pelo "gosto das 
viagens e uma sexualidade vigorosa11 - suas duas características 
principais segundo p paleontologista Stephen Jáy Gould - ele teria 
conquistado sucessivamente a Ásia, a Oceania, a Europa e a América. 
Tudo num tempo recorde de 60.000 à 80.000 anos. A titulo de 
comparação, nosso predecessor imediato, o Homo Erectus, se acantonou 
no Mundo Antigo durante 1,5 milhões de anos, sem chegar à Oceania e a 
América. 
2 
 
Em sua febre colonizadora, nossa espécie não teve o lazer de 
formar raças. O homem moderno nSo cessou de bancar o "salta - 
fronteiras", sem que alguma população se encontrasse isolada por 
bastante tempo para se diferenciar fortemente. A * mestiçagem 
generalizada se pratica desde 80.000 anos. As populações atuais podem 
contudo ser classificadas em sete famílias - Africanos, Caucasianos, 
Norte-Africanos, Ameríndios, Sul-Asiáticos, insulares do Pacifico e 
Australianos. Estas famílias não são raças no sentido tradicional e 
não recortam a divisão clássica entre Brancos, Amarelos e Negros. 
Assim, encontra -se Negros na África e nas ilhas do Pacifico, duas 
famílias muito distantes umas das outras. Mesmo os Amarelos se 
distribuem em quatro famílias. 
Outro sujeito de reflexão: os mais próximos primos dos europeus são os 
Bérberes, os Iranianos e os Norte-Africanos. Se conhece as 
preferências de Jean-Marie Lê Pen (N.T./ presidente do Front National) 
"Eu amo mais minhas filhas e minhas sobrinhas que minhas vizinhas...eu 
amo mais meus compatriotas, eu amo mais a França e os franceses— os 
Europeus e as pessoas da Aliança Atlântica." A Dinamarca, membro da 
OTAN abriga os esquimós, menos aparentados aos Europeus que os Norte-
Africanos. Considerar-se-ia os países do Maghreb como pertencendo 
naturalmente à Aliança Atlântica? 
Em seu bureau de Stanford, Cavaili-Sforza pendurou a foto de um 
Pigmeu da África Central que tem um livro aberto à altura dos olhos. 
Ele não lê. Sua língua tribal, aka, mais complexa que o inglês, nunca 
foi escrita. Mas ele sabe de que se trata o livro, cujo titulo é 
"Pigmeus Africanos". Um largo sorriso ilumina seus traços. Imagem 
alegre e trágica ao mesmo tempo: este representante de uma cultura em 
via de extinção tem entre suas mãos o instrumento que transmitirá a 
memória de seu povo, um dos últimos grupos de caçadores-coletores em 
atividade. Caçador-coletor, o mais velho ofício do mundo, praticado 
pelos hominídeos há milhares de anos* Em cinqüenta, cem anos, a 
destruição da floresta tropical e as pressões econômicas terão acabado 
este modo de vida ancestral. * 
 
Esta foto exprime toda uma busca do geneticista italiano. Dedicar uma 
obra de antropologia a um "Ifeitor" analfabeto cuja cultura se situa a 
anos-luz da vida universitária mostra uma paixão mais profunda que uma 
coqueteria do autor. Aquela que leva, apesar da fobia racista, a 
construir pontes sobre os precipícios da História. 
N.O.- O senhor consagrou quarenta anos de sua vida a estudar os laços 
de parentesco entre os povos. A noção de raça humana, tem ela sentido? 
C.S.- Para mim, ela é totalmente arbitrária. Segundo os critérios 
utilizados, pode-se muito bem decretar que existem três, dez ou 
cinqüenta raças. Quando se compara os gens das diferentes populações, 
não se encontra diferenças nítidas, fatiadas. Observa-se uma gama 
continua de variações. Nenhum grupo humano corresponde a um tipo 
biológicamente puro, como pode ser uma camada de camundongos de 
laboratório. Se pegarmos um casal de camundongos e forçarmos seus 
descendentes a se reproduzirem entre irmãos e irmãs durante vinte 
gerações, obteremos uma "raça pura". Isto não existe no homem. Há 
sempre uma certa mistura. Além disso, globalmente, as diferenças 
genéticas entre grupos humanos são muito frágeis, apesar das 
aparências. Há bem algumas populações insulares que se encontram 
isoladas durante milhares de anos, mas isto não é suficiente para 
produzir verdadeiras raças. 
N.O.- Portanto, as diferenças de cor saltam aos olhos! 
C.S.- Sim, e dai? Tão curioso quanto possa parecer, os Brancos, Negros 
e Amarelos não formam raças. Biologicamente, uma raça é um grupo de 
indivíduos geneticamente muito próximos. Ora, os traços fenótipos - 
como a cor da pele, a dos cabelos, o tamanho, à forma do rosto - são 
pouco numerosos para, por si só, caracterizar de maneira significativa 
3 
 
um grupo humano. A prova é que populações estreitamente aparentadas 
podem ser compostas de indivíduos de cores diferentes. Por exemplo, 
certos Indo-Europeus, tidos de pertencer à raça branca tem a tez tão 
sombria que o mais negro dos africanos. Lá, onde o sol é forte, se 
encontram populações negras, é simples assim. Defato, a cor da pele 
conta a história dos climas e não a dos povos. 
N.O.- Imaginemos uma experiência fictícia: pega-se um grupo de Suecos 
e o obriga a viver na África durante um muito longo tempo. Eles 
virarão negros? 
C.S.- Eu nunca tentei esta experiência...mas é verdadeiro que a cor da 
pele pode se modificar numa escala de tempo muito curta. Talvez alguns 
milhares de anos. 
N.O.- Se eu compreendo bem, as teorias racistas, estas que estabelecem 
uma hierarquia de aptidões entre os grupos de diferentes cores, não 
possuem nenhum valor científico? 
C. S.- Não, nenhum. Certamente há desigualdades de aptidões entre os 
homens e elas são em parte determinadas geneticamente. Mas estas 
disparidades são distribuídas completamente ao azar. Nada nos permite 
dizer - e tudo indica o contrário - que certas populações produzem 
mais indivíduos inteligentes que outros. Na realidade, a grande 
maioria das diferenças genéticas entre populações corresponde a 
caracteres "neutros" do ponto de vista da seleção natural. Dito de 
outra forma, estas diferenças não resultam de um processo adaptativo e 
não podem então refletir uma eventual superioridade de aptidões ou de 
performances. São os genes ditos variáveis - grupos sangüíneos, fator 
Rhesus, grupos HLA...- que são em questão. 
N.O.- É então a partir deles que os geneticistas de populações como o 
senhor estabelecem a "distância" entre os grupos humanos? 
C.S. - Exatamente. Tomemos um exemplo simples: o fator Rhesus, que 
depende de um gen único, pode ser positivo ou negativo. Entre os 
ingleses, se encontra 16% de indivíduos com RH negativo, entre os 
Bascos, 25% e entre os japoneses, perto de 0%. Os ingleses diferem dos 
Bascos de 9% e dos Japoneses de 16%. Se se limitar a um só fator-
Rhesus, então se pode dizer que os Ingleses são mais próximos dos 
Bascos que dos Japoneses. Na realidade, não se deve considerar um só 
gene mas ao menos uma centena e comparar as populações por cada um 
deles. Fazendo a média dos desvios, se obtém a distância genética. 
N.O.- Então não se pode pegar os genes de um indivíduo isolado e 
dizer: "este homem é bretão, bérbere ou judeu". 
C.S.- Não, mas estatisticamente, se considerarmos um grupo de Bretoes, 
de Bérberes ou de Judeus, podemos colocar em evidência um "ar de 
família" genético. É o que nós fazemos, numa grande escala, com meus 
colegas Paolo Menozzi de Parma e Alberto Piazza de Milão. Nós 
analisamos dados acumulados no curso do último meio século, 
provenientes de milhares de trabalhos. A maior parte das mostras 
comportavam centenas ou milhares de indivíduos. Colocamos tudo em 
computador e constituímos um conjunto de 42 populações de cinco 
continentes, estudados por 120 características diferentes. (1). 
Assim,nós podemos estabelecer uma árvore genealógica da humanidade, a 
mais completa existente até hoje (ver desenho) Isto permitiu 
classificar as populações atuais em sete grupos: Africanos, 
Caucasianos, Ameríndios, Norte-Asiáticos, insulares do Pacífico, 
Australianos. 
N.O.- Sete raças? 
C.S- Não. As teorias raciais tradicionais procuram estabelecer uma 
tipologia da humanidade. Nós vemos que biologicamente isto não tem 
sentido. Observe mais uma vez que em nossa árvore a cor de pele não é 
um critério discriminante. Se encontra, por exemplo, Amarelos dentro 
de quatro famílias. A proximidade genética da qual eu falo é, em 
realidade, uma resposta às questões: "Quem veio de onde e quem são 
4 
 
seus ancestrais?" Esta árvore genealógica traça assim a história das 
populações e das migrações sobre 150 000 anos. 
N.O.- Como se passa dos genes à história? 
C.S- Muito simplesmente., A distância genética indica 
aproximativamente a duração que decorreu depois que as populações se 
diferenciaram. É, de alguma forma, um relógio da evolução. 
N.O.- Isto quer dizer? 
C.S- Imagine uma população original que se separou em dois grupos. No 
inicio, a distância genética entre eles é nula. Mas, se as duas sub-
populações ficam separadas durante um grande número de gerações, elas 
vão se diferenciar progressivamente. Na ausência de pressão particular 
devida ao meio, a distância entre os dois grupos aumenta 
consideravelmente com o tempo. 
N.O.- Mas porque os genes mudam, se não há pressão do meio? 
C. S.- Pelo efeito do azar. Um gene variável pode ser comparado a um 
dado que se lança cada vez que um novo indivíduo vem ao mundo. O dado 
não cai sobre a mesma face a cada vez. De sorte que, globalmente, 
dentro de cada população, as freqüências de cada um dos genes 
variáveis se modificam pouco a pouco. Mais a separação entre dois 
grupos é antiga, mais sua distância genética cresce. Assim que nós 
estabelecemos nossa árvore genealógica, a primeira coisa que 
observamos é que as distâncias entre Africanos e não-africanos eram as 
maiores. Ê coerente com a idéia de que a separação entre africanos e 
não - africanos é a mais antiga. E, com efeito, os vestígios 
arqueológicos indicam que nossa espécie, Homo sapiens sapiens ou Homem 
moderno - nasceu na África. Os mais antigos restos dos Homens modernos 
foram encontrados na bacia do Orno, entre Etiópia e o Quênia. (Orno I, 
velho de 130 000 anos) e em Laetoli na Tanzânia (um fóssil datado de 
120 000 anos) 
De outra parte, a equipe de Allan Wilson, da Universidade de 
Berkeley, datou a árvore humana por um método totalmente diferente da 
nossa, baseado sobre o ADN, mitocôndrias (as "centrais energéticas" 
das células). Os resultados de Wilson sugerem igualmente uma origem 
'africana, remontando a alguns 150 000 anos. A este propósito, devo 
fazer uma breve digressão, diferença dos genes ordinários, os genes 
das mitocôndrias se transmitem unicamente pela mãe. A equipe de 
Berkeley conseguiu , remontar até ao ADN mitocondrial de uma só 
mulher, a "Eva Africana", que obteve 'grande sucesso midiático. 
N.O.- Então, Eva era negra? 
C.S.- Não se pode ter certeza. Isto depende do clima que havia então 
na África. E não se sabe se os homens modernos de 100 000 anos tinham 
já perdido seus pelos. Se eles eram tão nus como nós e se a radiação 
solar era tão forte quanto hoje, eles eram, provavelmente, negros. 
Dito isto, a expressão "Eva africana" é ambígua. Há muito poucas 
chances que possamos ter descendido todos de uma só mulher. É mais 
acreditável que numerosas outras mulheres tenham vivido na mesma época 
mas que suas linhas tenham desaparecido. De qualquer forma, a origem 
do homem moderno parece bem estabelecida. Ela remontaria à 150 000 ou 
200 000 anos. Nós temos três outras datas muito sólidas: a primeira 
saída da África em direção da Ásia, há mais ou menos perto de 100 000 
anos; o primeiro desembarque na Austrália, em torno de 55 000 anos e a 
conquista da Europa há mais ou menos 35 000 anos. A data da primeira 
chegada na América é controvertida. Ê certo que o Homem moderno tinha 
chegado ao Novo Mundo há 15 000 anos mas certos arqueólogos remontam 
até 30 000. 
Recapitulemos: os Asiáticos se separaram dos Africanos há 100 000 
anos, os Australianos dos Asiáticos há 50 000 anos e os Europeus dos 
Asiáticos há 35 000 à 40 000 anos. Dentro destes três casos, nós 
podemos verificar que as distâncias genéticas são proporcionais à 
duração da separação. Elas fornecem então de relógios biológicos 
aceitáveis. 
5 
 
N.O.- O fator tempo é ele tão importante do ponto de vista das raças? 
C.S.- Certamente ele joga um papel crucial. Se dois grupos de origem 
comum se separam e ficam sem contato durante um tempo extremamente 
longo, eles acabam por se diferenciar suficientemente para formar 
raças, até espécies distintas. Isto não se produz na história do Homem 
moderno por que nenhum povo se encontrou isolado de outros por longo 
tempo. Em revanche, é possível que o Homem de Neandertal, que foi 
substituído na Europa pelo Homem moderno há 30 000 anos, tenha 
constituído uma espécie diferente. Contudo, este ponto é controverso.Certos antropólogos pensam que os Neandertalenses foram simplesmente 
absorvidos por mestiçagem com o Sapiens. Isto implicaria que eles 
teriam formado, não uma verdadeira espécie mas uma sub-espécie, uma 
raça. A última raça distinta do Homem moderno, em suma. 
Em todo o caso, as populações atuais são totalmente interfecundas. 
Observe, eu não sei se alguma vez teve cruzamentos entre Esquimós e 
Aborígenes da Austrália... Mas parece que a espécie humana não teve 
tempo de se diferenciar fortemente. Entre a "Eva africana” e a época 
atual há um fluxo continuo de migrações e de trocas entre populações. 
N.O.- O senhor sustenta então a tese de uma origem única do Homem 
moderno. No entanto, outros pesquisadores estimam que há continuidade 
entre o. Homem moderno e seu ancestral direto, Homo Erectus. Este 
último apareceu de 1,5 a 2 milhões de anos e colonizou todo o Antigo 
Mundo, Se Erectus e Sapiens não são que uma só e mesma espécie, a "Eva 
Africana" sofreria um golpe de velhice. Ela não teria 200 000 anos mas 
2 milhões de anos. Além disso, neste esquema, o Homem moderno teria 
podido se desenvolver a partir de numerosos lugares distintos na 
África e na Ásia do que num único berço africano. E de mesmo golpe, 
nossa espécie teria tido bastante mais tempo de evoluir, o que daria 
lugar à formação de raças. 
C.S.- É justamente por isso que eu não acredito. As diferenças que se 
observam entre as populações atuais de Sapiens sobre os cinco 
continentes são pequenas em relação a um tempo da ordem de um milhão 
de anos. Se havia muitas cepas de homens modernos, eu não vejo como se 
chegaria a grupos tão semelhantes. 
N.O.- Em suma, o gênero humano, nascido duas vezes na África, partiu 
duas vezes a conquista do mundo,.. 
C.S.- É verdade, mas Erectus foi um conquistador menos eficaz que seu 
sucessor. Ele não chegou nem na América nem na Austrália. Dito isto, 
eu não posso recortar ao ponto de saber se o Sapiens representa uma 
espécie verdadeiramente nova ou uma espécie mais evoluída de uma 
espécie arcaica. Talvez tenham tido trocas genéticas entre os homens 
novos e os antigos. Mas eu creio que a hipótese de uma segunda 
conquista a partir de um lugar africano único é aquela que está em 
melhor acordo com os conhecimentos atuais. 
H.O.- Como o senhor explica a expansão do Homem moderno? 
C.S.- Ela é muito rápida pois ela se espalhou sobre menos de 100.000 
anos. Eu penso que ela está ligada à uma inovação importante dentro do 
domínio da linguagem. A comunicação é vital dentro do processo de 
expansão. Minha hipótese é que a linguagem chegou a seu grau de 
perfeição atual há cerca de 100 000 anos. Seria aperfeiçoada por 
etapas sucessivas e a última teria permitido o sucesso do Homem 
moderno. Havia sem dúvida formas de linguagem anteriores mas menos 
sofisticadas. Este progresso repousaria, ao mesmo tempo, sobre uma 
base biológica e sobre uma evolução cultural. A criança tem uma forte 
motivação para- aprender a falar e o desenvolvimento verbal segue uma 
curva exponencial nos primeiros anos da vida. Esta aptidão inata 
depende de certas estruturas do cérebro humano, Erectus possuía a 
mesma faculdade? Eu duvido. Sua pequena cabeça não fala a seu favor. 
Eu o situaria num estágio intermediário entre símio e nós. O que me 
toca é que as linguagens humanas são muito semelhantes quanto a sua 
6 
 
estrutura, mesmo se os sons diferem. E difícil de acreditar que uma 
tal similitude teria se mantido se a linguagem fosse muito antiga. 
N.O.- Quer dizer que os homens de 100 000 anos falavam uma língua do 
mesmo tipo que as nossas? 
C.S.- Não se pode provar formalmente. Mas é remarcável constatar que 
as línguas das populações as mais primitivas, aquelas que não tem 
escrita, não são menos complexas que as línguas modernas. O inglês tem 
estruturas sintáticas mais simples que certas línguas de tradição 
oral. É provável que nós utilizemos o mesmo sistema de comunicação 
desde 100 000 anos, e que é este sistema que nos permitiu colonizar o 
planeta. 
N.O.- O senhor descobriu concordâncias entre os dados genéticos e as 
línguas? 
C.S.- Sim. Nossa árvore genealógica concorda remarcavelmente com as 
famílias lingüísticas. Há um pequeno número de exceções. Por exemplo, 
os Lapões, geneticamente sobretudo europeus, conservaram a língua que 
eles falavam quando viviam ainda na Sibéria ou nos Urais. Os Húngaros 
apresentam um outro caso interessante. Eles falam uma língua urálica, 
como os Lapões, e eles são europeus. No fim do século IX, a Hungria, 
que se chamava então Panonia e onde se falava uma língua latina, foi 
invadido pelos Magyars vindo dos Cárpatos. Os invasores falavam uma 
língua urálica, que eles impuseram aos autóctones. Bem que pouco 
numerosos, os Magyars eram militarmente muito fortes, tanto que as 
populações latinas decadentes não ofereceram muita resistência às 
invasões. Do ponto de vista genético, o quê conta é o número de 
invasores em relação com os invadidos. Como os Magyars eram _era 
frágil efetivo, eles não deixaram que uma frágil impressão genética na 
população. 
N.O.- E porque sua língua não se diluiu ela também? 
C,S.- As línguas não se misturam da mesma forma. De fato, há pouco de 
mestiçagem lingüística. Assim que uma invasão se produz, a língua de 
origem ou se mantém ou é completamente substituída. Pode haver 
empréstimos, mas não há uma verdadeira mistura. O inglês contém quase 
50% de palavras francesas mas se discerne muito bem sua estrutura 
germânica. E as palavras mais importantes são palavras alemãs. Dentro 
de outro caso de invasões bárbaras, a língua não foi substituída de 
todo. Assim, os Francos não impuseram sua língua germânica na Gália 
antíga. 
N.O.- E os Bascos? 
C.S.- É o caso inverso dos Húngaros: uma ausência de substituição, O 
basco descende diretamente de uma língua que deve ter chegado com o 
Homem moderno há 30 000 anos. Ê a única língua anterior às línguas 
indo-européias que foi preservada. Porque? Provavelmente porque o povo 
Basco possuía uma coesão social muito forte. Geneticamente, eles 
também são diferentes. Eles não se misturaram muito. Todos os outros 
europeus perderam sua língua de origem e adquiriram uma língua indo-
européia. 
N.O.- Em que momento? 
C.S.- Há duas teorias, provavelmente verdadeiras todas as duas. De uma 
parte, os agricultores vindos da Anatólia e da Turquia começaram, há 9 
000 anos a trazer as línguas indo-européias. Mas estas línguas 
chegaram ao norte do mar Negro com os pastores da idade do bronze que 
vinham das estepes eurasianas. As duas expansões, a dos agricultores e 
a dos pastores trouxeram duas das línguas indo-européias, mas 
diferentes. 
Numa cultura tradicional, tribal, onde não há escola, as línguas se 
transmitem dos pais aos filhos, verticalmente, como os genes. Mas 
quando há conquistas ou em civilizações mais modernas dotadas de 
sistemas escolares, há transmissão horizontal , substituições de 
línguas. Os Romanos introduziram as escolas na Europa e eles puderam 
substituir as línguas autóctones pela sua. Mas este tipo de fenômeno é 
7 
 
recente. Durante os nove décimos de sua história, a humanidade se 
constituiu de caçadores-coletores que falavam suas línguas tribais. É 
assim que a árvore genética conservou uma forte concordância com a 
árvore lingüística. Mas, mais uma vez, este paralelismo não significa 
que os genes determinam a cultura. 
N.O.- Apesar de tudo, as vezes se tem a impressão que certas aptidões 
culturais são características de um grupo étnico. Por exemplo, o 
senhor não pensa que a capacidade dos Negros americanos de produzir 
grandes sprinters ou de jogadores de basquete tenha qualquer coisa a 
ver com os genes? 
C.S.- Eu duvido. Nos Estados Unidos, os Brancos têm muito mais 
possibilidades de sucesso social que os Negros. Para estes últimos, o 
esporte é uma das raras formas de sucesso. Então, há neles uma pressão 
social muitoforte para procurar indivíduos fisicamente excepcionais. 
Eu não diria a mesma coisa dos maratonistas da Etiópia e da África do 
leste: eles vivem há milhares de anos sobre altos planaltos, o que 
pode selecionar um componente hereditário favorizando uma melhor 
capacidade de oxigenação. Mas não importa qual povo vivendo no mesmo 
tipo de meio desenvolveria capacidades semelhantes. 
N.O.- O senhor pensa que as aptidões intelectuais podem elas também 
ter vim componente hereditários? Porque encontra-se, por exemplo, 
tantos grandes jogadores de xadrez na Rússia? 
C.S.- Suponha que o talento para o xadrez seja geneticamente 
determinado. Quais as qualidades necessárias para ser um grande 
jogador? Nervos de aço, uma excelente memória, uma capacidade de 
raciocínio lógico e combinatório, imaginação, etc. Bom, isto pede toda 
uma panóplia de qualidades complexas onde cada uma deve corresponder a 
vários genes. Dito de outra forma, para ser um grande jogador de 
xadrez, é preciso uma combinação de genes que deve ser muito raro, 
difícil de produzir. Sem dúvida, as crianças de pais que possuem uma 
combinação rara tem, eles mesmos, um pouco mais de chances que os 
outros de a possuir. Mas eu não vejo porque a probabilidade aumentaria 
porque se é russo, alemão ou húngaro. 
Em última análise, as condições culturais me parecem mais 
determinantes que a origem genética. Os pigmeus são os campeões 
mundiais de um teste chamado field independence. Ê a capacidade de 
julgar Uma coisa independente de um contexto. Por exemplo, lhes 
mostram um pequeno bastaozinho que pode estar vertical ou inclinado 
sobre um fundo que perturba a observação. É preciso julgar se o bastão 
é ou não vertical. É verdadeiro que o talento dos Pigmeus neste 
domínio está ligado a sua prática na floresta. Quando você caça no 
bosque, é importante saber se qualquer coisa está vertical ou não. É 
então uma adaptação cultural. Mas ela não é genética. Assim que se 
aplica o teste a americanos, se constata uma diferença entre citadinos 
e rurais. Portanto, é bem ligado ao meio. 
N.O.- Toda a sua demonstração, ao fim, demonstra a ignorância do 
racismo. No entanto, na vida cotidiana, nós vemos que os argumentos 
científicos não são suficientes para terminar com ele. Como o senhor 
explica este divórcio entre a ciência e o senso comum? 
C.S.- As diferenças culturais são difíceis a compreender e podem 
parecer como ameaças. É por que certos se refugiam na idéia que sua 
pretendida raça é superior às outras. Uma tal atitude é o fruto amargo 
da ignorância e do medo os quais, todos os dois, não desaparecerão tão 
cedo. Assim, qual que seja o valor dos argumentos científicos, eu temo 
que o racismo encontre ainda perigosas ocasiões de mostrar sua face 
hedionda.

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