Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Seja bem Vindo! Curso Penal Direito CursosOnlineSP.com.br Carga horári 60a: hs Conteúdo Teoria Geral do Direito Penal ............................................................................... Pág. 8 Teoria Geral do Crime .......................................................................................... Pág. 21 Ilicitude (ou Antijuridicidade) ................................................................................ Pág. 32 Culpabilidade ....................................................................................................... Pág. 36 Concurso de Pessoas .......................................................................................... Pág. 41 Concurso de Crimes............................................................................................. Pág. 45 Penas ................................................................................................................... Pág. 47 Medida de Segurança .......................................................................................... Pág. 59 Suspensão Condicional da Pena – Sursis ........................................................... Pág. 60 Livramento Condicional ........................................................................................ Pág. 62 Efeitos da Condenação ........................................................................................ Pág. 63 Reabilitação ......................................................................................................... Pág. 64 Crimes em Espécie .............................................................................................. Pág. 71 Crimes contra a Pessoa ....................................................................................... Pág. 71 Crimes contra o Patrimônio .................................................................................. Pág. 81 Crimes contra a Propriedade Imaterial ................................................................. Pág. 93 Crimes contra a Organização do Trabalho........................................................... Pág. 94 Crimes contra o Sentimento Religioso e contra o Respeito aos Mortos .............. Pág. 95 Crimes contra a Dignidade Sexual ....................................................................... Pág. 96 Crimes contra a Família ....................................................................................... Pág. 102 Crimes contra a Incolumidade Pública ................................................................. Pág. 105 Crimes contra a Paz Pública ................................................................................ Pág. 113 Crimes contra a Administração Pública................................................................ Pág. 118 Lei de Contravenções Penais .............................................................................. Pág. 130 Lei de crimes contra a Economia Popular ............................................................ Pág. 131 Lei de crimes Hediondos ...................................................................................... Pág. 134 Lei sobre a Tortura ............................................................................................... Pág. 135 Código de Trânsito Brasileiro ............................................................................... Pág. 136 Lei de Drogas ....................................................................................................... Pág. 139 Lei Maria da Penha .............................................................................................. Pág. 143 8 1. Teoria geral do Direito Penal O direito penal é ramo do direito público. Sua finalidade é tutelar os mais relevantes bens da sociedade. Por meio de suas normas veda-se a prática de condutas tendentes a lesionar a vida, as integridades física, psicológica e sexual, o patrimônio, a Administração Pública (em sentido amplo), entre tantos outros. O direito penal elenca as condutas consideradas penalmente reprováveis no convívio humano e fixa as penalidades pertinentes para cada uma. Diversos são os crimes, uns de maior, outros de menor potencial ofensivo. Outros, ainda, são sequer chamados de crimes, mas como não são irrelevantes, são passíveis de punição sob o título de contravenções. O direito penal é um dos ramos mais antigos do direito e evoluiu juntamente com a sociedade. As penalidades, hoje, mais que apenas remediar o ilícito, destinam-se à reinserção do ofensor ao convívio social. A pena não deve apenas ter o objetivo punitivo, mas também o educativo. 1.1 Fontes do direito penal As fontes do direito penal dividem-se em: a) materiais; e b) formais. Fontes materiais são aquelas que criam a norma penal, ou seja, aquelas donde emanam as leis (em sentido amplo) penais. No Brasil, a fonte material do direito penal é, exclusivamente, o Estado. Conforme dispõe o artigo 22, inciso I, da Constituição Federal de 1988: Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho; […] Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo. Dessa forma, a competência para legislar sobre direito penal é privativa da União, isto é, a União, privativamente, figura como fonte material do direito penal brasileiro. Entretanto, o parágrafo único do citado dispositivo constitucional deixa claro que a União, mediante lei complementar, pode conferir autorização para que os Estados legislem sobre questões específicas de direito penal. São dois, portanto, os pontos de atenção em relação à possibilidade dos Estados legislarem sobre direito penal: a) autorização expressa em lei complementar; e b) estipulação de pontos específicos sobre direito penal, vedada a autorização genérica para legislar. 9 Já as fontes formais do direito penal subdividem-se em: a) diretas; e b) indiretas. Só há uma fonte direta para o direito penal, e essa fonte é a lei, em atenção ao princípio da reserva legal, de prisma constitucional (art. 5º, XXXIX) e legal (art. 1º, do Código Penal). Já as fontes indiretas do direito penal são os princípios gerais de direito e os costumes, a teor da disposição contida no artigo 4º, da Lei de Introdução ao Código Civil. No entanto, veja-se a redação do mencionado artigo: Art. 4º - Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. Desta forma, o que dizer acerca da analogia? Conforme ensina Julio Fabbrini Mirabete, a analogia não é fonte do direito penal, mas sim forma de auto-integração da legislação penal. Quanto à analogia, há que se frisar, ainda, que sua utilização jamais pode resultar na instituição de crimes ou de sanções criminais, pois tal competência é exclusivamente legal. Nada impede, porém, a utilização da analogia em benefício do réu, desde que presente uma lacuna legal, naquilo que a doutrina chama de analogia in bonam partem. Quanto à equidade, também não configura fonte indireta do direito penal, mas apenas método interpretativo da legislação, por meio do qual se obtém a adequação de determinada norma em face de uma específica situação concreta. Por derradeiro, aos princípios gerais de direito e aos costumes deve- se juntar, como fonte indireta do direito penal, o ato administrativo. Explica- se através de um exemplo concreto. A Lei de Drogas (Lei n.º 11.343/06), embora tipifique o tráfico de drogas, não elenca quais substâncias reputam- se ilícitas, aptas, portanto, a ensejar a prática do ilícito quedescreve. Nesse caso, o legislador deixou a cargo do Poder Executivo (Ministério da Saúde), por meio de ato administrativo (Portaria n.º 344/98), a integração do conteúdo legal. O exemplo em tela expõe, nitidamente, como o ato administrativo reveste-se do caráter de fonte indireta do direito penal quando integra uma norma penal em branco. 1.2 Lei penal A lei, como salientado, é a única fonte direta do direito penal. A expressão “lei” pode ser usada em sentido estrito, caso em que se está a tratar da norma penal incriminadora, isto é, dos tipos penais em si, mas também pode ser usada em sentido amplo, caso em que se está a tratar da norma penal não incriminadora, isto é, das normas que destinam-se a explicar ou permitir algo. A analogia, como salientado no tópico anterior, é forma de integração da lei penal. Portanto, não há que se falar no emprego de analogia em 10 relação às normas penais incriminadoras, o que não ocorre em relação às normais penais não incriminadoras que apresentam alguma espécie de lacuna, situação em que pode ser utilizada a analogia in bonam partem. A lei penal incriminadora é caracteristicamente composta por dois elementos: a) o preceito primário; e b) o preceito secundário. O preceito primário descreve a conduta criminosa em si, enquanto o preceito secundário descreve a pena aplicável a esta conduta. Veja-se o exemplo: PRECEITO PRIMÁRIO: Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: PRECEITO SECUNDÁRIO: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa. Por derradeiro, cumpre frisar que são características da lei: a) a generalidade, isto é, a aplicabilidade indistinta a todas as pessoas; b) a imperatividade, isto é, a obrigatoriedade de sua observância, sob pena de sujeição às sanções nela descritas; c) a impessoalidade, isto é, a não-vinculação a determinadas pessoas; d) a exclusividade, ante a vigência do princípio da reserva legal; e e) a anterioridade, isto é, a impossibilidade de aplicação da lei penal para fatos ocorridos em momento anterior ao início de sua vigência, salvo se para benefício do réu. 1.3 Norma penal em branco Via de regra, as normas penais são completas, isto é, não dependem de nenhuma outra para serem imediatamente aplicadas. Há normas, no entanto, que são incompletas, isto é, que dependem de outras para só então serem aplicadas. A norma penal que depende de outra para estar completa é chamada de norma penal em branco. Essas normas existem diante da impossibilidade de previsão imediata, pelo Poder Legislativo, de todas as situações passíveis de configuração do ilícito. Sempre que se fala em norma penal em branco, se está a falar de uma norma principal e de uma norma complementadora. Enquanto a norma principal a de estar prevista, obrigatoriamente, em lei, a norma complementadora pode estar prevista em lei, assim como pode estar prevista num decreto, portaria, regulamento etc. Ademais, a norma complementadora incide sobre o preceito primário da norma principal, e não sobre seu preceito secundário. O legislador pode 11 deixar a cargo de outra instância legislativa ou administrativa o estabelecimento de critérios objetivos de complementação da norma, mas não pode deixar de fixar as penas para o delito (preceito secundário). Se o legislador deixasse para a instância administrativa a possibilidade de fixação das penas, estar-se-ia ferindo o princípio da reserva legal, pois há que se lembrar que não há crime sem lei anterior que o defina, assim como não há pena sem prévia cominação legal. Veja-se a ilustração: ___________________|_____________________|____________________ Norma penal em branco Norma complementadora Sanção Art. 33, Lei n.º 11.343/06 Portaria n.º 344/98 MS Art. 33, Lei n.º 11.343/06 PRECEITO PRIMÁRIO PRECEITO SECUNDÁRIO Como se vê, a norma penal em branco está no preceito primário da norma penal, e é integrada pela norma complementadora. O preceito secundário mantém-se inalterado. Isso ocorre, pois o legislador deve prever o fato típico, e, como no caso da Lei de Drogas, faltando-lhe o conhecimento técnico necessário, ele descreve a conduta com uma expressão genérica e entrega à autoridade administrativa competente a incumbência de integrar (complementar) a expressão, dando-lhe aplicabilidade. Veja-se o artigo 33, da Lei n.º 33.343/06, onde a expressão “drogas” representa o “espaço em branco” dessa norma penal: PRECEITO PRIMÁRIO: Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: PRECEITO SECUNDÁRIO: Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. 1.4 Aplicação da lei penal 1.4.1 Lei penal no tempo Via de regra, a lei vigente à época da prática do fato é a sua lei de regência, em consagração ao princípio tempus regit actum. No entanto, há casos expressamente autorizados de retroação e de ultratividade da lei. A Constituição Federal veda a punição por crime sem anterior previsão legal, mas autoriza a retroação da lei para benefício do réu. O Código Penal, por sua vez, dispõe sobre regras de ultratividade das leis temporária e excepcional. 12 Diante de situações em que, aparentemente, incidem duas ou mais leis sobre um mesmo fato, utilizam-se os seguintes instrumentos para afastar o conflito entre normas: a) novatio legis incriminadora; b) abolitio criminis; c) novatio legis in pejus; e d) novatio legis in mellius. Verifica-se a novatio legis incriminadora quando há a criação de um tipo penal. Se fosse instituída uma lei que criminalizasse o aborto no caso de estupro, se estaria diante de uma inovação legal incriminadora. Essa nova lei, que criminaliza uma conduta que antes não era considerada delituosa, não retroage, em atenção ao princípio da irretroatividade e anterioridade da lei, segundo o qual: não há crime sem lei anterior que o defina. Em sentido contrário, a abolitio criminis configura uma exclusão de um tipo penal. Essa exclusão opera-se mediante a revogação, por meio de lei, de um tipo penal vigente. Por exemplo, se uma lei revogar os artigos 124 e 126 do Código Penal, haverá uma abolição de conduta criminosa, donde quem praticar o aborto não incorrerá mais em um fato típico. Nos casos de abolitio criminis, a lei tem aplicação retroativa para beneficiar o réu que esteja sendo processado ou que esteja cumprindo pena em razão dessa conduta delituosa, pois segundo o artigo 2º, do Código Penal, ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar como criminoso, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória. A abolitio criminis aplica-se, inclusive, aos casos que tenham sido decididos por sentença condenatória transitada em julgado. A novatio legis in pejus é uma inovação legal que trás prejuízo ao réu, pois agrava uma conduta criminosa em vigência. Quando há aumento de pena para um determinado delito, por exemplo, há uma novatio legis in pejus. A inovação legal que agrava a conduta delituosa aplica-se, tão somente, aos fatos ocorridos após o início de sua vigência, sendo irretroativa, portanto. Em sentido oposto, a novatio legis in mellius é uma inovação legal que trás benefício ao réu, pois torna menos grave uma conduta criminosa em vigência. Quando há diminuição ou abrandamento do regime de cumprimento de pena, por exemplo, há umanovatio legis in mellius. A inovação legal que reduz a gravidade da conduta delituosa aplica-se retroativamente, inclusive em relação aos casos já definitivamente julgados. É mandamento constitucional, albergado no artigo 5º, inciso XL, que “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. Outra situação que não pode deixar de ser mencionada é a possibilidade de ultratividade da lei benéfica ao réu. Como se viu, a lei penal só pode retroagir quando tiver por objetivo beneficiar o réu, e, nesse sentido, também pode a lei penal ser aplicada depois de sua revogação, pelo mesmo objetivo. A ultratividade é, pois, a aplicação da lei penal em momento posterior à sua revogação, o que se permite apenas quando ela for beneficiar o réu. Por exemplo, se o réu comete um crime que, à época, era apenado com detenção, e, posteriormente (durante o trâmite processual) é 13 publicada nova lei (novatio legis in pejus), que pune com reclusão a mesma conduta, a ele deverá ser aplicada a lei da época dos fatos (lei revogada), por lhe traduzir um benefício penal. Conduto, note-se, a ultratividade e a retroatividade em benefício do réu vigem apenas na seara penal, mas não na processual penal. As regras de direito material tendem sempre a beneficiar o réu, o que não ocorre com as normas processuais, que são aplicáveis imediatamente, tão logo se tornem vigentes. Para o processo penal impera o princípio tempus regit actum, e, portanto, iniciada a vigência de uma lei processual durante o trâmite de um processo, essa lei tem aplicação imediata, traga benefícios ou prejuízos ao réu. 1.4.2 Leis temporárias e excepcionais A lei penal pode ser ordinária, isto é, vigente em qualquer circunstância, mas também pode ser excepcional ou temporária. Tanto a lei excepcional como a temporária são auto-revogáveis, isto é, findo o motivo ou o prazo motivo para o qual foram instituídas, elas são automaticamente revogadas. Lei temporária é aquela com prazo de vigência previamente estipulado, ou seja, é uma lei por prazo determinado, o qual, uma vez transcorrido, gera, automaticamente, a revogação da mesma. Lei excepcional é aquela com vigência durante específicas e determinadas situações emergenciais. Finda a situação de emergência, revogada estará a lei excepcional. No entanto, é importante estar atento para o fato de que tanto as leis temporárias como as excepcionais são dotadas de ultratividade, isto é, elas surtem efeitos mesmo depois de revogadas. Por exemplo, imagine-se uma crise nacional no abastecimento de água, onde seja publicada uma lei excepcional que tipifique a conduta de todos os que forem flagrados desperdiçando água. Nesse caso, superada a situação emergencial, a lei será automaticamente revogada, porém quem praticou aquela conduta que ela descrevia como crime, na época de sua vigência, suportará os efeitos do processo e da condenação criminal mesmo depois de sua revogação. A revogação da lei excepcional, assim como da temporária, não gera uma abolitio criminis para os que cometeram o ilícito quando elas eram vigentes, o que evita que as pessoas, cientes dessa circunstância, descumpram intencionalmente seus mandamentos à época de sua vigência. 1.5 Tempo do crime Três são as teorias apontadas pela doutrina para identificar o momento em que se considera praticada uma infração penal: a) teoria da atividade; b) teoria do resultado; e 14 c) teoria da ubiquidade. Segundo a teoria da atividade, considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão delituosa. Segundo a teoria do resultado, considera-se praticado o crime no momento da consumação do crime, sendo irrelevante o momento em que foi praticada a ação ou omissão delituosa. Por fim, segundo a teoria da ubiquidade, considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão delituosa ou no momento da consumação do crime, ou seja, considera-se como tempo do crime tanto o momento da conduta como aquele em que ocorre o resultado. O Código Penal brasileiro adotou, pois, a teoria da atividade, conforme disposição do seu artigo 4º: Art. 4º - Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado. Por isso, nos crimes permanentes e nos continuados, caso sobrevenha legislação mais grave para o ofensor (novatio legis in pejus), ela será perfeitamente aplicável, não havendo que se falar em ultratividade da lei mais benéfica. Tanto o crime permanente como o crime continuado tem sua execução prolongada no tempo, ou seja, o momento da ação ou omissão não é único, mas diferido, e, sobrevindo legislação durante o período em que o crime (permanente ou continuado) está em atividade, a ele se aplica a nova legislação, seja ela mais benéfica ou gravosa. Por derradeiro, quanto à prescrição, é importante mencionar que o Código Penal não adotou a teoria da atividade, mas sim a do resultado. Portanto, quando se tratar de prescrição, esta tem início a partir da consumação do crime, e não a partir da data em que o mesmo foi praticado, haja visto expressa ressalva legal: Art. 111 - A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr: I - do dia em que o crime se consumou; II - no caso de tentativa, do dia em que cessou a atividade criminosa; III - nos crimes permanentes, do dia em que cessou a permanência; IV - nos de bigamia e nos de falsificação ou alteração de assentamento do registro civil, da data em que o fato se tornou conhecido. 1.6 Lei penal no espaço 1.6.1 Territorialidade O Código Penal aplica-se ao território brasileiro. A afirmação óbvia carece de esclarecimento para que se identifique, com exatidão, o que pode ser considerado como território brasileiro. 15 Além do solo, considera-se território brasileiro: a) o subsolo; b) o espaço aéreo; c) o mar territorial (faixa de 12 milhas, contadas da baixa maré); d) as ilhas fluviais ou lacustres (ilhas de lagos ou rios nas faixas de fronteiras); e) as ilhas oceânicas (afastadas do continente, como a ilha de Fernando de Noronha); f) os navios e aeronaves de caráter público, onde quer que se encontrem; g) os navios e aeronaves brasileiros, mercantes ou particulares que estejam em águas ou no espaço aéreo internacional; h) as embaixadas, consulados ou representações diplomáticas brasileiras; e i) a estação brasileira no continente antártico. Em qualquer destes locais, cometida uma infração penal, esta se sujeita às leis brasileiras, leis que também são aplicáveis para os crimes praticados a bordo de aeronaves ou embarcações estrangeiras de propriedade privada, desde que elas estejam em pouso no território nacional ou em voo no espaço aéreo correspondente, e estas em porto ou mar territorial do Brasil (parágrafo segundo, do art. 5º, Código Penal). Caso o Brasil tivesse admitido, com exclusividade, a aplicação da lei penal brasileira para o crime cometido em qualquer dos locais considerados como território brasileiro, estar-se-ia diante da adoção do critério da territorialidade. No entanto, o caput do artigo 5º do Código Penal é claro ao dispor que “aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional”. Ao admitir a aplicação da lei estrangeira no país, em algumas situações, o Brasil adotou o critério da territorialidade temperada. 1.6.2 Lugar do crime Assim como ocorre quanto ao tempo, também quanto ao lugar do crime a doutrina apresenta 3 (três) teorias para identificar o local em que se considera praticada uma infração penal: a) teoria da atividade; b) teoria do resultado; e c) teoria da ubiquidade. Segundo a teoria da atividade, considera-sepraticado o crime no local em que ocorre a ação ou omissão delituosa. Segundo a teoria do resultado, considera-se praticado o crime no local em que ocorre a consumação do crime. 16 Por fim, segundo a teoria da ubiquidade, considera-se praticado o crime no local em que ocorre a ação ou omissão, ou, alternativamente, no local em que ocorre a consumação. Em outras palavras, considera-se como local do crime tanto o local da atividade como o do resultado do crime. O Código Penal brasileiro adotou a teoria da ubiquidade, conforme se extrai de seu artigo 6º: Art. 6º - Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado. Essa regra, no entanto, comporta exceções. Tanto a Lei dos Juizados Especiais (Lei n.º 9.099/95) como o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069/90) adotam a teoria da atividade para determinação da competência. O Código de Processo Penal, por sua vez, para determinação da competência, adota a teoria do resultado, isto é, a persecução penal deve tramitar perante o foro do local em que se consumar a infração (racione loci). 1.6.3 Extraterritorialidade A extraterritorialidade é hipótese excepcional, que se subdivide em: a) condicionada; e b) incondicionada. A extraterritorialidade condicionada se verifica naquelas situações em que o Brasil se obrigou a reprimir, por Tratado ou Convenção, os crimes praticados por brasileiros e os praticados em aeronaves ou navios brasileiros, mercantes ou privados, quando estiverem em território estrangeiro e ali não forem julgados. Contudo, para aplicação da lei brasileira nos casos de extraterritorialidade condicionada é necessário o preenchimento das seguintes condições: a) entrar o agente no território nacional; b) ser o fato punível também no país em que foi praticado; c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição; d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena; e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável. Já a extraterritorialidade incondicionada se verifica quando forem cometidos crimes contra a vida ou a liberdade do Presidente da República, contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território, de Município, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público, à Administração 17 Pública, por quem está a seu serviço, ou de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil. Em qualquer dos casos de extraterritorialidade incondicionada, a punição segundo a lei brasileira será efetivada ainda que o agente seja absolvido ou condenado no estrangeiro. Por derradeiro, a teor do artigo 7º, parágrafo terceiro, do Código Penal, também se aplica a lei brasileira ao crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil se, reunidas as condições de aplicabilidade da lei brasileira nos casos de extraterritorialidade condicionada: a) não foi pedida ou foi negada a extradição; b) houve requisição do Ministro da Justiça. Portanto, para finalizar: EXTRATERRITORIALIDADE Crimes cometidos no estrangeiro, mas sujeitos à lei brasileira CONDICIONADA Exige o preenchimento de determinadas condições (art. 7º, §2º, do CP) INCONDICIONADA A aplicação da lei brasileira ocorre independentemente da absolvição ou condenação no estrangeiro 1) Crimes que por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir; 1) Crime contra a vida ou a liberdade do Presidente da República; 2) Crimes praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados. 2) Crime o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território, de Município, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público; 3) Crimes praticados por brasileiro; 3) Crime contra a administração pública, por quem está a seu serviço; 4) Crimes praticados por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil, se reunidas as condições (art. 7º, §2º, do CP): a) não foi pedida ou foi negada a extradição; b) houve requisição do Ministro da Justiça. 4) Crime de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil. 1.6.4 Pena cumprida no estrangeiro Quando houver o cumprimento de pena no estrangeiro, ela será considerada pelo Poder Judiciário brasileiro, desde que relativa ao mesmo crime. Se as penas forem diversas (reclusão e penalidade pecuniária), a pena aplicada no estrangeiro atenuará a pena a ser cumprida no Brasil. E se 18 as penas forem idênticas (reclusão e reclusão), a pena aplicada no estrangeiro será computada na pena a ser cumprida no Brasil. Com isso, evita-se o bis in idem, ou seja, a aplicação da mesma punição, pelo mesmo crime, por mais de uma vez. 1.6.5 Eficácia da sentença estrangeira A sentença estrangeira só passa a produzir efeitos no Brasil após sua homologação, pelo Superior Tribunal de Justiça (art. 105, I, “i”, da CRFB/88). Dispõe o artigo 9º do Código Penal, que a sentença estrangeira, quando a aplicação da lei brasileira produzir na espécie as mesmas consequências, pode ser homologada no Brasil para: a) obrigar o condenado à reparação do dano, a restituições e a outros efeitos civis; b) sujeitá-lo a medida de segurança. E, essa homologação depende: a) para obrigar o condenado à reparação do dano, a restituições e outros efeitos civis, de pedido da parte interessada; b) para os outros efeitos, da existência de tratado de extradição com o país de cuja autoridade judiciária emanou a sentença, ou, na falta de tratado, de requisição do Ministro da Justiça. 1.7 Princípios do direito penal 1.7.1 Princípio da intervenção mínima O princípio da intervenção mínima é elementar e regente do Direito Penal. Segundo ele, o Estado, através do Direito Penal, só deve se preocupar com os bens mais relevantes para a sociedade, deixando de limitar as atividades que não o sejam. A evolução social mostra que condutas anteriormente consideradas como penalmente relevantes, podem deixar de ser com o passar dos tempos, como no caso do adultério, antes considerado crime e hoje não mais. É duplo, portanto, o sentido do princípio em análise, pois ao mesmo tempo que dirige ao legislador o dever de selecionar quais bens jurídicos possuem relevância penal, também dirige a ele o dever de retirar a punibilidade daqueles bens que deixaram de ser considerados como relevantes. 1.7.2 Princípio da lesividade O princípio da lesividade complementa o princípio da intervenção mínima. Enquanto o último estabelece quais bens são relevantes para o 19 Direito Penal, o primeiro determina qual o nível de lesão a esses bens deve ser passível de punição. É por isso que condutas que não excedem o âmbito do próprio autor, sem lesão a bens de terceiros, não são passíveis de punição. Portanto, se a conduta não possuir certa dose de lesividade, ela não deve atrair a atenção do Direito Penal. 1.7.3 Princípio da fragmentariedade Inobstante a divisão do Direito em ramos, como o Civil, o Administrativo e o Tributário, cada um deles se subdivide, se fragmenta. A fragmentariedade é indicativa das diferentes parcelas de bens que o Direito Penal cuida. Segundo a doutrina de Rogério Greco, a fragmentariedade é “uma consequência da adoção dos princípios da intervenção mínima, da lesividade e da adequação social,que serviram para orientar o legislador no processo de criação dos tipos penais. Depois da escolha das condutas que serão reprimidas, a fim de proteger os bens mais importantes e necessários ao convívio em sociedade, uma vez criado o tipo penal, aquele bem por ele protegido passará a fazer parte do pequeno mundo do Direito Penal”. 1.7.4 Princípio da insignificância Determinadas condutas, tamanha a irrelevância para o Direito Penal, devem ser consideradas insignificantes, não sendo passíveis de punição. O princípio da insignificância, também conhecido como princípio da bagatela, alinha-se ao princípio da intervenção mínima, e socorre aqueles que cometeram lesão a determinado bem juridicamente tutelado pelo ordenamento penal, mas que em razão da pequenez, não merece mover a máquina estatal punitiva. 1.7.5 Princípio da legalidade O princípio da legalidade está constitucional e legalmente resguardado. Segundo ele, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (art. 5º, inciso II, da CRFB/88), e “não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal” (art. 5º, XXXIX, da CRFB e art. 1º, do CP). Em matéria penal, é reserva da lei a tipificação de condutas e determinação das penas, portanto. 1.7.6 Princípio da retroatividade da lei mais benéfica Em matéria penal, vige o princípio da irretroatividade, mas há expressa ressalva quanto a lei mais benéfica ao réu. Nesse caso, admite-se 20 a retroatividade da lei, conforme expressa autorização do artigo 5º, inciso XL, da CRFB/88. Também o Código Penal, no caput de seu artigo 2º dispõe que “ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória”, e no parágrafo primeiro que “a lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado”. 1.7.7 Princípio da presunção de inocência Até condenação proferida em sentença transitada em julgada, todos devem ser considerados inocentes. A determinação constitucional do artigo 5º, inciso LVII, dispõe: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. É com base nessa garantia que confere-se ao condenado em primeira instância o direito de recorrer em liberdade, por exemplo. 1.7.8 Princípio da personalização da pena Apenas aquele que incorreu no fato típico legalmente descrito pode suportar as punições dele decorrentes. A Constituição da República de 1988 foi clara ao estipular que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido” (art. 5º, XLV, da CRFB/88). Note-se que a obrigação de reparar o dano e pena de perdimento de bens alcança, exclusivamente, os bens que eram do próprio condenado, sem o que se haveria lesão ao princípio constitucional da personalização da pena. 1.7.9 Princípio da individualização da pena O condenado tem o direito de ter sua pena individualizadamente determinada. Conforme estipulação do artigo 5º, inciso XLVI da Constituição da República de 1988, “ a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos.” 21 Ademais, consoante inciso XLVII do dispositivo constitucional em análise, ficam expressamente vedadas as penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX (guerra declarada); b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis; 1.7.10 Princípio do devido processo legal Dispõe o artigo 5º, inciso LIV, da Constituição da República de 1988, que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. A garantia em análise confere aos acusados o direito de serem processados segundo as regras vigentes, sem a possibilidade de serem submetidos à regras ou tribunais de exceção. A observância do devido processo legal confere ao acusado a certeza de respeito de seus direitos e exercício das faculdades legais disponibilizadas à demonstração de sua participação na atividade criminosa para a qual foi acusado. Intimamente ligado ao princípio do devido processo legal estão os princípios do contraditório e da ampla defesa. Conforme artigo 5º, inciso LV, da Constituição da República, “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. O respeito dessas garantias confere ao acusado o direito de se defender plenamente e consagram comandos básicos de um Estado Democrático de Direito. 2. Teoria geral do crime Crime é a conduta humana que fere a legislação penal. Praticado o fato considerado típico pela lei penal, seu agente incorre nas sanções por ele descritas. Via de regra, apenas o ser humano pode ser sujeito ativo de uma conduta criminosa, embora a pessoa jurídica também o passa em algumas situações. Nem toda a conduta humana que fira a legislação penal, no entanto, configura um crime. Dessa forma, a conduta também pode traduzir a prática de uma contravenção penal. Enquanto crime é uma conduta mais grave, contravenção é a conduta de menor potencial ofensivo, conhecida também como “crime-anão”. Segundo o artigo 1º da Lei de Introdução ao Código Penal, considera- se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa, e, contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, 22 pena de prisão simples ou de multa, ou ambas. alternativa ou cumulativamente. Em sentido formal, crime é a violação da lei penal. Em sentido material, crime é todo fato humano que fere ou expõe a perigo bens que são penalmente tutelados. Por fim, em sentido analítico, crime é um fato típico e antijurídico, donde a culpabilidade é pressuposto da aplicação da pena, ao passo que a periculosidade é pressuposto da aplicação da medida de segurança. Para a conceituação de crime existem duas teorias: a) bipartida; e b) tripartida. Pela teoria tripartida, crime é toda ação ou omissão humana: a) típica; b) antijurídica; e c) culpável. Já a teoria bipartida considera que crime é toda ação ou omissão humana: a) típica; e b) antijurídica. Para essa teoria, a culpabilidade não é elemento autônomo do crime, mas mero pressuposto da aplicação da pena. Em todo caso, conduta típica é aquela ação ou omissão humana que se enquadra à classificação estipulada em lei como criminosa. Antijuridicidade é a contrariedade de uma conduta humana com o ordenamento jurídico, conduta que causa dano ou perigo de dano a um bem jurídico tutelado. Já a culpabilidade é o juízo de reprovabilidade da conduta em relação ao fato típico praticado. 2.1 Classificação dos crimes Acerca dos crimes, várias classificações são apresentadas, dentre as quais merece destaque: a) Crimes comuns, próprios e de mão-própria a.1) crime comum: é aquele que pode ser cometido por qualquer pessoa; a.2) crime próprio: é aquele que só pode ser cometido pela pessoa que ostente uma condição especial, isto é, exige-se um sujeito ativo específico, como o funcionário público em relação ao peculato, por exemplo; a.3) crime de mão-própria: é aquele que só pode ser cometidomediante atuação pessoal do sujeito ativo, como o crime de falso testemunho, por exemplo. b) Crimes principais e acessórios 23 b.1) crime principal é aquele que independe da prática de qualquer delito anterior; e b.2) crime acessório é aquele pressupõe a existência de um crime anterior, como o delito de receptação, que depende de um furto ou roubo anteriormente realizado, por exemplo. c) Crimes instantâneos, permanentes e instantâneos de efeitos permanentes c.1) crime instantâneo é aquele encerra-se de imediato, isto é, aquele em que a consumação ocorre de plano, sem prolongamentos; c.2) crime permanente é aquele que se consuma através de prolongação no tempo, como no sequestro, por exemplo; c.3) crime instantâneo de efeito permanente é aquele que, embora consumado instantaneamente, seus efeitos permanecem independentemente da vontade do sujeito ativo, como no caso de bigamia, por exemplo. d) Crimes comissivos, omissivos puros e omissivos impróprios d.1) crime comissivo é aquele que depende de uma ação do sujeito ativo, isto é, de uma conduta positiva destinada à prática do crime; d.2) crime omissivo (ou omissivo puro) é aquele que depende de uma omissão do sujeito ativo, isto é, de uma conduta negativa daquele que, diante da verificação concreta de uma situação descrita em lei, que lhe dava a incumbência de atuar, deixa de fazê-lo voluntariamente, como no caso de omissão de socorro, por exemplo; d.3) crime omissivo impróprio (ou comissivo por omissão) é aquele que depende de uma omissão diante de uma situação que impõe ao sujeito ativo o dever jurídico de impedir o resultado, como um médico que não administra o medicamente necessário ao paciente, deixando com que o mesmo morra. e) Crimes transeuntes e não-transeuntes e.1) crime transeunte é aquele que não deixa vestígios, como os crimes contra a honra, por exemplo; e.2) crime não-transeunte, em sentido oposto, é aquele que deixa vestígios, caso em que deve ser realizado o exame de corpo de delito, como no caso de lesão corporal, por exemplo. f) Crimes unissubjetivos e plurissubjetivos f.1) crime unissubjetivo é aquele que pode ser praticado por apenas uma pessoa, embora nada impeça que seja praticado por duas ou mais; f.2) crime plurissubjetivo é aquele que exige duas ou mais pessoas, só com o que se poderá falar na específica prática criminosa, como na quadrilha ou bando, ou na rixa, por exemplo. g) Crimes unissubsistentes e plurissubsistentes g.1) crime unissubsistente é aquele que só exige um ato executório para que possa ocorrer a consumação do crime; 24 g.2) crime plurissubsistente é aquele que depende de dois ou mais atos executórios, só com o que poderá ocorrer a consumação do crime. h) Crimes simples, qualificados e privilegiados h.1) crime simples ocorre quando o tipo penal é simples, básico, sem qualquer causa que majore ou reduza sua gravidade, como furto simples ou homicídio simples, por exemplo; h.2) crime qualificado ocorre quando ao tipo penal básico é agregada circunstância que majora a gravidade e, consequentemente, a pena do crime, como o homicídio cometido por motivo fútil, por exemplo; h.3) crime privilegiado ocorre quando ao tipo penal básico é agregada circunstância que reduz a gravidade e, consequentemente, a pena do crime, como o homicídio por motivo de relevante valor social, por exemplo. i) Crime habitual i.1) crime habitual é aquele que se consuma mediante a reiteração de atos, que isoladamente, via de regra, não tem relevância penal. Por exemplo, a prostituição, isoladamente, não tem relevância penal. No entanto, comete crime habitual (rufianismo) aquele que tira proveito da prostituição alheia, fazendo-se sustentar por quem a exerça. j) Crime profissional j.1) crime profissional é aquele praticado por alguém que exerce uma profissão lícita, e dela se vale para cometer um delito, como no caso do médico que realiza um aborto, por exemplo. k) Crime exaurido k.1) crime exaurido ocorre quando, após preenchidas as circunstâncias verificadoras do tipo penal, o sujeito ativo o leva a consequências mais graves. l) Crimes materiais, formais e de mera conduta l.1) crime material é aquele que exige um resultado externo em relação a ação, como a morte, no caso do homicídio, por exemplo. l.2) crime formal é aquele em que não se exige a realização daquilo que era pretendido pelo sujeito ativo, como no caso da ameaça, em que o delito se consuma com sua simples feitura, independentemente de sua concretização. l.3) crime de mera conduta é aquele que se consuma mediante mera ação ou omissão do sujeito passivo, sendo irrelevante a produção de qualquer resultado naturalístico, como a violação de domicílio ou a omissão (pelo médico) de denúncia à autoridade pública sobre doença cuja notificação é compulsória, por exemplo. m) Crimes de dano e de perigo m.1) crime de dano é aquele que exige a efetiva lesão de um bem jurídico, só com o que se pode falar em consumação; 25 m.2) crime de perigo é aquele que se consuma mediante a simples criação de uma situação de perigo em relação ao bem juridicamente tutelado, donde extrai-se a seguinte subdivisão: m.2.1) crime de perigo concreto, que exige a criação de uma efetiva situação de perigo, como no caso de expor ou abandonar recém-nascido, para ocultar desonra própria (art. 134, do CP); e m.2.2) crime de perigo abstrato, que não exige a criação de uma situação concreta de perigo, bastando que esta situação seja presumível (presunção absoluta), como no crime de quadrilha ou bando (art. 288, do CP). n) Crimes complexos n.1) crime complexo, em sentido estrito, é aquele que agrupa, em um único tipo legal, duas ou mais condutas que, isoladamente, são consideradas delituosas, como o roubo, que é a soma do crime de furto e ameaça (ou lesão corporal); e n.2) crime complexo, em sentido amplo, quando um tipo legal abrange um tipo simples acrescido de circunstâncias que, isoladamente, não são típicas, como o constrangimento ilegal, que é a soma do crime de ameaça com a mera obrigatoriedade do sujeito passivo fazer algo que não deseja. o) Crimes vagos o.1) crime vago é aquele em que o sujeito passivo é uma coletividade, como ocorre em relação ao crime de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins medicinais ou terapêuticos (art. 273, do CP). Além destas, existem outras classificações atribuídas aos crimes, mas conforme o contexto do exame da Ordem dos Advogados do Brasil, estas são as que tem sido objeto de maior indagação dos candidatos. 2.2 Objeto do crime O objeto do crime pode ser tanto jurídico como material. Não há como se falar em crime sem se falar em objeto. Objeto jurídico é aquele resguardado pela lei penal, como a honra, a fé pública, a vida etc. Objeto material, por sua vez, é a pessoa ou coisa sobre a qual se manifesta a conduta delituosa, como a pessoa lesionada ou o bem furtado. 2.3 Sujeitos crime O sujeito ativo do crime é aquele que pratica a conduta delituosa, ao passo que o sujeito passivo é aquele contra quem essa conduta é praticada. O sujeito ativo é o ofensor, ao passo que o sujeito passivo é o ofendido. O sujeito passivo pode ser uma pessoa, física ou jurídica, mas não pode ser um animal, nem uma pessoa morta. Nesse último caso, o sujeito 26 passivo do crime pode ser a família do de cujus, mas não ele que deixou de ser sujeito de direitos. Sempre que ocorre um crime, o Estado é sujeito passivo dele, pois é dele que emana a legislação violada. O Estado, por ser sempre sujeito passivo do crime, é chamado de sujeito passivo constante, ou formal. Já aquele que sofre pontualmente a lesão a um bemjurídico é chamado de sujeito passivo eventual ou material, como a pessoa que tem um veículo furtado, por exemplo. 2.4 Fato típico Um fato é típico quando a conduta do homem preenche com perfeição uma descrição legalmente proibitiva. Quando alguém mata outrem, incorre na proibição constante do artigo 121 do Código Penal, ou seja, pratica um fato típico. O fato típico é elemento do crime, ao lado da ilicitude e da antijuridicidade. A culpabilidade mostra-se, pois, como mero pressuposto para aplicação da pena. Para que se fale em fato típico, há que se falar em: a) conduta; b) resultado; c) relação causal; e d) tipicidade. Esses elementos são necessários quando o sujeito pratica crimes materiais, assim como quando pratica crimes omissivos impróprios, pois no caso dos crimes formais, de mera conduta e omissivos próprios, basta a presença da conduta e da tipicidade, sendo irrelevante a presença do resultado e do nexo de causalidade. 2.4.1 Conduta Penalmente, conduta é a ação ou omissão criminosa, praticada de forma culposa ou dolosa, tendente a causar lesão a algum bem juridicamente tutelado. Acerca da conduta, a doutrina apresenta três teorias: a) teoria causalista; b) teoria finalista; e c) teoria social. Segundo a teoria causalista, considera-se conduta qualquer ação ou omissão humana que produza efeitos exteriores, sendo irrelevante que ela tenha sido culposa ou dolosa. Por essa teoria o dolo e culpa devem ser alocados como integrantes da culpabilidade. Segundo a teoria finalista, considera-se conduta a ação ou omissão humana que seja consciente e voluntariamente praticada, com a finalidade 27 de produzir determinado resultado. Portanto, só há que se falar em fato típico quando presente o elemento subjetivo do injusto, isto é, a livre vontade de praticar o fato criminoso. Essa teoria liga o dolo e a culpa à conduta, diferentemente da teoria causalista. Já para a teoria social, considera-se conduta apenas a ação ou omissão que tenha relevância social e que seja dominada pela vontade humana. Em razão da vagueza na expressão “relevância social”, a teoria não encontrou maior espaço de difusão. A conduta criminosa, ademais, pode ser comissiva ou omissiva. É comissiva a conduta que traduz um agir do agente, enquanto é omissiva a conduta que traduz um deixar de agir quando há o prévio dever jurídico para tanto (crimes omissivos impróprios) ou quando não há esse prévio dever (crimes omissivos próprios), como na omissão de socorro. E há, ainda, os crimes comissivos por omissão, isto é, o agente deixa de praticar uma conduta para garantir um resultado criminoso, como por exemplo, quando o empregado deixa de trancar a caixa registradora para que outrem, em conluio com ele, pratique um furto. 2.4.2 Resultado O resultado do crime pode ser: a) normativo; ou b) naturalístico. Resultado normativo é o dano ou perigo de dano ao bem juridicamente tutelado pela norma penal. Praticado um delito, qualquer que seja sua natureza, verifica-se o resultado normativo, portanto. Já o resultado naturalístico é o dano causado no mundo dos fatos, como ocorrência direta da conduta criminosa. Nem todos os delitos produzem resultados naturalísticos, pois há crimes que independem deles, tal como os crimes formais e os de mera conduta. 2.4.3 Relação de causalidade A relação de causalidade é o vínculo que une a conduta ao resultado. O Código Penal brasileiro adotou como regra, a teoria da conditio sine qua non, segundo a qual considera-se como causa todo fato que tenha concorrido para a produção do resultado criminoso, desde que o agente responsável por essa causa tenha atuado volitivamente em relação à produção desse resultado criminoso. Excepcionalmente, no entanto, o Código Penal adotou a teoria da causalidade adequada, conforme redação do parágrafo primeiro, do artigo 13, que dispõe que “a superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou”. Portanto, no caso de causa relativamente independente, que seja superveniente, o agente não será responsabilizado pelo resultado, mas apenas pela tentativa. No entanto, 28 se a causa relativamente independente for preexistente, o resultado será imputado a quem o tenha praticado. Em qualquer caso, quando se tratar de causa absolutamente independente, o agente só será responsabilizado pelos atos até então praticados. 2.5 Crime culposo e doloso Para que se fale em crime culposo, há que se falar em: a) negligência; b) imprudência; ou c) imperícia. A negligência é o não agir, ou o agir de maneira sabida ou presumivelmente insuficiente. A imprudência é a o agir além do padrão recomendado. E a imperícia é o agir sem a capacitação técnica ou profissional suficiente para prática do ato. O crime culposo é resultado de uma conduta voluntária, ao menos inicialmente, que produz um resultado involuntário em razão da imprudência, da negligência ou da imperícia. Para que se fale em punição do crime culposo, há que se falar, obrigatoriamente, em previsibilidade do resultado, em ausência de previsão pelo agente, e, em tipicidade da conduta culposa, pois segundo o parágrafo único do artigo 18 do Código Penal, salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente. Segundo classificação doutrinária, a culpa pode ser: a) consciente; ou b) inconsciente. Verifica-se a culpa consciente quando o agente prevê que o resultado lesivo pode ocorrer, mas espera, sinceramente, que ele não aconteça. Já a culpa inconsciente verifica-se quando o agente não prevê o resultado que era objetivamente previsível. A diferença básica entre culpa consciente e dolo eventual é que, enquanto na primeira o agente não espera o acontecimento do resultado lesivo, no segundo ele age indiferente em relação a produção ou não do mesmo. Em ambos os casos há previsibilidade por parte do agente, falando- se em dolo quando ele age com indiferença em relação a lesão ao bem juridicamente tutelado, e em culpa quando ele acredita, sinceramente, que não causará lesão a esse bem. A conduta dolosa, por sua vez, é aquela intencionalmente dirigida à prática de um ilícito. O dolo pode ser classificado em: a) direto (ou propriamente dito); b) indireto; c) genérico; e d) específico. 29 Dolo direito é aquele livremente direcionado à prática de um crime tipificado na lei penal. Aquele que deseja furtar um veículo e o faz, age com dolo direto em relação ao artigo 155 do Código Penal. Dolo indireto é aquele que não se mostra clara e prontamente identificável. O dolo indireto se subdivide em alternativo e eventual. Dolo alternativo é aquele em que o agente pratica sua conduta ciente de que ela pode causar resultados diversos, sendo que sua pretensão se dirige à realização de qualquer deles. Já o dolo eventual é aquele em que o agente prevê a possibilidade de um determinado resultado e, embora não o deseje diretamente, assume o risco de produzi-lo. Dolo genérico é a mera intenção de lesionar a norma penal, incorrendo em uma conduta típica nela descrita. Dolo específico é a somatória de, além de lesionar a norma penal, obter uma vantagem excedente ou praticar um fim especial. Por derradeiro, há o crime preterdoloso quando o agente pratica uma ação ou omissão dolosa, mas produz um resultado mais grave do que aquele que havia sido previsto em decorrência de um conduta excedente, que é culposa. No crime preterdoloso, a conduta culposa (posterior) supera a dolosa (primária). 2.6 Erro de tipo Conforme redação do caput do artigo 20do Código Penal, o erro sobre elemento constitutivo do tipo legal exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei. Como mencionado, o dolo é elemento essencial do tipo penal. Verificado, no entanto, que o agente praticou sua conduta pautada por erro sobre elemento constitutivo do tipo penal, excluir-se-á o dolo. O erro de tipo pode ser essencial, quando recair sobre as elementares ou circunstâncias do crime, e pode ser acidental, quando recair sobre dados acessórios do mesmo. Quando o erro de tipo é essencial, o agente que pratica a conduta não sabe que está incorrendo em um fato típico. Esse desconhecimento, dentre outras causas, pode decorrer de simples ignorância. Quando o erro de tipo essencial for invencível, não só o dolo, mas também a culpa será excluída, com o que se considerará atípico o fato praticado. No entanto, se o erro de tipo essencial for vencível, haverá mera exclusão do dolo, sendo o agente responsabilizado pela conduta culposa, se houver previsão legal. Quando o erro de tipo é acidental, em qualquer hipótese haverá responsabilização do agente, pois ele possui ciência de estar praticando um tipo penal, manifestando erro apenas em relação a elementos acessórios da conduta, como o modo de execução, a causalidade ou o próprio objeto material. Se “A”, pretendendo matar “B”, o confunde, atira e mata “C”, responde como se tivesse praticado o crime contra “B”, tendo incorrido em um erro de tipo acidental, erro que recaiu sobre o objeto material do crime. Para casos como o do exemplo, dispõe o parágrafo terceiro do artigo 20 do Código Penal, que o erro quanto à pessoa contra a qual o crime é praticado não isenta de pena, e, neste caso, não se consideram as condições ou 30 qualidades da vítima, mas sim as da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime. O erro sobre o modo de execução do crime pode se manifestar mediante erro na execução (aberratio ictus), ou na produção de resultado diverso do pretendido (aberratio criminis). Quando se tratar de erro na execução (aberratio ictus), o agente responderá como se tivesse praticado corretamente o delito, contra o objeto material que pretendia ofender. Contudo, quando se tratar da produção de resultado diverso do pretendido (aberratio criminis), o agente responderá apenas de forma culposa, se houver previsão legal, pelo resultado efetivamente praticado. O erro sobre a relação de causalidade, conhecido como aberratio causae, ocorre quando o agente consegue praticar o resultado que pretendia, mas não da forma como havia planejado. 2.7 Crime tentado e consumado Basicamente, o crime se divide entre os momentos preparatórios e os executórios. Os momentos preparatórios compreendem a mera e a efetiva cogitação, e a preparação material, com a reunião dos instrumentos necessários à prática delituosa. Os atos preparatórios não são passíveis de punição, salvo se constituírem, autonomamente, infração penal, como em relação ao porte ilegal de arma de fogo, por exemplo. Os atos executórios são aqueles de efetiva prática criminosa. Uma vez iniciada a prática dos atos executórios, o agente incorre na conduta penalmente descrita. Se os atos executórios desenrolarem-se até o final, o delito reputar-se-á consumado. No entanto, se por circunstâncias alheias à vontade do agente, o delito não se consumar, reputar-se-á como tentado o crime. A tentativa é punível com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), conforme redação legal do parágrafo único, do artigo 14, do Código Penal. A tentativa pode ser classificada em: a) perfeita; ou b) imperfeita. É perfeita a tentativa quando o agente pratica todos os atos executórios e o crime não se consuma por circunstâncias alheias à sua vontade. Em contrapartida, é imperfeita a tentativa quando o agente, também por circunstâncias alheias à sua vontade, não consegue executar todos os atos necessários à consumação. Seja perfeita ou imperfeita, a punição da tentativa não varia. Por derradeiro, frise-se que não há punição por tentativa em crimes culposos, assim como não é punível a tentativa em relação às contravenções penais (art. 4º, da Lei das Contravenções Penais). 31 2.8 Desistência voluntária e arrependimento eficaz O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados (art. 15, do CP). O Código Penal brasileiro cuidou de possibilitar ao agente várias fórmulas de desestímulo à prática criminosa. Todo aquele que desiste de prosseguir nos atos executórios que já tenha dado início (desistência voluntária), só será responsabilizado pelo atos já praticados, assim como aquele que, embora praticado todos os atos executórios, impeça a produção do resultado criminoso (arrependimento eficaz). Note-se que o que a lei penal exige é a voluntariedade da conduta, mas não a espontaneidade. Portanto, não há qualquer óbice na aplicação dos institutos mencionados se o agente deixa de praticar os atos de execução ou impede o resultado após acolher o conselho de alguém. Por exemplo, se “A” danifica os freios do carro de “B” para que ele colida com outrem, mas antes de “B” sair com o carro, “A” confessa (espontaneamente ou seguindo o conselho de “C”, por exemplo) o que fez e impede o resultado, ele será responsável apenas pelo dano que causou nos freios do veículo de “B”, não respondendo por qualquer outro delito, consumado ou tentado. 2.9 Arrependimento posterior Situação diversa é o arrependimento posterior, tratado no artigo 16 do Código Penal. Segundo aludido dispositivo, nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços). Preenchidos os requisitos exigidos pelo artigo 16, há causa obrigatória de redução de pena, causa esta que beneficia co-autores e partícipes. 2.10 Crime impossível O crime impossível é aquele que não é passível de punição, seja por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto. Se “A”, supondo que “B” (de cujus) está vivo, atira contra ele pretendendo matá-lo, incorre em um crime impossível. Como não há tipicidade, não há que se falar em responsabilidade penal. O crime impossível ocorre também nos casos de flagrante preparado (ou provocado), hipótese em que a polícia torna impossível a consumação do delito, conforme orientação do Supremo Tribunal Federal. 32 3. Ilicitude (ou antijuridicidade) O conceito de ilicitude (ou antijuridicidade) se divide em: a) formal; e b) material. Segundo o conceito formal, ilicitude é a contrariedade entre a conduta e o ordenamento jurídico positivo. Segundo o conceito material, ilicitude é a contrariedade da conduta em relação a um bem jurídico tutelado. Portanto, agregando os conceitos, conclui-se que ilicitude é a relação de antagonismo entre uma conduta humana e o ordenamento positivo, causando lesão ou expondo a perigo de lesão um bem jurídico tutelado (DOTTI, p. 334, 2006). Acerca da conduta humana, outras duas teorias devem ser apresentadas, por meio das quais se avalia o caráter da ilicitude: a) teoria subjetiva; e b) teoria objetiva. Segundo a teoria subjetiva, o fato típico só pode ser considerado antijurídico se o agente possuir capacidade para entender e avaliar o caráter criminoso de sua conduta. Segundo a teoria subjetiva, os inimputáveis, portanto, não praticam crimes. E segundo a teoria objetiva, o fato típico é antijurídico independentemente de o sujeito ativo ser dotado de capacidade de avaliar o critériocriminoso de sua conduta. Portanto, pela teoria objetiva os inimputáveis praticam crime, embora lhes seja ausente a culpabilidade. Quanto às causas de exclusão da ilicitude, existem algumas de ordem legal e outras de ordem supralegal. Presente alguma delas, não que se falar em crime, pois elas excluem um de seus elementos fundamentais, que é a ilicitude da conduta. São causas legais de exclusão da ilicitude: a) o estado de necessidade; b) a legítima defesa; c) o estrito cumprimento do dever legal; d) o exercício regular de direito; e) outras, previstas na Parte Especial do Código Penal, como o aborto praticado pelo médico para salvar a vida da gestante ou no caso de estupro. Já as causas supralegais de exclusão da ilicitude decorrem, basicamente, do mandamento constante do artigo 4º, da Lei de Introdução ao Código Civil, que dispõe que em caso de omissão da lei, o juiz deve decidir segundo a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. Nesse contexto, a doutrina apresenta como causas supralegais de exclusão da ilicitude: Art. 23, do CP 33 a) ação socialmente adequada, isto é, aquela realizada dentro de um âmbito de normalidade, como o corte de cabelo de calouros nos trotes universitários, por exemplo; b) princípio da insignificância, pois o direito penal deve se preocupar apenas com condutas que sejam efetivamente relevantes; c) consentimento do ofendido, quando o crime praticado estiver relacionada à bens disponíveis. 3.1 Estado de necessidade Em determinadas situações, o Estado não tem condições de tutelar as pessoas de maneira imediata, motivo pelo qual transfere a elas o poder de se auto-protegerem, desde que tenham sua atuação pautada pela razoabilidade e pela proporcionalidade. O artigo 24 do Código Penal dispõe que, considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se. O estado de necessidade não pode ser alegado por aquele que tenha o dever legal de enfrentar o perigo (art. 24, §1º, do CP). O Código Penal brasileiro trata de duas espécies de estado de necessidade (classificação quanto ao bem sacrificado): a) o justificante; e b) o exculpante. O estado de necessidade justificante é a regra, situação por meio do qual se sacrifica um bem de menor valor para salvaguardar outro, de maior, ou, ao menos, de igual valor. Já o estado de necessidade exculpante é a exceção, situação por meio do qual se sacrifica um bem de maior valor para salvaguardar outro, de valor inferior, caso em que a justificativa pode advir da inexigibilidade de conduta diversa e, nesse caso, excluir a culpabilidade, ou, em caso negativo, ensejar apenas a redução da pena a ser aplicada. O parágrafo segundo do artigo 24 do Código Penal, dispõe que embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena pode ser reduzida de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços). Segundo ao terceiro que sofre a ofensa, o estado de necessidade pode ser classificado como: a) defensivo; ou b) agressivo. O estado de necessidade defensivo ocorre quando o ato necessário à salvaguarda do bem jurídico ameaçado é praticado em detrimento de um bem jurídico pertencente ao responsável pela causação da situação de perigo. Já o estado de necessidade agressivo ocorre quando o ato necessário à salvaguarda do bem jurídico ameaçado é praticado em 34 detrimento de um bem jurídico pertencente a terceiro inocente, hipótese em que surge o dever de indenizar, na esfera cível. Caso o agente cometa excesso em sua conduta e extrapole os meios necessários no estado necessidade, responderá pelo ilícito, tenha ele agido culposa ou dolosamente. Por derradeiro, caso o agente suponha, erroneamente, estar em situação de perigo, pode se verificar o estado de necessidade putativo. No entanto, a suposição errônea feita pelo agente deve ser perfeitamente justificável, caso em que ele se valerá da hipótese excludente de ilicitude em estudo. E, ainda, caso a suposição feita pelo agente não seja justificável, pode ele deixar de responder pelo crime praticado em razão de ausência de culpabilidade, em decorrência do erro de proibição (MIRABETE, 2006, p. 177). 3.2 Legítima defesa A legítima defesa é uma faculdade conferida pelo Estado para que o particular que esteja sofrendo agressão injusta, atual ou iminente, possa repeli-la através do uso moderado dos meios necessários. Similar ao que ocorre no estado de necessidade, o Estado delega ao particular a incumbência de defender seus próprios interesses, em razão dele não poder fazê-lo de maneira imediata. O artigo 25 do Código Penal dispõe que, entende-se por legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. Enquanto o estado de necessidade pode ser dirigido em face de terceiro, a legítima defesa só pode ser dirigida em face do agressor, e desde que essa agressão seja injusta. Para o estado de necessidade é indiferente se a agressão é justa ou injusta. Cometido o excesso, ou seja, caso o agente extrapole o uso dos meios necessários para repelir a injusta agressão, ele responderá pelo ilícito, tenha atuado culposa ou dolosamente. Ademais, quando há excesso no uso dos meios necessários surge para o agredido (antes agressor) o direito de repelir tais excessos agressivos, naquilo que a doutrina chama de legítima defesa sucessiva. Assim como ocorre no estado de necessidade, no âmbito da legítima defesa pode o agente, erroneamente, supor que está sendo agredido e repelir essa suposta agressão. Nesse caso, estar-se-á diante da hipótese de legítima defesa putativa. No entanto, não há exclusão da ilicitude nessa hipótese, pois ausente um dos requisitos previstos no artigo 25 do Código Penal, que é a agressão real, atual ou iminente, embora haja exclusão da culpabilidade (MIRABETE, 2006, p. 183). Por derradeiro, há que se frisar que inexiste a figura da legítima defesa recíproca, isto é, não há que se alegar legítima defesa quando duas pessoas entram em duelo, tendo uma provocado e a outra aceitado o desafio. 35 3.3 Estrito cumprimento do dever legal Todo aquele que está a desempenhar um dever legar não comete crime quando atuar dentro dos limites legais que lhe são impostos no exercício do seu dever. O artigo 23, inciso III, do Código Penal, dispõe que não há crime quando o agente pratica o fato em estrito cumprimento do dever legal. Os agentes públicos, como os policiais, gozam dessa excludente de ilicitude, com o que se viabiliza seu exercício profissional. Mas não apenas, já que também os pais atuam no estrito cumprimento do dever legal quando impõe limites ordinários aos filhos. Não há que se falar em estrito cumprimento do dever legal em relação aos crimes culposos, posto que lei nenhuma obriga ao cometimento de ato negligente, imprudente ou imperito (MIRABETE, 2006, p. 185). Assim como ocorre com o estado de necessidade e com a legítima defesa, pode haver o estrito cumprimento do dever legal putativo, que se verifica quando o agente acredita na existência de um dever legal inexistente. Nesse caso, haverá um erro de proibição. 3.4 Exercício regular de direito Conforme disposição do artigo 23, inciso III, do Código Penal, não há que se falar em crime quando a conduta é pratica em exercício regular de direito. Quando um particular realiza a prisão em flagrante de um criminoso estar-se-á diante de uma nítida hipótese de exercício regular de direito. Caso haja excesso no exercício regular do direito, de modo a torná-lo irregular, o agente responsabiliza-sepelo excesso. O artigo 187 do Código Civil estipula que comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. A principal diferença entre o estrito cumprimento do dever legal e o exercício regular de direito é que no primeiro caso o agente age impelido por um dever, enquanto que no segundo há uma faculdade, um direito. 3.5 Ofendículos Ofendículos são objetos criados pelo homem para evitar atuações criminosas. Esses objetos devem ser instalados de maneira proporcional, sem excessos, sob pena do agente responder pelo delito culposo ou doloso a que der causa. Parte da doutrina entende que o ofendículo é maneira de legítima defesa preordenada, enquanto outra parte entende tratar-se de exercício regular de direito. 36 3.6 Excesso punível Quando o agente intensifica sem necessidade sua conduta lícita, ele a converte em ilícita, e por ela se responsabiliza. Nesse caso, autoriza-se que a parte contrária se defenda em relação ao excesso, naquilo que a doutrina chama de legítima defesa sucessiva. O excesso punível apresenta-se mediante as seguintes modalidades: a) excesso doloso: ocorre quando o sujeito ativo pretende um resultado além do necessário. Nesse caso, ele responde pela prática de crime doloso; b) excesso culposo: ocorre quando o sujeito ativo quebra um dever objetivo de cuidado mediante conduta negligente, imprudente ou imperita e dá causa a um resultado não desejado. Nesse caso, ele responde por crime culposo (quanto ao excesso), desde que essa conduta seja prevista como crime culposo. c) excesso exculpante: ocorre quando a intensificação desnecessária resulta da alteração de ânimo pela surpresa ou pelo medo (DOTTI, p. 400, 2006). Nesse caso, o agente deverá ser absolvido por ausência de culpabilidade em razão de inexigibilidade de conduta diversa. E, ainda: a) excesso intensivo: ocorre quando o sujeito atacado intensifica a conduta, de forma dolosa ou culposa, pelo uso imoderado dos meios necessários. b) excesso extensivo: ocorre quando não há mais agressão atual e o sujeito atacado pratica nova conduta contra o autor da agressão. Nesse caso, essa nova conduta é considerada como crime autônomo, cuja responsabilização também será autônoma. 4. Culpabilidade A culpabilidade é o juízo de reprovabilidade da conduta praticada pelo autor de um crime, isto é, pelo autor de um fato típico e antijurídico. No direito penal vige a teoria subjetiva, por meio da qual é fundamental que se verifique a existência de culpa do agente, sem o que não há que se falar na possibilidade de sua punição. Se adotada a teoria tripartida, ausente a culpabilidade não há que se falar em crime, pois para esta, crime é a conduta típica, antijurídica e culpável. Em contrapartida, se adotada a teoria bipartida, para a qual crime é uma conduta típica e antijurídica, a ausência de culpabilidade não excluirá o crime, mais sim a punibilidade do mesmo. Para esta teoria, a culpabilidade é mero pressuposto para aplicação da pena. São 3 (três) as teorias sobre a culpabilidade: a) teoria psicológica; b) teoria psicológico-normativa; e 37 c) teoria normativa pura (adotada pelo Código Penal brasileiro). Segundo a teoria psicológica, a culpabilidade é a ligação entre o agente e o fato criminoso, ligação esta de ordem psíquica que pode decorrer da intenção (dolo) ou da previsibilidade (culpa stricto sensu) do fato. No entanto, a teoria psicológica foi criticada por não distinguir a simples culpabilidade, ou seja, a vontade ou previsibilidade de qualquer conduta humana, da específica culpabilidade penal, que só se verifica quando há lesão a bens penalmente tutelados (MIRABETE, 2006, p. 192). Consequentemente, entendeu-se que somente a culpa e o dolo não bastavam à descrição da culpabilidade, com o que surgiu a teoria psicológico-normativa. Segundo essa teoria, a culpa e o dolo, como elementos de ligação entre o agente e a conduta, devem receber uma valoração normativa, considerando a reprovabilidade da conduta, que só pode ser reputada existente quando demonstrar-se que o agente possuía consciência da sua ilicitude, ou que ao menos possuía condições para obter esse conhecimento (MIRABETE, 2006, p. 192). A teoria psicológico-normativa foi questionada, contudo, por considerar que a culpa e o dolo não poderiam ser reputados como elementos da culpabilidade, mas sim como elementos integrantes da conduta do agente, com o que se criou a teoria normativa pura, teoria esta adotada pelo Código Penal brasileiro. Segundo essa teoria, para que se fale em culpabilidade, que é a reprovabilidade que liga o autor ao fato, exige-se a imputabilidade, a potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa. 4.1 Elementos da culpabilidade Segundo a teoria adotada pelo Código Penal brasileiro (teoria normativa pura), são elementos da culpabilidade: a) a imputabilidade; b) a potencial consciência da ilicitude; e c) a exigibilidade de conduta diversa. 4.1.1 Imputabilidade Só há que se falar em culpabilidade se o agente possuir capacidade para entender o caráter ilícito de sua conduta. A imputabilidade penal decorre da sanidade mental do agente, e reflete sua capacidade de se auto- determinar. Em sentido oposto, inimputável é aquele que não possui consciência para se determinar. O artigo 26 do Código Penal dispõe que, é isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado era, ao tempo da ação ou omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de se determinar de acordo com esse entendimento. 38 E há, ainda, os semi-imputáveis, que são aqueles dotados de parcial consciência para se auto-determinar. Nesse caso, a pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude da perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de se determinar de acordo com esse entendimento (art. 26, parágrafo único, do CP). Dentre os critérios existentes para determinação da imputabilidade, destacam-se: a) o sistema biológico (adotado como exceção pelo Código Penal brasileiro); b) o sistema psicológico; e c) o sistema biopsicológico (adotado como regra pelo Código Penal brasileiro). Segundo o sistema biológico, considera-se inimputável aquele que apresenta alguma anomalia psíquica, tenha ela influenciado ou não a vontade do agente no momento da ação ou omissão (MIRABETE, 2006, p. 207). O Código Penal brasileiro adota esse critério apenas em relação aos menores de 18 anos, por sobre os quais pesa uma presunção absoluta de inimputabilidade. Pelo critério psicológico, basta a verificação da consciência sobre a ilicitude no momento da ação ou omissão (o que gera uma grande dificuldade prática), sendo indiferente se o agente possui ou não alguma anomalia mental. Já o critério biopsicológico é uma combinação dos critérios anteriormente apresentados e é o critério adotado pelo Código Penal brasileiro. Segundo ele: 1º) deve-se verificar se o agente possui alguma anomalia mental: a) se não possuir, não será considerado inimputável; mas b) se possuir, deve-se prosseguir na averiguação. 2º) possuindo anomalia mental, deve-se verificar se o agente possuía capacidade para entender o caráter ilícito do fato: a) se possuir (capacidade para entender o caráter ilícito do fato), não será considerado inimputável; mas b) se não possuir (capacidade para entender o caráter ilícito do fato) deve-se prosseguir na averiguação. 3º) possuindo anomalia mental e não possuindo
Compartilhar