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Transcendente Editorial Os artigos que compõem a publicação transcorrem sobre a Teoria Queer e suas influências sociais, culturais e artísti- cas na construção histórica do pensamento contemporâneo. A Teoria Queer é caracterizada como uma corrente de es- tudos centralizada na representação dos conceitos de di- versidade sexual. Oriundo da década de 80 do século XX, os estudos queer são provenientes do encontro entre pes- quisas culturais e o pós estruturalismo francês, munidos conceitualmente dos movimentos de libertação feministas e gays, e da chamada Revolução Sexual. Com o intuito de problematizar e ativar uma minoria ex- cluída da sociedade heteronormativa, a Teoria Queer de- safia os códigos tradicionais de comportamentos relativos à sexualidade humana. Fazendo uso de uma concepção ideologicamente inovadora, a Teoria busca cada vez mais englobar física e conceitualmente todos os grupos sexuais e suas respectivas peculiaridades ao convívio social. Respeitando diferenças históricas, etárias, socioeconômi- cas e culturais, o pensamento queer contemporâneo propõe a quebra de diversos paradigmas de gênero. Além disso, procura fundamentar a diferenciação entre orientação sex- ual, que engloba todo o espectro entre homossexualidade, bissexualidade, heterossexualidade, e identidade de gêne- ro, que engloba as identidades cis e transexuais. Com o maior debate sobre inclusão social e o amadure- cimento dos estudos Queer, a evolução do pensamento inclusivo cresceu significativamente ao longo dos anos, especialmente no campo das artes. A influência e o apoio de áreas como o cinema, a literatura, a música, a moda, a televisão e as produções gráficas na tentativa de construir debates sobre o tema, são de suma importância para a que- bra de tabus sociais e para construção de um pensamento pós-indenitário. Pensando na construção de uma publicação linear e inclu- siva, os artigosencontrados ao longo da revista são uma junção de teorias sociais, peças gráficas e entrevistas pes- quisadas e colhidas em prol de fomentar e enriquecer os estudos da Teoria Queer. Transcendente, página 03 Transcendente #00 Capa: Arthur Cardoso facebook.com/arthurcardpagina Contra-capa: Carol Rossetti facebook.com/carolrossettidesign Redação: Ana Luiza Borelli; Carolina Andrade; Gabriella Ber- nardes; Nathália Pereira; Patrícia da Cruz; Rafael Polcaro; Rafaella Rodinistzky Diagramação: Patrícia da Cruz; Rafaella Rodinistzky Agradecimentos: Aline Lemos; Ana Júlia Gomes; Arthur Car- doso; Carol Rossetti; Juliana Calambau; Laerte Coutinho; Linn Alves Transcendente Encontre-se 14 Nós sempre teremos Paris, ou não Rafael Polcaro 20 (Des)enquadradx Rafaella Rodinistzky 06 Normas quebrantadas Nathália Pereira 44 Born This Way Patrícia da Cruz 50 Além do arco-íris Ana Luiza Borelli 38 Descosturando paradigmas Carolina Andrade convergência de ideias Gabriella Bernardes 56 O feminismo e a Nathália Pereira Transcendente, página 08 A Teoria Queer é considerada como um campo da teoria críti- ca pós-estruturalista, e sua de- nominação formal é atribuída à feminista e crítica de cinema italiana Teresa de Lauretis, que usou o termo “Teoria Queer” uma palestra na Universidade da California em 1990. Porém, ao assumirmos uma postura analítica também pós-estrutur- alista, é possível ver a Teoria Queer como um amalgama, ou uma consequencia ainda mais transgressora dos estudos LGBT e dos estudos de gênero que a antecederam. Os estudos queer trazem para análise os espaços indefini- dos da sexualidade, da identi- dade de gênero, de tudo que faça parte do espectro não dominante, que se desencaixe da heteronorma. Subjetiva a identidade ao máximo e trata a construção do feminino e do masculino como mecanismo de controle, de poder. A partir disso, traça seu primei- ro grande elo com a literatura antecessora à gênese do seu nome. Entender a Teoria Queer demanda, portanto, uma quebra temporal. Antes mesmo de ser oficialmente instaurada como campo científico, sua bibliogra- fia fundamental já estava sendo escrita, entre ensaios e obras de ficção. Desconstrução Aliada aos seus ideais de que- bra em relação ao poder vigente e às normatizações, é natural que os teóricos queer tenham criado uma rede teórica tão di- versa que descenda dos estu- dos de gênero, da psicanálise, da filosofia existencialista, da ficção modernista, e outros in- úmeros sub-gêneros literários. Um dos autores mais comen- tados nos trabalhos da teoria é Michel Foucault. Sua obra foi resgatada para oferecer uma lente teórica que seja capaz de analisar a natureza do poder ao qual a Teoria Queer se refere. Assim como descrito no primeiro volume de “A História da Sexualidade”, o poder não é o que está concentrado nas mãos de um único homem, nem mesmo de um único Estado ou aparelho Legislativo. Ele é, na verdade, toda a rede cuja “cris- talização institucional toma corpo nos aparelhos estatais, na formulação da lei, nas hegemo- nias sociais” (História da Sexu- alidade, 1976). Assim, entende-se a opressão das sexualidades periféricas como resultado de um processo histórico de sufocamento e as- sepsia – que culminou no perío- do vitoriano, segundo Foucault – e de um costume social dis- seminado em diversos níveis, do núcleo familiar à escola in- fantil. Além de Foucault, os estudos de gênero formam outro pilar da Teoria Queer. Grandes rup- turas, como a diferenciação entre sexo e gênero no livro Orlando (1929), de Virginia Woolf, trouxeram à ficção con- sumida pelas massas, assuntos que até então estavam circun- scritos ao ambiente acadêmico e aos estudos da psicanálise. Enquanto a vida de Orlando atravessa mais de 400 sécu- los, mudando repentinamente de sexo diversas vezes, sem que sejam dadas maiores ex- plicações aos leitores, Virginia Um dos autores mais comentados nos trabalhos da teoria ,Michel Foucault A ce rv o Ex et er C en tre Normas Quebrantadas Transcendente, página 09 Tilda Swinton como Orlando, na adapta- cao cinematografica do livro de Virginia Woolf, lancada am 1992 Woolf desconstrói o gênero, e o expõe como nada mais que uma alegoria social. Orlando, em essência e caráter, está pre- sente durante toda a narrativa, quer seja como homem ou mul- her, quer seja servindo à Rainha Elizabeth I ou espantando-se com os horrores da 1a Guerra Mundial. Consequentemente, a busca pela igualdade de gêneros, os questionamentos feministas sobre a despolitização dos cor- pos, e a plenitude de decisão das mulheres sobre os mesmos, trazem Simone de Beauvoir em sua vanguarda. No clássico da literatura feminista “O Seg- undo Sexo” (1949), Beauvoir explora a formação do gênero, valendo-se também de tendên- cias existencialistas. Beauvoir cunhou a célebre frase “não se nasce mul- her, torna-se mulher”, nova- mente demonstrando o gênero como uma criação, e não uma definição congênita. Em outra de suas citações, diz: “Os ter- mos masculino e feminino são usados simetricamente apenas como uma questão de formali- dade. Na realidade, a relação dos dois sexos não é bem como a de dois pólos elétricos, pois o homem representa tanto o posi- tivo e o neutro, como é indica- do pelo uso comum de homem para designar seres humanos em geral; enquanto que a mul- her aparece somente como o negativo, definido por critérios de limitação, sem reciproci- dade.” Com esses questionamentos, foi possível que a Teoria Queer expusesse as identidades inter- mediárias, como a androginia, e os intercâmbios de expressão que podem haver entre os dois sexos. Fala-se aqui da liber- tação das limitaçõesimpostas pelo gênero. A filósofa e teórica de gênero Judith Butler fez contribuições definitivas à Teoria Queer. At- ualmente, Butler é docente e co-diretora do Programa de Te- G eo rg e C . B er es fo rd S on y P ic tu re s C la ss ic s oria Crítica da Universidade da Califórnia, e em “Bodies That Matter: On the Discursive Lim- its of “sex”” (1993), desafiou não apenas noções de gênero, como também do próprio sexo. Em sua discussão sobre a socie- dade, no livro “Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade” (1990), descreve uma “ordem compulsória” que demanda uma linearidade het- erossexual entre sexo, gênero, desejo e prática. Finalmente, introduz a questão da performatividade. Segundo esse conceito, o gênero não é um conjunto de regras, ex- pectativas ou taxações sobre um determinado “eu” ou de- terminado sexo, é apenas uma reprodução de normas que se impõem como naturais. Assim, o gênero não tem sujeito pre- existente, não tem um “eu” por trás de sua manifestação. Com esse embasamento lit- erário, os teóricos queer bus- cam quebrar a dicotomia entre o feminino e o masculino, ad- mitindo tratar-se de uma con- strução social. Propuseram também o reconhecimento de sexualidades periféricas ao het- eronormativo, propuseram dar espaço de enunciação àqueles que se identificam em outros pontos do espectro de sexu- alidade e do espectro de identi- dade de gênero. Propuseram seguir os ideais de Foucault, que identifica uma polimorfia sobre o discurso da sexualidade. Ou seja, várias vozes discursam sobre um mes- mo tema, e ainda assim podem servir tanto para perpetuar uma normatização vigente, ou para quebrá-la. Enunciação Na ficção do século XX, no- vas vozes foram acrescidas ao cenário literário, com tramas especificamente desenvolvidas sobre personagens queer. Essas vozes que até então haviam sido caladas pela criminalização da homossexualidade e pelos pre- Patricia Highsmith (ao lado) produ- ziu classicos da literatura queer, como “The Price of Salt” Simone de Beauvoir (acima) cunhou a celebre frase “nao se nasce mulher, torna-se mulher” Filosofa e teorica de genero, Judith Butler fez contribuicoes de- finitivas para a Teoria Queer Transcendente, página 10 D iv ul ga çã o U ni ve rs id ad e de B er ke le y D iv ul ga çã o Normas Quebrantadas conceitos sociais passaram a ser enunciadores proeminentes na literatura. Esse nicho não ficou restrito a um público de pequeno núme- ro. Bem sucedidas autoras como Patricia Highsmith pro- duziram clássicos da literatura queer, como “The Price of Salt” (1952), além de alcançar suces- so comercial com “O Talentoso Ripley” (1955). “The Price of Salt” - ou “Carol” na versão traduzida ao portu- guês - gerou intensos debates nos Estados Unidos. Publicado por Highsmith sob o pseudôni- mo de Claire Morgan, a história de uma mãe de família que abandona seu marido para viver um romance com uma mulher mais jovem gerou reprimenda de conservadores. As perso- nagens principais, Therese Belivet e Carol Aird também desafiam estereótipos de homo- ssexualidade. Ainda assim, um dos maiores pioneirismos de Highsmith foi a inclusão do primeiro final po- tencialmente feliz para protago- nistas lésbicas, o que até então nunca havia sido registrado na literatura queer. Historicamente, o primeiro ro- mance a ser categorizado como “ficção lésbica” foi “The Well of Loneliness” (1928), da au- tora britânica Radclyffe Hall. Banido da Grã-Bretanha por retratar “práticas não naturais”, o livro foi um marco no in- cipiente ativismo pelos direitos A adaptacao de “The Price of Salt”, ba- seada no romance de Patricia Highsmith, chegara aos cinemas em 2015, com Cate Blanchett e Rooney Mara dos “sexualmente invertidos” - denominação de homossexu- alidade comum à época -. O romance entre uma inglesa de classe elevada e uma motor- ista de ambulância, durante a Primeira Guerra Mundial, não expõe nenhuma cena explícita, e trata a “inversão” como es- tado congênito e natural, dado por Deus, pedindo ainda: “Dê- nos também o direito à nossa existência”. Já a Algustus, Duque de Saxe- Gotha-Altenburg, é atribuída a primeira obra de ficção moder- na a descrever um casal de ho- mens. No livro de poesias “Kyl- lenion Ein Jahr in Arkdien”, ou “Cyllenion A year in Arcadia”, publicado anonimamente em 1805, diversos casais se apaix- onam e têm finais felizes. Um casal de dois homens é repre- sentado, e tratado igualmente aos outros casais. A representatividade trans, no entanto, ainda é ínfima no conjunto da produção literária. Um dos primeiros registros da inserção de uma person- agem trans está no livro juve- nil “Luna” (2004), da autora Julie Anne Peters, sobre a vida da transexual Luna/Liam sob a perspectiva de sua irmã, Regan. A obra venceu prêmios literári- os como o Lambda, na catego- ria infanto-juvenil. Transcendente, página 11 W ei ns te in C om pa ny Transcendente, página 12 1805 “Cyllenion A year in Arcadia” - Algustus, Duque de Saxe-Gotha- Altenburg. 1928 “The Well of Loneliness” - Radclyffe Hall 1929 “Orlando” - Virginia Woolf 1805 - 2004 Linha do tempo, bibliografia queer Lu dw ig D oe ll H er zo gs A ut or D es co nh ec id o N ational Portrait G allery D ivulgação D iv ul ga çã o Transcendente, página 13 "Luna" - Julie Anne Peters 1949 “O Segundo Sexo” - Simone de Beauvoir 1952 “The Price of Salt” - Patricia Highsmith 1976 “A História da Sexualidade” - Michel Foucault 1993 “Bodies That Matter: On the Discursive Limits of “sex”- Judith Butler 2004 A cervo pessoal D iv ul ga çã o D iv ul ga çã o D iv ul ga çã o D iv ul ga çã o D iv ul ga çã o nos sempre teremos paris, ou nao nos sempre teremos paris, ou nao Rafael Polcaro w Como importante mediador da cultura, o cinema é capaz de discutir todas as questões so- ciais possíveis. Utilizando de signos que usados por ele per- mitem sentidos e compartilha- mento de significados. Dessa maneira, ele possui uma repre- sentatividade imensa para o es- tudo da teoria queer. Se hoje não há mais tabus na indústria cinematográfica quanto a filmes centrados em questões de gênero, em seu início e consolidação, até mes- mo as histórias de amor entre casais formados por homens e mulheres tinham barreiras que demoraram um certo tempo a serem quebradas. Se compara- rmos produções como “Casa- blanca” (1942) e “Azul é a Cor Mais Quente” (2013), obras com 71 anos de diferença e ap- enas uma coisa em comum, a retratação de uma paixão arre- batadora. A mais antiga tinha o lendárioHumphrey Bogart e In- grid Bergman apenas trocando abraços e beijos que definiam seu amor. Sete décadas depois uma história de um relaciona- mento entre duas mulheres é retratada, com cenas de sexo explícito, sem nenhum medo de chocar o grande público. Dessa maneira, podemos perceber que não apenas a retratação da sexualidade evoluiu, mas o en- tendimento do amor, que é algo livre e individual. O primeiro beijo gay entre pes- soas do mesmo sexo foi no primeiro filme mudo a ganhar um Oscar de melhor filme. Em “Asas” (1927), Buddy Rog- ers e Richard Arlen são os as- tros, interpretando dois pilotos de combate que disputam a afeição de uma mesma mulher. Mas apesar do enredo colocá- los em posições antagônicas, eles constroem uma bela ami- zade e quando um está à beira da morte, a afeição é demon- stradacom um tímido beijo, sem nenhuma carga erótica, porém suficientemente ousado para causar espanto nos espec- tadores da época. Na década seguinte, a liber- dade artística foi prejudicada no cinema americano, quando o chamado “código de Hayes” foi implantado. Criado pela As- sociação Americana de Produ- tores Cinematográficos dos Estados Unidos (MPAA), o có- digo consistia em uma série de regras morais a serem seguidas nos filmes. A associação de- cidiu que beijos de língua, ce- nas de sexo, sedução, estupro, aborto, prostituição, nudez, obscenidade e profanação não eram práticas moralmente acei- táveis para serem retratadas no cinema. A partir da implantação dessa censura a figura do homossex- ual foi muito afetada, já que fi- nais trágicos e o papel do vilão eram destinados muitas vezes a personagens com “tendências homossexuais”. Billy Wilder por exemplo, escreveu “Farra- po Humano” (1945), com a id- eia de que o personagem princi- pal seria um escritor alcoólatra e sexualmente confuso, mas devido à censura,essa questão Transcendente, página 16 nos sempre teremos paris, ou nao Buddy Roggers e Richard Arlen em Wings (Asas) de 1972 sexual foi trocada e o person- agem passou a sofrer de um “bloqueio criativo”. Algo bem interessante, pois essa mudança escolhida para seguir as regras do código funcionou como uma resposta irônica. Porque a cen- sura nada mais é, que literal- mente, um bloqueio criativo. Ray Milland em Farrapo Hu- mano de Billy Wilder (1945) D iv ul ga çã o D iv ul ga çã o Transcendente, página 17 Apesar dessa imposição mui- tos filmes foram produzidos fora do circuito comercial. O mais notável deles foi “Glen ou Glenda” (1953), do diretor Ed Wood, amplamente conhe- cido como o pior diretor de to- dos os tempos. O filme inicial- mente deveria contar a história real da primeira mulher a fazer uma cirurgia de troca de sexo, porém o diretor acabou utili- zando o filme para representar um dilema que ele mesmo pos- suía, o de se vestir como uma mulher. Apesar de propor uma discussão importante, o filme, assim como Wood, é considera- do por muitos o pior de todos os tempos. Pois, como era comum em todas as produções do dire- tor, o filme apresenta narrativas orais que tentavam amarrar di- versas imagens e fragmentos sem conexão entre eles. Mas em 1959, Billy Wilder con- seguiu abordar a sexualidade no circuito mainstream,driblando a censura em uma comédia aparentemente inocente. Em “Quanto Mais Quente Mel- hor”, toda a sensualidade de Marylin Monroe é colocada em destaque, e ao colocar as cur- vas, o andar e o olhar da atriz em evidência, colocando o cor- po de uma mulher como figura central no filme, Wilder pôde discutir livremente em tom cômico a homossexualidade e até o travestismo, ao colocar Tony Curtis e Jack Lemmon em situações que precisavam se ve- stir e agir como mulheres. Tony Curtis e Jack Lemmon “Glen ou Glenda” (1953), do diretor Ed Wood, ampla- mente conhecido como o pior di- retor de todos os tempos D ivulgação D iv ul ga çã o Transcendente, página 18 nos sempre teremos paris, ou nao O código foi abandonado ap- enas em 1968, quando foi esta- belecida a censura de idade para as produções artísticas. Porém o gay apenas ganhou força nas produções cinematográfi- cas quando Hollywood viu um possível mercado para filmes com temáticas LGBT, depois de que uma série de protes- tos contra a violência poli- cial com homossexuais tomou grandes proporções em Nova York. Conhecido como Stone- wall Riot, o movimento surgiu quando uma mulher foi retirada com brutalidade por policiais de um bar gay. Cansados de ações violentas como essa, o movimento LGBT organizou uma série de protestos por três noites, que ajudaram na briga por discussões de igualdade, alavancando uma revolução sexual. O filme “Os Rapazes da Ban- da” (1970), foi a primeira ten- tativa hollywoodiana de pro- duzir um filme para o público homossexual. Adaptada de uma peça de circuito Off – Broadway, narrava os dilemas de oito amigos que se reúnem numa noite chuvosa para uma comemoração de aniversário, que se transforma num retrato das angustias do mundo gay, que marcaram um período pré- liberal dos anos 80. O filme foi dirigido pelo renomado Wil- liam Friedkin, mais conhecido por “O Exorcista” e “Operação França”, que curiosamente em 1980 realizou mais um filme com temática gay, dessa vez o policial “Parceiros da Noite”, em que Al Pacino se infiltra na comunidade gay de Nova York para tentar encontrar um assassino em série que ata- ca somente homossexuais. A produção sofreu protestos da comunidade LGBT na época, por ser considerada anti-gay e teve dificuldade nas gravações de cenas ao ar livre, em que os manifestantes tentavam de várias formas atrapalhar o an- damento das filmagens. Com o crescimento na produção de filmes que colo- cavam a sexualidade como discussão, uma nova barreira surgiu contra a produção deles. Movimentos“políticos cris- tãos” ganharam força como opositores dos grupos que de- fendiam os direitos LGBT’s. Esses movimentos políticos conservadores organizavam uma série de protestos e boic- otes a produções musicais, televisivas, literárias e cine- matográficas que ofendiam os valores do cristianismo. Como resultado disso produções com temáticas homossexuais começaram a perder força e só ressurgiram com o auge da AIDS, mas tratando a doença de uma maneira homofóbica, colocando assim como na época do “código Hayes”, o D iv ul ga çã o D ivulgação Transcendente, página 19 gay como uma espécie de vilão. No começo dos anos 90, o movimento conservador cultur- al e político entrou em declínio, influenciando na maneira como o cinema americano tratava a questão sexual. O movimen- to LGBT ganhou mais força quando celebridades conheci- das assumiram sua homossexu- alidade e se infectaram com o vírus da AIDS, fazendo com que a comunidade americana passasse a discutir mais aberta- mente essa temática. Com esse maior apoio cultural, membros da comunidade gay viram a necessidade de se ex- pressarem no mundo artístico, criando o que viria a ser cham- ado de “New Queer Cinema”, que representou uma nova era nos filmes independentes. Ger- almente retratando persona- gens que falavam abertamente sobre suas orientações sexuais e questões de identidade, eles começaram a ser retratados de uma maneira positiva, o que não acontecia na maioria das produções de circuito comer- cial. Com a força desse movimento independente, o cinema hol- lywoodiano começou a tratar os personagens gays com mais respeito e igualdade. Apesar disso, na maioria das vezes eles eram tratados como perso- nagens cômicos, em filmes de comédia e nem sempre como personagens principais. A mu- dança mais significativa fora do circuito independente acon- teceuapenas em 2005 quando Ang Lee dirigiu,“O Segredo de Brokeback Mountain”, ganha- dor de três oscars, que se tornou um marco no cinema gay. Pois foi uma das primeiras grandes produções que tratavam de uma história de amor homossexual, tendo dois personagens gays nos papéis principais. O sucesso da produção pro- moveu uma nova perspectiva sobre o homossexualismo para circuito cinematográfico main- stream e para o público geral. Tendo em vista que nos anos seguintes outros filmes como “Milk” (2008) e “Cisne Negro” (2010) tiveram em seus papéis principais astros conhecidos que interpretaram personagens homossexuais, algo bem raro nas décadas anteriores. Por isso, o movimento ganhou mais força ainda quando ce- lebridades conhecidas o apoi- aram de alguma forma, como é o casodos antes conhecidos como “Wachowski Brothers”, que dirigiram a franquia “Ma- trix” se tornaram “The Wa- chowski Starship”, pelo fato de que um dos irmãos, Larry, se transformou em Lana. Portanto o cinema evolui muito na maneira como trata a sexual- idade, não há mais barreiras cri- ativas para se expressar e nem questões morais que atrapalhem a produção de uma história. A maior preocupação ainda con- tinua em relação à aceitação do público geral com histórias que tratem dessa temática. Apesar de avanços nunca antes pen- sados como a integraçãode um personagem abertamente gay em um grande filme infantil de animação, que aconteceu em “Paranorman” (2012), ainda há muito a ser feito para que pos- samos ver histórias de amor em sua forma mais pura sendo re- tratadas e aceitadas pelo grande público sem preconceitos. Por isso, esperamos pelo dia em que possamos assistir a uma produção que seja uma espécie de Casablanca que tenha como personagens centrais um casal gay, que consiga ficar marcado na história do cinema, mas não por ser uma obra sobre homo- ssexuais, mas por ser um filme que trate do amor em sua mais perfeita e pura forma. (Des)enquadradx Identidade de gênero e orientacão sexual nos quadrinhos Rafaella Rodinistzky (Des)enquadradx Identidade de gênero e orientacão sexual nos quadrinhos “O gênero passará não só a construir e simulta- neamente a desconstruir as categorias de homem e de mulher, mas também a estudar aqueles que estão fora do sistema sexo/gênero.” Donna Haraway (Des)enquadradx As tensões entre sexo e gênero são igualmente úteis para se pensar sobre o modo como a própria constituição do campo queer corresponde à opção por um modelo não-identitário tan- to no plano de gênero quanto no plano da sexualidade, marcada principalmente pela recusa do binarismo sexual. O sexo é apresentado como uma realidade imutável e não sujeita a alterações históricas e culturais. O gênero opera em um sistema de normas, e suas performances partaem dessas regras para se cristalizarem em concordância ou para as atribuírem um novo signifi- cado, como nas performances de gênero, drag queen/king, ou nas afirmações queer. A nona arte quer desenquadrar o gênero. O quadrinho mainstream e as questões LGBT* Os quadrinhos mainstream têm presença de gays e lésbi- cas desde Watchmen (1986) e Sandman (1988-1996), duas das maiores referências da nona arte. Porém, a partir dos anos 2000 que o cenário ganha uma guinada com a revelação da orientação sexual de heróis e heroínas estimados pelo públi- co como Lanterna Verde (DC Comics) e Batwoman (Marvel). Em diversos âmbitos da mídia e da cultura, nota-se uma abertu- ra lenta e gradual às questões LGBT* e no mainstream dos quadrinhos de super-heróis não é diferente. A ideia de uma abertura aos LGBT* gera am- bição nas grandes editoras, além de levá-las ao topo dos veículos de comunicação em instantes, porém deve-se ob- servar se a mensagem dessas grandes companhias é a mesma e de interesse dos LGBT*. O número de mulheres aberta- mente homossexuais nas HQ’s é consideravelmente superior ao de homens, isso se dá pelo fato da fetichização criada pe- los leitores masculinos de duas mulheres de collant se beijando aliada ao estereótipo de que os heróis nas histórias em quad- rinhos devem ser masculini- zados ao extremo para defen- derem o mundo, opondo-se ao estereótipo de que os gays são frágeis e delicados. Transcendente, página 22 Im ag em d e gu ia do sq ua dr in ho s.c om Transcendente, página 23 Homossexuais, os novos mutantes? Os quadrinhos mainstream ainda têm presença de um grande número de leitores ho- mofóbicos que gostariam que seus gibis nem mencionassem a existência de homossexuais, quanto mais que aparecessem neles personagens em relações homoafetivas. Criados em 1963 por Stan Lee e Jack Kirby, os X-Men for- mam uma equipe de heróis sob o mote “destinados a salvar um mundo que os teme e os odeia”. Durante quase duas décadas a criação da Marvel Comics foi uma febre nos Estados Unidos, seres considerados diferentes dos humanos que não eram res- peitados pelo seu modo de vida e que lutavam para ganhar o reconhecimento de que são tão humanos quanto aqueles que os julgam de maneira errônea. Parece apenas ficção, mas na “vida real” as pessoas vistas como diferentes, aber- rações, disfuncionais, er- radas apenas por apresen- tarem orientação sexual fora do padrão normativo da sociedade e que buscam uma identidade de gênero que se sintam confortáveis são tão criticadas quanto os mutantes das HQ’s, que também eram submetidos à “cura” de uma doença que na verdade nunca existiu. A mente doentia é daquele que não sabe conviver com a diversidade. Radical? Substitua a pala- vra “mutantes” por “gays” no quadrinho acima. Homossexuais nas HQ’s Casamento de Apollo e Midnighter na revista Authority em 2002. Os perso- nagens são referências, respectiva- mente, a Superman e Batman. Renee Montoya, detetive da série Gotham City, assume sua homossex- ualidade após ser chantageada pelo vilão Duas-Caras. Kathy Kane, socialite de Gotham, luta contra o crime como a Batwoman. Em 2006 aparece como ex-namorada de Renee Montoya. Na revista X-Factor número 45 os per- sonagens masculinos Rictor e Shatter- star protagonizaram um beijo gay. Casamento entre o herói Estrela-Polar e seu namorado Kyle Jinadu em As- tonishing X-Men #51. O Lanterna Verde original, Allan Scott, foi escolhido pela DC em 2012 como novo herói gay para a série Earth 2. Im ag em d e gu ia do sq ua dr in ho s.c om Im agem de gayleague.com Transcendente, página 24 Fanzine, o lado marginal dos quadrinhos “Marginal” pode soar de ma- neira pejorativa no primeiro momento. Luiz Beltrão, um dos pioneiros no estudo cientí- fico da Comunicação no Bra- sil, classifica marginal em três categorias: rurais marginaliza- dos, urbanos marginalizados e culturalmente marginalizados. O conceito de marginal no con- texto dos fanzines se encaixa na última categoria, culturalmente marginalizados, que “contesta a cultura e a organização social estabelecida, adotando uma política ou filosofia contraposta à que está em vigência”, segun- do Fábio Corniani no artigo Afi- nal, o que é folkcomunicação? Por ser um meio de comuni- cação alternativo, há divergên- cias quanto ao seu surgimento. Acredita-se que o termo fanzine foi utilizado pela primeira vez em 1941 por Louis Russ Chau- venet, fã de ficção científica e editor de fanzines, para nomear as publicações alternativas que surgiam nos Estados Unidos, com textos de ficção científica e curiosidades. A outra versão da história conta que o fanzine, no formato como se conhece hoje, surgiu no final da década 70, junto com o movimento punk na Inglaterra. Define-se fanzine como abre- viação de fanatic magazine, em tradução livre, revista feita por fã. O fanzine é fruto de uma mídia artesanal e pode ser elaborado sem conhecimentos profissionais de arte. Pode-se considerá-lo como uma im- prensa alternativa feita para divulgar todo tipo de tema, geralmente com uma postura política ou crítica em relação ao assunto escolhido que varia de música, cinema, feminismo, sentimentos, questões sociais, poesia, games, estilo de vida, vegetarianismo ao preconceito. A perspectiva “do it yourself”, em tradução livre “faça você mesmo”, quebra os paradigmas da grande mídia nos espaços urbanos e possibilita aos indi- víduos o deslocamento de sua condição de espectador/lei- tor para a de produtor/autor de conteúdo da cultura que adveio dessamudança. Empoderado de tais conhecimentos, o próximo passo é colocar a ideia no papel e para isso não é necessário ser um desenhista profissional. Na década de 1990 surgia nos EUA o movimento Riot Grrrl que deu origem às “garotas reb- eladas” que lutavam contra o machismo na cena punk através da produção de fanzines, monta- gem de bandas e apresentações de músicas com instrumentos pesados. O primeiro fanzine feminista de que se tem notícia é o “Riot Grrrl”, produzido por Molly Neuman, da banda punk Bratmobile, responsável por nomear o movimento. No Brasil, o Riot Grrrl surtiu efeito a partir da metade dos anos 1990, sob a influência da banda Dominatrix, principal representante da cena punk- feminista no país desde 1996, responsável pela produção do zine KAÓSTICA. (Des)enquadradx Im ag em d e ac er vo fa nz in es .tu m bl r.c om Transcendente, página 25 A (des)construcão das publicacões femininas O maniqueísmo entre o cenário feminista brasileiro e internac- ional é evidente. Enquanto o mundo vivia, durante os anos 60, a segunda onda do movi- mento com Simone de Beau- voir lutando pela descriminali- zação do aborto e pela abolição da dupla jornada de trabalho, no Brasil as principais publi- cações voltadas para o público feminino retratavam temas relacionados às obrigações do- mésticas, família, moda e dicas de beleza. Até a década de 70, o movimento feminista quase não tinha representação na mí- dia tupiniquim. O jornal “Brasil Mulher” foi a primeira publicação brasileira de cunho feminista. Criado por Joana Lopes, o “Brasil Mulher” tinha a marca de ser esquerdista e abordava temas como prosti- tuição infantil e aborto, princi- palmente denunciando mortes causadas por abortos clandes- tinos no país. Outro jornal im- portante foi o “Mulherio” lan- çado em 1981 e que sobreviveu à Ditadura Militar até 1990. Essas primeiras publicações pretendiam organizar as trabal- hadoras e subsidiar suas lutas. Com a criação das associações de mulheres, o foco muda para o associativismo e para a busca por mudanças nos hábitos de vida, como a divisão do tra- balho familiar. Entretanto, os impressos ficaram restritos ao ambiente acadêmico. P u b l i c a c õ e s femininas atuais Revista Inverna, ficcão gráfica brasileira de autoria feminina. facebook.com /revistainverna Zine XXX, minas iradas fa- zendo desenhos irados. Ap- enas para meninas cis/trans. facebook.com/zine-xxx Grupo do Zine XXX, espaço voltado para divulgação de eventos sobre quadrinhos no Brasil, além da difusão de trabalhos das minas (cis ou trans). Lady’s Comics, HQ não é só pro seu namorado. facebook.com/ladyscomics Transcendente, página 26 (Des)enquadradx Quem faz fanzine hoje Desalineada Aline Lemos nasceu em Belo Horizonte no ano de 1989 e mo- rou na cidade boa parte da vida. Ela define sua adolescência como “nerd, tomboy e meio-re- voltada-meio-recatada”. Aline cursou licenciatura em História “pelo amor às ciências humanas e pelo ódio à instituição esco- lar, mas queria mesmo era fazer quadrinhos”. Durante dois anos e meio (2012-2014) conciliou o mestrado em História, pes- quisando literatura de ficção científica e representações de gênero, e o curso de Design Gráfico. Agora, está abando- nando o curso para fazer Artes Plásticas. Seu primeiro quadrinho, como aspirante a quadrinista, foi sele- cionado em 2013 para participar da “Revista Inverna – Ficção Gráfica de Autoria Feminina”, a ser publicada. Após isso, criou a página “Desalineada”, participou do “Zine XXX” e publicou dois zines recente- mente, “Vênus” e “Liturgia das Bruxas”. “Parece confuso, mas nesse período já perdi o medo de dançar, de ser bissexual e de me dedicar à arte, então sinto que estou em um bom camin- ho”, completa. Como começou seu interesse por ilustração? Desenhar sempre foi para mim uma forma muito prazerosa de me expressar. Eu tinha uma id- eia vaga de que gostaria de ser quadrinista ou ilustradora, mas isso nunca esteve muito claro para mim como uma possibili- dade real, por falta de conheci- mento da área e de confiança em mim mesma. Os estereóti- pos de que a arte era uma coisa distante da minha realidade e que não era uma profissão viáv- el pesaram muito. Eu tentei ser outras coisas (um pouco) mais seguras, mas não estava feliz. Cheguei à conclusão de que se não estava feliz, não eram op- ções realistas para mim. Só há pouco tempo consegui romper essas barreiras e decidi me ded- icar à área. Quais são suas influências? Os e as quadrinistas e ilustra- dores jovens que estão crescen- do atualmente são os que mais me influenciam diretamente, seja na arte, no tema, na cria- tividade, na linguagem: Carol Rossetti, Ryot, Lovelove6, Die- go Sanchez, Manzanna, Tailor, Cynthia Bonacossa, Pedro Co- biaco. Outros quadrinistas que me influenciaram foram Laerte, Neil Gaiman, Cyril Pedrosa, CLAMP, Marjane Satrapi, Gipi e Katie Skelly. Saindo dos quad- Ilustração A line Lem os Transcendente, página 27 rinhos, também gosto muito de pesquisar artistas e ilustradores de outras épocas, como o J. Carlos. E, é claro, o feminismo é uma influência forte. Como surgiu o nome “Desa- lineada”? Queria um trocadilho tosco com o meu nome, Aline. “De- salineada” em catalão e espan- hol significa desalinhada. Achei perfeito, porque pode ser desar- rumada, torta, desorientada. Quando eu faço quadrinhos, estou também me des-fazendo nessa coisa meio caótica e des- viada. O que você pretende com o seu trabalho? Eu trabalho muito como uma forma de extravasar e refletir sobre o que sinto e penso, en- tão nesse sentido tem uma fun- ção bem pessoal. Mas também desejo comunicar às pessoas, fazê-las sentir e pensar tam- bém. E eu ficaria muito feliz se meu trabalho contribuísse para a existência de representações mais diversas e críticas. Atualmente você possui quase 7.500 curtidas em sua página “Desalineada”, a Internet proporciona maior acesso ao seu trabalho do que em relação aos zines impressos. O que você considera positivo e negativo na publicação de zines; ilustrações; quadrin- hos na rede? Se não fosse a rede, eu sequer teria começado a fazer quadrin- hos. Foi lá que eu tive acesso ao trabalho de pessoas iniciantes como eu e foi por lá que comprei meu primeiro fanzine, do Ryot, que mora na minha cidade. En- tão acredito que essa explosão do acesso é muito interessante. Como dificuldade, talvez pos- samos pensar a efemeridade desse acesso – likes nem sem- pre medem o impacto que seu trabalho teve sobre as pessoas. Mas muitas pessoas continuam gostando do impresso, e posso vender ou trocar zines com muito mais delas por causa da internet. Acho que não se trata mais de comparar as formas de circulação, mas de nos adaptar- mos à nossa situação. O feminismo te levou aos quadrinhos ou foi o con- trário? Como aconteceu? Os quadrinhos vieram antes de tudo, porque vieram muito cedo na minha vida. Quando fui cre- scendo um pouco, passei a en- frentar de forma bem dolorosa certas convenções de gênero. A partir daí a minha vivência fem- inista, em um sentido de conte- star tais convenções, e a minha relação com os quadrinhos se misturavam. Quando era ado- lescente, eu lia principalmente mangás shonen, de ação volta- dos para meninos. Não entendia porque aquele tipo de histórias tinha que pertencer ao público masculino. Eu me identificava também com os protagonistas masculinos, por que não? Me sentia tão Kenshin quanto qualquer um. Com o tempo, porém, fui percebendo duas coisas: primeiro, que aquele heroísmo e protagonismo que eu admirava e queria para mim estava presente naesmagadora maioria das vezes nos persona- gens homens, não nas mulheres. Gostava muito das personagens guerreiras e fortes de um jeito supostamente masculino, mas ficava muito chateada quando elas eram colocadas em seg- undo plano ou nem existiam. Eu tinha certeza de que as mul- heres podiam fazer tudo que os homens podiam, e que eu podia também. A segunda coisa que percebi foi mais difícil e veio só depois de conhecer o femi- nismo como um movimento. Foi que as personagens mul- heres que não sabiam usar uma espada e que eram sensíveis ou meigas só eram tratadas nesses quadrinhos como subalternas, fracas e até mesmo patéticas porque a sociedade despreza essas características consid- eradas femininas. Eu já sabia que não precisava ser sensível e meiga, mas foi importante e difícil perceber que eu podia se quisesse, e não tinha nada de errado nisso. “Sailor Moon” e “Sakura Card Captors” também A cervo pessoal de A line Lem os Transcendente, página 28 (Des)enquadradx estiveram lá pra me mostrar que a feminilidade podia ser heroica também. Como você nota a retratação das minorias no quadrinho mainstream? Ainda é muito problemática, mas vejo mudanças positivas. O esforço em alguns comics norte-americanos, por exemp- lo, para colocar em protagonis- mo mulheres, personagens não brancos e LGBT*, é um dado importante. Por mais que haja limites para a representativi- dade em empresas como essas, esse esforço não deixa de ser uma resposta aos movimentos de reivindicação por essa repre- sentação – e é preciso valorizar esses movimentos. É um assun- to que está sendo discutido, in- comodando e gerando reações, e acredito que podemos nos aproveitar positivamente dele. Eu gostaria muito que crescesse a produção de quadrinhos por essas pessoas, também. E no quadrinho independ- ente? O quadrinho independente tem mais espaço para contestação, mas só por ser independente não quer dizer que vá fugir das representações estereotipadas de minorias, que tem esse inter- esse. Muitos quadrinhos inde- pendentes nem sequer contam com minorias representadas. Acredito que para fugir disso é preciso um esforço ativo, prin- cipalmente se não se faz parte dessa minoria. Afinal, estamos em uma sociedade desigual, racista, machista, fóbica e mui- tas vezes essas coisas passam despercebidas. Uma coisa que me incomoda, por exemplo, é quando pensam que, simples- mente porque sexo é um tabu na nossa sociedade, basta falar de sexo para ser revolucionário. Não adianta falar de escato- logia, drogas, palavrão e sexo casual se só se representam ho- mens brancos cissexuais reali- zando suas fantasias com mul- heres que são colocadas apenas como objeto de seus desejos. O fato de você ser mulher in- terfere de alguma forma no seu trabalho? Há algumas artistas que marcam o gênero em suas ilustrações, e outras que não gostam de serem de- terminadas por ele. Como é para você? Isso vai da experiência de cada uma, mas tem momentos em que eu acho importante demar- car o gênero, quando é preciso afirmar um lugar de fala. Seja para dizer de uma experiência, conquistar um espaço ou visibi- lidade. Quando falo como mul- her, isso não deveria me limitar. O fato de ser mulher interfere em meu trabalho, pois eu vivo minhas experiências como mul- her. Mas também interferem ser branca, cissexual, mineira, can- hota. Quais são seus ideais em relação à questão de gênero? Acredito que as identidades de gênero e as orientações sexuais, que entendo como coisas difer- entes, devem ser autodetermi- Ilustração A line Lem os Transcendente, página 29 nadas e vividas com liberdade. Em subverter as relações de poder que conferem privilégio a homens, cissexuais, heteros- sexuais, brancos e ricos. E que falando assim parece jargão, mas que essas relações estão to- das interligadas e permeiam os nossos cotidianos, e que somos capazes de transformá-las. Você pensa que o Brasil está pronto para respeitar e dis- cutir a identidade de gênero? Certamente a identidade de gênero não é respeitada e dis- cutida suficientemente no Bra- sil, mas não acho que se trate exatamente de “estar pronto”. As pessoas LGBT* que têm a sua existência negada, que são discriminadas, rejeitadas, agre- didas e até mesmo assassinadas não podem esperar a bancada evangélica “estar pronta” para discutir seus direitos. É justa- mente por causa da dissemi- nação do preconceito e funda- mentalismo, do alcance que obtiveram no poder, que temos que respeitar e discutir agora. E fazer isso internamente tam- bém, porque a opressão inter- nalizada é muito sofrida. Ilu st ra çã o A lin e L em os Transcendente, página 30 bastava enviar o material até cinco de novembro por e-mail para ser avaliado por Beatriz e outros quadrinistas, homens e mulheres. Nomes como Mor- gana Mastrianni; Sirlanney; Mazô, Aline Lemos; Lovelove6 e a própria Beatriz Lopes fizer- am parte do projeto ao lado de aproximadamente 70 mulheres que tiveram espaço para divul- gar sua arte. O Zine XXX não ficou ap- enas no papel. Hoje existe um grupo no Facebook com mais de 2.500 membros, mulheres, responsável pela divulgação de eventos relacionados aos quad- rinhos; oportunidades de tra- balho na área das artes visuais; dicas e tutoriais de desenho e claro, ilustrações de “minas ira- das, fazendo desenhos irados”. Aline Lemos, a Desalineada, participou do projeto e afirma que a partir do grupo no Fa- cebook ganhou confiança para publicar seus quadrinhos e vive em aprendizado constante. “Fico muito feliz porque a relação entre mulheres e o mun- do dos quadrinhos é um assunto que está ganhando bastante re- percussão. Iniciativas como o Zine XXX e outros projetos como a Revista Inverna e o Lady’s Comics são importantes não só porque, digamos, su- prem uma lacuna no mercado. Não se trata simplesmente de criar ou seguir um nicho mer- cadológico, mas de possibilitar espaços para incentivar e forta- lecer autoras mulheres”, afirma. Zine XXX Em outubro de 2013, Beatriz Lopes, única integrante mulher do Coletivo Libre de quadrinhos, teve a ideia de produzir cinco fanzines com 24 páginas cada a partir da plataforma de financia- mento colaborativo Catarse. O diferencial desse projeto é sua equipe, constituída apenas por mulheres cis ou trans com o ob- jetivo de dar maior visibilidade às quadrinistas e às novas artis- tas que ainda não tinham espaço para divulgar seus trabalhos. A campanha se iniciou em 15 de outubro e terminou em 14 de no- vembro acima da meta de arrec- adação de 11 mil reais. Em um mês o Zine XXX arrecadou R$ 20.649,00 com o apoio de 489 pessoas sob o mote “zines com qualidade e diversidade”. O fato de haver um baixo núme- ro de publicações assinadas por mulheres foi uma das motivações de Beatriz para desenvolver o Zine XXX. O “x” repetido três vezes é uma alusão a uma mu- tação genética que ocorre em mulheres também conhecidas como “superfêmeas” e também uma apropriação do termo usado nas produções pornográficas que objetificam a mulher. Para que as mulheres, cis e trans, tenham visibilidade é necessário estimu- lar a produção e dar espaço para que seus quadrinhos cheguem às pessoas, juntamente com o au- mento da produção vem novxs leitores e artistas. Para participar do Zine XXX (Des)enquadradx Ilustração B etatriz Lopes Transcendente, página 31 Sapatoons Queerdrinhos Com Nathália Pereira “Sapatoons Queerdrinhos” é um projeto colaborativo e au- tônomo, ou seja, não possui donos. Linn e Caro o iniciaram e agora recebem contribuições de outrxs amigxs, de pessoas que conheceram em encontros feministas e que participaram das oficinasde quadrinhos para lésbicas que ambos oferecem. A segunda edição do fanzine, de circulação restrita, foi mais colaborativa e contou com contribuições dxs amigxs dos criadores do Sapatoons, Sab- rina Lopes, Michel (Coletivo Mujeres al borde), Joyce (Les- bianarte) e de outras pessoas que compõem o ciclo afetivo -político de Linn e Caro. Como surgiu o nome “Sapa- toons Queerdrinhos”? Inventamos o nome Sapatoons Queerdrinhos simplesmente porque adoramos trocadilhos. Sapatão + cartoons = sapa- toons e queer + quadrinhos = queerdrinhos. Há certo empoderamento na apropriação de termos como sapatão e queer, comumente usados pejorativamente? Acho que esse tipo de apropri- ação sempre foi uma estraté- gia das comunidades margin- ais para resignificar os termos originalmente utilizados para deslegitimá-las. Hoje em mui- tos fanzines tenho observado uma identificação das dissidên- cias com termos pejorativos e também com estéticas abjetas e marginais (como exemplo poderia citar o fanzine MON- STRANS: experimentando horrormônios). Ao mesmo tem- po hoje acho que cada vez mais pessoas se identificam como “sapatão”, inclusive muitas pessoas que não são lésbicas: acredito que o termo “lésbica política” foi o que introduziu essa espécie de transposição fetichizada da experiência lés- bica a corpos que não possuem trajetórias e subjetivações que passam pela lesbiandade (no Sapatoons #2 fiz um quadrinho sobre esse tema). Esse tem sido um veículo para mulheres het- erossexuais ocuparem lugares de fala privilegiados e terem autorizadas as suas palavras em meios predominantemente lés- bicos, privando-se, entretanto, de analises criticas acerca das posições privilegiadas que ocu- pam nos sistemas imperantes da instituição heterossexual. Na minha época a gente costu- mava assumir os nossos priv- ilégios e aprender através desse processo. É interessante que “lésbica política” é um canal de transposição de experiên- cia que só foi instaurado para a sexualidade: não ouvimos falar, por exemplo, de “negras políticas” porque as premissas racistas dessa colocação são rapidamente identificadas. En- tão atualmente quando vou em algum show lesbofeminista e vejo muitas mulheres heteros- sexuais se identificando como sapatões (e gritando “eu sou sapatão”) me sinto desidenti- ficada de uma categoria que eu ajudei a construir e que me acolheu e amparou por muitos anos. Até hoje temos políticas ativistas que apagam as difer- enças com os slogans “todas somos trans” ou “todas somos guarani kaiowá” sem se dar conta dos efeitos perversos detrás desse conceito: meta- foricamente falando é como se a identidade “sapatão” fosse um trem que transportasse os sujeitos que precisam dela para transitar pelo mundo, entretan- to, em determinado momento muitas outras subjetividades entram no trem e empurram para fora todxs xs passageirxs que o construíram para poder sobreviver, eu ilustraria assim o processo contemporâneo de desidentificação com o termo “sapatão” à raiz das ações de lésbicas políticas. O que você pretende com o seu trabalho? O Sapatoons para mim não é um trabalho. Como lésbica separatista anarquista entendo o trabalho como algo exaurido de prazer e criatividade, então é difícil situar um projeto afe- tivo como o Sapatoons nessa área capitalista. Na verdade é um projeto totalmente de- spretensioso que surgiu quando eu e Caro nos encontramos em Curitiba para passar um tempo juntxs e formar uma banda, mas em vez disso acabamos fazendo piadas e brincadeiras e even- tualmente começamos a ilustrar as piadas. Organizamos tudo, fizemos fotocopias e lançamos o fanzine para trocar dentro do nosso grupo micropolitico de afinidades. Na verdade com- Transcendente, página 32 (Des)enquadradx ecei esse projeto quando senti a necessidade de me afastar de coletivos políticos feministas e comecei a dar mais importân- cia para as amizades e as trocas afetivas dentro da comunidade dissidente – faço essa difer- enciação baseada nas minhas vivências com coletivas femi- nistas de São Paulo. Você vê a proposta pós-identi- tária e não normativa da Teo- ria Queer como um academi- cismo, ou seria uma forma possível de burlar as fobias atuais? No meio que eu freqüentava a teoria queer chegou em 2010 como um recurso dos anarco- machos e das mulheres anar- quistas heterossexuais para aplanarem as questões de gêne- ro e de sexualidade. Um quad- rinho que comunica sobre esse assunto é o “falcatruas de gêne- ro” presente na primeira edição. Acredito que desde então a teo- ria queer tomou várias formas e adentrou muitos campos de produção de conhecimento no Brasil, e é difícil designar um único uso ou significado ao que chamamos de “teoria queer”. Então só posso falar das min- has escolhas terminológicas em relação à forma como elas se constituíram fora dos livros (onde elas são muito interes- santes) e dentro de coletivos e manadas afetivas, onde elas se complexificam bastante. Acho que a estratégia identi- tária é muito eficiente, senão o único recurso em alguns casos (para o sistema judiciário, para a criação de leis por exemplo criminalizando a homofobia, etc) mas que tem como efeito truculento a reificação da cat- egoria que evoca. No caso do projeto sapatoons tentamos cor- romper o olhar e as estruturas heterocêntricas propondo rep- resentações não estereotípicas de lésbicas, trans e outras sub- jetividades dissidentes, ao mes- mo tempo trabalhamos com os limites que a figuração humana traz. Os “Sapatoons Queerdrin- hos #1” se apresentam como quadrinhos feministas. Há uma convergência entre femi- nismo e teoria queer a partir da relativização do gênero? Eu acho que a maioria das políticas feministas brasilei- ras são bastante identitárias e tendem a preservar a categoria “mulher”, ao passo que a teoria queer promove a substituição das políticas identitárias pela estratégia da coalisão. Não sei muito bem como aplicar isso aos quadrinhos, temos repre- sentações que são identitárias (especialmente nas historias de minha autoria trabalho com au- torrepresentação) e outras que são mais mosntruosas, abjetas ou dissidentes. Como foi a recepção dos “Sa- patoons Queerdrinhos”? O compartilhamento livre de copyright ajudou efetiva- mente na sua difusão? A recepção do projeto foi muito satisfatória, fizemos lançamen- tos em São Paulo, Belo Hori- zonte, Sorocaba, São José dos Campos, Curitiba, Florianópo- lis, Brasília, Rio de Janeiro e até Valparaíso no Chile. Sem- pre que fazemos um lançamen- to propomos uma roda de con- versa em primeira pessoa sobre lesbiandade e masculinidades anti-normativas. De forma geral esse projeto ajudou a expandir a minha manada afetivo políti- ca e tem o efeito de formação de comunidade, principalmente porque dividimos histórias pes- soais, o que requer muita confi- “ S a p a t o o n s Queerdrinhos #1” Sa pa to on s Q ue er dr in ho s Transcendente, página 33 ança e sensação de segurança. O copyleft do primeiro fanzine deve ter facilitado a difusão do projeto, mas todo o feed- back que recebo está de alguma forma conectado com a rede de amigxs que possuo. De todas as maneiras difundir amplamente o projeto ou populariza-lo não é a nossa prioridade, caso con- trario buscaríamos outros mei- os e suportes (como a internet ou editoras): como todo o fan- zine, a estratégia da circulação é condicionada pelo entorno político-afetivo e escolhemos dialogar dentro de uma comu- nidade limitada para ajudar a construí-la seguindo uma lógi- ca separatista. Como você nota a retratação das minorias no quadrinho mainstream? E no quadrinho independente? Não sei dizerassim de uma for- ma ampla até porque conheço tão poucos quadrinhos. Achei por exemplo aquele quadrinho que originou o filme “Azul é a cor mais quente” meio chato, achei as personagens desinter- essantes e tristes, nada repre- sentativas dos lugares que con- stituem a minha lesbiandade. Acho que esse e os do Laerte são os mais mainstream que eu consigo pensar, mas de maneira geral não me interessa muito pela cultura mainstream justa- mente porque tem um potencial reiterador e assimilacionista. Eu gosto de projetos autorias que são autorrepresentativos ou autobiográficos, pois acredito que essas vias desestruturam as engrenagens do estereotipo e do simulacro e ampliam as categorias. Além disso na min- ha opinião é importante que as subjetividades dissidentes sejam representadas de forma excêntrica (fora do centro e à margem, conforme referen- ciado por Teresa de Lauretis e Monique Wittig), para além das estruturas e sistemas heterocap- italistas: “a ‘lésbica’ formulada por Wit- tig não é simplesmente um in- divíduo com uma ‘preferência sexual’ pessoal ou um sujeito social com uma prioridade ‘política’, mas um sujeito ex- cêntrico constituído num pro- cesso de luta e interpenetração, uma reescrita do ser […] em relação a uma nova compreen- são de comunidade, de história, de cultura.” Acredito que as representações que vislumbram o mainstream (ou que estão nele inscritas) são aquelas que mais bem se adé- quam aos sistemas vigorantes e mais se afastam das brechas e deslizamentos desestabili- zantes daquilo que é marginal e dissidente, ou seja, são muitas vezes meras inclusões de lésbi- cas, gays e trans em narrativas, desejos e motivações heteros- sexuais. Lesbiandade aden- tra a representação manistrem contemporânea reduzindo-se a uma preferência sexual e, dessa forma, é totalmente despoten- cializada. Sa pa to on s Q ue er dr in ho s Transcendente, página 34 Expoentes Laerte Coutinho Laerte Coutinho nasceu em São Paulo no ano de 1951 e é uma das principais quadrinistas do Brasil. Entrou na Universidade de São Paulo (USP) para cursar a Escola de Comunicação e Ar- tes, por lá iniciou-se em Música e Jornalismo. Porém, não con- cluiu nenhuma das graduações. Seu primeiro trabalho profis- sional foi a participação na re- vista SIBLA com a personagem Leão em 1970. Entre as principais publicações que participou, destacam-se “O Pasquim” e a “Balão”. Laerte foi colaboradora de veículos conhecidos, como os jornais “O Estado de São Paulo” e “Folha de São Paulo”. Algumas de suas personagens mais popu- lares são: Overman, Piratas do Tietê e Muriel. Em 2010, Laerte se auto-perce- beu transgênera e passou a se vestir publicamente com roupas e acessórios que, tradicional- mente, só são utilizados no Brasil pelas mulheres. Em 2012 fundou a ABRAT, Associação Brasileira de Transgêneros, or- ganização que busca auxiliar pessoas transgêneras, seus fa- miliares e amigos. A ABRAT também fornece ações profis- sionais como a TransEmpre- gos. Em 2013 a artista foi homenageada no Festival Inter- nacional de Quadrinhos (FIQ) sediado em Belo Horizonte. Você chegou a cursar jor- nalismo, mas largou o curso. Durante o período em que es- tudou na faculdade de comu- nicação, como você notava as discussões de gênero, direitos das mulheres, representativi- dade das minorias? Chegou a participar de algum movi- mento estudantil? Entrei em 69, fiz música, saí, entrei de novo em 70 e tantos, fiz mais 3 anos de jornalismo e desisti. Naquela época minha preocupação e percepção se dava sobre a orientação sexual. Havia começado minha vida sexual um pouco antes - com homens, o que me enchia de pânico, porque me fazia vis- lumbrar um destino de estigma e vergonha. Convivi por algum tempo com uma comunidade de estudantes bastante diversa - gente gay, lésbica, hippie, anar- quistas de vários contornos. Acabei indo para uma turma mais - vamos dizer - conserva- dora, do ponto de vista de “cos- tumes”, embora com uma visão transformadora da sociedade. Por algum motivo, essa forma me pareceu acolhedora. Dentro dela - o PCB, Partido Comu- nista Brasileiro - participei da vida estudantil, em muitas ativ- idades. Quanto às discussões que você menciona, acho que o feminismo era bastante claro - já as demandas LGBT* e a dis- cussão sobre drogas eram con- siderados tópicos secundários, face às urgências da luta por democracia política. É o que me parece, visto com os olhos que tenho hoje. A partir de 2010, você começou a se vestir publica- mente com roupas e acessóri- os que, tradicionalmente, só são utilizados no Brasil pelas mulheres, e um dos casos de repercussão da mídia foi por você ter usado o banheiro feminino e uma cliente de um restaurante se sentir incomo- dada por isso. O brasileiro está pronto para discutir a identidade de gênero, já que cria uma muralha em situ- ações tão pequenas? Essas muralhas existem pra serem derrubadas, mesmo. Pra R et ir ad o de M an ua l d o M in ot au ro Transcendente, página 35 não sair da história do banheiro, veja a quantidade de movimen- tos e ações no país todo, bus- cando o direito de pessoas trans de usarem o espaço que lhes pareça mais adequado. Mesmo sob bombardeio incessante de colunistas de direita, esse di- reito vem sendo reconhecido em toda parte. Não me sinto bem em análises genéricas, mas vejo o Brasil como uma cultura cheia de contradições e “bi-polaridades”, se posso usar esse termo. Grandes contraven- ções e transgressões conviven- do com estruturas repressivas e cruéis. No Brasil pratica-se alguma forma de transgeneri- dade desde a colônia, pelo que sei. Claro - “discutir” o tema são outros quinhentos! Mas não acho que as discussões devam ser encetadas só depois que as pessoas estiveram prontas. Ou elas já estão prontas ou nunca estarão. Após se transformar publi- camente você mudou algo na sua expressão artística, na forma de pensar os desenhos, no processo de criação? Você se sentiu mais livre? Eu me sinto mais livre, sim - mais perto daquilo que pro- vavelmente sou (como saber?). Mais preocupada também. Mu- danças não só abrem portas, elas também descortinam novos cenários, às vezes inquietantes. Você compara a luta das travestis de hoje com a luta histórica dos negros america- nos por direitos civis. Como você vê o desfecho da luta atual e a situação dos negros? A luta das travestis, transex- uais, de todas as pessoas trans- gênero tem relação com a luta dos negros por direitos civis, assim como tem a ver com as lutas do feminismo através da história. Na defesa do projeto de lei que criminaliza a homo- transfobia, inclusive, evoca-se a luta contra o racismo e a ne- cessidade que houve de elabo- rar leis específicas para este tipo de agressão. Isso não tem desfecho, tem rearranjos. Con- flitos exigem acertos, mas não “terminam”, vão mudando. A população negra alcançou o gozo de direitos que antes lhe eram negados, mas isso não quer dizer que tudo virou har- monia e paz. Veja o que rolou em Ferguson, no Missouri. Os quadrinhos de “Muriel” refletem suas experiências diárias de alguma forma? Como foi seu processo de cri- ação de Hugo/Muriel? Refletem e não refletem. Mu- riel tem vida própria, também. Tento não fazer dela apenas um boneco para uso de mensagens ativistas. Não é muito fácil pra mim. Você pensa que a sua transgeneridade atrai maior curiosidade do que seu tra- balho à primeira vista? Como você costuma lidar com a sit- uação? Às vezes atrai, sim (a transgen- eridade mais do que meu trabal- ho) - e isso não me incomoda. Sinto que há uma inquietação sobre o temae partilho dela. Também me inquieta, alvoroça, R etirado de M anual do M inotauro A ce rv o p es so al de L ae rte C ou tin ho traz perguntas. Por outro lado, entendo que esse meu movi- mento vem sendo visto à luz da profissional por que sou conhe- cida há décadas. São coisas que não estão divididas. Quais quadrinhos você desta- ca como defensores da liber- tação de gênero? Gosto muito do trabalho da Ali- son Bechdel, particularmente a série terminada “Dykes to Watch Out For” - que se de- bruça mais sobre a população lésbica, mas também contemp- la todo o universo queer ameri- cano. Tem o excelente MALU, de Cordeiro de Sá, história ba- seada na experiência pessoal de Agatha Lima. Há algum admirador de seu trabalho que se tornou adep- to do crossdressing por causa de você? Não gosto muito da expressão “adepto do crossdressing” porque fecha o entendimen- to. Faz supor um esporte, um hobby ou coisa assim. Pelo que algumas pessoas me re- latam, acho que posso, sim, ter ajudado na auto-percepção da transgeneridade ou na possibili- dade de sua vivência pública. Já Transcendente, página 36 que perceber, mesmo, a maioria percebe desde criança. Eu tam- bém fui muitíssimo ajudada no meu processo por outras pes- soas e experiências. Como você vê a problemati- zação sobre gênero no cenário político? É a primeira vez em que vejo serem colocadas as questões de gênero no debate político, seja como necessidade de uma leg- islação anti-homotransfobia, seja na discussão sobre o pro- jeto de lei João W. Nery, do deputado Jean Wyllys, seja nos direitos da população trans no que se refere a saúde, trabalho, moradia etc. Isso é muito sau- dável e promissor. O termo queer não tem tradução para a língua portu- guesa. Você gostaria de suger- ir alguma ou prefere que ele permaneça em inglês? Eu prefiro que as elaborações que fazemos no Brasil sejam fecundas e que a discussão dê bons frutos, em termos de con- sciência grupal e de conquista de direitos de cidadania plena. Acho que o fato de ser um ter- mo em inglês não tem muita importância. “Greve” tampou- co era um termo em português. O que não tem tradução, tra- duzido está. A série de tiras “Pequeno Travesti” terá continuação? Foi inspirada em algum acon- tecimento? Essa série já aproveitava uma personagem anterior, que eu tinha trabalhado de forma “sol- ta”. Não tenho planos de con- tinuar, aquele é um bom final. É inspirada em inúmeros relatos que me fizeram sobre a percep- ção do sentimento transgênero durante a infância. Como fundadora da As- sociação Brasileira de Transgêneros (ABRAT), quais são os projetos para a causa? Pensa na publicação de materiais didáticos in- formativos sobre a questão da transgeneridade? E em formato de quadrinhos? Sim, pensamos em ações desse tipo - bem como integrar e agi- tar o debate sobre a transgener- idade e ações como o TransEm- prego (www.transempregos. com.br). Em termos de luta por legislação, nosso principal interesse é na aprovação da lei João W. Nery. (Des)enquadradx Transcendente, página 37 R etirado de M anual do M inotauro Carolina Andrade Transcendente, página 40 Desde os primeiros registros humanos, os mais diversos re- latos e expressões artísticas demarcam a importância da indumentária na história so- cial e cultural da humanidade. A moda transita entre tempos históricos, revelando parâmet- ros que discursam sobre a con- strução moral e ética de seu tempo. A palavra moda,remete em suas raízes aos costumes predomi- nantes de determinados gru- pos sociais. Apesar de não es- tar necessariamente vinculado ao universo fashion, o termo moda, quando usado no século XXI, é amplamente associa- do ao vestuário e aos hábitos de consumo contemporâneo. Em contrapartida, feita uma analise abrangente, quando englobamos à sociedade con- temporânea o termo e os sujei- tosQueer, podemos encontrar em sua recusa de classificar indivíduos em categorias uni- versais, uma forte tentativa de quebrar paradigmas. A evolução no pensamento hu- mano e a tentativa de quebra de tabus sociais implicaram em subdivisões e aprimoramento de diversas áreas.Movimentos de libertação feministas, movi- mentos em prol da diversidade de gêneros e opções sexuais, e momentos históricos no qual as minorias conseguiram ampliar seu espaço, são alguns dos re- sponsáveis pela estética encon- trada atualmente,tanto nas pas- sarelas quanto nas ruas. A teoria queer e sua natureza abrangente reverberam em diversos campos da arte, in- fluenciando e questionando principalmente a cultura das aparências. Segundo a escritora eteórica social Diana Crane, a moda se caracteriza como um elemento fundamental na con- strução de identidades, pois or- ganiza, “posições nas estruturas sociais e negociam fronteiras de status (Crane, 2006, p.21)”. O guarda-roupa tem sido por séculos, um divisor de gêneros e classes. Contudo, este cenário tem mudado em alguns seg- mentos específicos, e a indús- tria do design de moda atual tem explorado cada vez mais a diversidade e as especificidades sexuais. A abertura do mercado para novos públicos, como por ex- emplo, os transexuais, os traves- tis e as Drag Queens,propiciou ao mercado da moda um novo nicho. Porém, o crescimento da difusão da cultura andrógina nas passarelas é o segmento que mais chama atenção atual- mente. Diversas grifes encont- raram na androginia um mod- elo de indumentária unissex e padrão, que agrada diferentes tipos de públicos através de sua estética minimalista e clean. A estudante de Design de Moda Juliana Calambau, acredita que no mercado atual, a moda in- clusiva é uma necessidade cres- cente. Em sua visão, “os clientes estão mais exigentes, e desejam que a moda acompanhe suas demandas específicas (de cor- po, tamanho, cor, modelagem e estampa)”.Juliana acrescenta ainda, que com vários tabus de gêneros já quebrados, o merca- dounissex ganha destaque nas escolas de moda. Pois, segundo ela,“consegue englobar distin- ções de gênero, sem massificar, já que cada um imprime seu estilo próprio na maneira com que veste, combina e customiza uma mesma peça”. A roupa em si, é considera- da apenas a parte tangível da moda, pois apenas por trás de sua construção é quese con- segue imprimir o intangível. São as tendências impalpáveis, e as ideias que antecipam a cri- ação em si, os verdadeiros ter- mômetros sociais que regulam a moda e ditam tendências. A ressignificação da maneira com que vestimos e interpreta- mos o corpo humano, aos pou- cos começa a encontrar simi- laridades com as bases da teoria queer. Com a ampliação das discussões sobre os conceitos de gênero e a maior aceitação do mercado de moda, o sujeito queer que anteriormente era colocado sem questionamento Descosturando paradigmas prévio à margem da sociedade, consegue cada vez mais espaço para questionar sua posição como sujeito social. Rompendo por assim, espaços da identi- dade, como a teoria se propõe a priori. O movimento de inclusão das diferenças sexuais é um pro- cesso que vem acontecendo gradualmente, e possui apoio teórico e prático especialmente no campo das artes. A moda se faz essencial para a construção de um pensamento pós-indeni- tário, em que o sujeito possa se expressar livremente através da maneira em que se veste. D ivulgação A moda inspira e se inspira no múltiplo mundo dos gêneros, prova maior de tal afirmação, foi à apropriação de atributos oriundos da androginia no vestuário contemporâneo. Historicamente, o termo andrógino refere-se à mistura de características físicas e comportamentais femininas e mas- culinasem um mesmo ser. Dificultando a definição do gênero por sua aparência, o individuo andrógino adquiriu ao longo do tempo especificidades que atraem visualmente atenção para seu vestuário. A primeira manifestação do estilo andrógino na moda apare- ceu na década de 20 fomentada pela estilista francesa Coco Chanel.Ela propôs as peças uma silhueta enxuta e sem cur- vas, incorporou socialmente a calça ao vestuário feminino e lançou na alta sociedade o famoso corte de cabelo curto “à la garçonne”, que mais tarde ficou mundialmente con- hecido apenas como Chanel. A proposta que claramente sugeria igualdade entre os sexos fez história e foi seguida por grandes grifes tais quais Yves Saint Laurent, Givenchy, Marc Jacobs, Jean Paul Gaultier, Versace e tantas outras que ainda hoje se apropriam de características comuns ao androginismo como o minimalismo, os cortes simples e as cores sóbrias para compor suas coleções. Com o passar do tempo às tendências andróginas das pas- sarelas foram adaptadas para o vestuário cotidiano, e a as- cendência de modelos andróginos desfilando para grifes tanto de roupas femininas quanto masculinas demonstra o quão presente e marcante é esta quebra de tabus de gêneros para a sociedade do século XXI. Andreja Pejic, foto ao lado, modelo transexual e andrógi- no mundialmente conhecido por desfilar em passarelas de grifes femininas e masculinas. A androginia na moda Transcendente, página 42 A participação da comunidade LGBT na construção estética da moda como conhecemos hoje, é milenar e importantís- sima para entendermos concre- tamente a história do vestuário. Prova maior de tal afirmação, foi à inauguração em setembro de 2013 da primeira grande ex- posição voltada para a evolução do universo LGBT na moda. Nomeada como Queer History- of Fashion: From The Closet to- theCatwalk, em tradução livre, A História Queer na Moda: Dos armários para as passarelas, a exposição entrou em cartaz no museu FIT (Fashion Instituteof Technology), um dos mais im- portantes centros de curadoria e pesquisas no ramo da moda mundial. Com um acervo de mais de cem peças, e focando nas con- tribuições da diversidade de gêneros ao longo dos três últi- mos séculos, a exposição reu- niu cronologicamente temas da cultura homossexual e estilos transgressores que ajudaram a repaginar o vestuário. Os curadores Fred Dennis e ValerieSteele, responsáveis pela mostra, passaram dois anos reunindo pesquisas de es- tudiosos da teoria queer, assim como peças de famosos estilis- tas que ajudaram a fortalecer as bases da diversidade de gêneros no universo fashion, como: Jean Paul Gautier, Yves Saint Laurent, Gianni Versace, Alex- ander McQueen, Balenciaga e Christian Dior. Com a expectativa de mudar o entendimento da história do vestuário, e a percepção da centralidade da cultura gay na elaboração da moda contem- porânea, a exposição usou de artifícios de cunho politico, como camisetas ativistas rela- cionadas aos direitos homo- ssexuais, referencias a temas como a AIDS, e fortificou a importância da contribuição de estilistas gays para o mundo da moda. Apesar de seu curto período de exibição, a mostra ficou em exposição em Nova York de setembro de 2013 à janeiro de 2014, o evento fo- mentou e deu espaço a diversos debates nos veículos de comu- nicação sobre a importância da valorização da contribuição dos sujeitos queer para o comporta- mento e as tendências atuais. Exposição Queer History of Fashion marca a primeira mostra lgbt no mundo Transcendente, página 43 Importantes contribuições de grifes para a história queer na moda mundial Uma das primeiras mani- festações do estilo andróg- ino na moda apareceu na década de 20 fomentada pela estilista vanguardista francesa Coco Channel, que propôs as peças uma sil- hueta enxuta e sem curvas, incorporou socialmente a calça ao vestuário feminino e lançou na alta sociedade o famoso corte de cabelo “à lagarçonne”. Chanel Um dos mais polêmicos estilistas da história da moda, Jean Paul Gaultier foi o primeiro a trazer ab- ertamente para a passarela modelos transgêneros. Com forte discurso de cunho social, o estilista sempre produziu peças pensando em valorizar movimentos, como a independência da mulher e a valorização da diversidade de gêneros. Jean Paul Gaultier Um dos mais fortes nomes da moda brasileira e mun- dial, Alexandre Herchco- vitch sempre se preocupou com a inclusão dos gêneros em suas coleções. Desde seu primeiro desfile, o es- tilista diferenciou seu cast- ing, colocando travestis, transexuais e andróginos nas passarelas, além de já ter feito diversas coleções e colaborações em prol da igualdade de gêneros. Alexandre Herchcovitch A teoria queer enquadrada na música A teoria queer enquadrada na música Born this way Patrícia da Cruz Transcendente, página 46 “A música é a arma do futuro”. Essa frase, sentenciada pelo multi-instrumentalista nigeri- ano e pai do afrobeat Fela Kuti, apresenta a música como uma forma de resistência e combate, comunicando transversalmente com os ideais da teoria queer. Se, de uma forma geral, seus militantes querem ser ouvidos, as expressões artísticas se abrem como uma possibilidade total- mente tangível para alcançar tal objetivo. A música, de maneira específica, muitas vezes apre- senta essa característica delato- ra, de expressão e crítica social. Desde os primórdios da re- pressão ditatorial no Brasil, na década de 60, a música foi amplamente utilizada como fer- ramenta de repúdio à opressão e ao cerceamento da liberdade de expressão implantados na época. Compositores como Chico Buarque, Geraldo Van- dré e Sérgio Sampaio se posi- cionaram contra a ditadura através de canções de sucesso, que subliminarmente critica- vam o regime em que viviam. O movimento de contra- cultura estadounidense tam- bém teve seu auge na década de 60, e encontrou na música um forte instrumento de con- testação social, que abrangia temas como Direitos Civis, beligerâncias orientais e re- pressões governamentais. O folk, o rock’n’roll e o blues na maioria das vezes estavam diretamente ligados às críticas sociais, firmadas em músicos como Bob Dylan, Joan Baez, John Lennon e Jimi Hendrix. Na década de 70, tivemos o in- Pussy Riot O grupo de punk rock femi- nista Pussy Riot ganhou a atenção da mídia em 2012, quando três integrantes da banda foram presas acusadas de vandalismo motivado por intolerância religiosa. As rus- sas realizavam um concerto improvisado e não-autorizado na Catedral de Cristo Salva- dor de Moscovo, entoando uma oração punk contra o presidente Vladimir Putin, e foram condenadas a dois anos de prisão, tendo sido liberadas antes de cumprir a pena em virtude da anistia geral que entrou em vigor na Rússia. As integrantes já chegaram a declarar que “O que temos em comum [com o movimen- to riotgrrrl] é a imprudência, letras politicamente carrega- das, a importância do discur- so feminista e uma imagem feminina fora do padrão”. teresse político do punk rock, que procurava chocar e prega- va ideais anarquistas e revolu- cionários através de suas letras. É nessa vertente que surge, no ínicio dos anos 90, o movimen- to contestador feminista riotgr- rrl, que prega a defesa e reivin- dicação dos direitos feministas. O feminismo na música Segundo Camargo (2011, p. 155), “a cena do rock de mina surge enquanto oposição ao sexismo presente no rock e no punk (...) a partir de práticas como a elaboração de fanzines e letras de músicas feministas”. Para as adeptas do movimento, a música foi uma importante forma de protesto, já que ela era utilizada para contestar a afirmação
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