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práticas, os sistemas simbólicos ‘só podem preencher suas funções práticas na medida em que envolvem princípios que não são apenas coerentes, mas também práticos, no sentido de cômodos, quer dizer, imediatamente passíveis de controle e de manipulação porque obedecem a uma lógica pobre e econômica’ 27. Portanto, fica evidente a necessidade de se levar em conta, quando da análise do discurso, as condições sociais de produção e de utilização dos discursos, vale dizer, as determinações sociais que não se manifestam de pronto nos próprios discursos e documentos com que lida o observador. Relegar estas determinações equivale a incorrer em erro de leitura, que torna incapaz o deciframento das significações sociais reificadas. Por isso a lição de Bordieu é pertinente, no sentido de reconduzir o estudo dos sistemas simbólicos às suas bases 25 S. MICELI, «A força do sentido»… cit., p. XLVI. 26 P. BORDIEU, A economia das trocas… cit. 27 S. MICELI, «A força do sentido»… cit., p. L. Actas do Congresso Internacional Espaço Atlântico de Antigo Regime: poderes e sociedades …A Formação Territorial e Urbana Brasileira e Portugal no Antigo Regime 11 propriamente sociais, ou, dito de outro modo, “às práticas com que os agentes afirmam seu código comum de significações presentes nos objetos, instrumentos e agentes mítica e ritualmente qualificados” 28. As considerações analisadas até aqui apontam sempre no sentido de que é preciso distinguir com exatidão a realidade, e aquilo por intermédio do que ela nos é comunicada. A diferença entre estes dois momentos poderá ser verificada tanto na produção do objeto, já ele prenhe de significados, quanto no consumo, igualmente marcado pelas determinações a que se está exposto na sociedade. Tal distinção é necessária no campo da produção do espaço urbano, para tornar evidente a que agentes se vinculam as propostas e as concepções sobre esse espaço. Mais do que uma intenção própria do sujeito que produz ou do que consome, a ideologia aparece como uma falsidade produzida pelo próprio sistema de relações existentes na sociedade, em que a luta entre classes e setores de classes aparece sempre camuflada sob distintas estratégias e apropriações. E estas considerações se aproximam mais ainda do objeto de estudo deste trabalho, qual seja, o processo de revalorização do centro de São Paulo, quando relacionamos as noções de ideologia e de discurso sobre bens simbólicos, em geral, à produção arquitetônica, em específico. Não que a re-produção do espaço, a qual se fez referência na primeira parte, se restrinja unicamente a estes objetos, mas principalmente porque será por meio dos objetos arquitetônicos e sua organização no espaço, que poderemos analisar a paisagem da cidade. Ou seja, em última análise, por intermédio da forma, da fisionomia e da estrutura urbana a eles associados, ou ainda, do espaço urbano produzido e consumido por uma dada sociedade. A Semiologia aparece então como uma fonte de esclarecimentos, isto se a considerarmos, conforme Eco 29, como a ciência que estuda todos os fenômenos de cultura como se fossem sistemas de signos (e não a ciência dos sistemas de signos reconhecidos como tais), ou seja, considerando que a cultura seja essencialmente comunicação. Neste sentido a arquitetura desafia a Semiologia, porque, pelo menos aparentemente, os objetos arquitetônicos não comunicam, ou não são concebidos, explicitamente para a comunicação, senão que para a funcionalidade. Esclarece Eco: Ninguém duvida que um teto sirva fundamentalmente para cobrir e um copo, para recolher o líquido de modo que seja fácil, depois, enguli-lo. Essa constatação é tão imediata e indiscutível que poderia parecer peregrino querer ver a todo o custo como ato de comunicação algo que, ao contrário, se caracteriza tão bem, e sem problemas, como possibilidade de função” 30. No entanto, a relação que se mantém com o objeto arquitetônico nos mostra que a arquitetura é fruída por nós como fato de comunicação, sem que isto implique na perda da funcionalidade a ela associada. Isto por que a codificação dos elementos arquitetônicos, que faz com que possamos associar um modelo abstrato à realização de uma determinada idéia (a idéia de uma determinada caverna pode ser substituída por uma idéia de caverna, qual um modelo, uma estrutura que não existe concretamente mas que serve de base para reconhecer certo contexto de fenômenos como caverna), gera um código icônico, que torna-se, este sim, objeto de comunicação. O uso se converte, deste modo, em um signo daquele uso. E é por causa desta possibilidade que os objetos arquitetônicos não denotam apenas uma função, mas remetem também a uma certa concepção, ou seja, conotam uma ideologia que presidiu à operação do arquiteto. 28 Idem, Ibidem, p. LI. 29 H. ECO, A estrutura ausente. Introdução à pesquisa semiológica, 7.ª ed., São Paulo, Perspectiva, 1992. 30 Idem, Ibidem, p. 188. Comunicações 12 Sidney Gonçalves Vieira É importante observar que a função não deriva diretamente da forma, nem o contrário. Isto torna impossível a produção de uma função nova a partir de uma forma desconhecida, assim como também não se poderá dar forma a uma nova função. Vale dizer que a função de uma nova forma (ou a forma de uma nova função) tem que se apoiar nos processos de codificação já existentes. E isto é deveras importante quando se trata da reconversão de usos de edifícios, por exemplo, em que a adaptação de formas e funções não podem se dar ao acaso, pois partem de materialidades existentes. Um objeto que pretenda promover uma nova função poderá conter em si mesmo, na sua forma, as indicações para decodificar a função inédita, apenas com a condição de que se apóie em elementos de códigos precedentes, isto é, deformando progressivamente funções já conhecidas. Caso contrário, o objeto arquitetônico passa de objeto funcional a obra de arte: forma ambígua que pode ser interpretada à luz de códigos diferentes 31. No entanto, não podemos vislumbrar na arquitetura apenas um sistema de regras retóricas que pretendem dar ao usuário aquilo que ele já espera. A arquitetura pode ser também uma operação que se dirige às pessoas para satisfazer suas exigências e fazer com que vivam de um modo determinado, ou seja, pode-se entendê-la enquanto comunicação de massa. E ainda, seguindo além, a arquitetura também é informação que comunica uma ideologia, porque ao mesmo tempo em que informa as funções que promove e denota, também é capaz de explicitar o modo pelo qual as promove e as denota. É, portanto, uma mensagem auto-significante capaz de conotar as intenções arquitetônicas do remetente. 5. Conclusão No contexto colonial a formação territorial desempenhou um importante papel na constituição da identidade nacional. As lutas pelas fronteiras, os tratados e as guerras para manutenção das vantagens, as constantes invasões e todas as outras formas de disputa pelo espaço fizeram do território o sentido da unificação de interesses entre colonizadores e colonizados. A construção da identidade teve a contribuição desse cenário em que se deu a ação da sociedade. Resta agora a definição do caráter das representações surgidas nessa perspectiva histórica. Uma leitura geográfica da história da América portuguesa permitirá ultrapassar os limites da historiografia preocupada apenas com a afirmação de uma identidade nacional. O Brasil, visto como uma entidade geográfica é um resultado da instalação portuguesa na América, inexistindo uma identidade pré-colonial. O território brasileiro é fruto da colonização, do domínio metropolitano sobre os lugares descobertos. Entretanto, a história colonial brasileira não consegue