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1 Aula 7,5 (material complementar entre as aulas 7 e 8). 1) CIÊNCIAS DA NATUREZA. ** Admite-se que existe uma natureza “em si mesma”, com propriedades e relações totalmente independentes dos sujeitos do conhecimento e dos elementos cognitivos próprios desses sujeitos. ** Questão que separa as abordagens do positivismo e do construtivismo culturalista: - Devemos tentar conhecer a natureza em si mesma? Devemos manter a pretensão de conhecer a natureza em si mesma? 1.1) POSITIVISMO. Sim, devemos tentar conhecer a natureza em si mesma. Podemos e devemos manter a pretensão de conhecer a natureza em si mesma. O objetivo de nossas hipóteses e teorias é descrever a natureza em si mesma. A validade cognitiva (verdade) de nossas hipóteses e teorias consiste na sua correspondência à natureza em si mesma. ** Podemos fazer observações não interpretadas, e essas observações não interpretadas são observações da natureza em si mesma. ** Observações não interpretadas favoráveis a determinada hipótese ou teoria são indícios da correspondência da mesma à natureza em si mesma. ** Admitindo-se que devemos manter a pretensão de conhecer a natureza em si mesma, qual o melhor método para tentarmos realizar esta pretensão? 1.1.1) RACIONALISMO CRÍTICO DE POPPER. Método hipotético-dedutivo. O sujeito do conhecimento deve ser ousado na formulação de hipóteses e modelos teóricos. Devemos tentar formular modelos teóricos ousados e abrangentes, ou seja, modelos que pretendem desde o início abranger todas as leis, condições e variáveis causalmente relevantes. ** Observações não interpretadas favoráveis são observações corroboradoras, ou seja, observações que atestam o fracasso da “expectativa de refutação” típica dos testes de teorias ousadas e abrangentes. (Mais plausível em contextos cientificamente mais determinísticos, como o da física teórica. Contexto em que, apesar de reconhecermos que qualquer modelo teórico é 2 uma simplificação de uma realidade mais complexa, acreditamos mais na capacidade dessas simplificações funcionarem bem, dispensando ajustes e acréscimos de caráter tópico). 1.1.2) EMPIRISMO LÓGICO. Método indutivo. O sujeito do conhecimento deve tentar ser fiel aos ensinamentos que a própria natureza lhe fornece. Devemos aproveitar as observações particulares que fazemos da natureza em si mesma, tanto para realizar ajustes tópicos às hipóteses previamente formuladas, quanto para confirma-las de forma gradativa e crescente. ** Observações não interpretadas favoráveis são observações confirmadoras, ou seja, observações que elevam a probabilidade de a hipótese ou teoria ser verdadeira (corresponder à natureza em si mesma). (Mais plausível em contextos cientificamente menos determinísticos, como biologia e medicina. Contextos em que reconhecemos que a complexidade da realidade sempre excede a capacidade explicativa e preditiva das simplificações operadas em nossas teorias; contextos em que, por isso mesmo, reconhecemos a inevitabilidade e a validade de ajustes e acréscimos de caráter tópico, efetuados a partir de observações particulares). 1.2) CONSTRUTIVISMO CULTURALISTA. Não, não devemos manter a pretensão de conhecer a natureza em si mesma, porque não temos nenhum tipo de acesso à natureza em si mesma. Todas as observações que fazemos da natureza envolvem algum componente interpretativo, e não podemos “sair” da esfera de nossas visões de mundo para comparar nossas afirmações, hipóteses e teorias com a natureza “em si mesma”. O que o sujeito conhece sempre é a natureza interpretada, interpretada segundo o “paradigma” em que ele vive e trabalha. ** Em vez de concepção “correspondentista” da verdade, concepções “epistêmicas” da verdade: verdade não deve ser entendida em termos de correspondência do enunciado ou teoria à realidade “em si mesma”, mas em termos de maior ou menor adequação do enunciado ou teoria a critérios cognitivos (epistêmicos) internos à prática científica dos sujeitos. ** Variando o âmbito ou contexto da prática científica, os critérios epistêmicos podem variar. 3 ** No âmbito das ciências da natureza, os critérios epistêmicos estão fundados num interesse básico, subjacente à prática das ciências da natureza: o interesse de êxito ou sucesso na lida com uma realidade que não está ao nosso inteiro dispor. ** O interesse de êxito na lida com a realidade natural desdobra-se nos seguintes interesses: a) Interesse de explicar e prever o maior número possível de ocorrências e eventos desta realidade. Interesse em previsões as mais exatas possíveis do maior número possível de ocorrências. b) Interesse de exercer o maior controle ou manipulação possível sobre as ocorrências e eventos desta realidade. - A ênfase no “subinteresse” (a) dá origem a duas análises da noção de verdade (estas análises não são incompatíveis entre si): (a.1) análise que enfatiza a importância da coerência de qualquer hipótese ou teoria mais específica com o quadro teórico mais abrangente preferido pela comunidade científica. Análise que enfatiza também a importância de se ter um quadro teórico capaz de integrar de forma conceitualmente coerente o maior número e variedade possível de informações sobre a natureza. Análise “coerentista” da verdade. (a.2) análise que enfatiza a importância da justificabilidade e aceitabilidade de certa hipótese ou teoria num contexto “ideal” de discussão científica, ou seja, um contexto que incorpore o maior número possível de modelos teóricos, de informações sobre a realidade e de critérios de interpretação e ponderação destas informações. Análise que enfatiza a importância do acordo ou consenso dos cientistas nesse quadro ideal de discussão científica. Análise “consensual” da verdade. - A ênfase no “subinteresse” (b) dá origem a uma análise “pragmatista” da verdade, que enfatiza a importância da utilidade de certo modelo teórico para o controle e manipulação dos eventos e processos naturais (esta última análise também não é incompatível com as análises anteriores – a diferença entre as análises é uma questão apenas de ênfase). ** Os métodos da dedução e da indução são dissociados da pretensão de conhecer a natureza em si mesma, e da crença em observações (não interpretadas) da natureza em si mesma. Eles passam a ser empregados no interior do paradigma em que 4 trabalha determinada comunidade científica, de acordo com os critérios científicos próprios desse paradigma. ** Se o paradigma tem mais espaço para o reconhecimento da complexidade da natureza, há tendência ao maior uso da indução. Se ocorre o contrário, há uma tendência à preferência pelo método dedutivo. 2) CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS. ** Nem todas as abordagens admitem a existência de uma natureza humana “em si mesma”, com propriedades e regras (ou tendências) de comportamento totalmente independentes dos modos de pensar e julgar dos sujeitos do conhecimento. ** Questão que separa as abordagens grosso modo positivistas e as abordagens grosso modo antipositivistas: - Existe uma realidade humana e social “em si mesma”, com propriedades e regras (ou tendências) de comportamento totalmente independentes dos modos de pensar e julgar dos sujeitos do conhecimento? 2.1) POSITIVISMO. Sim, existe, e devemos tentar conhece-la. ** Também no caso das ciências humanas e sociais, o cientista é um observador de uma realidade cujas propriedades e regras de funcionamento são independentes dos seus modos de pensar e julgar, e independentes dos modos de pensar dos sujeitos do conhecimento e da ação em geral. O objetivo primordial do cientista é descrever tais propriedadese regras (tendências) de funcionamento. ** Forte tendência ao uso de métodos quantitativos nas ciências humanas e sociais. Estatística é valorizada como instrumento a serviço da descrição das tendências de comportamento presentes na realidade humana e social. ** Tal como ocorre no caso das ciências da natureza, munido desse conhecimento essencialmente descritivo, obtido desde a perspectiva de um mero observador, o cientista social pode tentar aproveitar este conhecimento para seus próprios propósitos. Conhecendo as variáveis e correlações envolvidas nas tendências gerais de comportamento da realidade por ele observada e descrita, ele pode tentar introduzir uma força ou informação suscetível de combinar-se de determinado modo com as 5 variáveis por ele conhecidas, de modo a dirigir o processo causal para seus próprios propósitos. 2.2) ANTIPOSITIVISMO. Não, não existe. No caso das ciências humanas e sociais, a realidade a ser conhecida é absolutamente dependente de idéias e modos de pensar, ela é constituída pelas idéias e modos de pensar dos sujeitos que a compõem, tomados como sujeitos capazes de falar, conhecer e agir. ** Para conhecer esta realidade, o cientista deve abandonar a perspectiva do mero observador e adotar a perspectiva do participante. Ele deve “participar” (tentar entrar dentro de) dos modos de pensar e julgar dos sujeitos que compõem a realidade por ele estudada. Ele deve propor uma interpretação desses modos de pensar. ** Metodologia grosso modo interpretativa (hermenêutica). Grande uso de metodologias qualitativas (para “entrar dentro” de um padrão de pensamento e julgamento, uma entrevista qualitativamente orientada com um único sujeito muitas vezes basta). ** Além da participação do intérprete, pode haver a participação do agente criticamente orientado. O agente pode ter o interesse de transformar ou reestruturar os padrões de pensamento vigentes em determinada cultura, e pode tentar realizar este interesse por meio de participação ativa na rede das interações comunicativas e dialógicas da cultura de que está ativamente participando. ** No caso da posição positivista, trata-se sempre de uma intervenção “externa”, realizada desde a perspectiva do observador e manipulador externo. Aqui, não: trata- se de uma intervenção comunicativa e dialógica, orientada por um conhecimento das tensões dialéticas presentes em toda cultura, e das possibilidades reais de emergência de novas idéias e modos de pensar. Abordagem DIALÉTICA e CRÍTICA.
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