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Curso dependencia drogas e comorbidade

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA
NÚCLEO DE PESQUISAS EM PSICOLOGIA CLÍNICA -PSICLIN 
Dependência de Drogas e Comorbidade:
Contribuições da Psicologia Existencialista
Profª. Dra. Daniela Ribeiro Schneider
danis@cfh.ufsc.br
www.psiclin.ufsc.br
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PARTE 1
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 Drogas e História
O consumo de substâncias psicoativas é um fenômeno civilizatório, ou seja, sempre existiu em todas as culturas humanas o uso de substâncias que alteram os estados de consciência. 
Descobrimentos arqueológicos:
5000 AC – vinho na região do atual Irã;
4000 AC – maconha (cânhamo) na China;
3000 AC – folhas de coca na América do Sul;
Drogas e Movimentos Culturais:
Surrealismo - Absinto – início Séc. XX 
Movimento Hippie – Maconha e LSD – anos 1960
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 Drogas e Mudanças Sócio-Culturais
As características desse consumo modificaram-se significativamente nas últimas décadas: 
colocando em risco a vida de muitas pessoas,
sendo um dos fatores estressantes a espelhar o sistema econômico contemporâneo e seu ciclo da sociedade de consumo;
As drogas lícitas e ilícitas são hodiernamente um dos principais problemas de saúde pública mundial: 
As drogas, principalmente as lícitas (álcool e tabaco), carregam os maiores índices de mortalidade, bem como os de violência urbana e no trânsito, bem como são as proimeiras responsáveis pelo absenteísmo ao trabalho e seu custo social;
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 Drogas e Contemporaneidade
O aumento no consumo de drogas reflete as transformações atuais do mundo em termos de tempo-espaço, decorrente das mudanças nas estruturas produtivas e no mercado financeiro, o que acarreta mudanças profundas no modo de ser contemporâneo:
Hoje a ênfase está nos valores: instantaneidade e descartabilidade.
Gera uma cultura do descartável, onde todas as experiências da vida são percebidas sob essa ótica: 
Descartar valores, estilos de vida, relacionamentos, apego a coisas, às pessoas.
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 Drogas e Contemporaneidade
O desdobramento dessa situação é a modificação da experiência da produção da subjetividade: 
história futuro projeto de ser
 
 Prazer imediato
	Vale o “aqui e agora” vazio existencial 
Essa são as determinantes antropológicas para o padrão de uso abusivo de drogas na contemporaneidade!
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Conceito de Drogas
	
O termo é utilizado para designar todas as substâncias químicas que alteram as funções do organismo vivo, resultando em mudanças fisiológicas e/ou comportamentais.
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DROGAS - diferenças entre 
Medicamento, Remédio, Droga de Abuso
MEDICAMENTO = Toda droga com utilidade terapêutica cientificamente comprovada.
REMÉDIO = Tudo o que provoca alívio de um sinal e/ou sintoma.
DROGA DE ABUSO = Droga utilizada com finalidade intoxicante. Geralmente utilizada de forma descontrolada, leva ao uso de risco ou à dependência.
O que diferencia um medicamento de um veneno é a dose em que ele é usado!
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Conceito Substância Psicoativas
Toda droga que, quando absorvida pelo organismo por diferentes vias (oral, endovenosa, inalada, etc), provocam modificações no funcionamento do Sistema Nervoso Central (S.N.C.). Essa situação provoca mudanças no estado de consciência e na percepção do usuário, alterando o comportamento, o humor e/ou a cognição, uma vez que as referidas substâncias podem atuar como depressoras, estimulantes ou perturbadoras do S.N.C. 
Quando usadas de forma abusiva são chamadas “drogas de abuso”.
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Tipos de Drogas (substâncias psicoativas)
Depressoras do SNC: drogas que inibem as funções psíquicas. Têm ação relaxante ou calmante.
	Exemplos: álcool, ansiolíticos (tranquilizantes), heroína, inalantes, etc;
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Tipos de Drogas (substâncias psicoativas)
Estimulantes: drogas que estimulam as funções psíquicas. Têm ação tônica, revigorante, euforizante.
	Exemplos: tabaco, anfetaminas, ecstasy, cocaína, crack, cafeína, etc;
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Tipos de Drogas (substâncias psicoativas)
Perturbadoras (alucinógenas): drogas que perturbam as funções psíquicas. Têm ação confusional, alucinógena.
 Exemplos: L.S.D., maconha, chá de cogumelos, etc.
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Drogas Lícitas e Ilícitas
Drogas Lícitas = cujo uso é permitido legalmente = álcool, tabaco, cafeína, inalantes, medicamentos. 
	 Responsáveis pelo maior carga de doenças e maior custo social entre as drogas;
Drogas Ilícitas = cujo uso é proibido legalmente = maconha, cocaína, crack, ecstasy, etc. 
 Responsáveis por significativas mudanças na ordem social, principalmente em função do tráfico de drogas, que é umas das principais determinantes da violência urbana. 
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Epidemiologia do Uso de Drogas 
II Levantamento Domiciliar sobre Uso de Drogas no Brasil (CEBRID, 2006):
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I e II Levantamentos Domiciliares sobre Uso de Drogas no Brasil”(CEBRID, 2002; 2006):
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Comparação níveis de dependência entre o “I Levantamento Domiciliar”(CEBRID, 2002) e o “II Levantamento” (Cebrid, 2005):
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I e II Levantamentos Domiciliares sobre Uso de Drogas no Brasil”(CEBRID, 2002; 2006):
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PARTE 2
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Diferenças entre uso, abuso e dependência de substâncias psicoativas
 USO SOCIAL – uso ocasional de álcool e outras drogas, geralmente em situações sociais; droga usada como simples experimentação, curiosidade ou recreação;
USO ABUSIVO (ou USO NOCIVO) – um padrão de uso de substância psicoativa já abusivo, que está causando dano a saúde ou à vida de relações. O dano pode ser físico (hepatite, por exemplo), psicológico (depressão), social (problemas relacionais na escola, família, trabalho);
Padrão Binge 
DEPENDÊNCIA (ver critérios adiante) – 20% das pessoas que usam abusivamente álcool e/ou outras drogas tornam-se dependentes. Em termos de população em geral - álcool (11%) e drogas ilícitas (1%);
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Classificação do Usuário
não usuário
usuário leve
usuário moderado
usuário pesado Gravidade
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Questão
 Quais as razões que levam alguém a tornar-se dependente de álcool ou outras drogas?
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Critérios para dependência de
 álcool e outras drogas (DSMIV)
Um padrão mal-adaptativo de uso de substância, levando a prejuízo ou sofrimento clinicamente significativo, manifestado por três (ou mais) dos seguintes critérios, ocorrendo a qualquer momento no mesmo período de 12 meses:
tolerância, definida por: 
	(a) uma necessidade de quantidades progressivamente maiores da substância para adquirir a intoxicação ou efeito desejado; 
	(b) acentuada redução do efeito com o uso continuado da mesma quantidade de substância;
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Critérios para dependência de
 álcool e outras drogas (DSMIV)
2. abstinência, manifestada por : 
 (a) síndrome de abstinência característica para cada substância;
 (b) a mesma substância (ou uma substância estreitamente relacionada) é consumida para aliviar ou evitar sintomas de abstinência;
3. a substância é freqüentemente consumida em maiores quantidades ou por um período mais longo do que o pretendido;
4. existe um desejo persistente ou esforços mal-sucedidos no sentido de reduzir ou controlar o uso da substância;
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Critérios para dependência de
 álcool e outras drogas (DSMIV)
5. muito tempo é gasto em atividades necessárias para a obtenção da substância (por ex., consultas a múltiplos médicos ou fazer longas viagens de automóvel), na utilização da substância (por ex., fumar em grupo) ou na recuperação dos efeitos;
6. importantes atividades sociais, ocupacionais ou recreativas são abandonadas ou reduzidas em virtude do uso da substância;
7. o uso da substância continua, apesar da consciência de ter um problema físico ou psicológico persistente
que tende a ser causado ou exacerbado pela substância. É a chamada compulsão. 
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 Como Compreender o Fenômeno da Dependência de Drogas
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Fenômeno Catarina: 
variáveis e determinantes
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A drogadição como fenômeno:
Variáveis
A dependência de drogas é um fenômeno composto por um conjunto de diferentes variáveis: 
						Química das drogas							Especificidades do organismo
História individual			 Contexto social global
Personalidade				 Contexto social específico
							 Rede Sociológ				 
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Confusão epistemológica dos modelos hegemônicos na área da dependência de drogas
 Os modelos hegemônicos ficaram historicamente divididos entre a determinação organicista, a moralista e a psicodinâmica. 
Na busca de superar este dualismos os modelos hegemônicos na área do tratamento da dependência de drogas, oferecem uma resposta rápida: a drogadição como sendo um fenômeno multideterminado e, portanto, biopsicosocial;
Cometem aí um grave equívoco epistemológico, com sérias conseqüências para o tratamento:
 
			Transformam variáveis em determinantes!
 
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Quais são as determinantes do fenômeno da dependência de drogas?
A droga pode inicialmente ser usada como simples experimentação, ou de forma recreativa, ou ainda para vencer uma dificuldade psicológica simples: soltar-se em uma festa, paquerar um(a) menino(a), acompanhar a ação de uma pessoa próxima, incluir-se em um grupo. 
Mas se o sujeito entra em uma dependência, gerada por uma dinâmica psicológica de compulsão, nunca é pela simples experimentação ou pelo simples efeito das drogas. Na grande maioria dos casos é para lidar com um impasse psicológico.
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A Questão da Comorbidade
A comorbidade ou diagnóstico duplo é a possibilidade de uma psicopatologia vir acompanhada de outro quadro patológico, de forma concomitante (Seibel e Toscano Jr, 2000), ou seja, é o diagnóstico de dois ou mais transtornos psiquiátricos em um único paciente.
Há duas situações mais comuns envolvendo as condições diagnósticas duplas:
Transtorno psiquiátrico primário com subseqüente abuso de substâncias;
Abuso de substâncias com conseqüências psicopatológicas;
Quadros mais comuns de comorbidade: 
esquizofrenia, 
transtornos de humor, 
transtornos de ansiedade, 
personalidade anti-social (cuidar com o exagero desse diagnóstico, pois é necessário caracterizar o prejuízo social associado ao consumo de substâncias); 
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A questão da Comorbidade
Estudos apontam que pacientes com dependência de substâncias psicoativas apresentam elevados índices para diagnóstico psiquiátrico adicional, em diferentes estudos: 
76% dos homens e 65% das mulheres (Kaplan & Sadock, 1997);
50 a 60% dos indivíduos (Zaleski et al, 2006)
Por outro lado, estudos americanos (Seibel e Toscano Jr, 2000) apontam que pacientes com transtornos psiquiátricos apresentam o seguinte índice para abuso de substâncias: 
16% a 29% de todos os pacientes diagnosticados, 
47% das pessoas com esquizofrenia e 
56% com transtorno bipolar tinham abuso de substâncias.
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Comorbidade
A alta prevalência de comorbidades nos indica que os impasses e sofrimentos psicológicos estão fortemente correlacionados à dependência de drogas.
Polêmica!!! = O transtorno psíquico é “causa ou conseqüência” do uso de drogas? 
Pode ser ou um ou outro e, por isso, a avaliação tem de ser criteriosamente realizada, para se fazer um diagnóstico diferencial. Em termos práticos, deve-se realizar a investigação da história clínica e da trajetória do padrão de uso e de suas conseqüências, buscando verificar qual dos dois problemas (impasse psi ou abuso de drogas) surgiu primeiro. 
Estudos tem mostrado que a predominância é a droga servir para aliviar impasses psicológicos.
Desdobra-se daí a teoria da droga usada como automedicação, fortemente sustentada por pesquisas (Pechansky e Luborsky, 2005).
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O impasse psicológico (segundo a psicologia existencialista)
O “impasse psicológico” é uma variável fundamental (mas não é uma determinante). Ele passa: 
pela insegurança na realização do projeto de ser; ou
pela inviabilização do projeto e do desejo de ser; 
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O impasse psicológico como resultante de contradições do sócio-histórico
Este impasse é um acontecimento concreto na vida do sujeito, que o leva a experimentar-se em uma “contradição de ser”. A realidade lhe apresenta diferentes possibilidades, e seja qual for o lado para o qual se dirigir, seu ser está comprometido; 
Sendo assim, situações concretas de sua vida de relações (brigas familiares, esvaziamento das relações sociológicas, ameaças na vida profissional, etc.) vão se impondo a ele; 
O desarranjo nas situações concretas com as pessoas que lhe são significativas vão levando o sujeito a se experimentar inseguro, inviabilizado, produzindo os sintomas e o sofrimento psíquico. 
Para enfrentar a situação passará a necessitar de um apoio, uma bengala - que amortize o sofrimento - daí a compulsão pela droga. 
O problema é que a bengala vira o seu próprio inferno!!
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Droga como bengala química (automedicação)
Sendo assim, o álcool ou outra droga serve como bengala química para o sujeito lidar com os impasses psicológicos resultantes de sua relação com o seu sócio-histórico, ou mais especificamente, com a sua rede sociológica (determinantes).
 Metaforicamente, chama-se bengala porque serve para possibilitar alguém andar quando a perna está quebrada, ou seja, ela oferece suporte para o sujeito lidar com seus impasses, que são de outra ordem do que a droga em si em mesma. 
Com isso alivia, momentaneamente, os sintomas, o sofrimento = automedicação
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O impasse psi como resultante de contradições do sócio-histórico - Caso 1
Na segunda, dia 09/07/2007, tive de sair de casa no início da tarde atrás de nossos clientes para que nos pagassem, pois estávamos com um cheque a descoberto e a situação financeira estava muito difícil, estávamos nervosos. Conversei com minha esposa no almoço sobre nossa dívida, discutimos, pois ela disse que eu sou muito parado, que eu tinha de me virar, lutar pelas nossas coisas. Já saí meio estressado de casa, eu teria de conseguir o dinheiro antes das 16 horas, quando fecham os bancos. Fui direto à casa de uma cliente que tinha ficado de nos pagar, mas ela tinha saído de casa. Comecei a ficar preocupado se iria conseguir obter o dinheiro. Depois fui a outro cliente que alegou que naquele momento não tinha como me pagar. Comecei a ficar tenso, ansioso com a situação. Cheguei, por fim, no bar perto da minha casa, que também compra nossos salgadinhos, para cobrar deles, mas o cara responsável pelo financeiro não estava. Nessa hora eu já estava completamente tenso e ansioso, tinha uma angustia, um aperto no peito, estava com dor nas costas e na cabeça, só conseguia pensar na situação. Estava um dia quente e eu tinha andado muito, mesmo assim não havia conseguido nada do dinheiro; se voltasse para casa de mãos vazias minha esposa ia ficar estressada, ia dizer que não fui capaz de resolver a situação, que sou um cara que não resolve nada, um cara sem ação, um inútil, que faço corpo mole, que não sei dar duro nas pessoas. Íamos brigar e ela já ia questionar se quer mesmo ficar comigo, como sempre faz, o que me deixa desesperado. Pedi uma cuba para esperar o cara do financeiro chegar, mas eu já estava precisando beber, pois estava muito tenso. Assim que bebi deu um alívio na tensão. Com que cara que eu ia voltar para casa, me questionava. A vontade de beber continuava, não consegui parar, era a única forma de aliviar. Sabia que se eu bebesse pouco ou muito ia ter briga da mesma forma. Quando ela passou na frente do bar fiquei desesperado, veio uma culpa muito forte. Fui imediatamente embora para casa, para esperar ela voltar, mas ela não voltou aquele dia, fiquei horrível. Mal consegui dormir
aquela noite. 
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Fatores de Risco e de Proteção
Fatores de Risco – 
	Aqueles circunstâncias sociais ou pessoais que estão associados à exposição do indivíduo a uma situação de vulnerabilidade, ao assumir comportamentos de risco, levando a um aumento da probabilidade do abuso de drogas. 
	Envolvem aspectos: 
		- individuais; 
		- familiares; 
		- escolares / trabalho; 
		- sociais; 
		- relacionados à droga e sua oferta.
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Fatores de Risco e de Proteção
Fatores de Proteção – 
	Os fatores de proteção são aqueles que protegem o indivíduo de fatos que poderão fragilizá-lo física, psíquica ou socialmente, garantindo um desenvolvimento saudável. Estes fatores reduzem, abrandam ou eliminam as exposições aos fatores de risco, seja reduzindo a vulnerabilidade ou aumentando a resistência aos riscos do abuso de drogas. 
	 Envolvem aspectos: 
		- individuais; 
		- familiares; 
		- escolares / trabalho; 
		- sociais; 
		- relacionados à droga e sua oferta.
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Pesquisas sobre as razões do primeiro uso de drogas (Micheli D & Formigoni M, 2001)
Em pesquisa realizada em 2001, usuários jovens com dependência grave apresentaram maior proporção da presença de traumas familiares (25% separação dos pais, 45% brigas familiares, 43% agressão) do que os grupos de dependentes leve/moderado e não dependentes de drogas, cujos resultados foram semelhantes (16% separação dos pais, 21% brigas familiares, 18% agressão). 
A esse respeito, é interessante notar que, em outro estudo nacional sobre o uso inicial de álcool e/ou drogas pelos adolescentes, as razões mais mencionadas foram: “para fugir de problemas familiares” (35%) e “para ser aceito no grupo de amigos” (15%). (Ibope) 
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Determinantes estão no sócio-histórico (contexto antropológico e rede sociológica)
Dessa forma, as determinantes (aquilo que constitui o problema) estão no sócio-histórico, ou seja, no contexto antropológico, apropriado ativamente pelas relações da rede sociológica. 
O problema só será prevenido, alterado, superado, se mexer, modificar as determinantes, ou seja, se intervir na rede sociológica, que sempre é inscrita em um contexto sócio-histórico objetivo.
Não se trata somente de mudanças sociais amplas, apesar destas serem importantes. Mas de mudanças no contexto concreto da vida das pessoas afetadas pelo problema da drogadição.
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PARTE 3
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Compreensão da 
Dependência de Drogas: 
Contribuições da Psicologia Existencialista
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O impasse psi como resultante de contradições do sociológico 
Episódio de Recaída – Caso 2
	Era sexta-feira. Eu passei a noite com minha filha, pois minha ex-esposa iria chegar mais tarde. Por volta das 23h. fui levar a menina para casa. Chegando lá, enquanto nossa filha brincava na sala, sentei-me para conversar com Eva. Falamos sobre nossos projetos, coisas boas que aconteciam no casamento, planos que pudessem ajudar a melhorar nossa situação, a falta que um faz para o outro, o medo que ambos sentimos de ver um ao outro com novos companheiros, etc. Foi uma das melhores conversas que tive com ela desde o início da separação. À medida que a conversa ia evoluindo a minha esperança em reatar o casamento aumentava. Fui embora, pois já estava tarde. Na despedida, abracei e beijei-a na boca. Senti muito prazer e saudade da minha vida de casado. Queria ficar ali em casa, dormir com Eva. Mas como ela não me convidou para ficar, eu também não me ofereci Despedi-me e fui para a casa da minha mãe. À medida que me afastava de Eva, a vontade de voltar para ela aumentava, assim como, aumentava o vazio e a solidão na minha frente. Só conseguia pensar na situação, ficando meio desligado do resto. Tinha uma mistura de alegria com uma certa angustia, pois tinha sido bom conversar com ela, mas nada tinha sido resolvido. Quando cheguei em casa e vi o colchão velho e meio rasgado no chão experimentei solidão, sensação de perda. Fiquei tenso, mais angustiado ainda. Tentei sentar em frente ao computado, mas não conseguia me concentrar em nada. Precisava de um estímulo para ficar concentrado no trabalho e sair um pouco da história da separação. Precisava me acalmar. Sai de casa para ir ao bar, começou a me dar vontade de dar um “teco”. Cheguei lá, tomei duas cervejas e logo apareceu um conhecido com cocaína. Comprei o equivalente a duas carreiras, cheirei-as e fui embora. Cheguei em casa por volta das 02:30h, com uma cerveja e um restinho de droga. Queria ficar em casa sossegado, mas estava muito ansioso, com peso na consciência por ter usado droga de novo. Estava na certeza de que tinha “afundado o pé na jaca”, “estragado tudo” como sempre fiz. A situação foi ficando cada vez mais insuportável, eu estava agoniado, fiquei no “volto, não volto” para o bar, afrouxei e voltei. Acabei ficando lá até às 06:00h. Quando cheguei em casa, deitei e fiquei rolando na cama até às 08:00h. Estava nervoso, coração disparado, pressão baixa, pé gelado e enrijecido. Ficava mudando de posição o tempo todo na cama. Tinha certeza de que não conseguiria dormir. Desisti de tentar controlar aquela ansiedade tão grande. Levantei da cama com medo que acontecesse algo com meu coração, pois estava muito disparado, causando grande desconforto. Um pouco depois das 08:00h fui para a casa de um amigo onde passei o dia inteiro bebendo e usando cocaína. Durante todo esse tempo, pensei bastante em meus problemas com Eva. Só voltei para casa no outro dia de manhã.
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Social, sociológico, psicológico
PSICOLOGIA EXISTENCIALISTA
MODELO ONTOLÓGICO 
- Realidade Humana: Rh - 
 
Pedro Bertolino 
Realização Gráfica: Cláudia Félix / 1999
Ocorrências Naturais: On
Sociológico: 
Mediações-de-ser: m
(dialetização)
Social:
Relações administrativas: r
(personificação)
Psicológico: Subjetividade objetivada: M
(Moi / psicofísico )
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Rede sociológica – Família/ Rel. de Trabalho Baleutros
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Episódio da garrafa de vinho
Formação das atmosferas humanas 
	“É inverno. A noite está caindo e eu me levanto para acender a luz. Olhando para fora vejo que começou a nevar. Tudo está coberto pela neve brilhante, que está caindo silenciosamente do céu encoberto. (...) Esfrego as mãos e aguardo a noite com satisfação, pois, faz alguns dias, telefonei a um amigo convidando-o a vir ter comigo esta noite. Dentro de uma hora estará batendo à minha porta. (...) Ontem comprei um boa garrafa de vinho, que coloquei à distância apropriada do fogo. (...) Meia hora mais tarde toca o telefone. É o meu amigo, a dizer que não poderá vir. Trocamos algumas palavras e marcamos novo encontro para outro dia. Quando torno a colocar o fone no gancho, o silêncio do meu quarto ficou mais profundo. As próximas horas se parecem mais longas e mais vazias.(...) Dentro de alguns momentos estou absorto num livro. O tempo passa lentamente. Ao levantar os olhos por um momento, para refletir sobre um trecho pouco claro, a garrafa, perto do fogo, chama a minha atenção. Percebo mais uma vez que o meu amigo não virá e volto à minha leitura” (Van Den Berg, 1981: 36).
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Tratamento da 
Dependência de Drogas :
Contribuições da Psicologia Existencialista
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Questionamentos acerca da concepção hegemônica sobre o tratamento - psiquiátrica e moral (1)
A concepção da dependência como doença crônica e recorrente joga a pessoa na certeza da impossibilidade de sair do problema, ela poderá apenas controlá-lo, mas nunca superá-lo (lança-o no desânimo - fica retido no problema); 
A meta da abstinência em si mesma, descontextualizada das mudanças objetivas no sócio-histórico do dependente é uma perspectiva fracassada, pois, na medida em que os impasses psicológicos, objetivamente dados pelas contradições no sociológico, não estão superados,
a função de bengala da droga continuará necessária! A pessoa não consegue, assim, superar a sua compulsão, a menos que mutile sua vida social (evitar a qualquer custo o primeiro gole). Daí o número elevado de recaídas (mais de 60% dos casos).
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Questionamentos acerca da concepção hegemônica sobre o tratamento - psiquiátrica e moral (2)
A recusa moral de beber ou de drogar-se não é suficiente para parar com a compulsão. Nessas proposições está embutida a concepção de que a pessoa tem de “mudar de vida”, “zerar o seu ser”, recomeçar do zero. Este é um caminho fracassado por princípio, pois significa a pessoa abrir mão daquilo que lhe é essencial, que é sua história, sua relações; 
Tampouco basta mudar de comportamento, de crenças e cognições. Se não alterar as determinantes (sócio-históricas) que constituem o problema, este permanece ativo, ainda que controlado. No próxima situação de confronto que o sujeito enfrentar... a probabilidade de a compulsão pela droga voltar é grande, pois ele não modificou a sua relação com as situações concretas que o afetam, para que possa prescindir da bengala;
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Perspectivas para Tratamento 
Psicologia Existencialista
A droga não pode ser um fantasma do qual o sujeito foge, pois assim ela ganha em poder sobre ele. Ela tem de ser algo com a qual ele lide e possa escolher não usar.
Para tanto, o tratamento para superar o problema e a prevenção para evitá-lo passa por trabalhar a rede sociológica, no sentido da implicação do ser dos sujeitos uns com os outros, viabilizando o tecimento do usuário na sua malha sociológica - daí a importância de trabalhar a família e as relações de trabalho. 
Mas esta intervenção deve ser feito numa perspectiva de resgate do tecimento sociológico e não simplesmente de passagem de informações “sobre a doença” para os familiares ou de exigências afetivas ou morais;
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Perspectivas para Tratamento 
Psicologia Existencialista
O fundamental é verificar qual é e como ocorre o impasse psicológico (variável fundamental) que gerou a compulsão pela droga. 
É necessário verificar, portanto, a função da droga, pois sem modificar tal função não se altera a compulsão.
Para tanto é preciso compreender o contexto sociológico e antropológico (determinantes) no qual o sujeito está inserido e os situações sociológicas e psicofísicas (variáveis) que ali ocorreram.
Depois desta verificação, é necessário intervir nesse contexto sócio-histórico, na condição do usuário lidar com estas relações que são as determinantes para o processo de dependência.
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Perspectivas para Tratamento 
Psicologia Existencialista
Caso Sarah – transtorno de ansiedade e dependência de maconha.
 				
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Referências Bibliográficas
Antón, D. Drogas: conhecer e educar para prevenir. São Paulo, Scipione, 2000.
Alves; Kessler; Ratto. Comorbidades: uso de álcool e outros transtornos psiquiátricos. Rev. Bras. Psiq. V. 26. supl 1. São Paulo, maio 2004.
Bertolino, P. et al. A Personalidade. Florianópolis: Nuca Ed. Independentes, 1996. (Cadernos de Formação 1). 
Bertolino, P. Modelos Científicos. Obtido no site: www.nuca.org.br , em 11/08/07.
Caldeira, Z. Freire. Drogas, indivíduo e família: um estudo de relações singulares. [Mest] Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública; 1999. 
Carlini, E. et al. I levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas no Brasil: estudo envolvendo as 107 maiores cidades do país: 2001. São Paulo: CEBRID/UNIFESP, 2002.
Carlini, E. et al. II levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas no Brasil: estudo envolvendo as 107 maiores cidades do país: 2005. São Paulo: CEBRID/UNIFESP, 2006.
Harvey, D. A Condição Pós-Moderna. São Paulo : Loyola , 1998.
Ianni, O. A Sociedade Global. 2a. ed. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira , 1993.
IMESC. Fatores de Risco e de Proteção. Obtido no site: http://www.imesc.sp.gov.br/infodrogas. 
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Referências Bibliográficas
Jameson, F. Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo: Ática. 1996. 
Marlatt & Gordon. Prevenção da Recaída: estratégias de manutenção no tratamento de comportamentos aditivos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993. 
Micheli D & Formigoni M. L. Razões do primeiro uso de drogas. J Bras Dep Quím 2001; 2 (1):20-30.
Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Projeto Ajude-Brasil: avaliação dos usuários de drogas injetáveis dos projetos de redução de danos apoiados pela CN-DST/AIDS. Brasília: Ministério da Saúde, 2001.
Pechansky & Luborsky. Abordagem psicodinâmica do paciente dependente químico. In: Psicoterapia de Orientação Analítica. Porto Alegre: Artes Médicas, 2005. 
Seibel & Toscano Jr. Dependência de Drogas. São Paulo: Ed. Atheneu, 2000.
Silveira Bueno, J. G. Função social da escola e organização do trabalho pedagógico. Educar, Curitiba, n. 17, p. 101-110. 2001. Editora da UFPR
WHO. Neurociências: consumo e dependência de substâncias psicoativas. Relatório adquirido no site www.who.int em 05/04/2004. In: WHO Library Cataloguing-in-Publication Data.
Zaleski et al. Diretrizes da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (ABEAD) para o diagnóstico e tratamento de comorbidades psiquiátricas e dependência de álcool e outras substâncias. Rev. Bras. Psiq. V. 28, n 2, São Paulo, jun. 2006.
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Coordenadora: Drª Daniela R. Schneider
E-mail: danis@cfh.ufsc.br
Fone: 048 - 37218607
Site: www.psiclin.ufsc.br
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