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02.SOMBRAS DO PASSADO.pdf

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SSSSOOOOMMMMBBBBRRRRAAAASSSS DDDDOOOO PPPPAAAASSSSSSSSAAAADDDDOOOO 
 
Drama 
 
 
Texto de: 
JULIO CARRARA 
 
 
Escrita em 1995 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Sombras do PassadoSombras do PassadoSombras do PassadoSombras do Passado 1111 
 
 
PERSONAGENS: 
LUCAS 
VIVIANE 
RODRIGO 
GUSTAVO 
ALICE 
ADELAIDE 
CAROL 
RENATA 
 
ÉPOCA: Atual 
 
CENÁRIO: Dois ambientes: o casarão de Lucas e a casa de Rodrigo. Ao fundo 
do palco, um plano mais elevado. No casarão é o quarto de Lucas. Na casa de 
Rodrigo, o quarto de seus pais. Neste plano está uma cama de casal que 
permanecerá fixa até o final do espetáculo. Uma escada central conduz para 
esse plano. No casarão, os móveis são bem rústicos. Fica a critério da direção a 
divisão da sala e cozinha. Na casa de Rodrigo, um sofá, uma mesinha e uma 
escrivaninha à direita central. Esse cenário deverá ser luxuoso para contrastar 
com o casarão de Lucas. Nas mudanças de cenários, que ocorrem em duas 
cenas, os próprios atores podem tirar e pôr os mesmos com o auxílio de 
coreografias. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Sombras do PassadoSombras do PassadoSombras do PassadoSombras do Passado 2222 
 
 
CENA 1 
(Trevas. Ouvimos no áudio ruídos de trovões. Luz sobe em resistência revelando um 
espaço cênico limpo. O forte clarão do raio, inesperadamente, rasga o céu. É noite. A 
chuva começa a cair fortemente. Entra em cena Viviane, procurando um abrigo para se 
esconder. Passa um ônibus. Ela acena, mas o ônibus segue seu destino. Ela xinga. A 
chuva aumenta e chicoteia seu rosto. Um carro em alta velocidade passa numa poça 
d’água e encharca a garota. Ela fica furiosa. Logo em seguida, caminha mais um pouco 
até encontrar um velho casarão. Ao chegar lá, percebe que a porta está aberta e entra. 
Luz sobe em resistência e revela um ambiente bagunçado: roupas penduradas em um 
varal improvisado, papeis espalhados por todos os cantos, etc. A garota senta-se numa 
cadeira, tira o tênis e torce sua camiseta. Ela fica olhando para ver se aparece alguém e 
se assusta quando vê Lucas saindo de um dos cômodos.) 
 
VIVIANE 
(Nervosa.) Oi... Eu tava me escondendo da chuva e só entrei porque 
encontrei a porta aberta... 
 
LUCAS 
Eu não costumo fechar a porta. 
 
VIVIANE 
Desculpa pela invasão. Achei que não tivesse ninguém aqui. Foi mal, 
vou nessa! (Faz menção de sair.) 
 
LUCAS 
Que é isso?! Pode ficar aí o tempo que quiser. Seja bem-vinda ao meu 
bunker. 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Sombras do PassadoSombras do PassadoSombras do PassadoSombras do Passado 3333 
 
VIVIANE 
Obrigada. (Espirra.) 
 
LUCAS 
Vou descolar uma roupa seca pra você. 
 
VIVIANE 
Não precisa. 
 
LUCAS 
Claro que precisa. Você pode ficar doente... (Pega no varal um bermudão e 
uma camiseta.) Tá na mão. (Entrega-lhe a roupa e fica olhando para a menina. 
Viviane fica constrangida. Lucas se toca.) Ah, o banheiro fica ali. (Aponta.) 
 
(Viviane entra no banheiro. Lucas caminha até a cozinha e pega uma chaleira que está 
sobre um fogãozinho de duas bocas. Leva-a até a mesa e despeja o chá em uma xícara. 
Viviane sai do banheiro. A roupa que usa é muito maior do que ela. Lucas ri.) 
 
VIVIANE 
O que foi? 
 
LUCAS 
Você fica engraçada com essa roupa. 
 
VIVIANE 
(Ri também.) É. Eu sei. 
 
LUCAS 
(Oferece-lhe o chá.) Toma o chá. Ainda tá quente. 
 
 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Sombras do PassadoSombras do PassadoSombras do PassadoSombras do Passado 4444 
 
VIVIANE 
(Senta-se à mesa e pega a xícara.) Obrigada. (Bebe. Pausa.) Então aqui é o 
seu refúgio? 
 
LUCAS 
Pois é. 
 
VIVIANE 
Legal... E você mora aonde? 
 
LUCAS 
Aqui. 
 
VIVIANE 
Sozinho? 
 
LUCAS 
Hum, hum... 
 
VIVIANE 
Pensei que fosse só um esconderijo mesmo... E não é ruim? 
 
LUCAS 
A gente se acostuma com tudo. 
 
VIVIANE 
Mas e seus pais? 
 
LUCAS 
Minha mãe morreu. 
 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Sombras do PassadoSombras do PassadoSombras do PassadoSombras do Passado 5555 
 
VIVIANE 
Putz... Tenso, hein?... E seu pai? 
 
LUCAS 
Não conheço meu pai. 
 
VIVIANE 
(Irritada consigo mesma.) Hoje não é meu dia de sorte. Além de invadir a 
sua casa, só tô dando bola fora. Desculpa! 
 
LUCAS 
(Ao perceber que a garota está chateada, ri.) Relaxa, não fica assim... Adorei 
por você ter tomado de assalto o meu esconderijo. Faz muito tempo que eu 
não converso com ninguém e nem recebo uma visita... 
 
VIVIANE 
Você não tem amigos? 
 
LUCAS 
Já tive. Hoje, não tenho mais. 
 
VIVIANE 
Por quê? 
 
LUCAS 
Por opção. Desde a morte da minha mãe, eu me fechei contra tudo e 
contra todos... Não acredito em mais nada! 
 
VIVIANE 
Mas a gente deve acreditar em alguma coisa... 
 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Sombras do PassadoSombras do PassadoSombras do PassadoSombras do Passado 6666 
 
LUCAS 
Em quem? Em Deus? Nas pessoas? No mundo? Como posso acreditar 
nessas coisas se não acredito nem em mim mesmo? 
 
VIVIANE 
(Pausa.) A gente tá aqui conversando e eu nem me apresentei... Viviane. 
(Estende as mãos.) 
 
LUCAS 
(Aperta carinhosamente a mão da garota.) Lucas. 
 
VIVIANE 
Você pode acreditar em mim, tá? 
 
LUCAS 
Que garantias você me dá? 
 
VIVIANE 
Como assim? Não entendi! 
 
LUCAS 
É que por confiar demais em algumas pessoas, eu sempre levei a pior... 
Você se entrega, faz tudo pra quem confia, e quando você percebe, esta pessoa 
crava um punhal nas suas costas. Sacou? (Ela acena afirmativamente com a 
cabeça.) Um pouco antes de você chegar, eu tava aqui na janela vendo a chuva 
cair na vidraça. Quando minha mãe morreu, o dia tava assim, cinzento... e 
chovia, como hoje... 
 
VIVIANE 
Ela morreu de que? 
 
 
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LUCAS 
De câncer... Ela sabia que ia morrer. E eu não acreditava. A gente acha 
que isso nunca vai acontecer com a gente, né? Foi um sofrimento do caralho! É 
foda ver a pessoa que você ama gritando de dor e você não podendo fazer 
porra nenhuma... (Suspira) Antes de morrer, ela me contou sobre meu pai; 
disse que ele não tava preparado pra assumir a paternidade e se ele não era 
homem o suficiente para assumir a responsabilidade, ela assumiria. Eu nasci, 
ela me criou e viemos morar neste casarão. (Pausa.) O problema, é que ela 
morreu sem deixar nenhuma pista sobre o paradeiro dele... (Suspira.) Fiquei 
pensando nisso o dia todo. 
 
VIVIANE 
 (Pausa.) A chuva já passou, preciso ir agora. (Tira um cartão do bolso.) 
Aqui tá o meu telefone. Mas você não vai ficar livre de mim, não. Amanhã eu 
volto aqui pra devolver sua roupa e pra gente conversar mais. Gostei muito de 
te conhecer. 
 
LUCAS 
(Sorri.) Eu também. 
 
VIVIANE 
Até! 
 
LUCAS 
Até! 
 
(Viviane e Lucas se abraçam afetuosamente. Ela beija o rosto do rapaz e sai. Lucas 
começa a arrumar a casa, rapidamente. Enquanto isso, no plano baixo, entra um rapaz, 
aflito. Para, toma fôlego, e ao ver a porta do casarão aberta, entra rapidamente; olha 
para fora por uma fresta da janela e instantes depois, suspira, aliviado. Lucas vem doquarto.) 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Sombras do PassadoSombras do PassadoSombras do PassadoSombras do Passado 8888 
 
LUCAS 
O que aconteceu, cara? 
 
RODRIGO 
(Vira-se, num susto.) Uns caras tavam querendo me assaltar. Eu corri e 
eles correram também. Quando dobrei a esquina, vi a porta aberta e entrei pra 
me esconder. (Trêmulo.) Acho que consegui despistar eles... Vou cair fora 
agora... 
 
LUCAS 
Não é legal sair nesse estado... Você tá tremendo... 
 
RODRIGO 
Foi o susto. Logo passa... 
 
LUCAS 
Dá um tempo aqui. Depois você vai embora. Cê mora aqui na Santa 
Cecília? 
 
RODRIGO 
Não, na Vila Mariana... Eu vim fazer uns trabalhos na casa de um 
colega. Meu pai não pôde me buscar e eu tava indo pro metrô. 
 
LUCAS 
Pois agora que você não vai embora mesmo. O metrô já parou de 
funcionar... Agora só quatro e meia... Fica aí, cara, de boa... 
 
RODRIGO 
Não queria te incomodar. 
 
 
 
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LUCAS 
Relaxa, não vai me incomodar! Só dê um toque pros seus pais avisando 
que vai dormir fora pra eles não ficarem preocupados... E não precisa ficar 
com medo, ouviu? Não sou nenhum psicopata assassino. 
 
RODRIGO 
Tá na cara que não... 
 
LUCAS 
 (Estende as mãos.) Lucas. 
 
RODRIGO 
(Estende a mão também e se cumprimentam.) Rodrigo... 
 
LUCAS 
(Depois de um tempo.) Sabe que eu tenho a impressão de te conhecer de 
algum lugar? 
 
RODRIGO 
(Ri.) Gozado, eu também!!! É, pode ser... 
 
(Black-out.) 
 
CENA 2 
(Luz sobe em resistência. Dia seguinte. Lucas e Rodrigo saíram e em cena estão 
Viviane, Carol, sua irmã, e Renata, sua amiga. Trazem nas mãos as apostilas do 
cursinho.) 
 
RENATA 
Ele mora sozinho, Viviane? 
 
 
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VIVIANE 
Mora. 
 
CAROL 
(Pega uma cueca de Lucas, que está jogada no chão.) Dá pra perceber mesmo. 
Homem é foda, né? Por isso eu prefiro ficar sozinha. 
 
RENATA 
(Irônica.) Quem diria, não? Contando, ninguém acredita. A Viviane, 
apaixonada. 
 
VIVIANE 
(Impaciente.) Não enche o saco, Renata! 
 
CAROL 
E por acaso, a gente tá falando alguma mentira? Não entra na minha 
cabeça, ainda. Não sei como você pode curtir um cara assim... Ainda se fosse 
rico, tudo bem... Mas um miserável que não tem nem onde cair morto?!... Fica 
na ilusão, queridinha... Sabe o que ele quer de você? Uma trepada! Só isso... 
Você já viveu essa experiência com o Renato, lembra? 
 
VIVIANE 
Não compare o Lucas com o Renato. O Lucas é diferente... 
 
CAROL 
 (Venenosa.) As pessoas nem sempre são como a gente pensa... Você, por 
exemplo. Quem iria imaginar que você, com essa carinha tão angelical, tivesse 
um passado tão negro? 
 
VIVIANE 
Não começa! 
 
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CAROL 
Ele sabe que você engravidou e depois de tomar um chute do Renato, 
abortou? 
 
VIVIANE 
Para! 
 
CAROL 
Ficou traumatizada, né? Eu me lembro da sua reação quando viu o feto 
no vaso sanitário. 
 
VIVIANE 
Chega! 
 
RENATA 
Ah, como o amor é um sentimento medíocre. Deixa as pessoas cegas! 
 
VIVIANE 
Saiam daqui... 
 
CAROL 
Tô te estranhando! 
 
RENATA 
(Debocha.) É o amor!!! (As duas caem na gargalhada.) 
 
CAROL 
Nem parece a Viviane que eu conheci... 
 
VIVIANE 
Essa não existe mais... 
 
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CAROL 
Quanto clichê! 
 
VIVIANE 
Se vocês não saírem... 
 
RENATA 
Por quê? Tá com medo que o babaca apareça e descubra a sua 
verdadeira identidade? 
 
CAROL 
A gente pode contar tudo... 
 
RENATA 
Nos mínimos detalhes... 
 
VIVIANE 
(Gritando) Chega!!! Sumam daqui! Agora! 
 
CAROL 
Ok, você venceu! Mas fica esperta. A verdade pode aparecer a qualquer 
momento e aí... era uma vez um conto de fadas... 
 
RENATA 
Ou seria... um conto de fodas? (Ri.) Fica aí esperando o babaca, fica. 
 
CAROL 
(Zombando, como se contasse uma história.) Era uma vez uma linda 
princesa chamada Viviane, que depois de tomar um chute do seu príncipe 
encantado que a deixou com um filho na barriga, entrou em desespero e com 
uma seringa de lavagem fez um aborto. A princesa Viviane, desejando 
regenerar-se, encontra-se com um sapo chamado Lucas, ambos se apaixonam, 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Sombras do PassadoSombras do PassadoSombras do PassadoSombras do Passado 13131313 
 
se casam e vivem felizes para sempre... (Ri.) Aff, parece história de novela 
mexicana! 
 
(Carol e Renata saem rindo. Viviane permanece imóvel por algum tempo. Uma 
lágrima escorre pelo seu rosto. Caminha em direção à porta e sai em seguida.) 
 
 
CENA 3 
(Entram Lucas e Rodrigo com embrulho de pão, frios e leite. Sentam-se à mesa e 
começam a desembrulhar os pacotes. Fazem o lanche. Durante a refeição, Rodrigo 
encontra no chão um álbum de fotografias. Pega-o e fica olhando para as fotos.) 
 
RODRIGO 
Sua mãe era linda, hein, Lucas? 
 
LUCAS 
Era. (Fica triste.) 
 
RODRIGO 
Não fica assim, cara. 
 
LUCAS 
Falar é fácil... Eu me sinto tão sozinho... Me dá uma angústia terrível. 
Meu coração fica tão pequeno dentro do peito e sobe uma tristeza tão grande 
que só passa depois que eu choro... 
 
RODRIGO 
É foda. (Pausa.) Agora vê se anima um pouco, vai. Melhora essa cara. 
 
LUCAS 
(Suspira.) Viviane! 
 
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RODRIGO 
Quem? 
 
LUCAS 
Uma garota que conheci. Ela entrou aí pra fugir da chuva, a gente 
começou a conversar, conversa vai, conversa vem e quando fui ver... (Mente.) a 
gente tava se beijando... 
 
RODRIGO 
É isso aí, moleque! (Olhando para o relógio.) Bem, preciso passar em casa 
e depois ir pra aula. Obrigado por tudo, cara... No fim da tarde eu colo aí... 
 
LUCAS 
Cola mesmo... Falou... 
 
(Rodrigo sai. Lucas fica pensativo.) 
 
LUCAS 
Oh, Rodrigo, como eu queria ser você por um dia só pra saber qual é a 
sensação de ter um pai. Eu acho o meu pai não devia ser assim como minha 
mãe dizia... Eu não vou sossegar enquanto não te encontrar, pai. Nem que eu 
leve a minha vida inteira pra isso! (Chora.) 
 
VIVIANE 
(Entrando.) Lucas, você tá aí? 
 
LUCAS 
(Num susto. Enxuga as lágrimas rapidamente.) Tô no quarto. 
 
VIVIANE 
(Vai até ele.) Vim devolver sua roupa. (Olha bem para ele.) O que é isso? Tá 
chorando? O que aconteceu? 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Sombras do PassadoSombras do PassadoSombras do PassadoSombras do Passado 15151515 
 
LUCAS 
(Tenta disfarçar.) Não foi nada. 
 
VIVIANE 
O que você tá me escondendo? 
 
LUCAS 
Nada! 
 
VIVIANE 
Sei que tá escondendo alguma coisa... 
 
LUCAS 
(Perturbado.) Não leva a mal, não. Mas me deixa um pouco sozinho... Eu 
preciso ficar sozinho. Volte outra hora! 
 
VIVIANE 
Eu só saio daqui depois que você se abrir comigo e contar o que tá 
acontecendo.LUCAS 
Me deixa em paz... Vá embora! 
 
VIVIANE 
Já disse que só saio depois que se abrir comigo. 
 
LUCAS 
(Explode.) Sai daqui, Viviane... Eu não quero ser estúpido com você. 
 
VIVIANE 
Então é assim? Eu venho aqui com a melhor das intenções e é assim que 
me recebe? 
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LUCAS 
Pro inferno você e suas intenções... 
 
VIVIANE 
Tá bom. Fica aí, recluso neste casarão mal-assombrado, conversando 
com seus fantasmas e aguardando pelo fim dos tempos. É a sua cara. Tchau, 
Lucas... Esqueça que eu existo... (Vai saindo.) 
 
LUCAS 
(Segura a garota, arrependido.) Desculpa, eu não queria ter falado assim. 
 
VIVIANE 
É. Mas falou. 
 
LUCAS 
(Busca palavras.) Eu tô perdido, tô confuso... Não sei explicar, nunca senti 
isso antes. Acho que eu tô apaixonado por você... 
 
VIVIANE 
Paixão e tesão são coisas bem diferentes... Perdeu, Lucas. 
 
LUCAS 
Já perdi muita coisa nesta vida. E você, eu não quero perder... me dá 
uma chance. 
 
VIVIANE 
(Depois de um tempo, acaba cedendo.) Tá bom... Vamos começar do zero, 
nós dois. Vamos apagar o passado e viver o presente. É só isso que interessa. 
 
(Ambos se entregam num longo e apaixonado beijo.) 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Sombras do PassadoSombras do PassadoSombras do PassadoSombras do Passado 17171717 
 
CENA 4 
(Mudança de cenário. Os atores tiram o cenário do casarão de Lucas e colocam o 
cenário da casa de Rodrigo. Muda luz. Gustavo, pai de Rodrigo, está sentado no sofá. 
Olha para uma foto e quase chora. Entra Alice, sua mulher, que o observa por um bom 
tempo. Em seguida, caminha até o marido e tira a foto de sua mão.) 
 
ALICE 
Relembrando o passado, Gustavo? (Reação de Gustavo.) Tudo bem. 
Imagino como você se sentiu depois que “ela” te abandonou. Mas ficar aí, 
remoendo essas lembranças? Por quê? 
 
GUSTAVO 
(Com um fio de voz.) Porque ela tava grávida. 
 
ALICE 
Grávida? 
 
GUSTAVO 
É. Grávida. 
 
ALICE 
Por que você nunca me contou isso? 
 
GUSTAVO 
E que importância tinha? Se você não me questionasse, nem ficaria 
sabendo. Se eu abri o jogo com você agora é porque sei que o nosso 
relacionamento tá alicerçado em bases sólidas, que esta foto faz parte do meu 
passado e que nada neste mundo é capaz de separar a gente. Nada! 
 
ALICE 
Será que não? Como você pode ter tanta certeza? 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Sombras do PassadoSombras do PassadoSombras do PassadoSombras do Passado 18181818 
 
GUSTAVO 
Eu sei... sinto... 
 
ALICE 
E o que você fez pra que ela agisse dessa maneira? 
 
GUSTAVO 
Uma vez ela me perguntou se eu queria ter um filho... E eu respondi que 
não, porque naquele momento tava prestes a subir de cargo na empresa e que 
pra ter um filho eu precisava estar bem economicamente... Naquele tempo eu 
não tinha nada, era um moleque recém-formado entrando no mercado de 
trabalho. (Suspira.) Alguns dias depois, quando voltei a procurá-la, ela havia 
se mudado do apartamento sem me dizer nada... Semanas depois, ela me 
escreveu uma carta dizendo que tinha me abandonado porque tava grávida e 
não queria que eu rejeitasse a criança. Mas se ela tivesse aberto o jogo comigo, 
eu não rejeitaria meu filho. Nós éramos muito jovens, mas eu assumiria a 
paternidade... E hoje, 19 anos depois, não sei se ela tá viva ou morta, não sei 
sobre o paradeiro da criança... Não sei de absolutamente nada... 
 
ALICE 
Gustavo me responda com toda a sinceridade: Você me ama? 
 
GUSTAVO 
Eu sou muito grato a você por ter me tirado da depressão. E mais grato 
ainda porque você me deu um filho lindo que tá entre as coisas que mais amo 
nesse mundo. 
 
ALICE 
Você tá confundindo amor com gratidão... Não é isso que eu quero 
saber... Eu quero saber se você me ama ou se eu fui apenas um objeto para 
fazê-lo esquecer dessa mulher... (Pausa tensa.) Responde, Gustavo. 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Sombras do PassadoSombras do PassadoSombras do PassadoSombras do Passado 19191919 
 
(Gustavo permanece em silêncio.) 
 
ALICE 
(Triste.) Já deu sua resposta! 
 
(Entra Rodrigo, cansado. Gustavo quebra o gelo.) 
 
GUSTAVO 
E aí, filho? Como foi a aula? 
 
RODRIGO 
Um porre. Não vejo a hora de me formar. 
 
GUSTAVO 
Falta pouco. 
 
RODRIGO 
Ainda bem... Não aguento mais... 
 
ALICE 
Vou falar pra Adelaide servir seu almoço. 
 
RODRIGO 
Não precisa mãe. Eu já comi no colégio. 
 
ALICE 
Você que sabe. 
 
GUSTAVO 
Bem, o dever me chama... 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Sombras do PassadoSombras do PassadoSombras do PassadoSombras do Passado 20202020 
 
RODRIGO 
Pai, cê me dá uma carona até Santa Cecília? 
 
GUSTAVO 
Claro... 
 
ALICE 
Tô com um pouco de dor de cabeça. Vou pro quarto descansar um 
pouco. Bom trabalho, Gustavo. E você, Rodrigo, tome cuidado, viu?...Vê lá 
com quem se envolve, hein? 
 
RODRIGO 
Fica fria, velha!!! (Pausa.) Mãe... 
 
ALICE 
O que foi? 
 
RODRIGO 
Eu amo você. 
 
ALICE 
(Com um sorriso melancólico.) Eu também amo você. 
 
GUSTAVO 
Vamos? 
 
(Alice, discretamente, entrega a foto para Gustavo, que esconde rapidamente. Gustavo 
se aproxima com a intenção de beijar Alice, mas esta vira o rosto e o marido beija-lhe a 
face. Gustavo fica chateado. Alice abraça Rodrigo carinhosamente. Olha-o por um bom 
tempo e depois o beija. Em seguida sobe para o quarto.) 
 
 
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GUSTAVO 
(Chama.) Adelaide. 
 
(Adelaide é a empregada: usa óculos fundo de garrafa, é corcunda, tem peito de pombo 
e manca de uma perna. Traja um uniforme de empregada e é bastante ágil.) 
 
ADELAIDE 
Às ordens, senhor. 
 
GUSTAVO 
Traga o meu paletó 
 
ADELAIDE 
Está certo, senhor. (Sai e volta com o paletó.) Pronto, senhor. (Sai.) 
 
GUSTAVO 
Adelaide. 
 
ADELAIDE 
Às ordens, senhor. 
 
GUSTAVO 
Traga os meus sapatos pretos. 
 
ADELAIDE 
Está certo, senhor. (Sai e volta com os sapatos.) Pronto, senhor. (Sai.) 
 
GUSTAVO 
(Com o par de sapatos na mão.) Adelaide. 
 
ADELAIDE 
Às ordens, senhor. 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Sombras do PassadoSombras do PassadoSombras do PassadoSombras do Passado 22222222 
 
GUSTAVO 
(Entrega para ela o par de sapatos.) Calce os meus sapatos. 
 
ADELAIDE 
Está certo, senhor. (Calça os sapatos nele.) Pronto, senhor. (Sai.) 
 
GUSTAVO 
Tô bem assim, filho? 
 
RODRIGO 
Tá ótimo. 
 
GUSTAVO 
Adelaide. 
 
ADELAIDE 
Às ordens, senhor. 
 
GUSTAVO 
Pegue a chave do carro. 
 
ADELAIDE 
Está certo, senhor. (Sai e volta com as chaves do carro.) Pronto, senhor! 
(Sai.) 
 
GUSTAVO 
(Para o filho.) Vamos? 
 
RODRIGO 
Vamos. (Saem.) 
 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Sombras do PassadoSombras do PassadoSombras do PassadoSombras do Passado 23232323 
 
GUSTAVO 
(Grita em off.) Adelaide, o carro enguiçou. Venha empurrar... 
 
ADELAIDE 
(Atravessa a cena correndo e gritando.) Está certo, senhor. 
 
(Ouve-se o ruído do carro. O motor afoga a toda a hora. Finalmente, depois de dezenas 
de tentativas, o carro sai em disparada.Foco em Alice no quarto. Ela abre o guarda-
roupa, pega uma mala e guarda suas roupas ali. Segura a mala, desce até a sala e 
caminha até a escrivaninha. Munida de papel e caneta, escreve uma carta que deposita 
sobre a mesa. Entra Adelaide.) 
 
ALICE 
(Para ela.) Cuide bem deles, Adelaide. 
 
(Adelaide fica com cara de tacho e Alice sai lentamente. Adelaide tem uma crise de 
choro e sai correndo para outros cômodos da casa, limpando as lágrimas no avental. 
Foco sobre o porta-retratos e a carta. Foco desce em resistência até o black-out.) 
 
 
CENA 5 
(Nova mudança de cenário. O cenário do casarão volta à cena. Lucas e Viviane estão 
na cama, abraçados, enrolados em um lençol. Acabaram de transar.) 
 
VIVIANE 
Sabia que eu era capaz de ficar assim, abraçada com você pra sempre? 
Você foi a melhor coisa que me aconteceu na vida... 
 
LUCAS 
Você também. (Sem jeito.) Me perdoa, vai. Eu não queria falar com você 
daquele jeito. É que a vida da gente parece, sei lá, um labirinto: cheios de 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Sombras do PassadoSombras do PassadoSombras do PassadoSombras do Passado 24242424 
 
caminhos para escolher. E eu tenho medo de escolher o caminho errado e 
quebrar a cara... (Pausa.) Ei... Em qual planeta você tá? 
 
VIVIANE 
(Suspira.) Ah, Lucas, tem tanta coisa a meu respeito que você ainda não 
sabe... 
 
LUCAS 
Então começa a contar... Tô curioso! 
 
VIVIANE 
Se eu te contasse que já fui loucamente apaixonada por um cara; que 
engravidei; que fiz um aborto quando ele me abandonou; que vim aqui com a 
minha irmã e com a minha amiga numa manhã que você não tava; que te 
poupei até agora porque tive muito medo de te perder e queria que você 
confiasse em mim... (Pausa.) Agora que você já sabe de tudo, você vai querer 
continuar comigo? 
 
LUCAS 
(Longa pausa.) Claro que não... 
 
VIVIANE 
(Com lágrimas nos olhos.) Eu já esperava por isso. 
 
LUCAS 
(Abre um sorriso generoso.) Tô brincando, sua boba. Claro que eu quero 
continuar com você... A gente não combinou que o passado e o futuro não 
existem? Eu vou gritar pra todo mundo ouvir: EU TE AMO, VIVIANE!!!!! 
 
(Derruba Viviane na cama entre risos, carícias, beijos, abraços e palavras ao pé do 
ouvido. Em outro plano, Rodrigo entra com Gustavo.) 
 
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RODRIGO 
(Chamando.) Lucas... 
 
(Lucas e Viviane se assustam.) 
LUCAS 
(Cochicha.) Ih! Sujou... 
 
(Vestem-se rapidamente, abafando o riso. Depois de vestidos, descem para a sala.) 
 
LUCAS 
E aí, moleque? (Cumprimentam-se.) 
 
RODRIGO 
E aí? (Apresenta o pai.) Esse aqui é o meu pai, Lucas... Gustavo. 
 
GUSTAVO 
Prazer, Lucas. Vim te agradecer pelo que você fez pelo meu filho... Não 
é qualquer um que dá abrigo e proteção prum desconhecido. 
 
LUCAS 
Eu só fiz o que tinha de fazer. Não ia deixar que ele ficasse na rua. Ainda 
mais sabendo que não podia vir buscá-lo. (Apresentando Viviane.) Essa aqui é a 
Viviane, minha namorada. 
 
RODRIGO 
(Para Lucas, confidencial.) Rabudo, hein? 
 
LUCAS 
(Idem.) Né? 
 
VIVIANE 
O que vocês tão cochichando, hein? 
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AMBOS 
Nada. 
 
VIVIANE 
Aposto que é sobre mim... Podem falar. 
 
LUCAS 
Assuntos de homens... 
 
VIVIANE 
Machistas! 
 
(Riem.) 
 
GUSTAVO 
(Fascinado pelo casarão.) Gostei muito desse casarão... (Sem querer, esbarra 
num quadro e o derruba no chão.) Desculpa, Lucas. Quebrou o vidro. Eu... 
 
(Pega o quadro e leva um tremendo susto ao ver a fotografia.) 
 
RODRIGO 
O que aconteceu, pai? 
 
GUSTAVO 
É que essa moça da fotografia é muito parecida uma pessoa que... 
(Perturbado.) Acho que é paranoia. É muita coincidência... 
 
RODRIGO 
Que paranoia, pai? 
 
GUSTAVO 
Quem é ela, Lucas? 
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LUCAS 
Minha mãe... 
 
GUSTAVO 
(Corta a fala de Lucas, balbuciando.) A... sua... mãe? 
 
LUCAS 
Você conhecia ela? 
 
(Gustavo fica um longo tempo sem dizer nada. O clima é tenso.) 
 
LUCAS 
Conhecia a minha mãe? 
 
GUSTAVO 
Não é possível! 
 
RODRIGO 
O que, pai? 
 
LUCAS 
Então você conhecia a minha mãe? Esse mundo é muito pequeno. 
 
GUSTAVO 
É. Esse mundo é muito pequeno, Lucas... Quantos anos você tem? 
 
LUCAS 
 Dezoito. 
 
GUSTAVO 
 Você é filho único? 
 
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LUCAS 
Sou. 
 
GUSTAVO 
(Suspira.) Ana... Por que você fez isso comigo? Por que me privou da 
presença do meu filho? Por quê? Por quê? 
 
LUCAS 
(Juntando as peças do quebra-cabeça.) Então... Você é... é... 
 
(Lucas não consegue completar a frase. Gustavo acena a cabeça afirmativamente e 
abraça Lucas.) 
 
VIVIANE 
Vocês querem me explicar o que tá acontecendo? Não tô entendendo 
nada! 
 
RODRIGO 
Nem eu. Querem ser mais claros, por favor? 
 
GUSTAVO 
(Solta-se por um momento de Lucas.) Rodrigo... esse grande amigo que 
você tem, que, por uma ironia do destino, sei lá, te livrou do assalto... 
 
RODRIGO 
Não enrola, pai. 
 
GUSTAVO 
(Sorridente.) ...é seu irmão... 
 
RODRIGO 
(Chocado, mas feliz.) Como é que é? Meu irmão? 
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VIVIANE 
Eu não acredito! 
 
GUSTAVO 
O Lucas é meu filho... 
 
RODRIGO 
(Incrédulo.) Filho?!!!! 
 
GUSTAVO 
Sim... filho. 
 
(Gustavo num impulso abraça e beija Lucas.) 
 
GUSTAVO 
Como eu esperei por esse momento... Tô sem palavras, nem sei o que 
dizer... 
 
LUCAS 
Não precisa dizer nada!!! (Para Rodrigo, que está petrificado.) Cara, você é 
meu irmão... 
 
RODRIGO 
Sou, cara... Sou... 
 
(Os quatro se abraçam.) 
 
GUSTAVO 
E onde tá sua mãe, Lucas? Preciso me encontrar com ela e esclarecer 
tudo. 
 
 
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LUCAS 
Ela... morreu. 
 
GUSTAVO 
 (Pausa, sentido.) Eu nunca pude dizer pra ela o quanto eu a amava e que 
daria minha vida pela dela... Se ela não tivesse me abandonado, as coisas 
seriam diferentes... Você me leva até o túmulo dela? 
 
LUCAS 
Quando quiser... 
 
(Viviane coloca a chaleira sobre a mesa.) 
 
VIVIANE 
Gente, vamos tomar um chá pra acalmar. É muita emoção prum dia só. 
 
(Todos se sentam à mesa. Viviane serve o chá para o trio.) 
 
GUSTAVO 
Eu não queria que você guardasse nenhuma mágoa de mim. 
 
LUCAS 
Eu nunca guardei. 
 
GUSTAVO 
Nem mágoa da sua mãe. Ela só quis o seu bem. 
 
LUCAS 
Eu sei. Sem ressentimentos. 
 
 
 
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GUSTAVO 
Que bom. Fico feliz ao ouvir isso. (Muda o tom.) Hoje mesmo vamos ao 
cartório. Eu vou te reconhecer como filho... e depois, vamos lá pra casa. 
 
LUCAS 
(Semjeito.) Não leva a mal, não, mas eu prefiro continuar aqui. Você me 
entende, né? Mas vamos nos encontrar todos os dias. Temos muito que 
conversar. 
 
GUSTAVO 
Claro... Você já sabe o que te convém e o que te prejudica. Faça como 
quiser e da forma que quiser que vai receber o meu apoio e o apoio da Alice. 
 
LUCAS 
Será que ela vai entender? 
 
GUSTAVO 
Ela já sabe de tudo. 
 
RODRIGO 
Pai, o que o Lucas precisa de imediato é uma empregada. Manda a 
Adelaide fazer uma faxina aqui... A Adelaide é a melhor empregada que eu 
conheço. É só chamar que ela aparece. Quer ver só? (Vai até a janela e chama 
alto.) Adelaide! 
 
(Ouve-se o eco da voz de Rodrigo. Adelaide entra correndo, esbaforida. ouve-se no 
áudio o jingle do “Papa-Léguas”.) 
 
ADELAIDE 
Às ordens, senhor. 
 
 
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RODRIGO 
Não falei? 
 
RODRIGO 
Ela é eficientíssima. E só abre a boca pra dizer: “As ordens, senhor”, “Está 
certo, senhor”, “Pronto, senhor”. (Chamando.) Adelaide 
 
ADELAIDE 
Às ordens, senhor. 
 
GUSTAVO 
A partir de hoje você virá neste casarão de dois em dois dias fazer uma 
faxina, está certo? 
 
ADELAIDE 
Está certo, senhor... 
 
GUSTAVO 
Muito bem, pode começar... 
 
(Adelaide vai iniciar a faxina. Lembra-se de algo. Pega a carta de Alice e entrega para 
Gustavo.) 
 
ADELAIDE 
Senhor... 
 
GUSTAVO 
Uma carta? Passe pra cá. 
 
ADELAIDE 
(Entrega-lhe a carta.) Pronto, senhor... 
 
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GUSTAVO 
Agora vá cuidar da faxina... (Pausa.) Que estranho! Uma carta da Alice!!! 
 
(Adelaide sobe para o quarto e fica congelada. Gustavo abre a carta. A voz de Alice é 
ouvida no áudio. Rodrigo lê a carta junto com o pai.) 
 
ALICE 
(Off.) “Gustavo, até quando vai ficar chorando pelo leite derramado? As 
coisas já aconteceram. Cada um escolheu o seu caminho: ela seguiu o dela com 
o seu filho e você, o seu. Agora só resta pagar pelos nossos atos e espero que o 
preço que tenhamos que pagar não seja tão alto quanto o dela. Você sempre 
gostou de mim, sempre foi carinhoso comigo, sempre me respeitou... Nunca 
me amou. Eu não aguento mais viver assim... achando, ou melhor, sabendo 
que você não me amava, mas com a esperança de que um dia me amasse. E é 
por isso que vou embora. Vá atrás desta mulher e do seu filho. Dê o seu nome 
pra ele e tente aproximá-lo do Rodrigo. O caminho está livre... Vou fazer uma 
viagem para esfriar a cabeça e na volta a gente conversa sobre o divórcio... Ah, 
cuide bem do nosso menino. Ele pode parecer um adulto, mas ainda é uma 
criança... Te amo muito, filho. Rodrigo, eu só não te levei comigo porque seu 
pai precisa muito de você. Voltarei em breve, Gustavo... Alice.” 
 
(Rodrigo não quer acreditar.) 
 
RODRIGO 
(Chorando.) Pai... Ela vai voltar, não vai? 
 
GUSTAVO 
Claro que vai, filho. Claro que vai... 
 
(Abraçam-se. Black-out. Volta luz. Adelaide, sozinha, pega um iphone e o coloca no 
ouvido. Ouve-se “Melô do Pata-Pata”, da Gretchen. Adelaide pega uma vassoura e 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Sombras do PassadoSombras do PassadoSombras do PassadoSombras do Passado 34343434 
 
começa a limpar o casarão, dançando de acordo com a música. Deixa o casarão 
brilhando. Tarefa feita, sai de cena.) 
 
CENA 6 
(Palco vazio. Uma carta é jogada em cena. Lucas, Rodrigo e Viviane entram.) 
 
RODRIGO 
Por que tinha que ser assim, hein? 
 
LUCAS 
Ela tava infeliz. Foi melhor. Acredite em mim. 
 
RODRIGO 
Tenho medo que ela não volte. 
 
LUCAS 
Ela volta. Ela só precisa de um tempo pra esfriar a cabeça... O que ela 
passou não foi brincadeira. 
 
(Viviane encontra a carta.) 
 
VIVIANE 
Lucas, uma carta pra você... 
 
LUCAS 
Pode abrir Viviane. 
 
(Viviane abre a carta, lê e fica aflita.) 
 
LUCAS 
(Percebe a aflição da namorada.) Que cara é essa? O que tá escrito aí? 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Sombras do PassadoSombras do PassadoSombras do PassadoSombras do Passado 35353535 
 
VIVIANE 
(Entrega a carta a Lucas.) Leia você mesmo. 
 
LUCAS 
(Lendo, sem acreditar.) Como é que é? 
 
VIVIANE 
Você tem trinta dias pra desocupar o casarão. 
 
LUCAS 
Mas tô em dia com os alugueis... 
 
VIVIANE 
Acho melhor você procurar o proprietário e esclarecer tudo. Onde ele 
mora? 
 
LUCAS 
No prédio aqui do lado. 
 
VIVIANE 
Ele não pode fazer isso com você... 
 
LUCAS 
Vou até lá tirar isso a limpo! (Sai.) 
 
RODRIGO 
Deve ser algum engano. Se o Lucas pagou os alugueis é só apresentar os 
recibos. 
 
VIVIANE 
O proprietário não pode tirar o Lucas daqui assim. E agora, pra onde a 
gente vai? 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Sombras do PassadoSombras do PassadoSombras do PassadoSombras do Passado 36363636 
 
RODRIGO 
Se não tiver jeito, vocês vão morar lá em casa. Vamos esperar o Lucas 
chegar e a gente esclarece isso de uma vez por todas... 
 
VIVIANE 
(Revirando alguns papeis.) Preciso saber onde o Lucas guardou esses 
recibos. 
 
RODRIGO 
Eu ajudo você... 
 
VIVIANE 
Se o Lucas não fosse tão bagunceiro, seria mais fácil de encontrar. 
(Procura em outra gaveta.) Nada. 
 
RODRIGO 
Será que ele não jogou os recibos no lixo? 
 
VIVIANE 
Era só o que me faltava... 
 
RODRIGO 
Ele pode ter feito isso, vai saber. 
 
VIVIANE 
A gente tem que achar. Senão não tem como o Lucas provar que os 
pagamentos foram efetuados. 
 
LUCAS 
(Entrando.) Não esquenta mais com isso, Viviane. Nós temos mesmo 
trinta dias para desocupar o imóvel. 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Sombras do PassadoSombras do PassadoSombras do PassadoSombras do Passado 37373737 
 
VIVIANE 
Mas como, se os alugueis estão em dia? 
 
LUCAS 
Sim, estão. Só que o contrato vence no mês que vem e o proprietário 
não quer renovar. Nunca parei pra ver essas coisas. Era minha mãe que fazia 
isso. Lembro que dias antes de morrer, ela tinha renovado o contrato. Isso já 
faz dois anos, portanto ele vence agora. Por essa razão, veio o comunicado. 
 
VIVIANE 
Mas, por que ele não quer renovar? Pra que ele vai querer o casarão? 
 
LUCAS 
Pra demolir isso aqui e fazer um estacionamento. 
 
VIVIANE 
O quê? Mas que absurdo! 
 
RODRIGO 
Lucas, se o casarão é tombado pelo patrimônio histórico ele não pode ser 
demolido. 
 
LUCAS 
(Conformado.) Acontece que esse casarão não foi tombado... Portanto, 
pode ser demolido, sim. 
 
VIVIANE 
(Desesperada ao ver Lucas naquele estado.) Lucas, não fique assim. Grite, 
xingue, quebre tudo o que encontrar pela frente, mas não fique calado, pelo 
amor de Deus. 
 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Sombras do PassadoSombras do PassadoSombras do PassadoSombras do Passado 38383838 
 
RODRIGO 
É isso mesmo, cara. 
 
LUCAS 
Agora não adianta mais nada, mano. Acabou... Tudo o que começa, 
acaba um dia... É assim... É assim. 
 
(Os três se abraçam e choram inconformados.) 
 
 
EPÍLOGO 
(Palco na penumbra. O caminhão de mudança está parado à porta do casarão e os 
atores retiram todos os móveis da casa. Lucas está bastante abatido e observa cada 
canto do casarão. Viviane e Rodrigoolham para ele.) 
 
RODRIGO 
(Quebra o gelo.) O caminhão já vai sair... 
 
VIVIANE 
Você não tá sozinho, Lucas. 
 
RODRIGO 
É isso aí, mano. 
 
LUCAS 
Como eu gostaria de ser otimista como vocês... 
 
RODRIGO 
(Dá uma bronca no irmão.) O que é isso, cara? Ergue a cabeça, porra! Logo 
você que nunca se deixou abater por nada vai agir dessa maneira? Como é que 
é? Será que eu vou ter que te tirar daqui na porrada? 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Sombras do PassadoSombras do PassadoSombras do PassadoSombras do Passado 39393939 
 
LUCAS 
(Recupera o ânimo.) É. Não vai ser isso que vai me derrubar. Vida nova... 
 
RODRIGO 
É isso aí... Assim que eu gosto... Vamos brindar... (Chamando.) Adelaide. 
 
ADELAIDE 
Às ordens, senhor. 
 
RODRIGO 
Traga quatro taças e um champanhe! 
 
ADELAIDE 
Está certo, senhor. (Sai e volta com o champanhe e as taças.) Pronto, senhor. 
 
RODRIGO 
Adelaide. 
 
ADELAIDE 
Às ordens, senhor. 
 
RODRIGO 
Sirva-nos e brinde com a gente. 
 
ADELAIDE 
Está certo, senhor. (Enche a taça de todos e a sua própria taça.) 
 
RODRIGO 
Um brinde ao nosso futuro. 
 
TODOS 
Ao nosso futuro! 
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(Brindam e bebem. Adelaide vira a taça bebendo a champanhe num só gole.) 
 
RODRIGO 
Adelaide! 
 
ADELAIDE 
(Bêbada.) As ordens, senhor. 
 
RODRIGO 
Ligue para o papai e diga que nós já estamos saindo daqui. 
 
ADELAIDE 
Está certo, senhor. 
 
(Adelaide retira do avental o celular, disca um número e fala com Gustavo, sem que o 
público ouça a sua voz e sai de cena, trôpega de tão bêbada.) 
 
RODRIGO 
Lucas, qualquer mudança na nossa vida, por pior que seja, tem o seu 
lado bom. Eu achava que não conseguiria viver sem a minha mãe. Hoje, trinta 
dias depois, muita coisa mudou. Ela tá feliz. E o nosso pai também. É isso que 
importa. Tem gente que opta pela infelicidade. E isso é muito pior, você não 
acha? 
 
LUCAS 
Não sei o que seria de mim, se vocês não existissem. Obrigado por 
aparecer por essa porta e pedir para que eu te protegesse. Na verdade, foi você 
quem me protegeu Rodrigo. Através de você eu pude encontrar o meu pai. E 
você, Viviane, obrigado por me fazer o homem mais feliz do mundo... Agora é 
olhar pra frente e vivermos intensamente todos os minutos de nossas vidas. 
TOCA AQUI!!! 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Sombras do PassadoSombras do PassadoSombras do PassadoSombras do Passado 41414141 
 
(Lucas estende uma mão. Viviane e Rodrigo colocam suas mãos sobre a mão de Lucas e 
com um grito levantam as mãos para cima.) 
 
 
FIM 
 
Janeiro/1995

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