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14. NATAL DOS EXCLUÍDOS.pdf

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NNNNAAAATTTTAAAALLLL DDDDOOOOSSSS EEEEXXXXCCCCLLLLUUUUÍÍÍÍDDDDOOOOSSSS 
 
 
 
Espetáculo Natalino para Bufões 
 
 
Texto de: 
JULIO CARRARA 
 
 
Escrita em 2002 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
JJJJulio Carraraulio Carraraulio Carraraulio Carrara Natal dos ExcluídosNatal dos ExcluídosNatal dos ExcluídosNatal dos Excluídos 1111 
 
 
PERSONAGENS: 
JOSEFA, apresentadora de telejornal mulher de 
JACINTO, apresentador do telejornal, alcoólatra. 
ROSEMEIRE, repórter do telejornal, metida à modelo. 
BETE BOQUETE, prostituta. 
CASTANHOLA, mendigo 
QUEBRA-NOZES, mendigo. 
PROFETA, a serviço de Deus. 
ANÃO, bem-dotado. 
 
ÉPOCA: Atual. Véspera de Natal. 
 
CENÁRIO: Um lixão. A cidade de Bufonaria é pequeno município entre São 
Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Em meio a esse lixão, há um estúdio 
onde se passam um telejornal e os comerciais. Também se encontram neste 
ambiente, o Terminal Suburbano Jean Solto por Enquanto e o Auditório 
Bufanesco. Nas últimas cenas, forma-se um presépio em meio à sujeira. 
 
OBSERVAÇÃO: Qualquer semelhança entre nomes, pessoas ou 
acontecimentos reais não terá sido mera coincidência. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
JJJJulio Carraraulio Carraraulio Carraraulio Carrara Natal dos ExcluídosNatal dos ExcluídosNatal dos ExcluídosNatal dos Excluídos 2222 
 
 
PRÓLOGO 
(Os bufões estão no palco dando os últimos retoques na maquiagem, nos figurinos e 
nas extensões. Ao toque do terceiro sinal, caminham para seu canto e congelam. A 
atriz que interpreta o profeta aproxima-se do centro e inicia o “Manifesto dos Bufões”, 
de Jorge Didaco.) 
 
ATRIZ 
Senhoras e senhores, bem-vindos. Nós do grupo (Nome da companhia.) 
vamos apresentar para vocês os bufões. Também conhecidos como bobos, 
loucos, tolos, histriões, saltimbancos, palhaços, menestreis, charlatães, 
vagabundos, desavergonhados, fanfarrões... O bufão aponta para aquilo que 
muitas vezes nos recusamos a ver. Ele obriga-nos a confrontar nossas próprias 
mazelas, nossa miséria social e afetiva, nossa hipocrisia em relação aos 
excluídos e marginalizados, nossa religiosidade e vinculação com o 
transcendente e nossa sexualidade. Eles não apenas nos revelam grandes 
verdades através de um espelho distorcido e deformado. Eles bufam, expelem, 
fumegam com a agitação e sentido de urgência, sempre de um ponto de vista 
crítico e consciente e não complacente e auto-piedoso... e sem perder o humor. 
Quando o bufão entra em ação, chama o riso, a poesia, o palavrão, a 
indignação. Para o bufão não existe o decoro, o pudor, a conciliação... Tudo 
aparece em estado bruto, inacabado, associal. O bufão é a prostituta e a 
mama, é o sagrado e o profano, o escracho e a sensualidade, o demoníaco e o 
poético, a vida e a morte, o princípio e o fim, a loucura e a devoção... E agora, 
com vocês, o “Natal dos Excluídos”... 
 
(A atriz coloca sua extensão e os bufões saem de seus lugares, desfilando cada um à sua 
maneira. Um a um se aproxima do centro do palco e faz sua apresentação. Quando 
todos se apresentam.) 
 
BUFÃO 1 
Gente, ônibus de graça!!!! 
JJJJulio Carraraulio Carraraulio Carraraulio Carrara Natal dos ExcluídosNatal dos ExcluídosNatal dos ExcluídosNatal dos Excluídos 3333 
 
(Todos os bufões felizes e entram no ônibus. O veículo fica lotado e as pessoas 
espremidas lá dentro demonstram uma grande satisfação através do sorriso banguela.) 
 
 
CENA 1 
(Atores montam uma mesa e duas cadeiras para o telejornal. Jacinto e Josefa, criaturas 
mirradas, sentam-se à mesa. Jacinto bebe um gole de cachaça e um anão se arrasta no 
chão com as “dálias” para os apresentadores, enquanto os outros se sentam nas 
cadeiras ao fundo do palco.) 
 
JACINTO 
Boa noite. Sou Jacinto Preto. 
 
JOSEFA 
Boa noite. Sou Josefa Pinto do Rêgo Preto. 
 
JACINTO 
E agora as notícias do dia no Telejornal do Bufão... Nossa repórter 
Rosemeire está no Terminal Suburbano Jean Solto Por Enquanto, na Avenida 
Newton da Farmácia, avenida esta que futuramente irá mudar de nome para 
Juvenar, Juvenar Vem Tirar o Leite. Não é a música do Karnak, não. Vai se 
chamar assim, porque o Juvenar, Juvenar Vem tirar o Leite só tem um braço, e 
a marginal, tem mão única... (Ri, histericamente.) É com você, Rosemeire... 
 
ROSEMEIRE 
Estamos aqui, no Terminal Suburbano Jean Solto Por Enquanto, onde 
está havendo uma agitação tremenda, pois o ônibus está circulando de graça... 
O povo aproveita a ocasião para fazer um tour pela cidade, visitando todos os 
bairros. Muita gente deixou de trabalhar hoje, para passar o dia passeando de 
ônibus... Vou entrevistar agora a Bete Boquete, essa puta cidadã que está do 
meu lado... Oi Bete, o que você acha disso? 
 
JJJJulio Carraraulio Carraraulio Carraraulio Carrara Natal dos ExcluídosNatal dos ExcluídosNatal dos ExcluídosNatal dos Excluídos 4444 
 
BETE 
Eu acho ótimo... Como sou puta da Praça do Canhão, não preciso gastar 
nada... Vou lá, faço meu programinha, pego o ônibus de graça e ainda sobra 
um dinheirinho pra eu tomar meu coquetel... Não é coquetel de frutas, não. É 
o coquetel para AIDS mesmo. 
 
ROSEMEIRE 
Quer deixar um recado para os telespectadores? Dar telefone, e-mail, 
RG, CPF, Carteira de Habilitação, Número da Conta Corrente... 
 
BETE 
Claro. Meu telefone é 69696969, e o meu e-mail é 
beteboquete@fodona.com.br, me mandem e-mail ou me liguem, viu? Comigo, 
não tem frescura, eu faço de tudo. Me alugo, me dou, me vendo, deixo que me 
algemem na cama, pinguem vela, raspem minha xoxota com navalha, o que 
quiserem fazer, menos enfiar crucifixo no cu, que aí é pecado... Agora, os 
preços: Programinha básico, que é um boquete, R$ 10,00. Programa completo 
varia, se for só pra dar a buceta por uma hora, é R$ 50,00. Se tiver que dar o cu, 
é R$ 100,00, porque dói muito, e se for pra ficar a noite inteira com o bofe, é R$ 
150,00, porque vou sair muito ardida... Aceito todos os tipos de cartão de 
crédito ou débito, inclusive ticket refeição e vale transporte. Mas se eu 
simpatizar com o freguês eu não cobro nada... 
 
ROSEMEIRE 
É isso aí... É com você, Jacinto... 
 
(Volta para Jacinto e Josefa.) 
 
JACINTO 
E agora as notícias do dia no Telejornal do Bufão... Nossa repórter 
Rosemeire está no Terminal Suburbano Jean Solto Por Enquanto, na Avenida 
JJJJulio Carraraulio Carraraulio Carraraulio Carrara Natal dos ExcluídosNatal dos ExcluídosNatal dos ExcluídosNatal dos Excluídos 5555 
 
Newton da Farmácia... Não, isso aí eu já li... (Anão vira a placa.) Ah... Lê você 
agora, Josefa... 
 
JOSEFA 
Teatro Bufanesco... 
 
JACINTO 
Auditório. 
 
JOSEFA 
Auditório é coisa do programa do Sílvio Santos. 
 
JACINTO 
Não discuta... 
 
JOSEFA 
Auditório Bufanesco é entregue reformado e foi reinaugurado 
recentemente... 
 
JACINTO 
O Teatro, ou melhor, Auditório, passou por uma grande reforma: 
aumentaram o palco, fizeram novos camarins, trocaram a fiação, que na última 
apresentação que teve, pegou fogo e fez churrasco dos técnicos, puseram um 
telhado de Eternit em cima do telhado de folha de zinco, que quando chovia 
fazia um grande barulho... Mas que porra de arquiteto é esse que projeta um 
Teatro, quer dizer, Auditório com teto de folha de zinco?... No ano passado, 
durante a estréia da peça “A Cantora Rouca”, desta mesma Companhia, caiu 
um toró do caralho prejudicando a peça, além de outros eventos, onde o 
público era sempre atingido por goteiras colossais... Não só o público, mas os 
artistas... Imaginemque durante a apresentação da Orquestra Bufônica, uma 
enorme cascata caía bem dentro da tuba de um músico. Pasmem!... Rosemeire 
foi conferir o evento... 
JJJJulio Carraraulio Carraraulio Carraraulio Carrara Natal dos ExcluídosNatal dos ExcluídosNatal dos ExcluídosNatal dos Excluídos 6666 
 
ROSEMEIRE 
Estamos aqui no coquetel de inauguração do Teatro... 
 
JACINTO 
Auditório... 
 
ROSEMEIRE 
Desculpa... do Auditório Bufanesco ... (Aproxima-se de uma mesa, onde 
todos os bufões estão em torno dela, devorando as torradas, o vinho e o refrigerante.) O 
público, ao que parece, não jantou antes de vir pra cá... Vou entrevistar esse 
sujeito... 
 
(Pega Castanhola e Quebra-Nozes, que estão com muitas torradas numa mão e um 
copo de vinho na outra.) 
 
ROSEMEIRE 
Meu senhor... qual a sua opinião sobre o espetáculo que acabou de 
assistir? 
 
(O sujeito faz o “joia” com a mão, pois não consegue falar.) 
 
CASTANHOLA 
(Após engolir a torrada.) Eu achei ótimo... 
 
ROSEMEIRE 
Por quê? 
 
CASTANHOLA 
Eu sei lá. Não vim aqui por causa do teatrinho, não. Pra falar a verdade 
eu não gosto de teatrinho. Vim aqui pra comer... Sempre que tem alguma 
coisa, algum coquetel, boca livre, eu venho... Eu passo muita fome, fico sem 
JJJJulio Carraraulio Carraraulio Carraraulio Carrara Natal dos ExcluídosNatal dos ExcluídosNatal dos ExcluídosNatal dos Excluídos 7777 
 
comer o dia inteiro, e quando tem esse tipo de coisa, tem que aproveitar, 
comer bastante até estourar... Isso aqui tá uma delícia. (Arrota.) 
 
ROSEMEIRE 
Bem, é com você, Jacinto... Agora é minha vez de aproveitar o coquetel e 
fazer uma boquinha... 
 
(Vai para a mesa comer. Foco em Jacinto.) 
 
JACINTO 
E agora as notícias do dia no Telejornal do Bufão... Nossa repórter 
Rosemeire está no Auditório Bufanesco... Tira essa porra daí... Já li essa 
merda... Ah... Alegria de pobre dura pouco. Os ônibus voltaram a circular 
sem os cobradores... É um absurdo. Mandaram mais de 150 cobradores 
embora para instalarem catraca eletrônica e bilhete unitário, como os de 
metrô... Querem imitar São Paulo... Lá, o preço da passagem de ônibus é mais 
barato: por um preço bem baixo, você atravessa a cidade. Aqui, não... Para vir 
da Vila dos Bufões para o Terminal, que não dá três minutos a pé, o povo tem 
que pagar R$ 1,60... E se vai para a cidade vizinha, mais R$ 1,75... É só fazer as 
contas: R$ 1,60 mais R$ 1,75, dá R$ 7,50... Um roubo... Têm que mandar esses 
filhos da puta tomarem no cu... Vão pra puta que o pariu. Um dia vou jogar 
uma bomba nessa bosta de Terminal. 
 
JOSEFA 
Calma, Jacinto... E aqui vai a relação dos postos de venda dos bilhetes 
unitários dos ônibus – essas bostas da São Tonhão... 
 
(Jacinto lê com Josefa a relação dos postos de venda.) 
UM DE CADA VEZ 
Armazém do Felisberto, Caldo de Cana do Tenório, Puteiro da Madame 
Clessi, Hotel Lancaster, Igreja Universal, Armarinhos da Judith, Bar da Chitú... 
 
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JOSEFA 
Vamos agora para os nossos comerciais... 
 
 
CENA 2 
(Comercial. Castanhola e Quebra-Nozes entram. Fazem um comercial de leite.) 
 
CASTANHOLA 
Olá, Quebra-Nozes... 
 
QUEBRA-NOZES 
Olá, Castanhola... 
 
CASTANHOLA 
Você já bebeu o Leite Vida Longa, Longa Vida, extraído da teta da vaca 
da fazenda do Juvenar, Juvenar Vem tirar o Leite? 
 
QUEBRA-NOZES 
Não, e é bom? 
 
CASTANHOLA 
Muito bom. Nunca mais vou precisar mamar no peito da sua mãe. 
 
(E em seguida, cantam “Filho Mamador”, de Caju e Castanha.) 
 
AMBOS 
(Refrão) 
Eu já mamei no peito da tua mãe. 
Eu sou o filho que mamou na tua mãe 
A minha mãe era muito magricela 
Não tinha leite pra ela 
Pra poder me alimentar... 
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Quando eu nasci a minha mãe ficou doente 
E não sabia como iria me tratar 
Não tinha leite, não tinha o que comer 
Pra me sobreviver eu tive até que me virar 
(Refrão) 
Na minha casa, quando eu era pequeno 
Era cinco barrigudinho tentando sobreviver 
Tinha João, Pedro, Paulo e Manuela 
Fora mãe, tinha a Estela e eu 
Chorando pra comer 
(Refrão) 
 
(Quando a música cessa, a dupla faz um apelo sobre os retirantes nordestinos. 
finalizam com um trecho de “Morte e Vida Severina”, de João Cabral de Melo Neto.) 
 
Esta cova em que estás, 
Com palmos medida, 
É a cota menor 
que tiraste em vida 
Não é cova grande 
É cova medida, 
É a terra que querias 
Ver dividida 
É uma cova grande 
Para tua carne pouca 
Mas a terra dada 
Não se abre a boca 
 
(Cantam mais um trecho de “Filho Mamador” e saem.) 
 
 
 
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CENA 3 
(Foco em Jacinto e Josefa.) 
 
JACINTO 
(Bebe a cachaça.) E agora as notícias do dia no Telejornal do Bufão... 
Nossa repórter Rosemeire está no Terminal Suburbano Jean Solto Por 
Enquanto, na Avenida Newton da Farmácia... Ô buceta, isso já li...(Põe a mão no 
ponto.) O quê, diretor? Ah... (Para Josefa.) Leia sobre os postos de venda do 
bilhete unitário... 
 
(Josefa e Jacinto leem sobre os postos de venda.) 
 
AMBOS 
Pastelaria da Nilza Azambuja, Bar do China, Sorveteria Duas Bolas, 
Boteco do Irmo, Cemitério Sinistro, INSS, Posto de Saúde, entre outros... 
 
JOSEFA 
Vamos voltar para o Terminal Suburbano Jean Solto por Enquanto, onde 
Rosemeire está do lado de Bete Boquete, que parece furiosa... O que houve, 
Rose? 
 
ROSEMEIRE 
Nossa amicíssima Bete Boquete está fodida... 
 
BETE BOQUETE 
Fodida em todos os sentidos... Que porra é essa desses ônibus voltarem 
a circular com o preço pela hora da morte? Nem fui pro ponto hoje. Vou ter 
que me virar neste buraco mesmo. Nem raspei as pernas e o sovaco. Eles estão 
pior que os meus pentelhos... Quem vai me comer desse jeito? (Pega o microfone 
e fala pra câmera.) Olha aqui seu prefeito de bosta, o que você tá fazendo, hein, 
seu filho da puta? Tá fodendo com todo mundo, é? Só porque aquela loira 
aguada da tua mulher não cavalga mais neste teu pinto mole, você quer foder 
JJJJulio Carraraulio Carraraulio Carraraulio Carrara Natal dos ExcluídosNatal dos ExcluídosNatal dos ExcluídosNatal dos Excluídos 11111111 
 
o povo? Se enxerga, mané. Vou comprar uma charrete e atrelar em você pra eu 
ir até a Praça do Canhão, seu burro xucro... 
 
ROSEMEIRE 
A coisa tá feia... Mas ninguém pode nos censurar, né, Jacinto e Josefa? 
Aqui o povo tem a sua vez e a sua voz... É com vocês. 
 
(Volta para o telejornal.) 
 
JACINTO 
(Bebe cachaça.) Pois é... Olha, Bete Boquete, a nossa produção descolou 
pra você um bico aqui na TVBuf para um comercial... Venha até aqui... É um 
comercial que só você pode fazer, ocá? 
 
JOSEFA 
Vamos para os comerciais. 
 
 
CENA 4 
(Comercial. Entra Bete Boquete, toda feliz e o anão das “dálias”.) 
 
BETE BOQUETE 
Obrigado pela chance, gente... (Imposta a voz.) Se você, homem, ouviu 
coisas grotescas de uma mulher quando te viu pelado, como: “Eu já fumei um 
charuto mais grosso que isso”, “Posso desenhar uma carinha feliz? Ele parece estar tão 
tristonho.”, “Você trouxe incenso? Que bonzinho.”, “Se eu apertar, ele faz barulho 
como um patinho de brinquedo?”, “As camisinhas que você trouxe não vão ficar 
grandes?”, “Me emprestaa lupa, por favor?”, “O que é isso? Um bichinho de 
goiaba?”, “Precisa encher antes de usar?”, “Pra sentir cócegas com isso, é melhor 
ouvir uma piada” – seus problemas terminaram com o Big Dick. É um aparelho 
que vai fazer seu pau ficar grandão e grossão. Quando as mulheres dizem: 
“Não importa o tamanho e sim o prazer que ele proporciona”, elas mentem. Toda 
JJJJulio Carraraulio Carraraulio Carraraulio Carrara Natal dos ExcluídosNatal dos ExcluídosNatal dos ExcluídosNatal dos Excluídos 12121212 
 
mulher gosta de um pau grande e grosso, sim... Junto com o Big Dick, você 
leva de brinde a Régua Pintômetro, para você medir sua piroca... Onde você se 
enquadra, bonitão? De 0 a 02 cm – erro lamentável, devia ter sido menina; de 
03 a 04 cm – nada mais que um brinquedo; de 05 a 06 cm – curto, porém 
utiliza-se com gosto; de 07 a 08 cm – delícia das secretárias; de 09 a 10 cm – 
ideal para todas as damas; de 11 a 12 cm – para depravadas e bichas loucas; de 
13 a 14 cm – rompe tudo; de 15 a 16 cm– para exibições públicas; de 17 a 18 
cm – delírio de grandezas; de 19 a 20 cm – para você que sorriu ou não. Vamos 
amor, ligue agora para 0800696969 e peça já o seu. (Para o anão.) Esse anão aqui 
é maior deitado do que em pé, sabe por quê? Porque ele usou o Big Dick... Use 
Big Dick e tenha fodas sensacionais... Um Feliz Natal, gente... 
 
(Joga o anão no chão e transa com ele.) 
 
 
CENA 5 
(Volta para o telejornal. Josefa e Jacinto fazem um apelo sobre a sua condição social.) 
 
JACINTO 
(Bebe cachaça.) É, tá foda... Agora, gente eu queria falar sobre um assunto 
bem sério... Minha mulher Josefa tá prenha de nove meses, mas ela não tem 
força pra parir a criança. (Ouve o ponto.) Vá se foder, diretor. Eu vou falar... A 
gente tá praticamente trabalhando de graça. Essa porcaria de emissora ainda 
não pagou o salário da gente... Onde já se viu, ficar trabalhando três meses 
sem receber para no quarto mês receber o salário todo descontado? Um salário 
de merda. E não é só a gente que tá assim. Qualquer funcionário público passa 
por isso quando começa a trabalhar. Os professores, que educam seus filhos, 
muitas vezes passam fome, porque o salário só chega – quando chega – no 
quarto mês de trabalho. E as contas pra pagar, hein? Você ainda tem que pagar 
com multa, porque ninguém ouve você, e não interessa o que te aconteceu, e 
se falta um dia, descontam seu salário. Que país é esse, porra? A que ponto 
chegamos? Por que tanta injustiça? Eu já não aguento mais viver assim. O que 
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será dessa criança que vai nascer? Mais um pobre fodido? Pelo amor de Deus, 
nos ajudem... Algum restaurante pode, por favor, nos oferecer comida? Quem 
sabe assim, depois que a Josefa comer, ela tenha força pra dar a luz ao meu 
filho. 
 
PROFETA 
(Entra trazendo duas marmitas com arroz, feijão e ovo frito.) Olha, o 
Restaurante Boa Xepa mandou entregar isso pra vocês. 
 
JACINTO 
Obrigado... (Profeta estende a mão.) O que foi? 
 
PROFETA 
Dinheiro pra caixinha da Igreja... 
 
JACINTO 
Mas não tenho dinheiro... 
 
PROFETA 
É para a primeira prestação pra compra do seu terreno no céu... 
 
JACINTO 
E quem disse que vou pro céu, caralho? Vou pro inferno direto sem 
passar pelo purgatório e ainda é capaz do capeta me expulsar de lá. Vá 
embora, vá... Vá pra puta que lhe pariu, sua escrota. (Profeta sai.) Muito 
obrigado pela comida, seu dono do restaurante. Que Deus abençoe você e 
toda a sua família. 
 
(Ambos devoram com as mãos a comida.) 
 
JACINTO 
Tenham todos, uma boa noite. 
JJJJulio Carraraulio Carraraulio Carraraulio Carrara Natal dos ExcluídosNatal dos ExcluídosNatal dos ExcluídosNatal dos Excluídos 14141414 
 
(Eles arrumam os papeis depois de comer e vão saindo. No meio do percurso Josefa 
para, sentindo as contrações. Jacinto pede ajuda e todos os bufões entram em cena para 
fazer o parto dela, até o momento que nasce uma criança raquítica – um bonequinho 
bem pequeno. Todos começam a cantar embalando o recém-nascido numa procissão, 
que termina num presépio. Cantam “Tutu Marambá”, “Dorme Nenê” e “Boi da Cara 
Preta”. Chegam os três bufões magos, trazendo o incenso, o ouro e a mirra, e os 
pastores. Ouve-se no áudio as doze badaladas. Todos cantam “Noite Feliz”. Após o 
término da música congelam, num tableaux-vivant.) 
 
 
EPÍLOGO 
(Atriz que faz o profeta tira um elemento que caracteriza seu bufão e vem para o 
proscênio, enquanto os bufões permanecem em tableaux-vivant.) 
 
ATRIZ 
A gente tá tão sem paciência, né? Ninguém mais tá feliz. Ninguém mais 
sorri... Também só pontapé, agressão, chute na canela... Você vai numa loja, a 
balconista te trata mal... Vai num restaurante, jogam os pratos em cima de 
você... Pede uma informação para a telefonista? Pumba! Batem o telefone na 
sua cara... Liga a televisão, é só desgraça. Vai comprar um docinho para o seu 
filho, já vem com cocaína... Experimenta estacionar o seu carro na rua? Se você 
não der dinheiro, eles vem, riscam todo o seu carro e ainda furam os quatro 
pneus. No trânsito, um quer matar o outro. Se anda na rua, é assaltado. Se fica 
em casa é assaltado também... Todo mundo querendo ganhar dinheiro, mas 
sem saber o que fazer com ele: se deixa em casa, o ladrão leva; se põe no 
banco, pode desaparecer... É uma agonia que Deus me livre. Não tem mais 
“por favor”, “dá licença”, “pode passar na frente”... O que é isso? Onde é que a 
gente foi parar? Quem é que gosta de viver assim? (Pausa.) Vamos aproveitar 
essa energia linda que tá pintando no Natal e no Ano Novo, porque só a gente 
se unindo, só a gente se harmonizando, só a gente se amando, é que a gente 
vai conseguir ter dias melhores... 
 
JJJJulio Carraraulio Carraraulio Carraraulio Carrara Natal dos ExcluídosNatal dos ExcluídosNatal dos ExcluídosNatal dos Excluídos 15151515 
 
(Música “Dias Melhores Virão”, de Rita Lee e Roberto de Carvalho. Os bufões 
desfazem o tableaux-vivant do presépio e dançam e cantam, tirando a extensão de seu 
bufão, indo em seguida para os agradecimentos.) 
 
 
FIM 
 
 
Novembro/2002

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