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20. PERDIDOS NA SERRA.pdf

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PPPPEEEERRRRDDDDIIIIDDDDOOOOSSSS NNNNAAAA SSSSEEEERRRRRRRRAAAA 
 
 
Aventura 
 
 
Texto de: 
JULIO CARRARA 
 
 
Escrita em 2004 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Perdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na Serra 1111 
 
 
PERSONAGENS: 
ALAN 
MARÍLIA 
GABRIEL 
LILIANE 
FRED 
ANA TELMA 
VELHA 
 
CENÁRIO: O prólogo se passa na Serra do Mar. Nas cenas seguintes, na Mata 
Atlântica. Muitas árvores. O ambiente é sombrio e misterioso. 
 
 
NOTA: Perdidos na Serra é a sequência de Conto de Verão. Para compreender 
melhor o universo, sugiro a leitura das duas obras. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Perdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na Serra 2222 
 
 
PRÓLOGO 
(Ouve-se no escuro ruídos de porcos. Luz sobe em resistência. Alan, Marília, Liliane, 
Gabriel e Fred estão indecisos se entram ou não no veículo.) 
 
VOZ DO MOTORISTA 
Como é que é? Vão ou não aceitar a carona? 
 
ALAN 
E agora, galera? 
 
MARÍLIA 
Nós temos outra saída? 
 
ALAN 
Acho que não. 
 
LILIANE 
Ai, eu não tenho estômago pra ir com esses porcos nojentos. 
 
FRED 
O meu estômago tá revirando com esse cheiro horrível de lavagem. 
Acho que vou vomitar... 
 
MARÍLIA 
Ah gente, deixa de frescura. 
 
GABRIEL 
Mas a gente não precisa ir com eles. É só rebocar o carro no caminhão e 
a gente vai dentro dele, só curtindo... 
 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Perdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na Serra 3333 
 
ALAN 
Boa idéia. Vamos vazar... 
 
(Enquanto discutem, Ana Telma aparece e entra no porta-malas do Fiat, sem ninguém 
perceber. Alan pega uma corda e com a ajuda de Gabriel, rebocam o carro no caminhão, 
enquanto os outros entram no veículo. O caminhão segue viagem, enquanto a galera 
canta uma música qualquer. O clima é agradável. De repente, Gabriel para de cantar e 
fica atento nas manobras do caminhoneiro.) 
 
GABRIEL 
Gente, esse cara tá correndo muito. 
 
(Buzinas. O caminhoneiro tenta frear, em vão. Uma forte neblina cega os jovens.) 
 
FRED 
(Gritando.) Ai, vai bater. (Começa a rezar.) Ave Maria, cheia de graça... 
 
(O caminhoneiro perde a direção e bate. Um forte estrondo é ouvido no áudio, 
enquanto a corda que rebocava o carro arrebenta e o veículo cai na ribanceira. Todos 
gritam apavorados. A única visão que o público tem é da forte neblina que encobre todo 
o espaço cênico. Black-out.) 
 
 
CENA 1 
(Luz sobe em resistência revelando a Mata Atlântica. Alan, Marília, Fred, Gabriel e 
Liliane estão caídos no chão, gemendo. Se recompõe aos poucos. Gabriel se levanta e 
observa os outros.) 
 
GABRIEL 
Ai... Puta pancada... Tá tudo bem com vocês, galera? Liliane? 
 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Perdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na Serra 4444 
 
LILIANE 
(Suspirando.) Tô bem, só um pouco tonta. 
 
GABRIEL 
Alan, Marília, Fred? 
 
ALAN 
Eu tô legal... 
 
MARÍLIA 
Eu também. 
 
GABRIEL 
(Caminha até Fred.) Fred? (O rapaz não se move.) Fred? (Pausa.) O Fred 
morreu! 
 
(Todos se levantam, sacodem a poeira, tiram as folhas secas do corpo e caminham até 
ele, apavorados.) 
 
ALAN 
(Coloca a mão sobre o coração do rapaz, em seguida em sua boca para ver se ele 
respira.) Ele não morreu, não. Só desmaiou... (Tenta reanimá-lo.) Fred! Fred! 
 
FRED 
(Em transe.) ...rogai por nós pecadores, agora e na hora de nossa morte, 
amém... (Abre os olhos e sai do transe.) Que bom que vocês me acompanharam. 
Eu achei que fosse morrer sozinho. 
 
GABRIEL 
Cala a boca, idiota. 
 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Perdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na Serra 5555 
 
FRED 
Eu sempre achei que o céu fosse todo branco e não verde, cheio de 
árvores... Aqui não é o purgatório, é? Não tenho a mínima idéia de como ele 
seja. Eu não devia ter pulado essa parte quando li A Divina Comédia pra escola. 
 
GABRIEL 
Você não morreu idiota. Isso aqui é a Serra do Mar, não o purgatório, 
besta... 
 
FRED 
(Levanta-se e fica feliz.) Eu não morri... eu não morri... (Pula de alegria.) Eu 
tô vivo... eu tô vivo... Todos nós estamos vivos... 
 
LILIANE 
E perdidos. 
 
MARÍLIA 
Eu tô com medo. 
 
ALAN 
Fica calma. A gente só precisa bolar um jeito de sair daqui o mais rápido 
possível... 
 
GABRIEL 
Você conhece essa trilha? 
 
ALAN 
Não. (Caminha um pouco.) E sair daqui não vai ser nada fácil. 
 
MARÍLIA 
(Chorando.) Eu quero sair daqui... Eu quero minha casa. 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Perdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na Serra 6666 
 
ALAN 
(Grita ao ver o Fiat destroçado.) Não... Não pode ser... 
 
LILIANE 
O que foi? 
 
ALAN 
Meu carro virou sanfona. 
 
MARÍLIA 
Demorou. Foi tarde! Esse lixo só trouxe azar pra gente. 
 
GABRIEL 
Não fique triste, cara. Pense que a gente poderia estar dentro dele, 
presos nas ferragens... 
 
LILIANE 
E o caminhão de porcos? 
 
ALAN 
Nem sinal dele. 
 
LILIANE 
E agora, o que a gente faz? 
 
GABRIEL 
Acho melhor a gente armar as barracas. Vai que apareça algum bicho... 
Melhor prevenir do que virar jantar de alguma fera. 
 
(Pegam as barracas e começam a montá-las. Enquanto realizam essa tarefa, ouve-se um 
ruído estranho. Parece um animal ferido. Pausa tensa.) 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Perdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na Serra 7777 
 
MARÍLIA 
Vocês ouviram? 
 
(Novo ruído.) 
 
GABRIEL 
Acho que é algum bicho... 
 
LILIANE 
Parece estar machucado. 
 
(Fred se aproxima e vê algo no chão coberto por folhas. Muito curioso, tira as folhas 
que cobrem o suposto animal.) 
 
FRED 
(Aos prantos.) Nããããããooooo! 
 
TODOS 
O que foi? 
 
(Percebe-se que o suposto bicho é Ana Telma.) 
 
FRED 
Eu devo ter mijado na cruz... O que fiz para merecer isso? 
 
ANA TELMA 
(Gemendo.) Ai, benzinho. Acho que torci meu pé. Me ajuda aqui... 
 
(Fred fica sem ação.) 
 
GABRIEL 
Vai Fred, seja cavalheiro com sua mulher... 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Perdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na Serra 8888 
 
FRED 
Vão pro inferno... Eu só vou ajudar ela porque não gosto de ver 
ninguém sofrendo... Eu estaria sendo desumano com ela. 
 
LILIANE 
Ah, Fred, assume logo, vai. Vocês formam um casal bem bonito. 
 
GABRIEL 
(Cochichando.) Eu já vi gente feia, mas igual à ela, nunca. 
 
ALAN 
Ela parece ter nascido ao avesso, coitada! 
 
LILIANE 
Mas pro Fred tá muito bom... 
 
FRED 
(Para Ana Telma.) Você tá bem? 
 
ANA TELMA 
Acho que sim. Só de ter você do meu lado já me sinto bem... Me abraça? 
 
(Fred resiste. Os outros começam a zoar com ele, exceto Marília.) 
 
TODOS (MENOS MARÍLIA) 
 
(Batendo palmas.) Abraça, abraça, abraça... 
 
FRED 
(Para eles.) Eu odeio vocês. 
 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Perdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na Serra 9999 
 
GABRIEL 
Vai Fred, nãoprecisa ficar com vergonha, chega junto. Você não vai 
fazer uma desfeita dessas... 
 
FRED 
Só porque você tá com essa gostosona da Liliane acha que pode tirar 
uma da minha cara? 
 
GABRIEL 
Mas essa aí também é gostosona. O que estraga é a cara. É só botar uma 
máscara nela que resolve o problema. 
 
LILIANE 
O que importa é o conteúdo, não a forma. 
 
MARÍLIA 
Olha quem fala em conteúdo. Logo você Liliane, que não tem nenhum... 
 
LILIANE 
O que você quer dizer com isso? 
 
MARÍLIA 
Isso mesmo que você ouviu. 
 
LILIANE 
Olha aqui, garota, eu não vou permitir que você fique me tirando... Quer 
partir pra briga? 
 
MARÍLIA 
(Enfrenta-a.) É pra já! 
 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Perdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na Serra 10101010 
 
GABRIEL 
(Separando as duas.) Oh, gente... Paz... 
 
LILIANE 
Foi ela quem começou. Eu estava quietinha no meu canto. 
 
MARÍLIA 
Mas tava caçoando da infeliz... 
 
FRED 
(Berrando.) Chega!!!!! Eu tô cansado de vocês... Não sei por que fiz a 
cagada de vir pra essa droga de viagem. Eu só me fodi o tempo inteiro. Perdi o 
casbaço com esse ser de outro planeta que agora não para de me perseguir... 
Pode existir alguém mais desgraçado do que eu? Eu quero ir embora. (Sai 
correndo.) Nunca mais quero ver nenhum de vocês outra vez... 
 
OS DOIS 
Fred, volta aqui. (Saem.) 
 
ANA TELMA 
Tchutchuco... Não me deixa. 
 
(Gabriel e Alan vão atrás dele. Marília, Liliane e Ana Telma em cena. Marília fica 
indiferente com Liliane.) 
 
LILIANE 
(Tenta uma reconciliação.) Marília... 
 
MARÍLIA 
Não vem, não, Liliane. Não quero saber de conversa. 
 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Perdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na Serra 11111111 
 
LILIANE 
Foi mal. Desculpa. 
 
MARÍLIA 
Não é pra mim que você tem que pedir desculpa. É pra ela! (Para Ana 
Telma.) Olha, peço desculpas em nome do grupo. Não sei como você pode 
aguentar tanta gozação e ficar calada. Por quê? 
 
ANA TELMA 
Eu já me acostumei. 
 
MARÍLIA 
E sua família? 
 
ANA TELMA 
Minha mãe me deixou logo que eu nasci. Meu pai era um estivador do 
porto de Santos, e na primeira oportunidade entrou clandestinamente num 
navio e foi sei lá pra onde, me deixando sozinha lá no porto.... Eu só queria um 
pouco de amor, entendem?...Poder amar alguém e ser correspondida... E 
quando conheci meu Tchutchuco, achei que ele seria o homem da minha vida. 
Mas ele vive fugindo de mim! Sabe o que é pior? Eu nunca vou fazer parte de 
nenhuma turma... 
 
MARÍLIA 
Não fique assim... Quero que saiba que eu serei sua amiga, e não vou me 
importar com que os outros pensem ou deixem de pensar a seu respeito. 
 
LILIANE 
(Emocionada.) Desculpa, tá? 
 
 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Perdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na Serra 12121212 
 
MARÍLIA 
(Impaciente.) Não vem com essa, Liliane. Você arrebenta com a menina e 
acha que pedir desculpa resolve? 
 
LILIANE 
Eu não fiz por mal. Foi só uma brincadeira. 
 
MARÍLIA 
Brincadeira de mau gosto... 
 
LILIANE 
Por que você tá implicando só comigo. Todo mundo tava zoando com 
ela. Inclusive o Alan. 
 
MARÍLIA 
Porque são uns idiotas. 
 
LILIANE 
Eu não devia ter vindo com vocês. Eu e o Gabriel poderíamos ter 
pegado um ônibus em São Vicente. E agora estamos aqui, perdidos nessa 
Serra, onde não há uma alma pra ajudar a gente e eu vou ter que aguentar 
desaforo? Maldita a hora eu que fiz as pazes com você... 
 
MARÍLIA 
Faço as minhas as suas palavras... 
 
ANA TELMA 
(Acalma os ânimos.) Ei, sem estresse... Vamos parar de brigar? Quem 
deveria estar chateada era eu, e, no entanto, tô aqui de boa. (Silêncio mortal.) 
Marília, me dá o seu dedinho. (Marília dá o dedo mínimo para ela.) Liliane, me dá 
o seu. (Liliane faz o mesmo. Ana Telma junta os dedos mínimos das duas.) Agora 
vocês vão ficar de bem... As crianças não fazem assim? Brigam, brigam e cinco 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Perdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na Serra 13131313 
 
minutos depois não fazem as pazes? (Pausa.) De agora em diante não quero 
ver vocês discutindo, até porque não sabemos até quando vamos ficar aqui. 
Precisamos buscar uma solução pra sairmos dessa enrascada. Combinado? 
 
(As três se olham por um tempo.) 
 
MARÍLIA e LILIANE 
Combinado. (Abraçam-se.) 
 
(Ana Telma sorri mostrando a banguela.) 
 
MARÍLIA 
Olha, vamos fazer de tudo para que o Fred se apaixone por você. 
 
ANA TELMA 
(Preocupada.) Ai, ai, ai. Onde será que ele se meteu? 
 
LILIANE 
Pode ficar tranquila. O Alan e o Gabriel seguiram ele. 
 
MARÍLIA 
Espero que não tenham se perdido. 
 
(Nesse momento aparece Gabriel e Alan segurando Fred, que se esperneia.) 
 
FRED 
Vocês não podem me obrigar a fazer o que eu não quero. Me solte, eu 
quero ir embora. 
 
ALAN 
Acorda, cara. A gente tá sem saída... 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Perdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na Serra 14141414 
 
FRED 
Me solta... Me solta... Estúpidos. 
 
GABRIEL 
(Para Alan.) Deixa comigo. (Segura Fred pelos ombros com as duas mãos e 
chacoalha-o com força, como se exorcizasse um demônio. Fala brandindo, olhando para 
seus olhos.) Fica quieto, fica quieto... Cale a boca, cala a boca... Obedece, 
obedece... (Em seguida dá três tapas na cara do rapaz, que fica parado e calmo.) Tá 
mais calmo? 
 
FRED 
(Tranquilíssimo.) Agora tô... 
 
ANA TELMA 
(Abraça o amado.) Meu amor, que bom que você voltou... São e salvo... 
 
(Fred se desvencilha dela.) 
 
ALAN 
Gente, precisamos pensar numa forma de sair daqui. Já tá anoitecendo, 
o frio tá aumentando e não temos água nem comida. 
 
GABRIEL 
Mas e o frango com a farofa? 
 
FRED 
Já era. 
 
GABRIEL 
Mas não sobrou nem uma coxinha, nem uma asinha? 
 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Perdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na Serra 15151515 
 
FRED 
Nada... 
 
GABRIEL 
Danou-se. Tamo fritos 
 
ALAN 
Não tamo, não. Agora precisamos fazer o teste de sobrevivência. 
Amanhã, logo cedo vamos explorar a Mata e procurar comida. Deve ter várias 
árvores frutíferas por aqui. E também vamos caçar algum animal pra gente se 
alimentar... 
 
FRED 
Só espero não ter que comer lesma nem olho de cabra. 
 
TODOS 
Cala a boca, Fred! 
 
MARÍLIA 
Precisamos encontrar alguma cachoeira... Sem água não dá pra ficar... 
Eu tô louca por um banho. 
 
ALAN 
Pois é. Mas vamos nos recolher, porque amanhã vamos ter um longo dia 
pela frente. 
 
FRED 
E como vamos dormir se só tem duas barracas? 
 
MARÍLIA 
Dorme três em cada barraca... O Fred, a Tchutchuca e o Gabriel numa e 
eu, o Alan e a Liliane em outra. 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Perdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na Serra 16161616 
 
FRED 
Eu dormir com ela? (Aponta Ana Telma.) Nunca! Prefiro ficar no porta-
malas do carro que ainda tá inteiro... É mais seguro. Quero preservar o meu 
pintinho... Vamos fazer como em São Vicente: o Alan e a Marília numa 
barraca, o Gabriel e a Liliane em outra e eu substituo o saco de dormir pelo 
porta-malas do carro. 
 
ANA TELMA 
Mas e eu?FRED 
Você fica em pé com os braços abertos como um espantalho, que é o que 
você é.... 
 
MARÍLIA 
(Repreende Fred.) Fred? 
 
FRED 
É isso mesmo... (Vai em direção ao carro.) Bem, vou pros meus aposentos. 
Boa noite. (Sai.) 
 
MARÍLIA 
Como é mesmo seu nome? 
 
ANA TELMA 
Ana Telma. 
 
MARÍLIA 
Vem, Ana Telma, você dorme na barraca com a gente. 
 
 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Perdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na Serra 17171717 
 
ALAN 
(Cochicha para Marília.) Não faz isso, amor. Eu não sei o que eu faço se 
acordo de noite e dou de cara com esse bicho dentro da barraca. 
 
MARÍLIA 
Cala a boca... 
 
ANA TELMA 
Eu não quero atrapalhar vocês... 
 
MARÍLIA 
Não vai atrapalhar em nada... 
 
ALAN 
(Tenta se safar.) Eu tenho chulé, ronco e peido pra caramba.... 
 
ANA TELMA 
Não tem problema... Eu também... 
 
GABRIEL 
(Zomba o amigo.) Ih, fodeu, Alan! Vem Liliane! 
 
(Gabriel e Liliane entram na barraca e Marília, Ana Telma e Alan caminham para a 
outra. Alan é o último a entrar. Gabriel, na abertura de sua barraca, satiriza o amigo.) 
 
GABRIEL 
Cuidado, Alan. Essa baranga pode fazer com você o que fez com o Fred 
lá em São Vicente... É melhor colocar o cinto de castidade... Dorme bem! E 
cuidado com o bicho! 
 
(Entra na barraca gargalhando. Alan, desolado, entra na barraca. A noite cai. Black-
out.) 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Perdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na Serra 18181818 
 
CENA 2 
(Luz volta devagar. Amanhece. Ouvem-se ruídos de pássaros. Ana Telma sai da 
barraca, faz uns alongamentos nada convencionais e caminha até o porta-malas do 
carro com uma grande dose de sensualidade. Abre o porta-malas. Fred está chupando o 
dedo e tudo leva a crer que está tendo um sonho erótico. A garota, delicadamente, o 
acorda.) 
 
ANA TELMA 
Bom dia, Tchutchuco. 
 
FRED 
(Sonâmbulo, abraça Ana Telma, que deita com ele.) Vem cá, meu amor. Me 
beija. Quero sentir esses seus lábios carnudos e esse seu hálito de cereja. (Ana 
Telma beija Fred, que acorda e ao olhar a garota, tem um sobressalto.) O que é isso? 
Sai daqui, sai... (Sai do porta-malas.) 
 
ANA TELMA 
Foi você quem me puxou, delícia... Eu só fiz o que você pediu... E como 
você beija bem! Meus lábios estão formigando... Tô toda arrepiada. Agora vai 
ter que dar conta do recado. 
 
FRED 
(Tem uma ideia.) Eu... eu jogo em outro time. 
 
ANA TELMA 
O quê? 
 
FRED 
Eu gosto do que você gosta. Dou ré no quiabo. 
 
ANA TELMA 
Como? 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Perdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na Serra 19191919 
 
FRED 
Eu sou gay. 
 
ANA TELMA 
Conta outra. Ontem você não era. 
 
FRED 
Mas hoje sou. Hoje eu resolver sair do armário. Meu negócio é bofe, 
racha uó. E se você tentar qualquer coisa comigo de novo eu não respondo por 
mim. Eu tiro meu sapato e lhe bato com o salto na testa. (Pega uma flor do chão e 
coloca atrás da orelha e solta a franga.) Eu sou gay...O mundo é gay... (Grita.) Ai, 
eu tô looooooouca! 
 
ANA TELMA 
Não me decepciona, amor meu. Não faz isso comigo. 
 
FRED 
E vamos deixar de conversa e acordar os outros. Temos que sair atrás de 
comida e de água, Meu estômago tá nas costas. E se você tentar qualquer coisa 
comigo... (Põe o dedo indicador na boca e em seguida toca na testa da garota.) Eu te 
afogo! 
 
(Ana Telma fica sem reação. Fred tira um apito da boca e começa a apitá-lo.) 
 
FRED 
Vamos acordar! Ao trabalho, pessoal! 
 
(Alan, Marília, Gabriel e Liliane saem das barracas, mal-humorados.) 
 
GABRIEL 
Pô Fred. Você é um mala! 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Perdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na Serra 20202020 
 
FRED 
Como vai, meu gatão? (Beija Gabriel e caminha para Alan, anasalando a voz.) 
E aí bofe, dormiu bem? Ai, eu fico louca quando vejo esses seus olhos e esses 
seus cachinhos. É super fashion... (Beija Alan.) 
 
ALAN 
O que é isso, Fred? Virou boiola? 
 
FRED 
Pois é. Saí do armário... Fiquei louca!!! 
 
(Ana Telma chora num canto.) 
 
ANA TELMA 
Nada dá certo pra mim... 
 
GABRIEL 
(Sacando.) Ah, saquei... (Ri.) Boa jogada, Fred. 
 
ALAN 
Bem gente, ao trabalho. 
 
LILIANE 
Vamos formar dois grupos de três e vasculhar a mata. 
 
ALAN 
Acho perigoso dividir o grupo. A gente não sabe o que pode encontrar 
pela frente. Vamos ficar todos juntos. É mais seguro. 
 
MARÍLIA 
Eu também acho. 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Perdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na Serra 21212121 
 
GABRIEL 
Vou pegar o facão. 
 
MARÍLIA 
Aproveita e pega também as garrafas plásticas pra gente encher de 
água. (Gabriel sai.) 
 
FRED 
(Tira um estilingue do bolso.) Eu vou armado com esse estilingue. 
 
LILIANE 
Por quê? 
 
FRED 
Pra matar algum animal selvagem que queira nos atacar. 
 
TODOS 
Cala a boca, Fred. 
 
(Gabriel volta com o facão e diversas garrafas de 2 litros de refrigerantes, vazias.) 
 
GABRIEL 
Pronto... tá tudo aqui. 
 
ALAN 
(Pega uma bússola.) Essa bússola nos servirá de guia. Bem, ao trabalho!!! 
 
(Saem.) 
 
 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Perdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na Serra 22222222 
 
CENA 3 
(O palco fica vazio por alguns instantes. Música. Entra em cena uma velha misteriosa. 
Seu rosto é coberto por rugas, longos cabelos desgrenhados brancos. Parece que esse 
cabelo nunca viu uma tesoura. É uma figura quase pré-histórica. Seu andar se 
assemelha com os dos macacos. A velha vasculha os objetos de cena, sem emitir 
nenhum som. Não encontra nada do que procura e vai se sentar em posição de “iogue”, 
num canto afastado do palco, lembrando a postura de um dos macacos orientais: o que 
não fala. Permanece assim por muito tempo.) 
 
 
CENA 4 
(Os jovens aparecem todos sujos e suados, carregando nas mãos as vasilhas de 
refrigerantes cheias de água, cachos de bananas e algumas achas de lenha. Alan traz 
nas mãos algum animal morto embrulhado numa folha de bananeira. Colocam tudo no 
centro. Alan acende uma fogueirinha e põe o animal para assar.) 
 
MARÍLIA 
Ufa! 
 
FRED 
(Pega duas bananas, descasca e come uma seguida da outra.) Essa banana tá 
deliciosa. Acho que vou comer o cacho inteiro. 
 
ALAN 
Nem pensar. Depois vai ficar peidando aí... A gente vai dividir tudo em 
partes iguais. Todo mundo vai comer a mesma quantidade que o outro. 
 
FRED 
Tá certo. Fico aliviado de saber que não vou precisar comer lesma nem 
olho de cabra. 
 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Perdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na Serra 23232323 
 
ANA TELMA 
(Começa a sentir enjoo.) Ai... Eu tô enjoada. 
 
LILIANE 
É por causa da fome. Aguente um pouco... 
 
ANA TELMA 
Tá tudo girando... Acho que vou desmaiar. (Desmaia.) 
 
ALAN 
(Corre socorrer a menina.) Ana Telma! Ana Telma! 
 
ANA TELMA 
(recobra os sentidos) Ai... 
 
MARÍLIA 
Tá melhor? Come uma banana... (Ana Telma come a banana) 
 
ANA TELMA 
Tô. Obrigada. 
 
MARÍLIA 
Você tá tremendo... 
 
LILIANE 
Ela tá muito fraca! 
 
FRED 
(Sem se importar.) Ai, deixa essa amapô trash pra lá. 
 
ALAN 
Pô Fredseja mais humano... 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Perdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na Serra 24242424 
 
ANA TELMA 
Deixa Alan. Não quero ver ninguém mais brigando por mim. Eu 
preciso descansar um pouco. Posso ficar lá na sua barraca, Marília? 
 
MARÍLIA 
Claro. Vem que eu te ajudo! (Leva Ana Telma até a barraca e volta para o 
grupo.) Tô preocupada com ela. Ela tá muito fraca! 
 
ALAN 
Vem comer, Marília. 
 
(Alan divide a caça em partes iguais e entrega um pedaço a cada um e separa o de Ana 
Telma. Comem.) 
 
GABRIEL 
Mas você hein, Fred? 
 
FRED 
O que é que tem? 
 
GABRIEL 
Ficar fingindo que é boiola só pra escapar dela. 
 
FRED 
E eu tive escolha? Cara, essa menina é tarada. Se der moleza ela ataca. 
Por pouco não fui violentado por ela de novo. Ainda bem que acordei a tempo 
de escapar. 
 
ALAN 
Fred, numa boa, vocês usaram camisinha? 
 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Perdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na Serra 25252525 
 
FRED 
E de que jeito? Ela pulou em cima de mim feito louca. Achei que fosse 
quebrar o meu pinto. Ainda bem que tive ejaculação precoce. Foi uma transa 
de coelho... E eu espero que ela não tenha nenhuma doença venérea. Só faltava 
eu pegar verruga, igual a que teve o meu amigo Gustavo. 
 
MARÍLIA 
Esses enjoos dela pode ser um aviso... 
 
FRED 
Como? 
 
GABRIEL 
Já parou pra pensar que você possa ter engravidado a Ana Telma, Fred? 
 
(Fred engasga, tosse e cospe um pedaço de carne.) 
 
FRED 
Deus não seria tão cruel comigo. 
 
ALAN 
É uma hipótese. 
 
FRED 
Não, não, não!!! 
 
(Fred começa a correr desesperado pela mata. Pega uma pedra e atira longe. A pedra 
atinge os pés da velha que grita de dor.) 
 
VELHA 
AAAAAAAAAAAAAAAAAiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!! 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Perdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na Serra 26262626 
 
(Ela tenta tapar a boca, mas a dor é mais intensa. O grito ecoa pela mata.) 
 
MARÍLIA 
O que foi isso? 
 
(Todos caminham na direção do barulho e se espantam ao ver a velha.) 
 
GABRIEL 
Meu Deus. Não bastava uma. Agora temos duas criaturas bizarras no 
mesmo ambiente? 
 
VELHA 
AAAAAAAAAAAAAAiiiiiiiiiiiii!!!! (Revoltada, para Fred.) Desgraçado, 
você me fez quebrar o meu voto de silêncio! 
 
FRED 
Como? 
 
VELHA 
Há mais de vinte anos eu tô calada, sem emitir nenhum som, nenhum 
ruído e agora você me acerta essa pedra nos pés? AAAAAAAAiiiiiiiiiiiiiiii! 
(Começa a se empolgar ao se ouvir). Eu estou falando, falando, falando... Há mais 
de vinte anos eu mantive as palavras dentro de mim e agora sinto um desejo 
louco de libertá-las. O mameluco melancólico meditava e a megera 
megalocéfala macabra e maquiavélica mastigava mostarda na maloca 
miasmática migalhas minguadas de moagem mitigavam míseras meninas 
moleques magricelas mergulhavam no mucurro murmurando como uma 
matinada de macacos três pratos de trigo para três tigres um tigre dois tigres 
três tigres como quiabo cru como quiabo cru como quiabo cru como quiabo 
cru o peito do pé do padre Pedro é preto quando eu estou aqui eu vivo esse 
momento lindo olhando pra você e as mesmas emoções sentindo eu vi na tv 
uma atriz fazendo amor ela olhava o ator como eu olho você com cara de 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Perdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na Serra 27272727 
 
quem está no céu é proibido fumar diz o aviso que eu li vai lacraia vai lacraia 
tô mandando um beijinho pra filhinha e pra vovó só não posso esquecer da 
minha éguinha pocotó pocotó pocotó pocotó pocotó quando a luz dos olhos 
teus e a luz dos olhos meus resolvem se encontrar ai que bom que isso é meu 
Deus que frio que me dá o encontro desse olhar entardeceu ai que vontade de 
brincar de pega-pega de macaca de comer goiaba de trepar no muro se a ran 
becucanie ninqüencos se a ran becucanie niqüencos mudos nascemos mudos 
um dia estaremos mas nesse intervalo nos dedicamos a falar fala-se tanto que 
sem nos darmos conta passamos a maior parte do tempo falando fala-se pelos 
ouvidos e pelos cotovelos. 
 
(Todos ficam boquiabertos e não suportando mais, berram em uníssono.) 
 
TODOS 
Cala a boca! 
 
VELHA 
Não. Vocês me fizeram quebrar o meu voto de silêncio, invadiram a 
minha mata e agora querem que eu fique quieta? (Volta a falar 
compulsivamente.) Boi touro rã macaco arara rinoceronte cachorro gato galinha 
pato porco hipopótamo rato tava a velha em seu lugar veio uma mosca lhe 
fazer mal a mosca na velha e a velha a fiar tava a mosca em seu lugar veio a 
aranha lhe fazer mal a aranha na mosca a mosca na velha e a velha a fiar tava a 
aranha em seu lugar veio um rato lhe fazer mal o rato na aranha a aranha na 
mosca a mosca na velha e a velha a fiar... (Continua cantando, mais baixo.) 
 
MARÍLIA 
Pelo amor de Deus, Alan, amordace a boca dessa velha. Ela não vai 
parar de falar pelos próximos 50 anos. 
 
 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Perdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na Serra 28282828 
 
ALAN 
(Pega uma mordaça e põe na boca da velha que continua cantando “A velha a 
fiar”.) É fala recolhida, ela precisa liberar. 
 
LILIANE 
Haja saco! 
 
GABRIEL 
E tudo por sua culpa, Fred. 
 
FRED 
Minha culpa? Agora eu sou o culpado de tudo? Não tenho culpa se esse 
ser pré-histórico fez voto de silêncio... Eu tô preocupado comigo e com o meu 
futuro... Deus, não me castigue. Oh, Pai, porque me abandonaste? Já sofri o 
bastante. Poderei suportar mais ainda? 
 
MARÍLIA 
É demais pra minha cabeça. 
 
(Ouve-se o ruído de um helicóptero sobrevoando a região. Os jovens olham para cima e 
começam a acenar para o alto, berrando. O helicóptero desaparece, deixando os jovens 
frustrados.) 
 
LILIANE 
Droga! Era bom demais pra ser verdade! 
 
ALAN 
Eles podem estar procurando a gente. Com certeza já souberam do 
acidente. O que nos resta é esperar pelo resgate. 
 
(Sentam-se todos, suspirando. A velha continua cantando, mesmo amordaçada. Eles 
tapam os ouvidos e fecham os olhos.) 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Perdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na Serra 29292929 
 
CENA 5 
(Todos continuam na mesma posição da cena anterior. A velha vai parando de cantar e 
fica em silêncio. Está ofegante.) 
 
LILIANE 
Até que enfim! Não sei como os pulmões dela puderam suportar tanto! 
 
ALAN 
Será que ela pode nos mostrar a saída? 
 
GABRIEL 
É possível! Afinal ela vive aqui. 
 
ALAN 
Eu vou tirar a mordaça dela. (Faz o que diz. Todos caminham até ela.) Ei 
senhora, poderia nos mostrar o caminho que leva à estrada? 
 
VELHA 
Poder eu posso. (Todos se alegram.) Mas da minha boca não ouvirão 
nada! (Todos se entristecem.) Nem uma frase, nem uma palavra, nem uma 
sílaba, nem uma letra! 
 
FRED 
Mas por quê? 
 
VELHA 
Porque você, seu idiota, me fez quebrar o meu juramento! 
 
FRED 
Eu? Eu ia adivinhar que você tava lá, camuflada, parecendo uma sapa 
velha no tronco da árvore? 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Perdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na Serra 30303030 
 
MARÍLIA 
Peraí... Que juramento? 
 
VELHA 
Eu prometi que nunca mais iria abrir a minha boca, que ia ficar 
enterrada o resto da minha vida aqui nesta mata,por um crime que cometi. 
 
GABRIEL 
E que crime cometeu? 
 
VELHA 
O pior crime que alguém pode cometer... Eu sou um monstro... (Começa 
a chorar.) 
 
FRED 
Ah, é mesmo. 
 
TODOS 
Cala a boca, Fred! 
 
LILIANE 
E que crime foi esse? 
 
VELHA 
(Soluçando.) Durante vinte e dois anos estou com a consciência pesada... 
Nunca mais dormi desde aquele maldito dia... pareço estar com cem anos... 
 
FRED 
Duzentos no mínimo... 
 
 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Perdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na Serra 31313131 
 
MARÍLIA 
Desabafe com a gente... Isso vai te fazer bem... 
 
VELHA 
Ela era pequena... tinha acabado de nascer... uma criança frágil... Minha 
família não aceitava a minha gravidez, e eram contra o meu casamento. Meu 
marido era pobre. Trabalhava como estivador no porto de Santos. E logo que a 
criança nasceu eu abandonei a criança e fugi de tudo e de todos. Não podia 
voltar pra casa, não tinha condições de criar o bebê. Deixei ela lá no hospital... 
era uma menininha... Fugi de lá, deixando pra trás o meu passado, o meu 
marido e minha filha. Eu queria morrer. Mas como isso não aconteceu, fiz um 
juramento: eu iria ficar calada até o fim dos meus dias... Vim pra cá, fiz minha 
cabaninha e vivi durante esses anos todos comendo raízes e frutas... (Altera-se.) 
E no momento em que estava em êxtase, limpando meu espírito da podridão, 
me vem esse desgraçado (Para Fred.) e me acerta uma pedra nos pés? 
 
(Escutam silenciosamente o relato da velha. Marília e Liliane começam a juntar as 
peças do quebra cabeças.) 
 
MARÍLIA 
Você está pensando o que eu estou pensando, Liliane? 
 
LILIANE 
Sim. 
 
AS DUAS 
(Num rompante.) A gente sabe onde tá sua filha! 
 
MENINOS 
O quê? 
 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Perdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na Serra 32323232 
 
VELHA 
Como? 
 
MARÍLIA 
Sua filha tá bem próxima da senhora. O que ela nos contou bate com 
tudo o que a senhora disse. Ela foi abandonada logo que nasceu e seu pai era 
um estivador do porto de Santos. Tudo se encaixa perfeitamente. 
 
ALAN 
Mas de quem você está falando, Marília? 
 
MARÍLIA 
Da Ana Telma. 
 
GABRIEL 
(Surpreso.) A Ana Telma? 
 
LILIANE 
Olhando bem, vocês são bem parecidas... 
 
VELHA 
E onde ela tá? 
 
MARÍLIA 
Na barraca descansando... Ela não tava passando bem... 
 
GABRIEL 
Gravidez é assim mesmo. 
 
VELHA 
O quê? Minha filha, grávida? 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Perdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na Serra 33333333 
 
GABRIEL 
Pois é. 
 
FRED 
Não pode ser... não pode ser... 
 
LILIANE 
É só uma suposição... 
 
GABRIEL 
E esse aqui é o pai da criança... Seu genro. 
 
VELHA 
(Para Fred.) Que Deus o abençoe. Eu quero que você seja muito feliz com 
minha filha... 
 
GABRIEL 
Aí Fred. Já ganhou a bênção da sogrinha... agora é tarde... 
 
FRED 
Eu te odeio! 
 
MARÍLIA 
Eu vou chamar a Ana Telma... (Caminha até a barraca.) Eu tenho uma 
surpresa pra você, Ana Telma. 
 
ANA TELMA 
(Saindo da barraca.) O que é? 
 
MARÍLIA 
Vem aqui... 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Perdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na Serra 34343434 
 
(Coloca Ana Telma de frente para a velha. Ambas se olham. Parecem estar na frente de 
um espelho. São idênticas.) 
 
VELHA 
(Estendendo os braços.) Filhinha!!! 
 
ANA TELMA 
(Idem.) Mamãe!!! 
 
(Música cinematográfica. As duas correm em câmera lenta, se abraçam afetuosamente 
e choram.) 
VELHA 
Como eu sonhei com esse momento... 
 
ANA TELMA 
Eu também... 
 
(Tempo.) 
 
GABRIEL 
(Quebra o gelo.) Tá bom... Isso aqui não é o Programa do Gugu! 
 
ALAN 
Bem, agora que resolvemos o problema da senhora, precisamos ir 
embora. Agora a senhora vai nos mostrar a saída? 
 
VELHA 
Com uma condição... 
 
ALAN 
Qual? 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Perdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na Serra 35353535 
 
VELHA 
(Para Fred.) Que eu vá morar com você e com minha filha. 
 
FRED 
Mas a gente nem tá junto... Era tudo brincadeira deles, dona. Esse lance 
de gravidez não é verdade! 
 
VELHA 
É verdade, sim. Coração de mãe não se engana. Minha filha tá grávida, 
sim. 
 
FRED 
(Apavorado, tenta sair.) Eu quero sair daqui... 
 
VELHA 
Vai sair daqui direto pra Igreja. Desonrou minha filha, agora vai assumir 
o que fez... vai se casar com ela e vai criar o filho de vocês... Eu só mostro o 
caminho de volta se você fizer isso. 
 
FRED 
Prefiro a morte. Ou melhor: vou também fazer um juramento. A partir 
de agora farei um voto de silêncio e ficarei mudo e enclausurado nesta mata 
até o fim dos meus dias. 
 
(Fica na mesma posição da velha. A velha o agarra e coloca-o de frente com Ana 
Telma.) 
 
VELHA 
Deixa de fita. Vou fazer o casamento simbólico de vocês (Age como 
padre.) Ana Telma, aceita... (Não sabe o nome do rapaz e pede auxílio a Gabriel.) 
 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Perdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na Serra 36363636 
 
GABRIEL 
Frederico... 
 
FRED 
Eu te mato! 
 
VELHA 
... Frederico como seu legítimo esposo? 
 
ANA TELMA 
(Sorri.) Aceito. 
 
VELHA 
Frederico, aceita Ana Telma como sua legítima esposa? (Silêncio mortal. 
A velha repete a pergunta mais duas vezes.) Diz: aceito. 
 
FRED 
Não tem outra alternativa? 
 
VELHA 
Não... 
 
FRED 
(À contragosto) Tá. Fazer o que. Aceito, né?... 
 
VELHA 
Eu vos declaro marido e mulher... Podem se beijar. (Fred não se move. 
Ana Telma fica movimentando a boca. A velha repete a pergunta mais duas vezes.) 
Beija logo! 
 
(Ambos se beijam. Fred tenta escapar, mas Ana Telma prolonga o beijo.) 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Perdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na Serra 37373737 
 
ALAN 
Agora a senhora pode nos mostrar o caminho? 
 
VELHA 
Agora sim. Venham comigo... 
 
(Os jovens desmontam as barracas, colocam as mochilas nas costas e seguem a velha. 
Alan olha tristemente para os destroços do carro. Marília o abraça afetuosamente e o 
beija apaixonadamente. Liliane e Gabriel fazem o mesmo. Ana Telma para não ficar por 
baixo, força Fred a beijá-la. Seguem a velha até saírem de cena. Black-out.) 
 
 
CENA 6 
(Estrada. Todos aparecem, exceto a velha. Estão desanimados.) 
 
MARÍLIA 
Vai começar tudo outra vez pela terceira vez... 
 
ALAN 
Só que desta vez, não temos mais o carro... 
 
GABRIEL 
Pois é. Vamos ter que pedir mais uma carona! 
 
FRED 
Na ida fomos com caminhão de galinhas. Na tentativa de volta com um 
caminhão de porcos e agora, vamos como? 
 
(Relinchar de cavalo. entra a velha sentada numa charrete.) 
 
VELHA 
Foi tudo o que consegui... 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Perdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na Serra 38383838 
 
 
ALAN 
 Vamos nessa, galera! 
 
(Os jovens sobem na charrete. O cavalo sai em disparada e o que se ouve além do seu 
trotar, são os ruídos de latinhas presas por um fio na charrete, comuns em carros de 
recém-casados. Black-out final.) 
 
 
FIMAgosto/2004

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