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23. DEPOIS DA CHUVA.pdf

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DDDDEEEEPPPPOOOOIIIISSSS DDDDAAAA CCCCHHHHUUUUVVVVAAAA............ 
 
 
Drama Homoerótico 
 
 
Texto de: 
JULIO CARRARA 
 
 
Escrita em 2005 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 1111 
 
 
PERSONAGENS: 
CRISTIANO 
BRUNO 
MULHER (OFF) 
PASTOR (OFF) 
 
ÉPOCA: Atual. 
 
CENÁRIO: Um minúsculo apartamento, muito simples. Dois colchões, um 
puff, um rack onde estão o som, a TV, diversos CDs e livros de Direito como o 
Código Penal, por exemplo. No proscênio, uma sacada. Porta de entrada de 
um lado e do outro uma minúscula cozinha que conduz ao banheiro. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 2222 
 
 
CENA 1 
(Luz em resistência revelando a sala vazia do apartamento. Ouvem-se ruídos de 
trânsito. A porta se abre e entram Bruno e Cristiano carregados de embrulhos.) 
 
BRUNO 
É aqui. Que tal, hein? 
 
CRISTIANO 
(Olhando pela janela.) A vista não é das melhores, mas até que dá pra 
encarar. Morar no edifício São Benedito, do lado do cinema pornô, na frente 
do Minhocão e em cima do Ponto G?! Ninguém merece... 
 
BRUNO 
Mas daqui até o Mackenzie é um pulinho. O foda é esse barulho infernal 
aí fora. E depois, quando a gente voltar da facul, vamos estar tão cansados que 
nem vamos ouvir nada. E com o tempo a gente se acostuma. 
 
CRISTIANO 
Puta sorte ter te encontrado pra dividirmos o apê. Eu tava vendo umas 
pensões pra morar, mas quando via aqueles seres bizarros aparecendo, picava 
a mula. Eu tava desesperado atrás de alguém pra dividir o aluguel e o 
condomínio. Meu pai tinha pensado na hipótese de ficar lá em casa, mas eu 
não aguentaria ir e vir de Atibaia todos os dias. Não iria render nada no curso. 
 
BRUNO 
É, o curso de Direito é foda. Não quero nem pensar como é que vai ser. 
 
CRISTIANO 
Nem eu. Mas a gente tá junto nessa, véio. Um vai cuidar do outro. Ainda 
mais agora que não temos mais mamãe e papai por perto pra ficar pegando no 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 3333 
 
nosso pé... Esse é o preço da tão sonhada liberdade. (Cristiano sobe no parapeito 
da sacada.) 
 
BRUNO 
Sai daí, seu louco. Quer se esborrachar lá embaixo? 
 
CRISTIANO 
(Abre os braços.) “Minhas asas estão prontas para voar. Eu gostaria de 
voltar no tempo. Ficaria mais tempo vivo se tivesse menos liberdade”. 
 
BRUNO 
Credo, voltar no tempo e ter menos liberdade. Estou contente com o 
aqui e agora. 
 
CRISTIANO 
(Saindo da sacada.) Eu também tô. Falei por falar. Tô adorando esse 
gostinho de liberdade, cara. A gente vai ser muito feliz aqui, Bruno. 
 
BRUNO 
Disso eu tenho certeza... 
 
(Ambos se abraçam afetuosamente.) 
 
CRISTIANO 
Bem, ao trabalho... 
 
BRUNO 
Ao trabalho. 
 
(Começam a arrumar o ambiente alegremente. Bruno coloca um CD no som num 
volume ensurdecedor. Depois de um tempo, ouvem-se batidas na parede.) 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 4444 
 
MULHER 
(Off, gritando.) Abaixa esse rádio... 
 
(Cristiano e Bruno, sem se importar, vão até a sacada e gritam para fora.) 
 
AMBOS 
Hein? 
 
MULHER 
(Off, gritando.) Abaixa o diabo desse rádio... 
 
BRUNO 
Ih... ser vizinho de velha é foda. 
 
CRISTIANO 
(Alto.)Fala mais alto!!!! 
 
MULHER 
(Off.) Eu vou falar com a síndica e ela vai dar uma multa pra vocês, seus 
malcriados. Não conhecem as regras de condomínio, não? 
 
AMBOS 
Nããããoooo! 
 
MULHER 
(Off.) Vocês vão ver... Eu sou a primeira moradora deste edifício e vou 
tomar providências contra vocês... 
 
BRUNO 
Vai correndo, velha do caralho!... 
 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 5555 
 
MULHER 
(Off.) Vocês não perdem por esperar, moleques... 
 
(Ambos riem e voltam para dentro.) 
 
CRISTIANO 
Será que ela vai mesmo falar com a síndica? 
 
BRUNO 
Se falar, falou... Olha só a minha cara de preocupado... Qualquer coisa, a 
gente arrebenta ela e a síndica de porrada... (Riem.) 
 
CRISTIANO 
Cara, você é muito louco... 
 
BRUNO 
Por que acha que escolhi essa profissão? Existe alguém mais louco do 
que um advogado? 
 
CRISTIANO 
Ah, existe sim... 
 
BRUNO 
Quem? 
 
CRISTIANO 
Limpador de janela. 
 
BRUNO 
Porteiro de cinema pornô. 
 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 6666 
 
CRISTIANO 
Maquiador de defunto. 
 
BRUNO 
Puta! 
 
CRISTIANO 
Padre! 
 
BRUNO 
Ah, padre não é profissão! 
 
CRISTIANO 
E puta também não é! 
 
(Ambos caem na gargalhada e começam uma guerra de travesseiros.) 
 
 
CENA 2 
(Bruno e Cristiano sentados no puff, comendo pizza e tomando Coca-Cola.) 
 
BRUNO 
Tô vendo que essa será a nossa refeição diária: pizza com Coca-Cola. 
Desse jeito vou virar um hipopótamo. 
 
CRISTIANO 
O único jeito é aprender a cozinhar... 
 
BRUNO 
Eu não sei nem fritar ovo. O que sei é ferver o leite e fazer miojo. Mais 
nada. 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 7777 
 
CRISTIANO 
Eu até que sei fazer alguma coisa. Mas sou preguiçoso. Não tenho saco 
pra cozinha. E depois da comida pronta ainda tem que lavar as panelas, os 
pratos e os talheres. É muito trampo. 
 
BRUNO 
Uma empregada seria o ideal, hein? O que acha? 
 
CRISTIANO 
É uma ideia... 
 
BRUNO 
Só não pode ser baranga. Porque o que mais existe nesse meio é mulher 
bagaceira. 
 
CRISTIANO 
Pô Brunão, você foi cruel! 
 
BRUNO 
E não é verdade? Fala aí! As empregadas bonitinhas estão em extinção... 
E se conseguirmos arrumar uma gostosona pra trabalhar aqui, podemos 
aliviar nossas tensões sexuais de vez em quando. 
 
CRISTIANO 
Você quer uma empregada ou uma puta? 
 
BRUNO 
Se for as duas coisas, melhor ainda. (Riem. Em seguida, arrota.) 
 
CRISTIANO 
Suspende a feijoada que o porco tá vivo! 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 8888 
 
BRUNO 
Coca-Cola é foda... 
 
CRISTIANO 
Foda é galo: trepa com o cu, dorme no pau, tem uma mulher galinha e 
um filho que é pinto... (Ri.) 
 
BRUNO 
(Sem achar graça.) Que babaca, cara. 
 
CRISTIANO 
Você não captou a minha piada... 
 
BRUNO 
(Depois de um tempo.) Nossa, faz duas semanas que eu não dou uma. E 
você, Cris, há quanto tempo não trepa? 
 
CRISTIANO 
Desde que nasci. 
 
BRUNO 
Ah, brincou... Você ainda é virgem? 
 
CRISTIANO 
Sou. 
 
BRUNO 
Caralho! Como consegue? Mas nem uma chupadinha nos peitinhos, 
nem um dedinho na xoxotinha? Nenhuma menina te punhetou ou te chupou? 
 
CRISTIANO 
Não... 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 9999BRUNO 
E nunca teve vontade? Curiosidade? Nunca teve desejo? Nunca ficou de 
pau duro ao ver uma gostosa de minissaia passando rebolando perto de você? 
Nunca viu revistas de sacanagem, filmes pornôs? 
 
CRISTIANO 
Já, claro. Como todo mundo. Mas eu... 
 
BRUNO 
Você é tímido, né? Mas não tem problema. Amanhã eu vou te apresentar 
umas gatinhas lá do curso. Aí eu xaveco elas pra você e você arrasta alguma 
pra cá e faz a festa. Esse apê vai ser um verdadeiro puteiro, maluco. Mas como 
só tem um cômodo aqui, vamos usar o velho truque da toalha vermelha. 
Quando eu ou você estivermos na ativa com alguma gata, vamos colocar a 
toalha na janela pra evitar constrangimentos... Né? 
 
CRISTIANO 
(Com um sorriso amarelo.) É. 
 
(Cristiano com um controle remoto muda os canais da TV.) 
 
CRISTIANO 
Merda. Não tem nada que preste este horário. 
 
BRUNO 
TV aberta é um lixo. Essa hora só tem programa de igreja... (Tirando 
sarro.) Corre lá pegar um copo d’água pro pastor abençoar! 
 
(Cristiano coloca num programa de igreja. Ouve-se em off a voz de um pastor.) 
 
 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 10101010 
 
PASTOR 
“...liguem para o telefone que está aparecendo no seu vídeo e 
respondam a pergunta da nossa enquete de hoje: a homossexualidade é uma 
doença ou sem-vergonhice?” 
 
CRISTIANO 
Vai se foder, pastor de merda. (Vai mudar de canal.) 
 
BRUNO 
Não muda, não, Cris. Vamos ver esse circo. 
 
PASTOR 
“... Deus criou o Homem e a Mulher. Se continuar como está, homem 
com homem e mulher com mulher, não haverá dentro em breve mais seres 
humanos neste Planeta. Você, amigo telespectador, que tem um filho 
homossexual, fique tranqüilo. Não o leve para um psiquiatra que não resolve 
nada. Esse desvio é espiritual. É coisa do tinhoso. Traga ele até aqui na nossa 
igreja, que irei resolver esse problema. Irei tirar o diabo que se apossou do 
corpo dele e faz com que ele só lhe traga desgostos...” 
 
CRISTIANO 
(Desliga a TV.) Vai se tratar, animal de bosta. 
 
(Cristiano desliga a TV. Está visivelmente nervoso.) 
 
BRUNO 
O que foi cara? 
 
CRISTIANO 
Eu fico puto quando escuto uma coisa dessas. Essa falsa moral me irrita. 
E esse cara é homofóbico. 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 11111111 
 
BRUNO 
Calma cara. Relaxa. Da maneira que você reagiu, parecia até que ele 
estava se referindo a você. 
 
CRISTIANO 
E se estivesse, Buba? E se eu fosse um homossexual? Como acha que eu 
me sentiria? 
 
BRUNO 
Você tá muito abalado, Cris. Mas eu te entendo. Você acabou de sair de 
casa e agora é que tá percebendo a barra que vamos enfrentar daqui pra frente. 
Vem cá... (Abraça o amigo.) Pensar muito no futuro estraga o presente. 
 
(Cristiano tem o olhar perdido. Luz cai em resistência.) 
 
 
CENA 3 
(Luz sobe lentamente. Cristiano acorda, levanta-se e vai até o banheiro. Lava o rosto, 
enxuga-o com uma toalha e vem para a cozinha, pega um copo de água e bebe. Volta 
pra sala e fica olhando para Bruno, que aos poucos, vai despertando.) 
 
CRISTIANO 
Boa tarde!!!! 
 
BRUNO 
(Boceja.) Que horas são? 
 
CRISTIANO 
Duas horas. 
 
BRUNO 
Putz, por que não me acordou antes? 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 12121212 
 
CRISTIANO 
Porque também acabei de acordar. 
 
BRUNO 
E aí, melhorou? 
 
CRISTIANO 
De quê? Ah, claro. Nem me lembrava mais. Foi bobagem minha... Às 
vezes eu dou umas dessas. Vai se acostumando... 
 
BRUNO 
(Mexendo no pau.) Mijar com o pau duro é foda! 
 
(Levanta-se e vai até o banheiro. Vira-se de costas e mija. Dá a descarga e volta para a 
cama.) 
 
BRUNO 
Já tomou banho? 
 
CRISTIANO 
Ainda não. Vou tomar mais tarde. 
 
BRUNO 
Então vou eu. 
 
(Tira toda a roupa. Cristiano vira-se de costas para ele, envergonhado.) 
 
BRUNO 
Por que ficou de costas, Cris?... Vai me dizer que nunca viu outro 
homem pelado? 
 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 13131313 
 
CRISTIANO 
Já, mas... 
 
BRUNO 
Mas o quê? Pode se virar, cara. O que eu tenho entre as pernas você 
também tem... E você, por que não fica pelado também? É muito bom, mano. 
O legal é criar o “bicho” solto. E se estamos sozinhos, porque não ficar mais à 
vontade? Maldita a hora que inventaram peças de roupa. Se dependesse de 
mim, todo mundo andava pelado. E você? Vai ter vergonha de tirar a roupa na 
minha frente? 
 
CRISTIANO 
É que eu não me sinto à vontade. Sei lá. Acho estranho... Eu não queria 
que achasse que eu estivesse me insinuando pra você. 
 
BRUNO 
Ah, para meu. E eu, por acaso, tô me insinuando pra você? 
 
CRISTIANO 
Não. Claro que não. 
 
BRUNO 
Então não tem grilo... Não quero te ver constrangido, belê? 
 
CRISTIANO 
Beleza, Buba. Vai pro seu banho. 
 
(Bruno entra no banheiro e abre o chuveiro.) 
 
BRUNO 
Vou aproveitar pra tocar uma punheta. Vamos fazer um campeonato de 
punheta? 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 14141414 
 
CRISTIANO 
Não tô a fim agora... Quem sabe, mais tarde. Vai fundo... 
 
BRUNO 
Quando era moleque vivia com medo de bater punheta. Diziam que 
dava espinha, pêlo na palma da mão, que o pau ia cair. Mas que é bom é. Qual 
foi o seu recorde? 
 
CRISTIANO 
Recorde de quê? 
 
BRUNO 
De punheta. Quantas você conseguiu bater num dia? 
 
CRISTIANO 
Duas. 
 
BRUNO 
Só duas? O máximo que eu consegui num dia foram nove. 
 
CRISTIANO 
Porra... Poderoso o rapaz!!! 
 
BRUNO 
Mas no outro dia, nem conseguia andar direito. Acho que a minha mão 
tem a alma feminina. Quando vê meu pau, já quer grudar. Ela até hoje foi a 
minha namorada mais fiel... Bem, vou nessa. Tô com um tesão danado. 
 
(Bruno vai para o banheiro.) 
 
CRISTIANO 
Oferece essa punheta pra velha aqui do lado... 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 15151515 
 
BRUNO 
(Volta, cabisbaixo.) Porra, cara. Brochei. 
 
(Luz cai em resistência.) 
 
CENA 4 
(Cristiano e Bruno entram carregados de materiais. Exaustos, jogam os materiais num 
canto e deitam-se na cama.) 
 
CRISTIANO 
Ufff, tô o pó da rabiola! 
 
BRUNO 
O professor pegou pesado mesmo. Logo no primeiro dia de aula. Vai se 
foder. 
 
CRISTIANO 
Tem um “beck” aí? 
 
BRUNO 
Tem. 
 
(Bruno tira um papelzinho do bolso da calça, abre-o, prepara uma seda e começa a 
dichavar a maconha.) 
 
CRISTIANO 
Nunca tive saco pra dichavar maconha, preparar o cigarro de baseado. 
O “beck” já deveria vir pronto. 
 
BRUNO 
Aí não teria graça nenhuma. O barato é o ritual de preparação da erva. 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 16161616 
 
CRISTIANO 
Nunca consegui enrolar direito. Como consegue? 
 
BRUNO 
Anos de prática... Maconheiro profissional. 
 
(Bruno acende o baseado, dá um tapinha e passa para Cristiano.) 
 
BRUNO 
Esse fumo é do bom... 
 
CRISTIANO 
Dequem você comprou? 
 
BRUNO 
Do Dani Maluco, do quarto semestre... 
 
CRISTIANO 
Esse curso tá começando bem... 
 
BRUNO 
E o que você esperava? A gente só faz duas coisas numa faculdade: 
fuma maconha e trepa... Ah, seguinte: sabe a Paulinha? 
 
CRISTIANO 
Que Paulinha? 
 
BRUNO 
Aquela loirinha tesuda da nossa sala que eu tava azarando, saca? 
Aquela com cara de puta da Augusta!!!! 
 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 17171717 
 
CRISTIANO 
Hum, sei... O que é que tem? 
 
BRUNO 
Então, eu chamei ela pra ver um filme aqui amanhã depois da aula. 
 
CRISTIANO 
E ela vem? 
 
BRUNO 
Topou na hora. 
 
CRISTIANO 
Essa eu pago pra ver... Mas a gente não tem DVD aqui... Ah, não, não 
me diga que você vai assistir ao Corujão. 
 
BRUNO 
Não... nada disso. Não existe filme nenhum, meu amigo. É uma jogada. 
Ela vem aqui, eu procuro o DVD e aí eu me lembro que esqueci de trazer o 
aparelho lá de casa, entendeu? Captou o meu raciocínio? Aí a gente ouve uma 
musiquinha romântica, toma vinho à luz de velas. O clima vai esquentando, 
eu faço ela beber bastante vinho... e parto pro ataque. Aí ela vai tá tão chapada 
que nem vai se lembrar do que aconteceu. (Esfrega as mãos.) Nem acredito que 
isso tá acontecendo... É bom demais pra ser verdade. 
 
CRISTIANO 
É. Mas não precisa se preocupar, viu? Eu não vou atrapalhar vocês. Eu 
passo a noite naquele hotelzinho da esquina. É um pulgueiro, mas dá pra 
encarar por uma noite... 
 
BRUNO 
Deixa disso, Cris. 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 18181818 
 
CRISTIANO 
Eu não vou me sentir à vontade com vocês aqui. Era só o que me faltava. 
Ficar de voyeur vendo você comer a mina. 
 
BRUNO 
Você não vai ficar de voyeur porque ela vai trazer uma amiga com ela. 
(Cristiano se afoga com o beck.) Desta vez você não escapa. Vai perder o 
cabacinho e vai gozar muuuuuuuuito nos peitos da cachorra. 
 
CRISTIANO 
Mas eu nem sei quem é a garota! 
 
BRUNO 
Na hora você conhece. 
 
CRISTIANO 
Do jeito que sou sortudo, imagino o “dragão” que vai aparecer aí... 
 
BRUNO 
Deixa de ser pessimista. E mesmo que seja um jaburu, ela tem buceta, 
não tem? Tapa a cara dela com um travesseiro e manda ver. (Ri.) 
 
CRISTIANO 
Ria, seu bosta, ria da minha desgraça. Queria ver se fosse contigo. 
 
BRUNO 
Ih, eu já comi tanta baranga que uma a mais, uma a menos não iria fazer 
diferença. O que vier, eu traço mesmo... 
 
CRISTIANO 
Até viado? 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 19191919 
 
BRUNO 
Pô, não precisa apelar, né? Não sou chegado em viado, não. Credo! Meu 
negócio é buceta. Só buceta. Nem cu de mulher eu curto. Muito menos um cu 
peludo de uma bicha filha da puta... 
 
(Cristiano levanta-se furioso e dá um soco na parede.) 
 
BRUNO 
O que foi Cris? 
 
CRISTIANO 
Eu nunca imaginei que você fosse preconceituoso. 
 
BRUNO 
Mas eu não sou preconceituoso. Foi só uma maneira de falar. 
 
CRISTIANO 
Maneira de falar! Jamais esperava ouvir isso de você. Justo de você, o 
meu melhor amigo. 
 
BRUNO 
Por que isso agora? Não existe nenhuma razão pra se comportar assim. 
Você tomou as dores que não são suas. Você nem é gay... 
 
CRISTIANO 
Mas tenho um primo que é. E eu sei o quanto ele sofre com isso. Quando 
meu tio pegou ele trepando no banheiro com o outro moleque, bateu tanto 
nele, até sangrar. Chamou-o de lixo dos lixos e o internou numa clínica 
psiquiátrica, porque achava que ele estava louco e que precisava de um 
tratamento. Na clínica, enfiaram um cabo no cu dele e deram tanto choque, 
mas tanto choque que o coitado acabou pirando... Eu tenho vergonha de ser 
um ser humano. Vergonha de pertencer a esse mundo desordenado, 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 20202020 
 
preconceituoso. Eu tenho medo do futuro. Pior ainda, eu tenho pânico quando 
sinto o desprezo das pessoas. Porque poderia ser comigo. Poderia ser com 
você, Buba. Às vezes eu fico com vontade de acabar com tudo. É tão simples. 
Pular desta janela, tomar veneno, ter uma overdose, cortar os pulsos, dar um 
tiro na cabeça, sei lá... Só precisa um pouco de coragem. Um pouco de 
coragem pra gente acabar com todo esse inferno. Não pode haver um lugar 
pior do que essa merda de cidade, essa merda de estado, essa merda de 
planeta... O inferno é aqui, o inferno são as pessoas que vivem aqui... 
 
BRUNO 
Desculpa Cris. 
 
CRISTIANO 
Nunca mais fale dessa maneira. Nunca mais. Entende agora o motivo 
da minha raiva por aquele pastor de merda? E depois quando você falou 
daquela maneira... É como se tivesse me dado uma punhalada pelas costas. 
 
BRUNO 
Desculpa pela minha falta de tato. 
 
CRISTIANO 
Eu precisava falar isso, senão eu iria explodir... 
 
BRUNO 
Claro. E pode contar sempre comigo. Pra tudo... 
 
(Bruno coloca a cabeça de Cristiano em seu colo.) 
 
BRUNO 
Tá mais calmo agora? 
 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 21212121 
 
CRISTIANO 
Buba... 
 
BRUNO 
Hum?! 
 
CRISTIANO 
Eu amo você. 
 
BRUNO 
(Sorri.) Eu também amo você. 
 
(Luz cai em resistência.) 
 
 
CENA 5 
(Uma forte chuva cai lá fora. Somente relâmpagos e trovões clareiam a cena. A porta se 
abre e entram os garotos ensopados. Bruno tem um litro de vinho nas mãos.) 
 
CRISTIANO 
Que dilúvio! 
 
BRUNO 
(Ligando e desligando o interruptor de luz.) Pra ajudar acabou a energia... 
 
CRISTIANO 
Vamos tirar essas roupas antes que a gente fique doente. 
 
(Bruno coloca o vinho no chão e ambos tiram as roupas ficando de cueca.) 
 
CRISTIANO 
Não se enxerga nada aqui dentro. 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 22222222 
 
BRUNO 
Vou ver se acho as velas. (Iluminando a cena com um isqueiro.) Achei! 
 
(Acende as velas. Cristiano pega uma toalha e entrega para Bruno.) 
 
CRISTIANO 
A toalha... (Pega outra e ambos se enxugam.) 
 
BRUNO 
Cara, sacanagem da Paulinha, né? Preferir a carona do Caio do que vir 
aqui. Eu tava certo. Ela é mesmo mó putona. 
 
CRISTIANO 
Pelo menos eu me livrei da amiga dela. Eu tinha certeza que ela era 
monstruosa. Toda gatinha anda com um dragão do lado... Obrigado, meu São 
Sinfrônio por atender as minhas preces... 
 
BRUNO 
Que porra de santo é esse? 
 
CRISTIANO 
Sei lá. 
 
BRUNO 
Por que as mulheres são interesseiras, né? Bastam ver um carro ou 
dinheiro que tão logo abrindo as pernas. Aquela frase está mesmo correta: 
Quem gosta de homem é viado. Mulher gosta de dinheiro... (Percebe a gafe.) Ah, 
desculpa, cara. 
 
CRISTIANO 
Tudo bem, fica frio. 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 23232323 
 
BRUNO 
E nem um banho quente vai dar pra gente tomar... (Grita.) Merda de luz! 
 
CRISTIANO 
Mas tem vinho. 
 
BRUNO 
(Abrindo o vinho.) Este vinho tá longe de ser o do Porto. Mas vamos 
encarar, né? Se a gente tivesse grana pra comprarum melhor. 
 
CRISTIANO 
E isso embebeda rapidinho... 
 
BRUNO 
Eu sou péssimo pra beber. Bastam três tacinhas e já tô capotando... 
 
CRISTIANO 
Ah, foda-se. Vamos chapar mesmo. 
 
(Bruno coloca o vinho nas taças.) 
 
BRUNO 
(Levantando um brinde.) Um brinde à nossa amizade. 
 
(Brindam. Bebem.) 
 
BRUNO 
Como esquenta... 
 
CRISTIANO 
Vamos virar tudo de uma vez? 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 24242424 
 
BRUNO 
Ah, não. Eu sou fraco. 
 
CRISTIANO 
Relaxa... Vamos curtir. Não vamos fazer isso todo o dia... 
 
(Viram a taça e enchem novamente as taças de vinho.) 
 
CRISTIANO 
De novo. 
 
(Viram a taça novamente.) 
 
BRUNO 
(Bêbado.) Ah, Cris. Não aguento mais... Parei. (Ri.) 
 
CRISTIANO 
Mas e esse restinho? 
 
BRUNO 
Guarda pra temperar a salada... Ai, cara. Já tô doidão... Vou capotar. Boa 
noite. 
 
(Deita-se na cama e adormece imediatamente. Cristiano termina de beber mais um 
cálice de vinho, fecha a garrafa, senta-se ao lado de Bruno e observa o rapaz. Passa as 
mãos nos cabelos do amigo, em seguida acaricia o seu rosto e sua boca. Tomado por um 
súbito desejo, Cristiano beija-lhe a boca. É um beijo suave, que se prolonga por um 
tempo. Cristiano afasta sua boca da do amigo, em seguida beija o peito, desce pro 
abdômen e transa com Bruno. Black-out.) 
 
 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 25252525 
 
CENA 6 
(Amanhece aos poucos. A luz ainda não voltou. Bruno continua dormindo. Cristiano, 
na sacada, sente a chuva fina molhar seu rosto.) 
 
BRUNO 
(Deitado, resmungando.) Ai que dor de cabeça... Maldito vinho... Que 
horas são, Cris? 
 
CRISTIANO 
Tá amanhecendo. 
 
BRUNO 
A luz já voltou? 
 
CRISTIANO 
Já... Vem aqui na janela sentir os pingos da chuva na cara. (Bruno levanta-
se e vai até a janela.) 
 
CRISTIANO 
Que tal? 
 
BRUNO 
Ótimo pra curar a ressaca. 
 
CRISTIANO 
Vem comigo até a sacada? 
 
BRUNO 
É perigoso, cara. E eu morro de medo de altura. Eu sempre tenho a 
impressão de que alguém vai chegar e me empurrar... 
 
(Cristiano estende a mão e lentamente conduz Bruno até a sacada.) 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 26262626 
 
BRUNO 
(Aproxima-se, temeroso.) Que cagaço. 
 
(Cristiano olha abobalhado para Bruno.) 
 
BRUNO 
Que cara é essa, Cris?... Você tá me olhando de uma forma... Até parece 
que... 
 
CRISTIANO 
...Que o quê? 
 
BRUNO 
Nada, não. Bobagem... coisa de bêbado. 
 
CRISTIANO 
Bruno, eu preciso te contar uma coisa... 
 
BRUNO 
Conta aí... 
 
CRISTIANO 
É um segredo que eu guardo comigo por um bom tempo. Tinha medo, 
vergonha de contar pra alguém, mas eu não consigo guardar isso por mais 
tempo. E eu preciso me abrir com você. 
 
(A chuva para e o sol começa a nascer.) 
 
BRUNO 
Não me assuste, cara. Fala de uma vez. 
 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 27272727 
 
CRISTIANO 
Vamos sair daqui... (Saem da janela e sentam-se no colchão no chão.) 
Bruno...Não fala nada, só me escuta, por favor... Me escuta e tenta me 
entender... Desde pequeno, eu minto pra mim mesmo. Até ontem eu fingi ser 
uma pessoa que não era, uma pessoa que fui educada para ser. E quanto mais 
o tempo passava, mais forte essa coisa se manifestava em mim. Até o dia em 
que resolvi arrumar uma namorada pra provar pra todo mundo, inclusive 
para mim, que eu era um garoto como outro qualquer e não um alienígena que 
todo mundo achava que eu fosse. Foi uma catástrofe a relação com essa 
menina. Não durou duas semanas. Terminei com ela e sequer disse o motivo 
pelo qual tava terminando. Eu não sentia tesão por ela. Ela podia ficar pelada 
na minha frente que eu não ia ligar. E não só ela. Qualquer menina poderia 
ficar pelada na minha frente que não ia ligar, porque nunca senti tesão por 
garotas... Apenas por um garoto. Um garoto que a cada olhar, a cada toque, a 
cada gesto me fez sentir vivo e amado. Como nunca ninguém me amou. Só 
que esse garoto nunca vai me olhar como eu queria que olhasse. 
 
BRUNO 
E quem é esse garoto? Eu conheço? 
 
CRISTIANO 
Você é tão ingênuo a ponto de não perceber de quem eu tô falando? 
 
BRUNO 
Juro que não faço ideia de quem seja. 
 
CRISTIANO 
É você, Buba! Eu sei que é difícil pra você entender, mas, por favor, não 
me queira mal... Quando eu vim morar pra cá e a nossa relação se tornou mais 
estreita, aí eu tive certeza daquilo que queria. Eu te dei várias indiretas que 
você nem percebeu. Quando eu disse que te amava, você levou pra outro lado: 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 28282828 
 
amor de amigo, amor de irmão... Eu também te amo como amigo, como 
irmão... Mas, o que eu sinto por você é... amor de homem. 
 
BRUNO 
(Sem palavras.) Francamente, não sei o que dizer... 
 
CRISTIANO 
Não, não diga nada, deixe eu terminar... E ontem à noite, depois que 
você caiu bêbado na cama, eu fiquei te observando por um tempo. E ao te ver 
ali, dormindo, não pude segurar o meu desejo. Experimentei um prazer que 
nunca havia experimentado antes: o de sentir o teu pau dentro de mim... 
 
(Bruno está perplexo. Levanta-se e não tem coragem de olhar para Cristiano. Fica de 
costas para ele.) 
 
BRUNO 
(Meio tom.) Eu tenho... nojo de você... (Furioso.) Por que você fez isso 
comigo? Nunca me senti tão sujo! Nenhum banho, água nenhuma vai limpar a 
sujeira que você deixou em mim. Essa sujeira não tá no corpo, não. Tá na alma. 
Minha alma tá imunda! 
 
CRISTIANO 
E a minha tá mais pura do que a alma de um bebê recém-nascido 
porque fui honesto com você. 
 
BRUNO 
Não, não foi. Você se aproveitou de um momento de fraqueza que eu 
tive pra me usar. 
 
CRISTIANO 
Eu não te usei... 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 29292929 
 
BRUNO 
Ah, não? E o que fez, então? E eu que achava que você fosse o meu 
melhor amigo. Que a gente iria construir algo junto, e você pegou tudo isso e 
jogou pela janela... Sai daqui, cara. Sai daqui antes que eu faça uma besteira. 
Mesmo você sendo o asqueroso que é eu não quero te fazer mal. 
 
CRISTIANO 
E existe mal maior que me odiar? 
 
BRUNO 
Você é um traidor da pior espécie. 
 
CRISTIANO 
Se eu fosse um traidor você nunca saberia o que tinha acontecido entre a 
gente. Eu guardaria isso só pra mim. Seria um segredo só meu. 
 
BRUNO 
Que também trancaria a sete chaves como fez com a sua 
homossexualidade... Não confiou nem na sua própria família. 
 
CRISTIANO 
Pra quê? Pra eles me apedrejarem como o meu tio fez com o meu primo? 
Pra eles me levarem ao psiquiatra, me tratarem como doente mental? Eu me 
abri com você porque tinha a certeza de que me entenderia... Só que você me 
apedreja e ainda é capaz de ir correndo contar esse segredo para os meus pais. 
 
BRUNO 
Não vou fazer isso. 
 
(Cristiano tenta abraçar Bruno que o repele.) 
 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............30303030 
 
BRUNO 
Tire suas mãos nojentas de cima de mim. Eu não quero mais olhar pra 
tua cara. Eu quero que você se mude daqui o quanto antes. E por favor, não 
piore as coisas. 
 
CRISTIANO 
Você fala como se estivesse disposto a não ceder e a não acreditar? 
 
BRUNO 
É a minha última palavra. Procure outro lugar para morar porque aqui, 
não dá mais. Acabou... (Pega uma toalha.) E agora dá licença que eu preciso 
muito de um banho. Vou tentar me livrar dessa nhaca que você me deixou. 
Que nojo! (Vai para o banheiro.) 
 
CRISTIANO 
Nenhuma mulher vai te dar o amor e o carinho que lhe dei e ainda 
tenho pra dar. Pensa nisso. Se conseguir provar que tudo o que eu fiz foi com 
má-intenção, aí sim, pode me chamar de traidor. 
 
(Abre a porta e sai.) 
 
CENA 7 
(Bruno está deitado no puff, perturbado. Ouve-se uma chave girando no tambor. A 
porta se abre e por ela entra Cristiano, abatido. Fica parado à porta esperando alguma 
reação de Bruno, que permanece indiferente o tempo todo.) 
 
CRISTIANO 
Posso entrar? 
 
BRUNO 
Já entrou... 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 31313131 
 
CRISTIANO 
Cara, a gente precisa conversar. 
 
BRUNO 
Não tenho mais nada pra falar com você. 
 
CRISTIANO 
E o que você vai fazer? 
 
BRUNO 
Esperar que você tome vergonha nesta cara imunda e se mande daqui... 
 
CRISTIANO 
Eu preciso de um tempo. Não é fácil alugar um apê. E como eu vou 
explicar pro meu pai o motivo pelo qual tô saindo daqui? Ele vai querer saber. 
E se descobrir o verdadeiro motivo, nem sei o que ele seria capaz de fazer... 
Acho que seria capaz até de me matar. 
 
BRUNO 
Eu teria feito o mesmo se eu tivesse um filho como você. Coitado do seu 
pai!!! Que humilhação pra ele... 
 
CRISTIANO 
Eu cometi algum crime? Porra, cara. Pensa que é fácil pra mim? Você 
acha que eu tô feliz com essa situação? 
 
BRUNO 
E eu, Cristiano? Como acha que eu tô me sentindo? Você conseguiu 
quebrar todos os laços de carinho que eu tinha por você. 
 
 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 32323232 
 
CRISTIANO 
E é em nome desse carinho que eu te peço: tenta, ao menos, entender o 
porquê “daquilo”. 
 
BRUNO 
Para de ser ridículo! Você destruiu a minha vida. Será que isso já não foi 
o suficiente? Por favor, não fale mais comigo e me deixe ver a TV. 
 
CRISTIANO 
(Fica na frente da TV.) Não. A gente precisa conversar nem que seja pela 
última vez. 
 
BRUNO 
Sai da frente... 
 
CRISTIANO 
De jeito nenhum. 
 
BRUNO 
Se você não sair da frente da porra desta TV, eu não respondo por mim. 
 
CRISTIANO 
Vai fazer o quê? 
 
BRUNO 
Não me provoca... 
 
CRISTIANO 
Vai fazer o quê? (Desliga a TV.) 
 
 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 33333333 
 
BRUNO 
(Empurra Cristiano violentamente.) Sai daí... Me deixa em paz... Seu, seu... 
sua, sua... 
 
CRISTIANO 
Diga... O que eu sou? Diga! Ficou mudo por quê? Vai fugir mais uma 
vez? Mais uma vez vai se comportar como um covarde? 
 
BRUNO 
(Explode.) Covardia foi o que você fez comigo. Quando eu olho pra sua 
cara eu tenho vontade de vomitar. Eu devo ser muito burro mesmo. Como não 
fui perceber isso antes? Mas tem uma coisa que não nega: a tua cara. É só 
olhar com mais atenção pra você que logo a gente percebe o que tá por trás 
desta sua máscara. 
 
(Bruno coloca uma bermuda e uma camiseta e faz menção de sair.) 
 
CRISTIANO 
Onde você vai? 
 
BRUNO 
Não é da sua conta. 
 
CRISTIANO 
Vai fugir mais uma vez? 
 
BRUNO 
Entenda como quiser. 
 
(Bruno sai. Cristiano corre até a porta e grita para fora.) 
 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 34343434 
 
CRISTIANO 
Vai... foge... vai pro inferno! 
 
BRUNO 
(Off.) Vai se foder. 
 
(Cristiano bate a porta. Ao voltar para dentro, chuta o puff com muita raiva. Em 
seguida começa a colocar suas roupas numa mala com muita rapidez. Depois de um 
tempo, Bruno volta.) 
 
BRUNO 
Por que você tá arrumando a mala? 
 
CRISTIANO 
Não era isso que você queria? Que eu sumisse daqui? Muito bem. Seja 
feita a sua vontade. 
 
BRUNO 
Peraí, cara. Não é assim. Vamos conversar. 
 
CRISTIANO 
Não temos mais nada pra conversar. Você já disse tudo o que tinha pra 
me dizer. 
 
BRUNO 
Pra onde você vai? 
 
CRISTIANO 
Que importância tem isso agora? 
 
BRUNO 
Mas e a facul? 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 35353535 
 
CRISTIANO 
Antes de cair na estrada eu passo lá pra trancar a matrícula. 
 
BRUNO 
Não faz isso, cara. 
 
CRISTIANO 
Não tava curtindo o curso. E também porque não vou conseguir ficar 
perto de você depois de tudo o que aconteceu entre a gente. Tô tirando meu 
time de campo. (Vai saindo.) 
 
(Bruno segura Cristiano pelo braço e num impulso, beija-o. Quando percebe o que fez, 
empurra Cristiano.) 
 
BRUNO 
Vá embora, cara. Vai embora. 
 
(Bruno não consegue encarar Cristiano.) 
 
CRISTIANO 
(Ao chegar à porta, para e vira-se para Bruno.) Até quando vai continuar 
mentindo pra si mesmo, Bruno? Até quando vai fingir ser uma pessoa que não 
é? Até quando vai conviver com esse medo? Eu não queria estar no seu lugar, 
porque viver com medo, Bruno, é viver pela metade. 
 
(Cristiano sai. Bruno mantém-se indiferente. Cristiano bate a porta. Nesse momento, 
Bruno deixa aflorar todos os seus sentimentos e fica olhando para o vazio enquanto 
uma lágrima escorre pelo seu rosto. Em seguida caminha lentamente até a sacada. Luz 
cai em resistência até o black-out final.) 
 
FIM 
 
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 36363636 
 
(...) “Sejamos mais precisos: melhor que de homossexualidade, deveríamos falar de 
relações entre pessoas do mesmo sexo. Deveríamos, então, empregar o termo 
homofilia”. 
Jean-Philippe Catonné 
 
 
 
Novembro/2005

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