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O CONCEITO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS Prof. Leonardo Ramos Departamento de Relações Internacionais – PUC Minas Grupo de Pesquisa dos Países Emergentes Relações Internacionais e as ciências sociais � Relações Internacionais enquanto ciência social: � “As relações internacionais têm ocupado um lugar desconfortável, frequentemente marginal, no estudo e no ensino das ciências sociais” (Halliday, 2007, p. 15) � As questões recorrentes desde a “origem” das RI: � O que tal disciplina deve estudar? Relações entre Estados, relações econômicas transnacionais, processos de interdependência, de dominação, de dependência, globalização, ou questões de caráter ético-normativo? 2 � O estudo das RI e a questão conceitual: Do que se trata afinal? � A importância da relação entre teoria e objeto neste processo � As duas dimensões das relações internacionais neste contexto Relações Internacionais e as ciências sociais 3 A primeira dimensão das RI � As RI enquanto objeto material de uma disciplina científica � Setor da realidade social caracterizado exatamente por sua qualidade de “internacional” � Objeto material diz respeito ao domínio material de uma ciência, ou seja, o conjunto de objetos acerca dos quais tal ciência busca se debruçar em seu esforço analítico. Ou seja, se trata daquele setor ou parcela da realidade que uma ciência busca conhecer através da formulação de conceitos, teorias e da aplicação de um método científico � Ciências distintas se diferenciam exatamente por tomarem como objeto de estudo parcelas distintas da realidade 4 O objeto das ciências sociais � O objeto das ciências sociais é construído de uma maneira contínua: � “É o produto de um pensamento que examina a atividade humana sob todas as suas formas” (Deshaies, 1992, p. 169). � Tal objeto é, ao mesmo tempo, exterior ao sujeito cognoscente, se encontra em tal sujeito e interage com este em complexos processos � As RI neste contexto: pluralidade de definições, implícitas ou explícitas, intimamente relacionadas às distintas abordagens teóricas existentes no campo. � A possibilidade de se pensar “uma definição” neste contexto 5 O conceito de RI: A primeira dimensão � A tendência tradicional: dois critérios básicos: � Natureza específica de tais relações – a ideia do estado de natureza e, consequentemente, da anarquia, como forma de justificar tal definição � “(...) em Paz e Guerra entre as Nações, (...) procurei o que constituía a especificidade das relações internacionais ou das relações entre os Estados – e penso tê-la encontrado na legitimidade e na legalidade do recurso à força armada pelos atores internacionais” (Aron, 2010, p. 19) � “Relações Internacionais foca a natureza e as consequências dessas interações” (a saber, as interações entre os Estados). Ou seja, “Relações Internacionais é o estudo do sistema global de Estados a partir de várias perspectivas acadêmicas (...)” (Jackson & Sorensen, 2007, p. 20 e 21). � Qualidades específicas dos atores envolvidos em tais “relações” – o destaque convencional era dado aos Estados – ou seja, relações internacionais seriam as relações entre Estados � Problema: Relações internacionais vs. relações interestatais 6 � Outras definições: � “aquelas relações ente indivíduos e coletividades humanas que em sua gênese e eficácia não se esgotam no seio de uma comunidade diferenciada e considerada como um todo, quem fundamentalmente (mas não exclusivamente) é a comunidade política ou o Estado, mas que transcendem seus limites” (Serra, 1973, p. 24). � “o conjunto dos fenômenos sociais que expressam relações imediatas dos Estados entre si ou influenciam direta ou indiretamente nestas relações ou estão por elas influenciados (...) é internacional uma relação quando se refere a relações entre grupos sociais que estão determinados por poderes estatais distintos, e são internacionais no sentido mais estrito, jurídico, as relações entre os próprios Estados” (Huber apud Cervera, 2001, p. 10). 7 O conceito de RI: A primeira dimensão � Critérios relevantes para uma definição mais ampla do objeto material das RI: 1. Atores: tais definições são pertinentes na medida em que rompem com definições clássicas que entendem o internacional como interestatal 2. Localização: tais definições são pertinentes na medida em que incorporam tanto a noção clássica de internacional quanto a noção de transnacionalidade � "processos transnacionais (...) são constituídos em um espaço social que transcende as fronteiras nacionais (...) e ocorrem simultaneamente nas arenas subnacional, nacional e internacional" (Overbeek, 2004, p. 3) � A fronteira neste contexto: de ponto de contato a lugar de passagem � Problema de incorporar apenas estes critérios (como fazem as definições convencionais, como as citadas anteriormente): imprecisão � Na prática, poucos fenômenos sociais podem ser considerados como independentes das relações – diretas ou indiretas – entre os Estados. 8 O conceito de RI: A primeira dimensão � Marcel Merle e o critério da localização como o traço distintivo das relações internacionais: “o conjunto de transações ou fluxos que atravessam as fronteiras ou apenas tendem a atravessar as fronteiras” (Merle, 1981, p. 111). � Problema: equiparação entre internacional e transfronteiriço. Neste sentido, fenômenos como a relação entre metrópole e colônia, ou a expansão do secularismo e seu impacto na política mundial deveriam necessariamente ser excluídos enquanto objeto de análise � O problema do critério da localização: Estado enquanto o ponto de referência para diferenciar as relações consideradas internacionais das demais 9 O conceito de RI: A primeira dimensão 3. Interações � RI como “um conceito genérico para uma ampla gama de atividades, ideias e bens que cruzam as fronteiras nacionais; quer dizer, as relações internacionais compreendem intercâmbios sociais, culturais, econômicos e políticos que se dão tanto em situações ad hoc quanto em contextos institucionalizados” (apud Barbé, p. 21). � RI como “todas aquelas relações sociais, e os atores que as geram, que gozam da qualidade da internacionalidade por contribuir de modo eficaz e relevante para a formação, dinâmica e desaparecimento de uma sociedade internacional considerada como uma sociedade diferenciada” (Cervera, 2011, p. 12). Ainda, “ aquelas relações entre indivíduos e coletividades humanas que configuram e afetam a sociedade internacional enquanto tal” (Arenal, 1994, p. 424). � “Seu objeto de estudo é, nos termos mais simples, claro suficiente e abrange três formas de interação: as relações entre os Estados, as relações não-estatais ou relações transnacionais (através das fronteiras) e as operações do sistema como um todo, dentro do qual os Estados e as sociedade são os principais componentes” (Halliday, 2007, p. 15). � no que diz respeito aos processos e interações politicamente relevantes (Hocking & Smith, 1990), são dois os elementos fundamentais para seu entendimento: (i) o tipo de interação – que opera em um espectro contínuo de cooperação e conflito; (ii) a intensidade da interação, ou seja, os volume de tais interações em um determinado período de tempo 10 O conceito de RI: A primeira dimensão 4. Globalidade � Tal conceito está intimamente relacionado à noção de espacialidade, identificando o planeta – ou o mundo como um todo – como um âmbito próprio onde ocorrem relações sociais. Ou seja, diz respeito à existência de redes de conexões através do globo, fazendo deste um todo em vários aspectos econômicos, sociais, culturais e informacionais 11 O conceito de RI: A primeira dimensão 5. Estrangeiro � “As relações internacionais são o conjuntodos acontecimentos no qual um dos partidos – individual ou coletivo – é ‘estrangeiro’ ao outro partido” (Durosele, 2000, p. 56) � O estrangeiro não é, necessariamente o inimigo, como atesta, por exemplo, as articulações transnacionais entre movimentos sociais e grupos religiosos, por exemplo. Não obstante, ele é diferente e desconhecido, o que o torna imprevisível e “introduz o aleatório” (Duroselle, 2000, p. 50) � Desconhecimento e a possibilidade da barbárie � Diferença: não é algo essencial, imutável, mas contingente, com origens das mais distintas – religiosas, raciais, linguísticas e oriundas de reconfigurações de fronteiras, p.e. 12 O conceito de RI: A primeira dimensão Relações Internacionais: Temas, atores e relações Atores Estatais Estados soberanos Não-estatais Indivíduos (Nelson Mandela) Classes sociais transnacionais Organizações Não-Governamentais – ONGs (Greenpeace, Anistia Internacional) Movimentos Sociais (Movimento Sem Terra) Redes de Ação Cívica (Via Campesina) Grupos e Organizações Terroristas (Al-Qaeda) Subestatais Cidades Estados, Províncias e Departamentos Supraestatais Organizações Internacionais 13 Relações Internacionais: Temas, atores e relações (continuação) Relações e interações Relações estratégicas entre Estados (guerra e cooperação) Relações comerciais Relações entre democracias (“paz liberal”) Relações de interdependência Relações de liderança, dominação, hegemonia e dependência Cooperação técnica descentralizada Formas de solidariedade entre movimentos e grupos da “sociedade civil global” 14 Questões empíricas Distribuição das capacidades relativas de poder Controle de armamentos Globalização Desigualdade Questões identitárias Direitos humanos Refugiados Questões de gênero Meio ambiente Crime transnacional Tráfico de pessoas e drogas Internacionalização de empresas e corporações Internacionalização de cidades, estados, províncias e departamentos Integração regional Processos de descolonização Relações Internacionais: Temas, atores e relações (continuação) 15 Questões éticas Guerra justa Intervenção humanitária Redistribuição de poder e riqueza Limites de exploração da natureza Respeito às diferenças culturais, de gênero e raça Relações Internacionais: Temas, atores e relações (continuação) Fonte: Elaboração própria a partir de Burchill & Linklater, 2005, p. 12 e 13 16 Efeito Bumerangue 17 Globalização, transnacionalização, processos de interações Fonte: Buzan & Little, 2000 18 A segunda dimensão das RI � Relações Internacionais enquanto objeto formal ou disciplina científica � Uma vez definido o objeto a ser analisado, há, na ciência das Relações Internacionais, teorias e metodologias próprias ou se trata, em última instância, de buscar aparatos teórico-conceituais em outras ciências humanas para tal empreitada? � Ou seja, existe um objeto formal específico das Relações Internacionais enquanto ciência? 19 A segunda dimensão das RI � Passo fundamental: “definição” de ciência � Ponto central da ciência: “busca por ordem e estrutura” (Stafleu, 1980, p. 5). Ou seja, se trata de uma forma particular de produção de conhecimento que lida com questões do tipo: há uma ordem no mundo? Como as coisas veem à existência e como elas mudam? � “A ciência é um estilo de pensamento e de ação” (Bunge, 1972, p. 19). “A ciência é um conhecimento de natureza especial” (p. 20). A sistematização coerente de enunciados fundados e contratáveis, se consegue mediante teorias, e estas são o núcleo da ciência” (p. 20). � “Entendemos por ciência uma sistematização de conhecimentos, um conjunto de proposições logicamente correlacionadas sobre o comportamento e certos fenômenos que se deseja estudar: ‘a ciência é todo um conjunto de atitudes e atividades racionais, dirigidas ao sistemático conhecimento com objeto limitado, capaz de ser submetido à verificação’ (Ferrari apud Marconi & Lakatos, 2003, p. 80) 20 A segunda dimensão das RI � “o conhecimento da realidade histórica é um processo de apropriação teórica – isto é, de crítica, interpretação e avaliação de fatos – processo em que a atividade do homem, do cientista é condição necessária ao conhecimento objetivo dos fatos. Esta atividade que revela o conteúdo objetivo e o significado dos fatos é o método científico. O método científico é mais ou menos eficiente segundo a maior ou menor riqueza da realidade – contida objetivamente neste ou naquele fato – que ele é capaz de descobrir, explicar e motivar. (...) O método científico é o meio graças ao qual se pode decifrar os fatos” (Kosik, 1995, p. 54). 21 A segunda dimensão das RI � “O objetivo comum às ciências sociais começaria por dizer que todas procuram conhecer a realidade” (Silva & Pinto, 1986, p. 9). Neste sentido, o principal objetivo da ciência é tornar a realidade – ou, de maneira específica, os fenômenos privilegiados por determinada ciência – inteligíveis. Na busca pelo entendimento do real, a ciência se inicia a partir da definição de problemas passíveis de serem resolvidos mediante a pesquisa científica � Assim, voltando à questão da constituição de uma disciplina científica, nota-se que esta só atinge o status de ciência na medida em que é capaz de construir seu objeto próprio, elaborando problemas solucionáveis e identificando determinadas regularidades 22 A segunda dimensão das RI � Cada ciência aborda a realidade de uma forma específica � Elaborando sua problemática teórica específica, ou seja, suas próprias perguntas, o que definirá em última instância seu próprio objeto de análise; � Determinando aqueles problemas de pesquisa fundamentais dentro desta problemática; � Construindo teorias, modelos analíticos, hipóteses, quadros de referência e métodos de procedimento que servirão, em última instância, de guia para as pesquisas em tal disciplina � Em termos de nível de abstração, tais questões se colocam da seguinte forma: 23 Ciência e teorias: níveis de abstração Pressupostos paradigmáticos Teorias gerais Teorias substantivas Proposições teóricas Regularidades empíricas Conceitos observáveis Amplitude de fenômenos ou processos MaiorMenor Nível de abstração Maior Menor Espaço de medição e observação Espaço da teoria Níveis de Abstração em um marco teórico 24 � As críticas à singularidade das RI: � Fenômenos internacionais são objeto da atenção de outras ciências humanas já consagradas e uma adaptação cuidadosa dos conceitos oriundos destas ciências seria suficiente para lidar com a realidade internacional � Não obstante, � “A ambição das relações internacionais é superar os aspectos particulares para operar uma visão global do conjunto dos problemas internacionais, reunir o que atualmente está disperso, recompor o todo, tornar inteligível o que poderia denominar-se o ‘complexo relacional internacional’ (...)” (Gonidec apud Arenal, 1994, p. 426) 25 A segunda dimensão das RI � Consequência: se trata, na verdade, de um processo constante de síntese; em suma, o ponto central é perceber o caráter multi ou transdisciplinar das Relações Internacionais, “(...) uma disciplina de integração e síntese dos dados aportados por outras disciplinas, se bem que o objetivo de sua investigação aporta um conteúdo superior que lhe confere eu caráter especial no seio das ciências sociais” (Arenal, 1994, p. 464) � a diversidade teórica não é uma fraqueza, e sim uma virtude (Halliday, 2007) 26 A segunda dimensão das RI � A transdisciplinaridade das Relações Internacionais como um elemento constitutivo do campo ou, em outras palavras, como um elemento central em sua definição enquanto objeto formal � demais disciplinascomo ciências auxiliares, com nível de relevância diferenciado para a constituição do campo. Assim, seria possível classifica-las como � (i) ciências auxiliares gerais – fornecem elementos ontológicos, epistemológicos e metodológicos, bem como conceitos, métodos de procedimento e arcabouços analíticos que impactam diretamente os conhecimentos produzidos nas Relações Internacionais � (ii) ciências auxiliares parciais – fornecem elementos analíticos voltados para áreas concretas das Relações Internacionais 27 A segunda dimensão das RI Transdisciplinaridade das RI: Exemplos de Ciências Auxiliares Gerais e Ciências Auxiliares Parciais Ciências Auxiliares Gerais História Economia Ciência Política Sociologia Direito Filosofia Ciências Auxiliares Parciais Geografia Estudos Estratégicos Estatística Psicologia Análise de Sistemas Fonte: Cervera, 2001 28 Economia Estratégia História Filosofia Direito Internacional Thucídides Aquino Sec16 Sec17 Machiavelli Grotius Sec18 Smith Sec19 Marx Clausewitz Rousseau Kant Sec20 Teorias Imperialistas Historia da Diplomacia Geografia Geopolítica I GM Nascimento da disciplina 1920-30 IDEALISMO II GM REALISMO Traditionalismo Primeiro Debate 1950 Functionalismo Ciências naturais CIENTIFICISMO (Behaviorismo, APE) Segundo Debate 1960 Estudos da paz Revisão do realismo Terceiro Debate 1970 Dependência (Marxismo) NEOREALISMO LIBERALISMO 1980 Teoria Crítica Racionalismo INSTITUTIONALISMO Humanidades Feminismo Quarto debate 1990s Pós-modernismo CONSTRUTIVISMO 2000s Pós-estruturalismo Desenv. teoria dos jogos Quinto Debate (?) Ciências auxiliares e o desenvolvimento das RI: Uma primeira aproximação � A necessidade de se ver a “realidade como um todo estruturado, dialético, no qual ou do qual um fato qualquer (grifo no original) (classes de fatos, conjuntos de fatos) pode vir a ser racionalmente compreendido” (Kosik, 1995, p. 44). � Totalidade concreta não significa assim conhecer todos os aspectos da realidade e “oferecer um quadro ‘total’ da realidade, na infinidade dos seus aspectos e propriedades”, é entender a realidade como concreticidade, ou seja, “(...) como um todo que possui sua própria estrutura (e que, portanto, não é caótico), que se desenvolve (e, portanto, não é imutável nem dado de uma vez por todas), que vai se criando (e que, portanto, não é um todo perfeito e acabado o seu conjunto e não é mutável apenas em suas partes isoladas, na maneira de ordena-las)” (ibidem). 30 A segunda dimensão das RI: A ideia de totalidade concreta e transdisciplinaridade � O caráter transdisciplinar das RI: realidade internacional como uma totalidade concreta, que neste sentido, se apresenta como um objeto de estudo específico com uma identidade disciplinar própria. � É nestes termos que a transdisciplinariedade tem sido uma característica central do desenvolvimento epistemológico do campo: tendo uma totalidade concreta como referência última, atores, fenômenos e abordagens múltiplas se relacionam em uma pluralidade de métodos e teorias do conhecimento no processo de desenvolvimento e constituição do campo 31 A segunda dimensão das RI: A ideia de totalidade concreta e transdisciplinaridade � Relação entre a definição da disciplina e comprometimentos ontológicos e epistemológicos prévios � Termos “política internacional” e “política mundial/global” neste contexto � “A ontologia se encontra o início de qualquer indagação. Não podemos definir um problema na política global sem pressupor uma certa estrutura básica baseada em tipos significativos de entidades envolvidas e a forma das relações significativas entre elas” (Cox, 1992, p. 132) � As relações de cooperação e conflito em fenômenos ditos internacionais: a importância das transformações do objeto material no tempo � O caráter multi-aspectual das RI � Transdisciplinaridade e princípio ôntico neste contexto 32 A segunda dimensão das RI: A ideia de totalidade concreta e transdisciplinaridade
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