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Caderno de Conservação e restauro de obras de Arte PoPulAr BrAsileirA � uNesCo representação da uNesCo no Brasil representante vincent defourny Coordenação para a área de Cultura Coordenadora Jurema Machado Museu Casa do Pontal Diretora-presidente angela Mascelani Vice-presidente Jacqueline van de beuque Patrocínio institucional Ministério da Cultura bndes Petrobras Light Parceria institucional IPHan / departamento de Museus e Centros Culturais Museu Casa do Pontal estrada do Pontal, nº 3295, recreio dos bandeirantes rio de Janeiro – rJ – brasil – CeP: 22785-580 tel/fax: (55) (21) 2490-3278 2490-4013 institucional@museucasadopontal.com.br www.museucasadopontal.com.br www.popular.art.br � Caderno de Conservação e restauro de obras de Arte PoPulAr BrAsileirA rIo de JaneIro | 2008 ______ 1a edição Coordenação Museu Casa do Pontal Pesquisa e textos ana Gabriela dickstein angela Mascelani Joana ortigão Corrêa Moana van de beuque sergio dos santos Produção editorial ana Gabriela dickstein Joana ortigão Corrêa Consultoria Ione H. Pereira Couto Procedimentos museológicos sergio dos santos Documentação fotográfica Lucas van de beuque revisão de conteúdos simone Mesquita revisão de textos sergio Lamarão elisa rosa Projeto gráfico Clarice soter eneida déchery Agradecimentos CoPPe/uFrJ, CeCor/uFMG, Museu nacional/uFrJ, Museu de Folclore edison Carneiro, Museu Histórico nacional, Museu do Índio e Museu da Chácara do Céu. Caderno de Conservação e restauro de obras de arte Popular brasileira © associação de amigos da arte Popular brasileira - Museu Casa do Pontal / unesco este caderno foi produzido no Contexto de Cooperação unesCo / associação dos amigos da arte Popular brasileira – Museu Casa do Pontal, Projeto “Caderno de Conservação e restauro de obras de arte Popular brasileira”, contrato nº CLt05999/2006. as opi- niões aqui expressas são de responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a visão da unesCo sobre o assunto. Caderno de Conservação e restauro de obras de arte Popular brasileira / Museu Casa do Pontal. rio de Janeiro: associação dos amigos da arte Popular brasileira; brasília: unesCo, 2008 60 pp. ; 19,5 x 26,8 cm Isbn 978-85-60346-01-1 1. Museologia. 2. Conservação e restauro. 3. arte Popular brasileira. I. Museu Casa do Pontal. II. unesCo Abertura | unesCo - vincent defourny Abertura | Museu Casa do Pontal - angela Mascelani o diálogo com os parceiros: implantação de uma política de conservação participativa - Ione H. Pereira Couto i. Considerações sobre conservação e restauro na arte popular brasileira 1. as múltiplas interfaces dos processos de conservação e restauro �. documentação de acervos �. Conservação preventiva 4. Conservação e restauro ii. Procedimentos básicos de conservação e restauro 1. Procedimentos iniciais �. Limpeza �.1. a seco �.�. em meio aquoso �.�. Com solvente �.4. Com tolueno �. Imunização 4. restauração de partes danificadas 4.1. Colagem de partes que se quebram ou se descolam sem comprometer a sustentação 4.�. Colagem de partes em que houve fragmentação 4.�. recuperação da sustentação 4.4. recomposição estética 4.5. recuperação da estrutura 4.6. Faceamento iii. Conservação e restauro em obras do acervo do Museu Casa do Pontal 1. Lavadeira, de Zé Caboclo �. Casal com bebê, de noemisa �. eletricista trabalhando, de Luiz antonio 4. aguadeiro, de domingos 5. Cidade baixa com dois grandes prédios, de dadinho 6. Lampião e Maria bonita, de Manuel Graciano 7. escravidão, de saúba 8. serra Pelada, de adalton Bibliografia consultada 07 09 1� 19 19 �� �4 �7 �1 �1 �� �� �� �� �� �4 �4 �5 �5 �5 �6 �7 �8 �9 40 4� 44 46 48 50 5� 54 56 6 Obra de Mestre Vitalino, Alto do Moura, PE – acervo Museu Casa do Pontal / Fotógrafo: Rômulo Fialdini 7 assim como o conhecimento transcende, cada vez mais, as fronteiras das especialidades, o desafio atual da unesCo tem sido tratar de maneira articulada e complementar seus programas e instrumentos normativos na área da Cultura. e nesse ambiente de interdisciplinaridade, os Museus são vistos como um espaço-síntese para um enfoque integrado do patrimônio e da diversidade cultural, uma vez que re- presentam, por excelência, espaços educadores para a compreensão mútua e a coesão social. Com base nesses pressupostos, a unesCo tem optado por focalizar sua ação na área de Museus nos países menos desenvolvidos, nas regiões de conflito e nas coleções mais significativas para a compreensão integrada do patrimônio e sua potencial contribuição para o desenvolvimento econômico, social e humano. elemento central dessa estratégia é a construção de programas de formação para profissionais que atuam nos mais diversos contextos, muitos deles demandados a gerir ou a agir diretamente sobre temas que requerem uma vasta gama de áreas de conhecimento e de habilidades, desde a promoção de programas educativos, até a conservação preventiva e a segurança das coleções. Por essa razão, os programas de formação promovidos ou apoiados pela unesCo têm privilegiado as técnicas simples e eficazes para a sal- vaguarda das obras, produzido material pedagógico e reforçado as redes de profissionais e de associações. a contribuição da unesCo ao Museu Casa do Pontal para a sistematização e difusão do seu conhecimento sobre conservação de sua coleção de arte popular alinha-se perfeitamente com as preocupações e prioridades que descrevemos. o Museu reúne um conjunto de práticas exemplares, a começar pela origem da coleção, resultado do rigor e da persistência de anos de um particular, situação ainda tão rara no brasil. Jacques van de beuque reuniu, e hoje estão disponíveis ao público, peças de arte popular de todo o país, objetos até então condena- dos à efemeridade, não apenas pelo seu suporte físico, mas por não serem considerados arte, menos ainda merecedores de tratamento museológico. essa origem se relaciona diretamente com a vocação do Museu do Pontal para as parcerias, para o trabalho integrado com a comunidade e para a educação. Por utilizarem os materiais que se tem à mão, sobretudo o barro e a madeira, ou outros ainda mais frágeis e diversos, como a areia, palha, contas, tecidos, latões, penas de aves, e, ainda, por não terem sido produzidos com a intenção consciente de perenidade, os objetos de arte popular desafiam as técnicas de conservação. somente o enfrentamento cotidiano de uma variedade de situações concretas poderia dar sub- sídio a um mínimo de generalização, se não de técnicas, pelo menos de critérios que possam ser transporta- dos para outras situações. esse é o resultado imediato que almejamos ter alcançado com esse caderno. Mas, além de um manual que possa ser disseminado entre os museus com vistas à conservação de coleções análogas, pretende-se um pouco mais. É importante estimular a conservação de acervos existentes, não disponibilizados ou precariamente disponibilizados ao público, valorizando e ampliando o acesso à produção de arte popular em um país tão vasto e diverso como o brasil. segundo angela Mascelani, diretora do Museu Casa do Pontal, essa produção que “apresenta os principais temas da vida social e do imaginário - seja por meio da criação de seres fantásticos ou de simples cenas do cotidiano - numa linguagem em que o bom humor, a perspicácia e a determinação têm lugar de destaque. (...) tem um “forte poder de comunicação, que ultrapassa as fronteiras de estilos de vida, situação socioeconômica e visão de mundo, interessando a todos de maneira indistinta.” além do seu valor em si, pode desempenhar um papel importante na valorização das práticas, dos conhecimentos e das visões de mundo de parcela da população cujas expressões são pouco ou nada visíveis, apartada dos museus edas oportunidades de trocas culturais mais justas e equilibradas. Vincent Defourny Representante da UNESCO no Brasil Abertura | unesCo 8 Obra de de Manuel Galdino, Alto do Moura, PE – acervo Museu Casa do Pontal / Fotógrafo: Aníbal Sciarretta 9 o Museu Casa do Pontal é considerado atualmente o maior e mais significativo mu- seu de arte popular do país. está instalado em um sítio de 12.000 m² localizado no bairro do recreio dos bandeirantes, na Zona oeste da cidade do rio de Janeiro, a poucos metros do mar. seus amplos jardins foram especialmente desenhados para promover a integração entre a vegetação, as galerias do museu e a reserva ecológica que se estende em torno. seu acervo, resultado de 40 anos de pes- quisas e viagens por todo país do designer francês Jacques van de beuque, é composto por oito mil obras, feitas por mais de duzen- tos artistas brasileiros e produzidas a partir de meados do século XX. a exposição permanen- te exibe, em seus 1.500 m² de galerias, cerca de 4.500 obras organizadas tematicamente. a mostra abrange conteúdos relativos às ativi- dades cotidianas, festivas, imaginárias e reli- giosas, com obras representativas de variadas culturas rurais e urbanas do brasil. a missão do Museu é trabalhar pela me- mória, pelo reconhecimento e pela valorização da arte popular do país, promovendo ativida- des de pesquisa, educação, preservação e di- vulgação. dessa forma, a instituição construiu alicerces que permitem que o acervo seja so- cialmente protegido e amplamente usufruído. em 1991, parte significativa da coleção e da edificação foram tombadas pelo Conselho de defesa do Patrimônio artístico e Cultural do rio de Janeiro. o Museu já promoveu mais de quarenta exposições no brasil e em 13 diferen- tes países. desde 1996, desenvolve um Pro- grama educacional e social que, em 12 anos de atuação, já atendeu a mais de cento e cin- qüenta mil participantes por meio de visitas teatralizadas, exposições itinerantes e capa- citação de educadores e gestores de projetos sócio-culturais. a partir de 2006, a instituição ampliou o leque de atividades culturais, ofe- recendo, com maior regularidade, seminários, oficinas e espetáculos. a atuação do Museu Casa do Pontal em prol da divulgação e da democratização do acesso à arte popular brasileira rendeu-lhe diversas premiações. em 1996, recebeu o Prêmio rodrigo Melo Franco de andrade, con- cedido pelo Instituto do Patrimônio Histórico Abertura | Museu Casa do Pontal 10 e artístico nacional, por sua ação a favor da preservação histórica e artística do acervo. em 2000, foi agraciado com o Prêmio d. sebastião de Cultura outorgado pela arquidiocese do rio de Janeiro. em 2005, o Museu foi condecora- do com a ordem do Mérito Cultural, principal comenda de caráter nacional que é oferecida pelo governo federal e o Ministério da Cultura a pessoas e instituições com relevantes serviços prestados à cultura. em 2006, a assembléia Legislativa do estado do rio de Janeiro ofertou à instituição a Medalha tiradentes. É importante não perder de vista que essa atuação é o resultado de um processo no qual está implícita a disposição permanente para a aprendizagem. este caderno é fruto, exata- mente, da longa trajetória do museu em prol da conservação e preservação de seu acervo. um dia, essa coleção foi pequena. Cabia no espaço de uma pequena sala, mas, mesmo assim, teve que receber cuidados especiais para chegar até nós hoje. recuperar alguns dados acerca da história da formação dessa coleção pode ter uma dimensão didática im- portante. Iniciada como uma coleção privada em 1952, as obras começaram a ser acumu- ladas, sem muita reflexão, como parte de um projeto de ordem íntima. Integrante do universo essencialmente doméstico, os objetos ainda transitavam um pouco ingenuamente pelos cômodos da casa, sem um lugar determinado. os cuidados que eles recebiam também eram muito simples e visavam, sobretudo, evitar o acúmulo de poeira. Qualquer pessoa que tenha tido objetos desse gênero em casa, especialmente as ce- râmicas, pode testemunhar o quanto é difícil mantê-las “inteiras” por longo tempo. no caso em questão, as regras sobre a conservação das esculturas e modelagens foram sendo “desco- bertas” através da prática. ou seja, é provável que os objetos tenham passado por uma limpe- za geral em algum momento, assim como é pos- sível que muitas peças tenham se quebrado por conta desses ou de outros métodos de limpeza. o que importa ressaltar é que houve um “processo”, tumultuado e negociado, através do qual as próprias pessoas da família – além dos empregados, e seguramente, o coleciona- dor – aprenderam a lidar com os objetos. Por se tratar de um gênero novo, suas regras de conservação foram aparecendo à medida que a própria coleção avançava e se instituía en- quanto tal. Isso também mostra que havia uma técnica a ser aprendida. o período de profissionalização da coleção – quando ela muda de grandeza e estatuto, passando de uma ordem simbólica à outra – inaugura um outro momento, no qual o acervo torna-se público e novas formas de tratamento se impõem. a especificidade e a variedade das maté- rias-primas, presentes no conjunto total das obras, fizeram com que o Museu aprimorasse técnicas e sistematizasse suas práticas. Contudo, nem sempre é fácil falar sobre a construção de certos conhecimentos que passam ao largo da escolaridade formal e da vida acadêmica. Quando Jacques van de beuque criou este acervo, ele o fez, em parte, maravilhado com a destreza, a capacidade e a fluidez dos artesãos e artistas na feitura de obras sobre os mais variados temas e formas. ele estabeleceu uma relação de identidade com os artistas populares e também assumiu, sem nenhum constrangimento, que não dese- java teorizar sobre o assunto: apenas compra- va as obras que o instigavam, deixando sua imaginação fluir em consonância com o que concebia como sendo a própria essência desse fazer. a construção do acervo uniu-se à cons- trução de sua própria vida. assim, Jacques olhou para si e para os artistas e, desse modo, cuidou para que esse acervo chegasse íntegro aos dias atuais. Pode parecer paradoxal que Jacques van de beuque não fosse um homem de museus. não havia trabalhado em um, nem havia es- 11 tudado na universidade para isso. a coleção se deu a partir de seu investimento afetivo, de seu “apaixonamento” pela arte popular, de seu interesse em produzir algo que viesse a suprir uma lacuna na sociedade, de sua obstinação em aprender de maneira autodidata. Contudo, embora não tenha estudado museologia, fre- qüentava museus e especializou-se nesse mé- tier durante a vida por meio de sua profissão de designer de exposições. reunindo sua curiosidade intelectual, sua capacidade analítica, seu interesse pela siste- matização, colocou-os, todos, a trabalhar para a consecução de seu objetivo: criar um acervo e um espaço no qual as pessoas pudessem co- nhecer a arte feita pelo povo brasileiro em toda sua grandeza. essa mesma inspiração esteve radical- mente presente no projeto deste museu. em- bora, inicialmente, não houvesse nem restau- radores nem museólogos, isso não quer dizer que Jacques van de beuque tenha se colocado à parte das discussões que se travavam nes- ses ambientes. além de assinante de revistas e publicações especializadas em museus e ex- posições, sempre que possível ele consultava e contratava profissionais brasileiros, quando a necessidade e o dinheiro apresentavam-se juntos, coincidiam. Mas essas ocasiões eram raras. na maior parte das vezes, cercou-se de pessoas não formalmente especializadas, de marceneiros, pintores, mestres de obras, estu- dantes de arte e arquitetura, desenhistas, de- signers – autodidatasna arte da restauração. a lição que esse caderno traz é justamente que se podem unir saberes de origens muito diversas e obter bons resultados. É evidente que não defendemos a precarização do tra- balho de conservação e restauro, entre outros motivos porque as múltiplas funções desem- penhadas na atualidade pelos museus trazem maiores desgastes para as obras. Hoje, os acervos estão mais dinamizados: em viagens, emprestados para instituições locais, inte- grando exposições itinerantes e na exposição permanente. além disso, com o passar do tempo, aparecem os desgastes maiores, tanto para o próprio acervo como para a edificação que o abriga, para os jardins e para as áreas sombreadas. até o aumento de público impli- ca em tempo maior de luzes acesas sobre as obras e em providências a serem tomadas no sentido de minimizar sua deterioração. as técnicas de vanguarda existem, mas também é sabido que os recursos para ma- nutenção de acervos não são abundantes. Portanto, é necessário contar com o trabalho de pessoas habilidosas, que colaborem com a preservação dos objetos ao longo dos tempos. Isso não implica em descartar a importância dos especialistas, dos estudantes que fizeram a universidade e foram se aperfeiçoando pouco a pouco porque esse tipo de conhecimento é cumulativo e os problemas que ocorrem podem sempre se apresentar de novas maneiras. uma quebra nunca é exatamente igual à outra. Como na vida dos homens, a diversidade também prepondera na vida dos objetos. aliar os saberes é a maior virtude que conservadores de uma instituição ou colecionadores podem ter. o que se deseja é que todos os trabalha- dores do museu possam colaborar na manu- tenção preventiva de seu acervo. o objetivo do Caderno de Conservação e Restauro de Obras de Arte Popular Brasileira é transmitir a expe- riência adquirida pelo Museu Casa do Pontal ao longo de trinta anos. temos sempre o que aprender e trocar. aqui, compartilhamos o co- nhecimento que adquirimos, e que tem sido aplicado em favor da proteção do patrimônio cultural brasileiro que nasce das camadas populares e representa parte fundamental da memória, do imaginário e do potencial criativo de nosso país. Angela Mascelani Diretora do Museu Casa do Pontal 1� Obra de Nhozim, São Luís, MA - acervo Museu Casa do Pontal / Fotógrafo: Lucas Van de Beque 1� os museus não são lugares naturais. Foram – e são – construídos com vários objetivos, sendo uma de suas premissas básicas preservar os objetos para perpetuar sua existência. o ato de preservar inclui coleta, aquisição, acondicionamento e conservação dos bens materiais. Porém, o simples fato de serem objetos de museus não garante, a princípio, sua sobrevivência, visto que vários deles foram e são elaborados com materiais cuja permanência só é alcançada devido ao trabalho constante de conservação. devido a esta característica, quando o processo de deteriora- ção se instaura por fatores endógenos ou exógenos é necessário intervir, sendo a restauração um dos caminhos mais comuns. a variada tipologia de objetos existentes em acervos museológicos é um dos grandes proble- mas enfrentados pelos profissionais dos museus quanto à adoção de política de preservação de seus bens materiais. assim sendo, as informações levantadas a partir de cada objeto da coleção tornam-se reducionistas, pois não basta registrar a autoria do objeto, a matéria-prima emprega- da, fazer um estudo sobre o produtor (indivíduo ou grupo), conhecer o contexto de produção ou levantar os significados práticos e metafísicos que acompanham os objetos. Inserido em coleções, sua existência e permanência vão demandar outros níveis informacionais, associados a uma sis- temática de procedimentos concretos por parte daqueles que os conservam. Mas por que é necessário preservar os objetos de coleção? Muito se vem falando sobre “coleções”. Para o historiador alemão Philipp blom, as coleções ajudam a livrar os indivíduos da impotência de não poder coordenar tudo, inclusive suas próprias vidas. tal afirmação remete a uma observação feita por auguste Comte1 sobre o equilíbrio mental promovido pelos objetos. Para ele, os objetos com os quais estamos em contato diário ajudam-nos a manter o equilíbrio mental, visto que mudam pouco e oferecem-nos uma sensação de permanência e estabilidade. assemelham-se a uma sociedade silenciosa e imóvel, indiferente à nossa agitação e às nossas mudanças, dando-nos a impressão de ordem e quietude. Mesmo estando alheios ao entorno, os objetos levam, ao mesmo tempo, a nossa marca e a dos outros; eles nos prendem a uma determinada sociedade, sensível e invisível, pois servem como elementos de distinção social, o diálogo com os parceiros: implantação de uma política de conservação participativa 1. In: HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Vértice, Editora Revista dos Tribunais, 1990. p.131. 14 revelam os nossos gostos, reportam-nos a costumes e tradições, evocam-nos o passado, tanto pessoal como coletivo. as coleções também são comparadas a “retratos instantâneos”, visto que congelam momen- tos que a investigação histórica é capaz de revelar, apontando as situações nas quais os objetos se encontravam envolvidos quando da sua confecção. vista dessa perspectiva, principalmente pelo olhar daquele que contempla e que busca conhecer sua estrutura mais profunda, a coleção revela que os objetos se encontram conectados a vários domínios, tanto aqueles relacionados ao produtor do objeto, indivíduos ou grupos, como aqueles relacionados a quem os coleciona e os conserva. Quanto ao produtor, podemos levantar informação sobre o meio social, econômico, seus valo- res morais e religiosos. Podemos estudar questões referentes ao gosto, à estética e às preferências no uso de determinadas matérias-primas. Podemos ainda, a partir de cada objeto, falar sobre os significados práticos e simbólicos que ele carrega. sondar estas produções significa olhá-las de modo diverso, buscando esgotar a pluralidade de informações que acompanham cada objeto de coleção, visto que estes se encontram relacionados a outros tantos que foram elaborados isolada- mente e em momentos diferentes. assim sendo, as informações obtidas a partir de cada item da coleção ampliam sua comuni- cação, revelando o quanto cada objeto suporta de informação, uma vez que eles possuem marcas específicas de memória, reveladoras da vida de seus produtores e usuários originais. Como es- tas marcas não são imanentes, cabe à instituição que o abriga tanto preservar o objeto quanto recuperar a informação que cada um carrega, qualificando-o como documento. dessa forma, é papel das instituições que abrigam acervos criarem métodos, mecanismos e práticas capazes de garantir a conservação dos seus bens culturais. daí a importância de preservar. a tarefa de preservar é central na gestão das instituições detentoras de acervos. a fim de ga- rantir a existência e a permanência dos objetos colecionados, sobretudo em instituições pequenas, é preciso conseguir a adesão de todos os profissionais que nela atuam. a adoção de medidas pre- ventivas simples auxilia, de maneira fundamental, o trabalho especializado exercido pelos conser- vadores, restauradores e museólogos. este ponto é nevrálgico, pois envolve uma série de medidas que requerem, por parte da instituição, a adoção de políticas de conservação que abarquem as seguintes iniciativas: o treinamento do conjunto de trabalhadores, visando conscientizá-los do “valor” dos bens culturais que ali se encontram depositados; a qualificação dos profissionais di- retamente envolvidos com a preservação do acervo; a adoção de medidas de segurança mediante a instalação de equipamentos contra furtos e sinistros; e por último, mas não menos importante, a execução de melhoria das condições físicas dos locais ondeos acervos se encontram. essas providências são fundamentais para assegurar a longevidade do acervo. Independente dos motivos que levam um determinado objeto ser selecionado em detrimento de outro, o fato é que ser coletado significa ser valorizado e lembrado institucionalmente e ser exposto significa ser incorporado à memória, extra-institucional, dos visitantes do museu. são mo- vimentos realizados sobre o objeto por agentes públicos ou privados, que, por meio de um capital simbólico ou político, viabilizaram a escolha. Quando nos detemos na análise das circunstâncias que motivaram a reunião de um grupo de objetos em coleção, vemos que, na maioria das vezes, as motivações foram orientadas pelo valor sentimental, pelo gosto, pelo valor científico ou ainda pelo valor financeiro que cada objeto pode alcançar. reunidos em coleções de museus, em centros de memória, em casas de cultura, em projetos científicos, os objetos têm seu público ampliado 15 e passam, então, pela primeira transformação, aquela que os organiza, tendendo a reuni-los de forma a apresentar conteúdos de identidade cultural ou de conhecimento científico. É o caso de muitos acervos particulares que se tornaram públicos ou passaram a constituir museus. no rio de Janeiro, temos como exemplos o Museu Casa do Pontal, o Museu Chácara do Céu e o sítio roberto burle Marx, entre outros. temos ainda coleções que, montadas inicialmente como parte de uma pesquisa, foram, mais tarde, integradas a instituições públicas, sendo os colecionadores orientados por variados obje- tivos. Como exemplo, temos as coleções do Museu do Índio, reunidas por diversos antropólogos, etnólogos e sertanistas que trabalharam, ou não, na instituição. temos ainda museus ligados à história dos países, como é o caso do Museu nacional, que nasceu da coleção particular de d. Pedro II e que hoje possui coleções de diversas origens e temas, ou do Museu Histórico nacional, que constituiu seu núcleo principal a partir de um projeto de construção de nação. atualmente, os museus comunitários inovam nas formas de constituição de acervos, reunindo objetos expressivos na história e memória de grupos socialmente marginalizados. os objetos inseridos em coleções acabam determinando investimentos de conservação, exi- gindo daqueles que os conservam a implementação de práticas rotineiras de manejo e exposição. daí a necessidade da utilização de “soluções” corretas para a higienização das peças, associadas a uma constante vigilância dos locais de acondicionamento e exposição, a fim de evitar a ação de agentes deletérios como insetos, roedores, fungos e outros microorganismos que se ali se ins- talam, seja devido à precariedade ou às características próprias dos ambientes de exposição, do acondicionamento ou do mobiliário. Há que se considerar ainda os fatores climáticos que colabo- ram para a deterioração das peças, como a umidade, a temperatura e a luminosidade. Por que é difícil conservar? Primeiro, porque os objetos, independente de estarem reunidos em coleção, não foram concebidos para “durar para sempre”. um segundo fator está relacionado à ampla diversidade desse campo, cujas especificidades não são inteiramente contempladas pela bibliografia existente, o que acarreta conseqüências para o trabalho exercido pelos profissionais, que nem sempre têm a quem recorrer para esclarecer suas dúvidas. um outro fator está ligado às descontinuidades de recursos financeiros disponibilizados nas instituições, os quais, às vezes, não são suficientes sequer para a manutenção de suas atividades. o diálogo proposto por esse Caderno de Conservação e Restauração de Obras de Arte Popular Brasileira é bem-vindo, sobretudo porque se assumiu como premissa a tendência atual de agir sobre o acervo utilizando-se de técnicas de conservação preventiva. tais técnicas evitam trata- mentos mais drásticos, enfatizando a prevenção em detrimento da cura, principalmente dos acer- vos de arte popular e etnográficos, cuja bibliografia é mais restrita. o caderno também responde ao crescente interesse pela conservação preventiva dos bens culturais, fazendo dela um campo de trabalho interdisciplinar. Com efeito, a conversação preventiva vem sendo considerada como a solução mais eficaz e econômica para a realidade brasileira. Consultando a literatura recente, percebemos que as técnicas, assim como os métodos em- pregados, não se esgotam, do mesmo modo que não se esgotam os procedimentos adotados por cada instituição. Isso se deve, em grande parte, à especificidade de cada acervo, o que acaba por exigir o emprego diferenciado de técnicas de conservação; ao mesmo tempo, verifica-se que elas não são nem únicas nem definitivas. na medida em que novas pesquisas sobre materiais vão sendo divulgadas, oriundas dos centros de ensino bem como de publicações especializadas, novas práticas podem ser gradativamente implementadas. 16 Hoje já contamos com alguns cursos voltados para a formação profissional nas áreas de pesquisa, conservação e restauração, oferecidos por universidades, associações especializadas e entidades de classe, tanto em nível de graduação quanto em pós-graduação. o diálogo entre cientistas e profissionais de museus é elemento decisivo para o avanço nesta área. notamos, tanto nos programas dos cursos que são oferecidos pelas instituições supracitadas como nos programas dos congressos, que o público-alvo são profissionais de áreas distintas, como museo- logia, química, física, engenharia, arquitetura e biologia, entre outros. a reunião de uma gama tão variada de pesquisadores oriundos das ciências exatas, biológicas e humanas, levou à geração de conhecimento sobre materiais e produtos que foram aproveitados, tanto no acondicionamento dos acervos quanto na higienização. assim, podemos afirmar que o aperfeiçoamento dos métodos e técnicas empregadas na área de conservação e restauração é fruto da interdisciplinaridade, na busca de soluções técnicas e práticas para os mais distintos problemas. atualmente, a conservação preventiva vem sendo apontada como a medida mais eficaz para os problemas enfrentados pelos profissionais da área de preservação de acervos museológicos. o conhecimento produzido nas mais distintas áreas visa identificar os fatores que interferem na estabilidade, assim como aqueles que danificam a estrutura dos objetos de coleção. o le- vantamento bibliográfico sumário das publicações recentes e a rápida leitura das referências bibliográficas dos textos e artigos voltados para a conservação de acervos museológicos reve- lam, o que não deixa de ser surpreendente, como a maioria dos textos está direcionada para a conservação e a restauração de acervos tradicionalmente ligados às práticas culturais ditas eruditas, oficiais ou mais refinadas. esses textos encontram-se voltados para a conservação de telas, cuja base é o têxtil, princi- palmente o algodão, de esculturas de madeira ou pedra, de obras sobre papel, mobiliário e metal. outros elementos surgem em menor escala, tais como as cerâmicas, os couros e as fibras vege- tais. examinemos mais de perto estas últimas. as fibras vegetais mais abordadas são o algodão e o linho, além de outras, como o sisal, a juta e o líber, amplamente empregadas em várias partes do mundo, e também entre as populações regionais e indígenas do brasil. Quando se tratam de cerâmicas, termo que abrange somente as cozidas, destacam-se principalmente a terracota, a louça, as faianças, as porcelanas e os arenitos. Por outro lado, a argila – simples ou decorada, com incisões ou pinturas – não vem sendo abordada, o mesmo ocorrendo com as peças de ces- taria, couro, borracha, sementes, espinhos, miçangas, penas, entre outros materiais. a plumária também serve como exemplo, uma vez que são poucos os artigos disponíveis a seu respeito e, além disso, a maioria deles está publicada em língua estrangeira,o que restringe muitas vezes a assimilação da informação. são estas matérias-primas comumente empregadas na elaboração de objetos de arte popular, utilizadas de maneira combinada ou não com outros elementos, que fazem da sua conservação um verdadeiro trabalho de pesquisa, associado à experiência pessoal que cada profissional ad- quire no contato diário com o acervo. a diversidade de acervos e de instituições museológicas está diretamente relacionada à diversidade de profissionais de conservação e restauro, mas isso não resultou ainda em diversidade de textos que abranjam os mais distintos materiais. até mesmo a conservação de arquivos digitais já encontra espaço nas publicações. Com base neste levanta- mento verifica-se que o maior número de textos são traduções, cujos autores tiveram seus textos impressos originalmente em publicações especializadas, editadas por institutos de conservação internacionais tais como o Museums, Libraries and archives Council2. 2. A coleção Museologia – roteiros práticos, publicada originalmente pelo Museums, Libraries and Archives Council, foi traduzida para o português numa edição da Editora da Universidade de São Paulo com a Fundação Vitae. 17 essas publicações são organizadas pela iniciativa de profissionais e de agências que se res- sentem da carência de informação que afeta a atividade de conservação dos acervos brasileiros. Hoje, mesmo dispondo de um maior número de publicações, as traduções nem sempre atendem a nossa realidade. os fatores climáticos também constituem um sério problema. temos acervos distribuídos em todo o território nacional, com variações climáticas consideráveis, que vão de clima tropical úmido, seco e árido ao subtropical, variações que fazem enorme diferença na adoção de medidas preventivas. essas diferenças climáticas não são apontadas nas publicações disponíveis, visto que são frutos de realidades distintas. Pode-se verificar, entretanto, que os profissionais que atuam nos museus brasileiros pos- suem conhecimento, farto e abrangente, sobre os acervos com os quais lidam. encontram-se atualizados a respeito das medidas preventivas na conservação e restauração. essas informa- ções são adquiridas mediante a participação em congressos, workshops, jornadas e conferên- cias, tanto no brasil quanto no exterior. outra forma de troca de informações são as visitas que os profissionais fazem a outras instituições com o objetivo de conhecer as instalações, tais como reservas técnicas e laboratórios de restauração. nessas oportunidades, é possível saber sobre bibliografia especializada, sem deixar de conferir ou confirmar dados sobre novos materiais, produtos e equipamentos. não podemos esquecer também toda a atualização tornada possível pelo acesso à web, ins- trumento cada vez mais importante na disseminação do conhecimento. algumas revistas especia- lizadas encontram-se disponíveis por meio eletrônico. Mesmo que a busca não seja rápida e fácil, a disponibilidade da informação é um fato. entretanto, as dificuldades relacionadas à aquisição dos materiais indicados ainda não foram superadas, seja por se tratarem de artigos importados, cuja substituição por similar nacional nem sempre é possível, seja devido à falta de verbas insti- tucionais para sua aquisição. É interessante assinalar que a maioria dos textos sobre a conservação ou restauração de obje- tos museológicos enfatiza a necessidade do estudo do imóvel, do controle climático e dos materiais a serem utilizados no acondicionamento, informando que são estes elementos a chave para a con- servação preventiva. essas medidas, associadas ao conhecimento da natureza de cada objeto da coleção, servem como ponto de partida para garantir a longevidade dos acervos museológicos. en- tretanto, poucos destes textos destacam que o fator humano é a coluna vertebral de toda conserva- ção, pois são as equipes de conservação que levarão a cabo as tarefas necessárias à preservação. ione H. Pereira Couto Museóloga do Serviço de Museologia do Museu do Índio/RJ e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Memória Social da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO 18 Nhô Caboclo, Águas Belas, PE - acervo Museu Casa do Pontal / Fotógrafo: Rômulo Fialdini 19 1. As múltiplas interfaces dos processos de conservação e restauro a arte popular apresenta uma ampla diversi- dade de matérias-primas e de técnicas aplicadas em seu processamento. os artistas empregam – às vezes, simultaneamente – métodos sim- ples associados a procedimentos complexos, o que configura um campo dinâmico, marcado por experimentações e pelo uso de materiais alter- nativos, em alguns casos orgânicos e de baixo custo. nessa produção, a criatividade não está necessariamente ligada a profundas informa- ções de técnicas e à destreza nos modos de fazer; autores que pouco dominam os materiais que utilizam convivem com artistas que são exímios conhecedores da madeira, seus cortes e diferen- tes possibilidades de emprego, ou das etapas de processamento da argila. alguns se aprofundam nessa relação e nas possibilidades de uso de de- terminados materiais, fazem experimentações e descobrem caminhos próprios. outros se mantêm fiéis às técnicas aprendidas no ambiente familiar ou comunitário, reproduzindo na atualidade for- mas de fazer cujas origens se perdem no tempo. noemisa batista3, por exemplo, apesar de ter inovado em formas e temas, dá prosseguimento à mesma técnica de modelagem e ao processo de queima ensinado por sua mãe. adalton Fernandes Lopes4 não parou de inventar misturas de mate- riais, acrescentando cimento ao barro e, às vezes, incorporando nas esculturas produtos diferentes, como o papel machê. Isso sem falar na animação que imprimiu aos personagens em suas “gerin- gonças”5, contrariando as expectativas sobre a capacidade do barro de suportar movimentos me- cânicos quando queimado de forma tradicional. as variações entre o método de trabalho e as técnicas adotadas são enormes e mesmo os ma- teriais usados por cada um deles, em uma única obra, podem ser bastante diversos. nhô Caboclo6, um dos grandes artistas com obras em exposição no Museu Casa do Pontal, usava madeira, ferro, penas, linhas, tecidos e folha de flandres em seus trabalhos. a originalidade deste artista popular é assim destacada por sílvia Coimbra: O instrumental de Caboclo, com o qual conse- gue os mais precisos efeitos, faz parte de sua produção própria, é quase todo construído por ele: velhas facas de mesa, com apenas 3 cm de gume, afiadíssimas; hastes de guarda-chuva improvisadas em estiletes; um monte de tam- pas de latas de filmes recortadas, esperando a vez de servirem como cata-vento; marretas, martelos, pregos e parafusos de todos os tama- nhos; prensa, pua, grosas, serrotes, tesouras; extrato de nogueira, bugigangas que ele não pode ver passar sem pegar, no desejo de, um dia, aproveitá-las em uma invenção. (Coimbra, 1980, p. 277) além de inventar seu próprio instrumental, certos artistas populares chegam a criar, com materiais mais acessíveis, produtos que, mesmo sem conservantes ou fixadores, produzem efeitos i. Considerações sobre conservação e restauro na arte popular brasileira 3. Noemisa Batista dos Santos (1947 - ). Nasceu em Caraí, no Vale do Jequitinhonha, MG, onde vive e trabalha como ceramista. Com estilo singular, tornou-se referência na arte popular brasi- leira. Utiliza o próprio barro, em suas muitas tonalidades, para pintar as obras que cria. 4. Adalton Fernandes Lopes (1938- 2005). Nasceu em Niterói, RJ, onde passou toda a sua vida. Autor de obra vasta e diversifica- da, privilegiou os tipos populares, compondo uma verdadeira etnografia da vida fluminense. Criou engenhocas imensas, nas quais centenasde personagens se movimentam animadamente. 5. A geringonça é um tipo de máquina de fabricação caseira, inventada por alguns artistas para dotar de movimento suas criações escultóricas. Em sua feitura são utilizados diversos materiais, como peças e engrenagens industrializadas, arames, fios e quaisquer outros produtos que, reciclados, possam vir a contribuir para a criação de um sistema que permita a articulação das figuras e personagens. Por ser uma criação única, e não obedecer a projetos e planos prévios, poucos, além de seus próprios idealizado- res, são capazes de consertá-las. Embora o significado da palavra, no dicionário Aurélio, remeta a “objeto de estrutura precária”, as geringonças ou “engenhocas”, podem ser criações complexas. 6. Nhô Caboclo (? – 1976). Sabe- se que ele é descendente direto de índios e que nasceu na aldeia de Águas Belas, no interior de Pernambuco. Trabalhou basica- mente com madeira e sucata, alcançando resultados surpre- endentes e estilo original. Em suas composições, privilegiou o movimento, em obras em que os diversos elementos perseguem o equilíbrio. Explorou a temática �0 semelhantes a outros, desenvolvidos pela indús- tria química com largo uso no mercado. a freqüente mistura de clara de ovo com pig- mento em algumas obras, por exemplo, produz o mesmo resultado que a têmpera7. a cola branca diluída com pigmento pode ser comparada à tinta acrílica, enquanto o breu8 diluído em querosene e misturado com pigmento, tal como usado por Mes- tre vitalino9, seria uma espécie de tinta a óleo. em alguns casos, materiais aparentemente reprová- veis podem vir a se tornar recursos interessantes nos processos de conservação e restauração. Ma- nuel Galdino10, por exemplo, usava durepox para colar suas peças, o que é mais eficiente no caso de estruturas pesadas do que a cola branca. embora seu uso não seja recomendado, sendo preciso mui- ta experiência para saber avaliar corretamente sua necessidade, o artista lançava mão desse recurso porque já havia tentado outras soluções, todas malsucedidas. ele tornou-se um especialista em sua própria arte, conquistando uma grande sabe- doria com relação aos materiais nela utilizados. Como se vê, um dos grandes desafios da instituição ou do colecionador de arte popular é conhecer as técnicas desenvolvidas ou utilizadas originalmente pelos artistas. Cada trabalho é realizado com diferentes gradações de materiais, técnicas de preparo específicas e muitas experi- mentações. Portanto, todos esses aspectos pre- cisam ser identificados antes do início das ações de preservação, conservação e restauro, num conhecimento que deve agregar atualização téc- nica, vivência, disciplina e curiosidade. e, como cada obra tem a sua história, cada acervo de arte popular apresenta características próprias, que devem orientar a maneira como será cuidado. as particularidades da composição do acervo do Museu Casa do Pontal – no qual a aquisição das obras passou, muitas vezes, por relações diretas entre o colecionador Jacques van de beuque e os artistas – permitiram que diversas técnicas adotadas por seus autores fossem conhecidas e levadas em consideração no processo de conservação das obras. adalton Lopes foi um dos artistas que passou vários períodos no Museu, consertando suas geringonças. as trocas realizadas durante essas visitas permitiram que se adquirisse in- timidade e se acumulassem informações sobre o funcionamento dos mecanismos criados por ele, como a determinação das velocidades com que se movimentam as variadas hastes, as ra- zões pelas quais cada uma delas se move num sentido diferente, os recursos utilizados para que cada personagem tivesse uma dinâmica própria e os materiais preferidos do artista. embora nem sempre a presença viva dos criadores das obras seja acessível, existem outras maneiras de se obter informações rele- vantes sobre o acervo, que incluem a consulta a instituições ou colecionadores de acervos si- milares, a pesquisadores da área e a parceiros técnicos, além da investigação em publicações. especialmente no caso de instituições, é reco- mendável reunir e organizar as publicações exis- tentes sobre os artistas e obras que fazem parte do acervo e tornar este material disponível para os profissionais de conservação e restauro. essa soma de conhecimentos vai orientar a construção de indicadores para as intervenções de conservação e restauro. Isso vale tanto para cole- cionadores como para instituições; no caso destas últimas, esse processo integrado deve reunir di- versos tipos de profissionais e colaboradores. Livros como O mundo encantado de Antônio de Oliveira11 (Guimarães, 1983), no qual o próprio artista fala da sua obra e do contexto em que criou seus trabalhos, foram essenciais para nor- tear os procedimentos que o Museu Casa do Pon- tal adotou na catalogação e na manutenção das peças. da mesma forma, o acesso aos materiais e tipos de pintura utilizados por Mestre vitalino foi resultado de processos formais de pesquisa. Mesmo quando não há publicações específi- cas sobre os artistas, vale a pena buscar livros e artigos periféricos, que falem sobre os contextos culturais, a região de origem e os recursos natu- rais disponíveis. um exemplo desse tipo de relação 7. Pintura normalmente feita à base de pigmento e com adesivo orgânico, como gelatina e clara de ovo, ou inorgânico, como a cera. 8. Sólido usado na fabricação de uma resina que tanto dilui em solvente de petróleo como no calor. 9. Mestre Vitalino (1909-1963). Nasceu na vila de Ribeira dos Santos, próximo a Caruaru, PE. Criado em ambiente oleiro, cedo começa a modelar louças e brinquedos em miniatura. Dotado de forte senso estético, produziu obras que, na ma- turidade, atraíram a atenção de críticos e colecionadores de arte. Em 1947, algumas de suas esculturas foram expostas no Rio de Janeiro. Esta exposição foi considerada um marco na história do interesse pela arte popular, não só por revelar ao grande público a obra de Vitalino, como também por chamar a atenção sobre a existência desse gênero de criação em diferentes regiões do país. Foi reconhecido como Mestre por sua virtuose e pela liderança que exerceu entre os ceramistas do Alto do Moura, bairro de Caruaru. (cont.) marítima, com navios de guerrei- ros e escravos acorrentados. In- ventou linhas temáticas, nas quais se destacam os torés e os rachos. Seu trabalho é caracterizado ainda pelo uso intenso de penas de aves e das cores negra e vermelha. 10. Manuel Galdino (1929- 1996). Nasceu na cidade de São Caetano, PE. Em 1940, mudou- se para Caruaru, onde tornou-se funcionário municipal. Sua tra- jetória como artista teve início em 1974, quando foi destacado pela prefeitura para executar serviços no Alto do Moura. �1 (cont.) Lá fez amigos que o introduziram na arte de “bone- cos”, principal atividade local. Apaixonou-se de tal maneira pela modelagem em cerâmica, que abandonou o serviço públi- co e mudou-se definitivamente para o Alto do Moura. Suas criações formam um repertório de obras delirantes e originais, consagrando os monstros auto- fágicos, e outros personagens de forte conteúdo onírico, como Lampião-Sereia e São Francisco Cangaceiro. 11. Antônio de Oliveira (1912- 1996). Nasceu em Belmiro Braga, Minas Gerais. Aos seis anos, começou a esculpir carrinhos de bois e outras peças com as quais brincava. Na adolescên- cia, trabalhava consertando móveis durante o dia e esculpindo “bonecos” à noite. Seduzido pela possibilidade decontar histórias com seus conjuntos de esculturas miniaturizadas, Antônio de Oliveira entregou-se com paixão à recria- ção de cenas reais ou imaginárias, que compunham o que chamava de “meu mundo encantado”. Refletiu sobre seu processo de criação, deixando muitas observa- ções escritas e gravadas. aconteceu no restauro da “Casa de Farinha”, de João José12, obra que chegou ao Museu Casa do Pontal com várias partes descoladas. nesse caso, foi necessário entender a dinâmica de funciona- mento de uma casa de farinha verdadeira para que a obra pudesse ser adequadamente reconstituída. as metodologias resultantes da sistemati- zação de conhecimentos não só permitem acom- panhar as ações como ajudam a tomar decisões sobre os tipos de intervenção adotados pelas di- ferentes instituições. no Museu Casa do Pontal, o setor de pesquisa foi responsável por sistema- tizar e organizar as informações e os documen- tos sobre as obras e os artistas que fazem parte da coleção reunida por Jacques van de beuque. Portanto, os pesquisadores também integram os processos de conservação e restauração, contribuindo com conteúdos sobre os aspectos históricos, sociológicos e formais. além disso, os profissionais desse setor podem ser responsáveis por definir, por exemplo, que obras participarão de exposições itinerantes. as peças selecionadas deverão passar por um processo de avaliação e, se necessário, por uma intervenção prioritária. os encarregados pelos procedimentos de manutenção e limpeza do espaço físico onde um acervo está exposto ou em reserva também de- vem estabelecer comunicação direta com os pro- fissionais de conservação. Quase sempre são os responsáveis pela limpeza diária os primeiros a identificar o aparecimento de infestação por in- setos, o que não se mostra facilmente. Por isso, a preservação das obras depende da colaboração e do trabalho integrado entre vários profissionais. a agilidade na comunicação dos problemas encon- trados é fundamental, porque permite interromper processos de deterioração com menores danos. no Museu Casa do Pontal, são feitas ins- peções periódicas e conjuntas pelas equipes de limpeza e conservação, nas quais ambas as áreas podem aportar novos procedimentos num intercâmbio saudável e necessário. embora a limpeza e a conservação do espaço físico não sejam consideradas funções especializadas, a trajetória desse museu tem mostrado que existe uma íntima correlação entre a eficácia obtida e o comprometimento dos trabalhadores. daí a im- portância da experiência acumulada. Contudo, é recomendável adotar um manual de procedi- mentos para os encarregados da manutenção e limpeza do espaço, de modo que a substituição de pessoas não resulte em perda de memória dos processos e nem acarrete a queda na qualidade do serviço prestado. além disso, o manual pode colaborar para a minimização de acidentes, que também podem acontecer. um manual não suprime, entretanto, a ne- cessidade de diálogo permanente. a troca de informações sobre métodos e técnicas de con- servação, a adoção de diferentes práticas de limpeza e de segurança e a introdução do uso de materiais mais eficientes e comprovadamente testados compõem um conjunto de medidas e práticas que, aplicadas de maneira integrada, colaboram decisivamente para o sucesso da conservação e manutenção do acervo. no Museu Casa do Pontal, são feitos plane- jamentos constantes para definir as obras que devem prioritariamente passar por tratamento preventivo e de restauro. esses critérios são definidos em intercâmbio com os profissionais responsáveis pela elaboração dos projetos de- senvolvidos pela instituição. no planejamento também são definidas as readequações do mo- biliário e das dependências físicas, bem como a aquisição de novos equipamentos. essas relações inter-institucionais desem- penham um papel relevante porque nem sempre profissionais, mesmo os mais experientes, têm isoladamente soluções capazes de abranger tudo. Quando se trata de um acervo composto por materiais extremamente variados, como é o caso da arte popular brasileira, as necessidades podem ser muito diferentes. os processos de con- servação e restauro, dessa maneira, são multi- facetados, incluindo uma gama de pessoas com diferentes formações, que devem cultivar uma atitude aberta em relação às novas descobertas. 12. João José Paiva (1928 – ). Nas- ceu em Cajá, próximo a Caruaru, PE. Na adolescência transferiu-se para o Alto do Moura, PE, onde vive até hoje. Aprendeu a modelar o barro observando o trabalho de artistas da região, especialmente o de Mestre Vitalino. Com ele, chegou a vender seus bonecos na feira de Caruaru. Gostava de fazer principalmente obras que reproduziam cenas de famílias: retirantes, trabalho e casamento. Atualmente, não trabalha mais com o barro, mas transmitiu seus conhecimentos aos filhos, que dão continuidade à arte cerâmica. �� �. Documentação de acervos a documentação constitui-se como um ponto primordial para o trabalho de conser- vação, pois identifica e registra o histórico da obra. a catalogação de acervos pode ser feita de muitas maneiras e a partir de diversos su- portes. Fichas catalográficas, livros de registro, fotografias e desenhos de diferentes ângulos facilitam a identificação do estado das peças. a catalogação das obras que compõem o acervo do Museu Casa do Pontal foi iniciada muitos anos após o princípio da coleção. Jacques van de beuque começou seu acervo na década de 1950, e posteriormente adquiriu peças de ou- tros colecionadores que abarcavam produções feitas a partir da década de 1930. em princípio, ele não dimensionava a representatividade e a abrangência que a coleção alcançaria. seus anseios voltavam-se para o apreço e a admira- ção que passou a nutrir sobre o universo da arte popular. dessa forma, o processo de catalogação só teve início na década de 1990, quando a Casa do Pontal adotou um novo perfil, que veio a soli- dificar seu papel museológico. na instituição, o processo de catalogação foi iniciado na mesma época que o de infor- matização. os dados sobre as obras foram, em primeiro lugar, cadastrados em plataforma digital e, posteriormente, geraram documen- tação impressa. na época, foi feito um amplo levantamento acerca de bases de informações adotadas por outras instituições e tais análises levaram à adoção da plataforma Macintosh e ao uso do software File Maker Pro, indicado por permitir agilidade e cruzamento de informa- ções mesmo em consultas complexas. de um modo mais amplo, a numeração das obras é um dos pontos de partida do processo de catalogação. segundo Maria Inez Cândido, não existe uma normatização rígida quanto à padronização da numeração. o mais comum, no entanto, é a utilização de registro binário seqüencial, que compreende o uso de três al- garismos ou do número total, neste caso quatro algarismos, relativo ao ano em que o objeto deu entrada no museu, seguindo-se de um elemen- to de separação e, então, a numeração comum, de forma seqüencial, composta por quatro dí- gitos (Cândido, 2006, p. 40). no caso do Museu, mesmo com a colabo- ração do colecionador, verificou-se a impos- sibilidade de precisar as datas de aquisição das obras e, por conseguinte, decidiu-se não adotar o uso desta informação. a numeração das obras do acervo do Museu Casa do Pontal é, portanto, composta somente por numeração seqüencial acrescida de uma letra quando se tratam de conjuntos de obras que não se en- contram sobre base comum. Como a arte popular se constitui, via de re- gra, por representações e criações envolvendo conjuntos de peças que descrevem cenas do cotidiano ou do fantástico, as peças do acer- vo foram classificadas em conjuntose obras. assim, um conjunto é fichado inicialmente em sua totalidade e, em seguida, cada obra recebe individualmente uma ficha especial. o número de identificação das obras e con- juntos do acervo é fixado em suas bases, ou quaisquer outros pontos menos acessíveis à vista. a mesma numeração identifica suas fi- chas de catalogação. o Museu Casa do Pontal adota na ficha de conjunto os seguintes itens: número, nome do Conjunto13, artista, Localidade (região), tema, década de aquisição, aquisi- ção, ano Provável de feitura, número de Partes, número de obras, Peso, altura, Largura, Com- primento, situação atual, Conjunto (Fixo, Livre etc.), Gênero, suporte, assinatura (tem ou não tem), tipo de assinatura (Manuscrito, Carimbo etc.), texto da assinatura (o que foi escrito pelo artista), estado de Conservação (com cam- po para laudo resumido), defeito (com campo para laudo resumido), descrição do Conjunto, Material Principal, Características do Material Principal, outros Materiais, Localização do Con- junto no Museu (reserva técnica ou exposição 13. No caso da arte popular, são comuns os casos em que o próprio autor não atribui um título à sua obra, entretanto, mesmo as peças que originalmente não tenham sido nomeadas pelos artistas, recebem um título descritivo, para facilitar sua identificação. Esses títulos nunca devem se repetir, especialmente quando se tratam de obras do mesmo artista. �� Permante, incluindo Módulo e setor). e na ficha de obra, os itens: número, nome da obra, Peso, altura, Largura, Comprimento, situação atual (onde está localizada no momento, por exem- plo: em exposição temporária ou em restauro), situação Padrão (qual a localização padrão da obra), estado de Conservação (com campo para laudo resumido), defeito (com campo para lau- do resumido), descrição da obra. a carência de dados de campo consistentes e das caracte- rísticas específicas da arte popular brasileira dificultou o trabalho de sistematização na fase de catalogação das obras. além disso, a inten- ção de atender a vários objetivos simultâneos tornou esse processo bastante complexo. a idéia era, ao mesmo tempo, produzir uma informação direta, em linguagem elegante, mas coloquial, incorporando, sempre que possível, as informa- ções geradas nos diferentes meios onde se ori- ginaram as produções que integram o acervo do Museu e respeitando o longo trabalho de pes- quisa empreendido por Jacques van de beuque. a partir dessa experiência, algumas so- luções mostraram-se mais eficientes. Para determinar um nome para as obras, por exem- plo, e para padronizar a descrição dos temas abordados, recomenda-se a adoção de dicioná- rios, tesauros e bibliografia de referência so- bre a temática específica de cada acervo14. na época, foram adotadas como referência obras como Dicionário do folclore brasileiro (Cascu- do, 1988), Folclore Nacional (araújo, 1964) e O Reinado da Lua (Coimbra, 1980). a base con- ceitual adotada foi posteriormente publicada pelo Museu Casa do Pontal em O Mundo da Arte Popular Brasileira (Mascelani, 2002). a ficha catalográfica pode ainda conter outros diferentes campos, inseridos de acor- do com a especificidade de cada acervo. um recurso visualmente interessante é indicar os dados da obra diretamente sobre imagens fotográficas (ou desenhos), com setas expli- cando o estado de conservação de cada parte. esquemas classificatórios também podem ser bem-vindos, quando as instituições ou colecio- nadores possuem muitos diferentes gêneros de objeto (objetos de arte, artesanato, utilitários, festivos, rituais, indumentária etc.). especifica- mente no Museu Casa do Pontal, como o acervo é majoritariamente constituído por objetos de arte, essa opção classificatória não foi adota- da. vale ainda acrescentar a possibilidade de documentar os objetos por coleções, de modo a recuperar as histórias de formação do acervo. as obras do acervo do Museu Casa do Pon- tal também foram classificadas em 12 temas principais, obedecendo grosso modo a organi- zação do roteiro da exposição permanente es- tabelecida por Jacques: profissões, vida rural, ciclo da vida, festas, jogos e diversões, areias e bichos, arte incomum, arte erótica, cangaço, história do brasil, religião e ex-votos, carnaval. Cada um destes temas, por sua vez, foi repar- tido em 79 subtemas e estes em 380 assuntos. Com essa classificação, é possível, por meio de uma busca tipológica no banco de dados, conhecer rapidamente a quais obras, artistas ou regiões se referem cada um desses temas, subtemas ou assuntos. Para facilitar os me- canismos de busca, muitas obras mereceram dupla ou tripla classificação. os procedimentos de conservação e res- tauração pelos quais passam as obras tam- bém devem ser documentados. esses dados podem ser agregados à ficha de catalogação ou apontados separadamente. neste caso, pode- se criar uma ficha de restauro, na qual serão registrados laudos do estado de conservação da peça, incluindo constatação de sujidades, detritos e interferências físicas, como quebras e perdas, a data em que a obra foi retirada da exposição ou da reserva técnica15 e uma pro- gramação de atividades a serem realizadas a cada processo de recuperação. Quando as ações previstas são finalizadas, o ideal é voltar à ficha de catalogação para atualizá-la com observações sucintas sobre os procedimentos e datas de realização. 14. Recentemente, o campo da arte e da cultura popular brasileira ganhou duas novas publicações que contribuem para a normatização de vocabu- lário específico: o Pequeno dicionário da arte do povo brasileiro (2005), de Lélia Coelho Frota, e o Tesauro de Folclore e Cultura Popular Bra- sileira (2006), organizado pelo Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular. A classificação das obras do Museu Casa do Pontal foi feita, entretanto, antes destas publicações, com o suporte integral da área de pesquisa para o controle da terminologia. 15. Espaço onde se armazenam as obras que não estão em exposição, com condições específicas de conservação, como armários especiais e climatização. �4 o Museu Casa do Pontal adota os seguin- tes itens nas fichas de restauro: número, nome, artista, data de Início do restauro, data de Fim do restauro, restaurador, estado do Conjunto e informações sobre cada tratamento realizado (data, Colaboradores, tratamento, Material utili- zado, equipamentos utilizados). Quando as obras forem emprestadas para exposições em outros locais, também é recomen- dável preencher fichas de saída. este documento deve registrar o local de destino das obras, as datas de deslocamentos entre a instituição de origem e a de destino (e vice-versa) e a ocasião para as quais foram emprestadas. outros dados também podem ser importantes, inclusive para a eventual realização de seguro nas obras, como os responsáveis pela recepção da obra nos locais de destino, especificações sobre embalagens, danos identificados durante o processo, entre outros. Finalmente, arquivar de maneira prática e eficiente todas essas fichas deve ser uma prio- ridade da instituição e do colecionador, já que esses dados são utilizados com freqüência. os meios digitais auxiliam o processo de armazena- mento de dados, seja para construir bancos de fichas catalográficas, seja para obter registros visuais dos objetos, a partir das câmeras digi- tais. no entanto, como a tecnologia encontra-se em rápida evolução, as demandas de reade- quação são constantes, sob pena dos suportes tornarem-se obsoletos e inoperantes. o banco de dados do Museu Casa do Pontal, por diversas razões, teve que ser transposto de Machintosh para PC, alterando o programa de armazena- mento de dados para SQL,em base especial- mente desenvolvida para o acervo. a nova base trouxe novas possibilidades de pesquisa, combi- nação e armazenamento de dados. entretanto, o processo de migração de dados, como é de pra- xe, precisou ser revisado com base nos arquivos originais. desta forma, é importante alertar para o fato de que sejam mantidos arquivos físicos, pois ainda não se sabe muito sobre a durabilida- de e confiabilidade dos arquivos digitais. �. Conservação preventiva Para qualquer coleção, o ideal é que se mi- nimize a necessidade de realizar intervenções. uma conservação preventiva eficiente, ou seja, aquela que se antecipa à necessidade de agir diretamente sobre as obras, adia o processo natural de deterioração das peças. segundo Maria Cecília drummond, [...] o desafio para o conservador de museu é estabelecer procedimentos que conciliem, harmonicamente, exposição e conservação. Procurando alcançar condições próximas das ideais de preservação, o profissional deve estar sempre ciente de todos os riscos aos quais os objetos freqüentemente se acham sujeitos... (Drummond, �006, p. 111) as condições ambientais – como tempe- ratura, umidade, luminosidade – situam-se entre os principais agentes de degradação das peças. Por isso, para a adoção de medidas pre- ventivas, é fundamental conhecer o comporta- mento dos materiais utilizados nas obras diante das condições às quais estão submetidas. Por exemplo, quando não há condições econômicas de se manter o ar-condicionado permanente- mente ligado, sobretudo em regiões de clima quente e úmido, o emprego de ventilação me- cânica, associado ao uso de desumidificador16 para controle da umidade, pode ser uma opção mais segura, já que evita a oscilação drástica e recorrente de temperatura. da mesma forma, é necessário avaliar os tipos de iluminação adotados. a luz natural, que pode ser economicamente mais viável e ambientalmente mais correta, é quase sempre uma boa opção, desde que se tenha o cuidado de utilizar filtros que impeçam a incidência di- reta dos raios solares sobre as obras. Já a poluição atmosférica e a poeira podem causar manchas nas peças, modificando o as- pecto original delas. esses agentes são prati- 16. Aparelho que serve pra controlar a umidade relativa do ar em ambientes caseiros ou industriais. �5 camente inevitáveis, mas seus efeitos podem ser suavizados com sistemas de filtragem do ar e controle de ventilação. agentes biológicos – como fungos, micro- organismos, roedores e insetos, principalmente baratas, traças, cupins e brocas – também são grandes inimigos no processo de preservação de acervos. algumas soluções recomendadas são a imunização, a dedetização e a desratiza- ção periódicas das dependências que abrigam as coleções. Morcegos e pássaros, comuns em locais onde as janelas são mantidas abertas, também devem ser evitados, pois suas fezes podem danificar as obras. além desses agentes, deve-se levar em conta o efeito da ação humana sobre as obras. Quando não estão protegidas por vitrines ou por outro tipo de isolante, as peças correm o risco de serem to- cadas e os contatos físicos, mesmo quando não provocam acidentes visíveis, depositam sobre as obras partículas de gordura do corpo, que progres- sivamente danificam os materiais. Mais ainda, a fumaça de cigarro e os flashes de máquinas foto- gráficas também constituem fatores prejudiciais à preservação das obras de arte. Portanto, todo projeto de conservação pre- ventiva eficaz deve levar em conta uma multi- plicidade de fatores. embora o foco principal seja dirigido às obras, muitos outros itens devem ser analisados, a maior parte deles de fácil execução e ligados à observação criteriosa do ambiente e à capacidade de implantar roti- nas que não sofram descontinuidades. em relação ao ambiente, todas as infor- mações são relevantes, desde os suportes e vitrines utilizados até as características da localidade onde se encontra a instituição, bem como os níveis de umidade relativa do ar, a incidência solar, os sistemas de ventilação, os tipos de materiais utilizados na edificação, as peculiaridades do seu entorno, a quantida- de e a freqüência do público etc. todos esses aspectos podem ser investigados com a parce- ria de equipes técnicas especializadas, já que raramente uma instituição dispõe de peritos em todas as áreas necessárias. embora, em geral, os responsáveis pelas coleções e pelos projetos saibam avaliar corretamente os pro- blemas existentes e seus efeitos no dia-a-dia, é de grande valia a presença de observadores externos, atualizados em relação aos avanços tecnológicos e voltados para uma reflexão mais sistemática sobre determinados temas. Com o objetivo de aperfeiçoar sua atua- ção, o Museu Casa do Pontal, com a parceria do Laboratório de Ciências da Conservação da universidade Federal de Minas Gerais e o incen- tivo da secretaria de Patrimônio, Museus e artes Plásticas do Ministério da Cultura, realizou no biênio 2000/2001 um completo levantamento de suas instalações. nessa ocasião, foram levadas em conta, inclusive, as condições ambientais do rio de Janeiro, onde o calor e a umidade são extremos, e da região específica onde se encon- tra a instituição, entre o mar e a Mata atlântica. a experiência contou com a participação de toda a equipe da instituição e de profissionais de en- genharia civil, mecânica e elétrica, arquitetura, restauração, museografia e ciência da conser- vação. Foram projetadas novas soluções para vitrines, pisos, alvenarias, telhados, drenagem e entorno, bem como a readequação das insta- lações elétricas e hidráulicas. esse diagnóstico orientou a elaboração do plano museológico17 da instituição, visando uma ação global em prol da conservação e da melho- ria de seus espaços e do desempenho de suas funcionalidades, compreendida no âmbito da multidisciplinaridade de ações que caracterizam o museu contemporâneo. no ano de 2005, esse planejamento foi revisado e atualizado, em par- ceria com a Fundação Coordenação de Projetos, Pesquisas e estudos tecnológicos (CoPPeteC), da universidade Federal do rio de Janeiro. nesse planejamento, três ambientes me- receram atenção mais cuidadosa porque esta- vam diretamente associados à conservação e à restauração do acervo: o espaço e o mobiliário 17. De acordo com o art. 1º. da Portaria Normativa/IPHAN n° 01, de 5.7.2006, o plano museológico é a “ferramenta básica de planejamento estratégico, de sentido global e integrador, indispensável para a identificação da missão da instituição museal e para a definição, o ordenamento e a priorização dos objetivos e das ações de cada uma de suas áreas de funcionamento”. �6 expositivo, a reserva técnica e o laboratório. a substituição progressiva das vitrines do circuito expositivo, por exemplo, tem sido um importante passo para a conservação das obras. os novos modelos respeitam o design original, mas são mais adequados para a limpeza de rotina por- que o sistema de fechamento foi modificado. além disso, no lugar das madeiras antigas, mui- to suscetíveis aos freqüentes ataques de cupins, foram adotados na estrutura o cedro e outras madeiras nobres, em associação com o MdF18. na reserva técnica, a circulação de funcio- nários para a retirada da água acumulada no desumidificador foi reduzida a partir da criação de uma saída direta. Isso permitiu que o apare- lho ficasse ligado ininterruptamente, jogando a água nos jardins. os armários têm uma espécie de forro com Ph neutro, que é trocado periodi- camente, evitando o contato da obra com o me- tal das prateleiras. no caso do laboratório de conservação e restauro, a elaboração do projeto de adequação foi realizada com o auxílio das informações e experiênciascolhidas durante visitas técnicas ao Museu Histórico nacional, ao Museu da Chá- cara do Céu, ao Museu do Índio e ao Museu de Folclore edison Carneiro. Como um dos princi- pais agentes deteriorantes do acervo do Museu Casa do Pontal é o cupim, foi adquirida a maior câmara de fumigação19 disponível no mercado, capacitada para a imunização de obras de quaisquer formatos e dimensões. Foram utili- zadas duas máquinas nas etapas de higieni- zação: uma de sucção de sólidos20 e outra de sucção de líquidos21. a climatização é feita com desumidificadores e ventiladores, que, juntos, equilibram umidade e temperatura. optou-se por um controle padrão de umidade que favo- recesse a ambientação da variedade de mate- riais que passam pelo laboratório. outros espaços que abrigam coleções de arte popular certamente terão outras necessi- dades e, em muitos casos, a própria separação dos espaços pode ser diferente. no lugar da reserva técnica, um colecionador pode contar apenas com um depósito para armazenar suas peças; um laboratório pode ser uma pequena mesa disponível, e assim por diante. o impor- tante é estudar esses espaços de modo a en- contrar suas melhores possibilidades. É certo que algumas soluções que, na atualidade, pa- recem convenientes serão futuramente ultra- passadas, em virtude de novos experimentos e descobertas. assim, a experiência, a inves- tigação e a troca de informações constituem elementos importantes na atualização dos cui- dados com o acervo. Qualquer instituição ou colecionador pode aplicar medidas de segurança simples nos espaços que abrigam obras de arte popular. além de uma vigilância constante das condi- ções de umidade, temperatura e luminosidade, é necessário atentar para fatores que muitas vezes passam despercebidos. Certos sinais po- dem indicar a necessidade de adequação dos espaços, como ferrugem, manchas, goteiras e respingos de água nas paredes ou no piso, o que pode esconder rachaduras, umidade, mofo etc. todos os materiais que constituem o abri- go das obras, externa e internamente, como en- canamentos, telhado, fiação e calhas, devem ser vistoriados. Porém, ainda que se observem todas essas medidas preventivas, procedimen- tos de conservação sempre serão necessários. Grande parte das obras vai para o laboratório porque é necessário realizar uma manutenção periódica: fezes e urina de insetos, teias de aranha, poeira, partículas sólidas, rastros de lagartixas, ovos de baratas, asas de cupins, por exemplo, devem ser retirados constante- mente da superfície das obras. Certos proce- dimentos preventivos também podem garantir uma grande longevidade às obras, tais como a adoção de regras de conduta nos espaços que abrigam os acervos. Fumar, comer, beber ou mesmo portar alimentos e bebida, por exemplo, são atitudes que devem ser evitadas em todas essas áreas. 19. Aparelho utilizado para desinfestar obras atacadas por insetos e fungos, com o auxílio de um inseticida. Seu aspecto assemelha-se ao de um armário e possui um compartimento vedado com borracha, onde são colocadas as obras. 20. Espécie de prateleira, com espaço para a higienização das obras a vácuo. Uma entrada com um filtro de feltro e um mecanismo de sucção suga e retêm as partículas sólidas da superfície. 21. Mesa perfurada de metal. Tem um duto para a sucção de líquidos, ligado a um aspirador. A umidade é sugada pelos poros da mesa e depositada no interior do aspirador, evitando que a umidade produzida se espalhe pelo ambiente. 18. Placa fabricada a partir da aglomeração e prensa de madeira moída e resina, que apresenta grande resistência a insetos como o cupim. A eficá- cia de seu uso, contudo, ainda é experimental. �7 Por tudo isso, é importante organizar me- todicamente os procedimentos de vigilância. apenas inspeções periódicas no ambiente per- mitem a identificação imediata de alterações que podem vir a provocar danos nas obras. no Museu Casa do Pontal, são feitas rondas diárias no circuito expositivo para observar se houve algum problema com as obras e com as vitrines. Às segundas-feiras, quando o Museu fica fechado para o público, além da limpeza geral, são feitas inspeções mais detalhadas em conjuntos pré-determinados de vitrines. abertas as vitrines escolhidas, são analisadas as condições de segurança e estética dos vi- dros e acrílicos e efetuados trabalhos de limpe- za das obras, com o auxílio da mesa de sucção de sólidos e de um aspirador de pó. essa vigi- lância é contínua e rotativa, ou seja, quando todas as vitrines são verificadas, reinicia-se o processo de inspeção. uma manutenção sema- nal também é feita na reserva técnica, com a abertura de todos os armários e a ventilação do ambiente. durante as inspeções, se for constatada a incidência de insetos, fungos ou qualquer outro problema que possa comprometer as obras, elas são deslocadas da exposição ou da reserva técni- ca para o laboratório. Instituições e colecionado- res que não possuem laboratório devem ao menos isolar as obras em um outro ambiente para evitar contaminações. obras cujos danos encontrados não reclamem uma ação urgente podem ser rela- cionadas para intervenções futuras. 4. Conservação e restauro em primeiro lugar, é bom lembrar que os pro- cedimentos de conservação e restauro são ado- tados a partir de delimitações focadas, e não em um terreno onde se pode expandir a criatividade para além do trabalho dos artistas. deve-se evi- tar, por exemplo, inventar maneiras de recuperar as obras que escapem aos trabalhos prévios de pesquisa e conhecimento técnico. uma maneira de estabelecer critérios para a conservação e a restauração é atentar para pelo menos três aspectos da obra: o histórico, o estéti- co e o funcional. o primeiro trata da originalidade do trabalho, da fidelidade a seus materiais e ele- mentos tais como foram inicialmente produzidos pelos artistas. o segundo refere-se ao caráter visual dos objetos do acervo, à maneira como eles se apresentam. Já o terceiro trata da funcio- nalidade da obra, ou seja, se todos os materiais estão “cumprindo o seu papel” – um arame que ligava a cabeça ao corpo de uma escultura deve continuar atuando desse modo, por exemplo. em todos os procedimentos de conservação e restauro, deve-se buscar atender ao máximo o sentido original das obras, assim como sua ori- ginalidade estética e funcional. no entanto, em muitos casos, um ou mais aspectos são enfati- zados. o que fazer, por exemplo, se um artista usa em sua obra materiais pouco resistentes, que precisam ser constantemente substituí- dos? devem-se trocar os materiais relacionados à estrutura do trabalho? o livro do Museums, Libraries and archives Council (2005) sobre conservação de coleções destaca as difíceis de- cisões a serem tomadas nessa etapa: Quando o restauro é necessário, até que ponto ele deve ir? É aqui que as visões diferem, o de- bate começa a esquentar e as respostas simples são enganosas. O restauro ganhou uma reputa- ção ruim no passado por conta de higienizações ‘zelosas demais’, renovações e reconstruções de edifícios e pinturas. (Museums, libraries and Archives Council, �005, p. 115) Por isso, além das normas que uma institui- ção ou profissional vão elaborando, as soluções para cada peça precisam ser estudadas caso a caso. Há situações em que a degradação de de- terminado material implica a contaminação de outros materiais que compõem uma mesma obra. em algumas peças da coleção de mamulengos22 do Museu Casa do Pontal, a oxidação de pregos 23. Integrado ao ciclo natalino, o Reisado refere-se aos ranchos que festejam o nascimento do Menino Jesus e a visita que lhe fizeram os três Reis Magos. Essa festa apresenta uma variante no
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