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GESTÃO DE NEGÓCIOS E O MANDADO NO DIREITO CIVIL BRASILEIRO Shakespeare Teixeira Andrade1 1 INTRODUÇÃO Depois de longa tramitação legislativa, foi aprovada a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, publicado no Diário Oficial da União em 11 de janeiro do mesmo ano, que instituiu o novo Código Civil (CC), entrando em vigência um ano após a sua publicação. Assim o Código bevilaquiano, datado de 1916, deu lugar ao novel Diploma Civil, que dá um grande passo no sentido de melhor adaptar o ordenamento jurídico à realidade atual. Poucas não são as críticas à atual legislação. Mesmo assim, dentre seus princípios inspiradores está a pretensão de humanização das relações jurídicas, a valorização do ser humano e a proteção ao mais fraco. Nosso atual Diploma Civil, longe de ser revolucionária, seguiu a estrutura da legislação de 1916, e, tanto quanto possível, preservou os institutos, em síntese, a própria redação dos artigos. Dentro da teoria dos negócios jurídicos é tradicional a distinção entre os atos unilaterais e os bilaterais. Aqueles se aperfeiçoam pela manifestação da vontade de uma das partes, enquanto estes dependem da coincidência de dois ou mais consentimentos. Os negócios bilaterais, isto é, os que decorrem de acordo de mais de uma vontade, são os contratos. Portanto, o contrato representa uma espécie do gênero negócio jurídico. E a diferença específica, entre ambos, consiste na circunstância do aperfeiçoamento do contrato depender da conjunção da vontade de duas ou mais partes. No tocante a Gestão de Negócios, abordaremos, de maneira sucinta, porém, de forma a que o leitor possa assimilar o máximo possível da temática, as principais questões. Instituto no qual, dotrinariamente muito se discute acerca de ser ou não um contrato a Gestão de Negócios. Para vários juristas e também segundo vários códigos de outros Estados soberanos, o principal argumento para descaraterizá-la como contrato, é a falta de acordo de vontades, requisito essencial à formação de qualquer contrato. Todavia, não nos preocuparemos com essa discussão acadêmica, porém, será comentada rapidamente para, que pelo menos aguce o leitor ao aprofundamento da temática, e iremos abordar seguindo a orientação do nosso direito civil, a Gestão de 1 Bacharel em Direito e Pós-Graduando em Direitos Humanos Fundamentais pela Universidade Regional do Cariri - URCA. 2 Negócio como contrato, uma vez que está relacionada na nossa Carta Civil como uma das espécies de contrato, tal como a compra e venda, a locação de coisas, o empréstimo, o comodato, o mútuo, o Mandato, etc.. O Mandato, como segundo objeto de nosso trabalho é Contrato dos mais usuais no Direito de todos países, desde a Roma Antiga, sendo objeto de vários estudos e controvérsias por parte dos mais respeitados doutrinadores. Suas diversas modalidades e formas trazem para o dia-a-dia de todos, a presença deste contrato. A cada vez que uma pessoa, recebe a ordem para comprar algum objeto para outrem, receber alguma encomenda, enfim, tem como função representar outra pessoa em um negócio jurídico, tem-se a figura do Mandato. Assim, no decorrer deste estudo, faremos uma sucinta exposição sobre os contratos de Gestão de Negócios e Mandato, segundo o Código Civil vigente, sem, contudo, olvidar sucinta análise em sintonia, também, com o recém-revogado diploma legal. 2 GESTÃO DE NEGÓCIOS E O MANDADO NO DIREITO CIVIL BRASILEIRO 2.1 Gestão de Negócios O Código Civil de 2002 reservou um dos títulos do Livro das Obrigações, às relações obrigacionais decorrentes de declaração unilateral de vontade. Compõe a matéria: a promessa de recompensa, Gestão de Negócios2 (Arts. 861 a 875 do CC), pagamento indevido, enriquecimento sem causa e os títulos de crédito. Como se vê, o Novo Código deu maior consistência às declarações unilateral de vontade, deslocando para esta categoria, a gestão de negócios, o pagamento indevido, o enriquecimento sem causa e os títulos de crédito. No Código Civil de 1916, a gestão de negócio era tratada como um contrato e vinha disciplinada nos artigos 1.331 a 1.345. O novel Código de 2002 deslocou a matéria para os atos unilaterais de vontade, no que, em nossa opinião, andou bem o legislador. Realmente, o gestor age sem autorização do interessado, muito embora o faça a benefício daquele. 2 Destacaremos com iniciais maiúsculas apenas para dar ênfase maior ao instituto. 3 2.1.1Conceito e Definição A Gestão de Negócios é figura que se explicava pela noção do quase-contrato, atualmente desprezada pelo direito brasileiro3. No Direito Justinianeu4, o contrato e o delito foram tidos, no início, as únicas fontes de obrigações. Gaio5, no entanto, acrescentou outras, classificadas como variae causaram figurae, e subdivididas, na Era Justiniana6, nas espécies do quase-contrato e do quase delito. Teófilo, e logo após, e os glosadores7 asseveraram que algumas obrigações nasciam ex quasi contractu, instituindo a existência de um novo conceito jurídico: o quase- contrato. O quase-contrato, como figura autônoma, invade o direito moderno, sob a influência do código civil francês. Surgiria, em resumo, de um fato pessoal de quem se acha obrigado. Assim, no grupo dos quase-contratos inserem a Gestão de Negócios e o pagamento indevido. A idéia de quase-contrato é, de acordo com a doutrina contemporânea, extremamente errônea e sem qualquer utilidade prática. Tendo sido esquecida até mesmo nos países que admitiam expressamente como fonte autônoma de obrigações. Assim, a Gestão de Negócios não se enleia com a gestão no interesse de outrem porque tem de ser por livre iniciativa do gestor, enquanto a outra decorre de imposição legal ou obrigação contratual. No conceito de SILVIO RODRIGUES (2003:399), a Gestão de Negócios: ocorre quando alguém age em nome de outrem sem ter mandato para tal. O mesmo autor continua afirmando que: 3 No Código de 1916, assim como o atual, recebe tratamento como contrato, não somente pelo paralelismo com as situações jurídicas contratuais, como ainda porque a ratificação ulterior a equipara ao Mandato. 4 Compilação de normas feitas por Justiniano, designada Corpus Iuris Civilis, que se compõem de quatro livros: Institutas, Digesto ou Pandectas, Codex repetitae praelectionis e Novellae leges. 5 Jurisconsulto romano. Nasceu por volta de 110, e faleceu em 180. Pouco se conhece de sua vida e também é ignorado o seu nome por extenso. Foi considerado pelo imperador Valentiniano, como um dos maiores juristas do seu tempo. Autor de um célebre trabalho Instituciones, em quatro volumes. Estas obras serviram de base às Instituições de Justiniano. 6 Período do direito romano que compreende de 527 a 565 d.C, com a morte do imperador Justiniano. 7 Denominação de uma escola de jurisconsultos formada na Universidade de Bolonha (sécs. XI a XIII), assim chamada porque seus integrantes utilizavam glosas (interpretações e comentários aos textos jurídicos), para o estudo do direito justinianeo e do direito canônico. 4 [...] trata-se, no mais das vezes, de um ato de altruísmo, em que o gestor, com o intuito de evitar um prejuízo para o dono do negócio, porventura ausente, embora sem estar por ele autorizado, ou pela lei, toma a iniciativa de intervir na órbita de interesses daquele, para preservá-los, atuando como atuaria o donoda coisa se ali estivesse8. Denomina-se Gestão de Negócios aquele que intervém, e dono do negócio, o respectivo titular. Assim, gestor atua como representante9, porém, sem a investidura de poderes. É um mandato presumido, uma vez que o gestor procura fazer aquilo que o mandante teria mandado fazer se tivesse conhecimento do negócio10. SÍLVIO DE SALVO VENOSA (2003:195-296), conceitua como sendo: interesse em negócio alheio, sem autorização do titular, no interesse e de acordo com a vontade presumida deste. E continua: ‘Negócio alheio’, consta no sentido de qualquer atividade em prol da vontade presumida do dono do negócio que dê origem a obrigações, sejam atos meramente materiais, sejam atos ou negócios jurídicos. O objetivo não se limita a atividade profissionais ou lucrativas. Inclui qualquer conduta ou benefício e na preservação do patrimônio de outrem. 8 Cf. com a ob. cit.. Para ele, a Gestão de Negócios não é contrato, pois lhe falta, para tanto, o elemento básico, isto é, o prévio acordo de vontades entre as partes, indispensável para o nascimento do vínculo contratual. 9 A Representação do Novo Código passa a exercer um papel de fundo sobre as normas inerentes à Contratos Típicos bem como à Contratos Atípicos que por ventura possam a se utilizar dessa forma de trânsito de Situações Subjetivas através de terceiros, bem como da Situações Legais como a Tutela do Incapaz e ainda a questão sui generes da Representação da Pessoa Jurídica. A partir do trato destas relações em que titular do direito ou dominus negotii transfere à terceiro ou alieno nomine a incumbência de, em seu nome, realizar atos de gestão ou atos específicos. O Direito Clássico não conhecia o instituto da Representação, nem mesmo a de Representação Política, pois a célula de poder da época, assim como ainda são hoje, era a família e o poder Estado era exercido ou por uma Democracia Direta ou por Dinastia Divina. O Pater Famílias era o detentor de todo o poder dentro da família e, assim só se admitia a Representação dentro do Pater Famílias, ou seja, intraneam personam. Isto correspondia à possibilidade de as pessoas submetidas ao poder do Pater Famílias o representarem, tais como os escravos e os filiis familias. 10 Se o dono não ratificar os atos praticados pelo gestor, fica responsável a este e às pessoas com quem tratar, pelos danos que lhe causar. 5 Vale ressaltar que no direito francês, a Gestão de Negócios é conceituada como quase-contrato, isto é, não há todos os elementos de um contrato, assim, não se conceitua, mas aplicam-se os princípios do Mandato. De salto, SÍLVIO DE SALVO VENOSA (2003:297), afirma que: [...] a gestão de negócios surge como fonte de obrigações, decorrente de manifestação unilateral de vontade. De início, não existe acordo de vontades. Não há negócio jurídico, mas ato jurídico, apenas atende-se à vontade presumida do dono. Quando este toma conhecimento da conduta e a aprova, aparece o vínculo pactício11. Ante o exposto, já se pode lançar uma definição, do que seja Gestão de Negócios. Segundo CÉSAR FIUZA (2003:590): [...] é a administração oficiosa de interesses alheios12. Dá-se quando uma pessoa realiza atos no interesse de outra, como se fosse seu representante ou prestador de serviços, embora não investido dos poderes respectivos. Representa ou presta serviços à outra sem que esta o saiba. Na definição de MARIA HELENA DINIZ (1998:664): é a intervenção, não autorizada, de uma pessoa (gestor de negócio) na direção dos negócios de uma outra (dono do negócio), feita segundo o interesse, a vontade presumível e por conta desta. Mesmo levando em consideração do conceito de Gestão de Negócios não ser um contrato, mas sim, um quase-contrato, por entender que é uma questão acadêmica. WASHINGTON DE BARROS (1975:279) a define, de forma positiva, como sendo: a atuação desenvolvida por uma pessoa que, espontaneamente e sem mandato, trata de negócio de outrem. 11 Grifo nosso. 12 Mesma definição utilizada pelo civilista Clóvis Beviláqua, em seu comentário ao artigo 1.331 do CC de 1916: “é a administração oficiosa de negócios alheios, feita sem procuração”. 6 2.1.2 Elementos Essências Requisitos, Características, responsabilidades (Dono e Gestor) e Ratificação. Os requisitos a seguir são de extrema valia ao surgimento das obrigações do dominus e do gestor. A Gestão de Negócios, essencialmente, requer: a) o gestor não se achar oficialmente autorizado a tratar do negócio, nem ter obrigação de fazê-lo, isto é, deve haver ausência de qualquer intervenção ou obrigação legal entre as pares interessadas: dono e gestor. Como saliente a norma civil em seu artigo 861: aquele que, sem autorização do interessado (...). A espontaneidade de atuação do gestor é imprescindível mesmo que se traduza na vontade de ser útil ao dono do negócio13. No comentário de SÍLVIO DE SALVO VENOSA (2003:296): [...]é a espontaneidade que se reveste a conduta do gestor. Se esta forma contra a vontade manifesta ou presumível do dono, o gestor responderá até mesmo pelas perdas decorrentes de caso fortuito, salvo se provar que teriam sobrevindo independentemente de sua atividade. b) negotium alienum, isto é, que o negócio seja alheio14, que importe ingerência no patrimônio de outra pessoa. Esse ato, atividade ou conduta é unilateral. Segundo SÍLVIO DE SALVO VENOSA (2003:296): [...] explica-se esse enfoque, pois vige a regra geral segundo a qual a ninguém é dado intervir na coisa alheia sem autorização, sob pena de responder civil e penalmente. No entanto, a gestão ora tratada possui outra compreensão. Funda-se na solidariedade humana, no espírito de auxílio ao próximo, nem sempre natural na sociedade. Se por um lado pode faltar interesse jurídico 13 Há de se falar na responsabilidade do gestor de negócio. Aquele que age sem mandato (gestor oficioso) ficará diretamente responsável perante o dono de negócio e terceiros com quem contratou (RT, 499:121), embora não tenha nenhuma autorização expressa ou tácita para gerir interesses alheios, uma vez que intervém, sem estar autorizado em esfera jurídica alheia como provavelmente o próprio dono o teria feito (RT, 510:12), tendo por escopo evitar um dano. 7 primitivo na intervenção, nem sempre o móvel da intervenção é totalmente desprovido de interesse outro de ordem moral, como o amor, compaixão, amizade, etc., sem, contudo, conteúdo jurídico. Leve-se em conta ainda que a conduta do agente pode não ter reflexo patrimoniais, deixando nessa hipótese, de ocorrer conseqüências jurídicas15”. Enfim, deve haver uma interpretação voluntária do gestor em situação jurídica alheia. WASHINGTON DE BARROS (1975:280), diz que: o negócio deve ser alheio, mas não desaparece o caráter de gestão posto exista algum interesse comum entre o gestor e o dono do negócio, desde que esse interesse comum não crie obrigação de tratar do negócio alheio. c) proceder o gestor no interesse do dono do negócio, ou segundo sua vontade, real ou presumida, ou seja, o gestor deve fazer precisamente o que o dono desejaria, não fosse sua ausência. Como mesmo assevera WASHINGTON DE BARROS (1975:280): se ele não segue essa trilha, se o negócio não é bem administrado, arrisca-se a não ver ratificados os seus atos, ficando então por eles pessoalmente responsável. Segundo SILVIO RODRIGUES (2003:405): [...] em três hipóteses, entretanto, o gestor respondenão só por sua culpa, como até por caso fortuito: a) quando inicia a gestão contra a vontade real ou presumida do dono do negócio, caso em que este último poderá não só reclamar indenização como, sendo possível, exigir que o gestor restitua a coisa ao estado anterior (art. 862); b) quando fizer operações arriscadas, ainda que o dono do negócio costumasse fazê-las; c) quando o gestor preterir interesses do dono do negócio, por amor aos próprios (art. 868)”. 14 Dentre os requisitos essenciais a caracterização da Gestão de Negócios, sobressai o de que o gestor passa a dirigir o negócio alheio segundo o interesse e a vontade presumível de seu dono, embora não tenha, para isso, autorização, seja expressa ou tácita do dono, configurar-se-ia não um contrato de Gestão de Negócios, mas de Mandato, também objeto de nosso estudo. 15 Grifo nosso. 8 d) limitar-se a ação do gestor a atos de natureza patrimonial, para os quais não se exigem poderes específicos nem legitimação especial. Como salienta SÍLVIO DE SALVO VENOSA (2003:299): [...] a atitude do gestor deve ser livre de qualquer ingerência de vontade do dono do negócio, porque isso caracterizaria o mandato, vínculo contratual. Todavia, o gestor não tem como praticar atos que exijam poderes específicos, nem aqueles que são personalíssimos. Os atos são de administração geral. Não pode o gestor, por exemplo, alienar bens imóveis. Eventual alienação de bens móveis deve ser vista tendo em mira o proveito do administrado, sua atividade e vontade presumida. O renomado jurista ARNOLDO WALD (1974:360), comenta que: [...] não se admite a gestão contra a vontade do dono do negócio, o que seria um verdadeiro atentado aos seus direitos e por este motivo responde o gestor quando contraria vontade manifesta ou presumível do interessado, pelo caso fortuito e pela força maior, salvo se provar que os danos seriam causados mesmo sem a sua interferência, podendo o dono exigir do gestor que restitua as coisas ao estado anterior ou indenize o prejuízo causado. No que se refere a ratificação16, PACCHIONI, citado por ORLANDO GOMES (2001:388), a define como: a declaração unilateral de vontade mediante a qual a pessoa em nome da qual foi concluído um contrato por simples gestor de negócio da, ex post facto, a necessária autorização representativa. O art. 873, do CC, reza que: a ratificação pura e simples do dono do negócio retroage ao dia do começo da gestão, e produz todos os efeitos do mandato. Nas palavras de CAIO MARIO DA SILVA PEREIRA (1984:296): 9 A ratificação pura e simples do dono do negócio constitui aprovação plena da gestão, que se equipara assim ao mandato, e retorage à data do seu início: “omnis ratihabitio prorsus retrotrahitur”. Para isto, é comunicada ao gestor e ao terceiro, sem que tal ciência seja essencial à sua validade, podendo inferir- se das circunstâncias. Para SILVIO RODRIGUES (2003:407): [...] o que vale dizer que a gestão se extingue, transformando-se em mandato. Por essa razão, cessam as responsabilidades especiais que vinculam o gestor e não mais se cogitará de saber se foi útil, ou não, a gestão. É como se não tivesse havido gestão de negócios, mas apenas mandato. A ratificação pode ser expressa ou tácita, esta ocorrendo quando sabedor da gestão e podendo sem maior sacrifício desautorizá-la, o dono do negócio silencia, porque, neste momento a figura da gestão se torna mandato tácito. Além da forma expressa ou tácita e considerando uma autorização representativa dada ex post facto derivam, segundo ORLANDO GOMES (2001:389), as seguintes conseqüências: 1ª) a ratificação pode ser dirigida indiferentemente ao gestor, ao terceiro contratante, a outra pessoa ou ao público em geral; 2ª) pode ser expressa ou tácita; 3ª) não reclama forma especial17. Desaprovando a gestão, por contrária aos seus interesses, pode o dono do no negócio, ou da coisa, exigir do gestor que restitua as coisas ao estado anterior, ou o indenize da diferença entre os prejuízos e os proveitos, respondendo até pelos casos fortuitos, a não ser quando a gestão se proponha a acudir prejuízos iminentes, ou redunde em proveito do dono do negócio ou da coisa. No caso de indenização ao gestor, não poderá ela exceder em importância às vantagens obtidas com a gestão. É o que reza o art. 874: “se o dono do negócio, ou da coisa, desaprovar a gestão, considerando-a contrária aos seus interesses, vigorará o disposto nos arts. 862 e 863, salvo o estabelecido nos arts. 869 e 870”. 16 Ato pelo qual o dono do negócio, sabedor da gestão, autoriza, concorda com a atitude do gestor. 17 Grifo nosso. 10 2.3 Mandato 2.3.1 Origem A palavra Mandato18 deriva do latim mandatum, de mandare, composto de manus dare (dar a mão) ou manus datum, pois era costume dos romanos dar as mãos como forma de fé, é confiança entre amigos a outorga de poder. O que aceitava a incumbência chamava-se procurator, mandatário, incumbido de prestar ao outro um serviço, gratuitamente. O Mandato podia ser geral - procuratio omnium bonorum - ou especial - procuratio unius rei. O Mandato é contrato que remonta aos tempos antigos. Tanto que sua principal fonte no direito brasileiro, e no moderno em geral, é o direito romano19. 2.3.2 Definição, Características, Espécies, Objetivo e Revogação No próprio Diploma Civil, encontramos uma definição simplificada do que seja o Mandato: “opera-se o mandato, quando alguém recebe de outrem poderes, para em seu nome praticar atos, ou administrar interesses (Art. 653, 1ª parte, CC). Assim, o que caracteriza o Mandato consensual20, pelo qual o mandante outorga poderes ao mandatário para que este o substitua, no plano jurídico, na prática de certos atos, como se ele próprio estivesse presente - Qui mandat, ipse fecisse videtur21. Inserido na parte especial do Direito das Obrigações22, o Mandato é a outorga de poderes que uma pessoa faz a outra, para agir em seu nome, praticando atos ou administrando interesses. Mandante, ou constituinte, aquele que confere os poderes, vez que aquele a quem os poderes são conferidos chama-se mandatário ou procurador. 18 Destacarmos com inicial maiúscula para não confundirmos com aquele utilizado como Poder político outorgado pelo povo a um cidadão, por meio de voto, para que governe a nação, estado ou município, ou o represente nas respectivas assembléias legislativas. 19 Vide nota 22. 20 Consensual, pois, uma vez que um simples acordo de vontades será suficiente para sua formação, apesar de determinar a lei que a procuração é o seu instrumento (JTACSP, 112:251). O mandato será escrito quando outrorgado mendiante instrumento particular ou público designado procuração. 21 Locução latina: quem manda parece ele mesmo ter feito. 22 Capítulo X, TítuloVII, Livro I da Parte Especial do Código Civil Brasileiro. 11 No dizer de J. M. CARVALHO SANTOS (1980:108): é o contrato, por meio do qual alguém confere podêres a outrem para que, em seu nome, execute algum ato jurídico ou administre interêsses. Para MARIA HELENA DINIZ (1998:198): é o contrato pelo qual alguém (mandatário ou procurador) recebe de outrem (mandante) poderes para, em seu nome, praticaratos ou administrar interesses. Não há de se confundir o Mandato (direito privado) de mandato (direito público) ou mesmo, Mandato com mandado (ambos do direito civil). Para entender esta parte da democracia indireta também adotada no Brasil é preciso distinguir o Mandato de direito privado do de direito público. Aquele em regra geral, é revogável pelo mandante, este não. A dificuldade do mandato do direito eleitoral está no regular e idôneo exercício do mandato pelo eleitor, pois de forma direita, diante da ausência do recall23, não há como o eleitorado exigir responsabilidades do eleito. Já no Mandato de direito privado, se o mandatário não tiver responsabilidade, o mandante revogará o Mandato e exigirá a prestação de contas, como veremos mais a frente. O mandado é uma ordem escrita emanada da autoridade judiciária ou policial. Por derradeiro, Mandato é uma credencial, um modo de representar outrem. Quando essa representação é de cunho político, tem ela sua origem no voto e é regulada pelas leis de direito público. O direito brasileiro não guarda lealdade ao direito romano24, filiando-se, assim, ao critério adotado pelo código napoleônico, bem como o português e outros, que consideram a representação25 como essencial ao Mandato26. Porém, há quem discorde dessa opinião. O professor JOSÉ LOPES DE OLIVEIRA (1981:205-206), afirma que: 23 Voto destituinte usado nos Estados Unidos. Se o governante, na esfera municipal, estadual ou federal, não cumprir seus deveres, os eleitores pela maioria, poderão destituí-lo do cargo. 24 Apesar do nosso direito não dar guarida, a influência romana na figura do mandato está clara no próprio dispositivo legal que cuida do referido contrato no Brasil, em que se presume gratuito não se houver sido estipulado em contrário. É o que dispõe o artigo 658. Como sabemos, não corresponde a realidade o preceito legal, pois é maciço, no ordenamento jurídico nacional, o predomínio do mandato oneroso. 25 A representação é essencial e sua falta desfigura o contrato. Não se pode desvincular o mandato da idéia de representação. Esta é sua essência, seu elemento central. Isto não quer dizer que não existam outras figuras jurídicas em que haja o elemento representação. Entretanto, apenas no mandato esta será o elemento central. Esse é um dos elementos que diferenciam o contrato de mandato do de locação de serviço. 26 Não segue, pois, orientação germânica (BGB, Código Suíço), para o qual o mandato não implica em representação por motivo do formalismo imperante. O BGB construiu a idéia de que o mandato, a procuração e a representação formam noções distintas. 12 [...] embora o código alie sempre a noção de mandato à idéia de representação, esta não se confunde com aquele. O mandato pode existir com ou sem representação, como admitia o direito romano e consagram o código alemão (...). São, pois, figuras distintas e inconfundíveis” e continua dizendo que: “o mandato é contrato pelo qual uma das partes se obriga a cumprir um ou mais atos jurídicos por contar de outrem, podendo ser acompanhado ou não de representação27”. Características do contrato se refere às obrigações que assumem as partes, pois alguns doutrinadores o entendem contrato unilateral e outros, contrato bilateral (imperfeito). Os professores WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO (1975:241-242) e CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA (1984:274) o consideram bilateral; já o professor SILVIO RODRIGUES (2003:289), defende a unilateralidade, porém faz uma ressalva: [...] o mandato é em princípio, um contrato unilateral, pois implica obrigações para uma só das partes [...]. A lei, porém, admite a hipótese de surgirem obrigações por parte do mandante, tais como as de reparar as perdas sofridas pelo mandatário na execução do mandato, ou de lhe reembolsar as despesas feitas, ou mesmo os juros, em caso de atraso no pagamento daqueles. Neste caso se diz que o contrato é bilateral imperfeito, por poder dar margem, excepcionalmente, à prestação também de parte do mandante. [...] entretanto, no contrato de mandato se avença a remuneração do mandatário, perde ele seu caráter unilateral e passa a ser sinalagmático. Outra característica, do Mandato é o elemento fiduciário do contrato. O Mandato é erigido sobre a relação de mútua confiança dos contratantes. O fim de tal elemento é justa causa para o fim da relação contratual. Caracteriza também o Mandato a revogabilidade pelo mandante. Como este se funda no interesse de quem outorga os poderes, natural que o mesmo possa retirar do mandatário os mesmos no momento que lhe for mais oportuno. 27 Grifo nosso. 13 Posto isto, pode-se auferir uma característica fundamental do contrato de Mandato, que é a representação28. A própria Carta Civil, mais precisamente em seu artigo 656, se encarrega de mencionar as espécies de Mandato. Assim temos o tácito29 (como vimos acima, muito semelhante a Gestão de Negócios), porque o Mandato é contrato consensual, não existe forma especial para sua validade e prova; verbal30, quando o mandante oralmente, sem qualquer instrumento, outorgar poderes ao mandatário, demonstrando-se por qualquer meio de prova aceito no direito; e por fim; escrito, caso o mandante, ao passar a procuração, servir-se de instrumento particular ou público31. No tocante ao objetivo do Mandato, para o professor SÍLVIO DE VENOSA (2003:269): [...] o mandato objetiva a prática de actos ou negócios jurídicos, em favor do mandante. Tal não impede que atos materiais possam integrar o círculo de atuação conferido ao mandatário. Recorde-se de que, na definição do art. 653 (antigo, art. 1.288), não existe referência à natureza dos atos decorrentes do mandato. Há duas relações bem nítidas nesse negócio jurídico. Uma relação interna, que vincula o mandante e o mandatário, disciplinando seus limites. A esses limites se reporta o poder de representação. Uma relação externa, que se refere ao ato ou atos que o mandatário pratica com terceiros, em nome do mandante, quando há poder de representação, que é regra geral.32 O Mandato é contrato intuitu personae, ou seja, baseado na mútua confiança e só deve existir enquanto as partes assim o desejarem. Por esta razão, qualquer das partes 28 Vide nota 23. 29 Sobre a presunção de aceitação do Mandato, o art. 1.293 do Código Civil revogado fazia previsão de algumas situações em que se presumia a aceitação do mandato. Realmente, referido dispositivo tinha a seguinte redação: “O mandato presume-se aceito entre ausentes, quando o negócio para que foi dado é da profissão do mandatário, diz respeito à sua qualidade oficial, ou foi oferecido mediante publicidade, e o mandatário não fez constar imediatamente sua recusa”. Porém o atual Código não repetiu totalmente a disposição, considerando que a aceitação do mandato pode ser tácita, e resulta do começo da execução (CC, art. 659). 30 Não se deve esquecer que o próprio Código Civil dá uma limitação, isto é, há casos de inadmissibilidade. Vide artigo 657 do referido Código. 31 Sua forma é livre, salvo em hipóteses excepcionais, previstas em lei, para as quais se exige sua manifestação por meio de poderes especiais e expressos, consignados em instrumento público ou particular. 32 Grifo nosso. 14 podem pôr fim ao contrato: o mandante pela revogação e o mandatário pela renúncia (CC, art. 682)33. 3 CONCLUSÃO Concluindo, salienta-se que, inobstante ser tido pelos doutrinadores como instituto em desuso práticoe de rara aplicabilidade nos dias atuais, devido, juridicamente, ao princípio da boa-fé objetiva nas relações contratuais e, socialmente, a degradação das relações humanas, notadamente, na perda de valores morais como a amizade desinteressada e, principalmente, a solidariedade entres os homens, é que, pode-se ressaltar uma tendência à extinção prática do aludido instituto jurídico, inobstante a sua manutenção na atual e vigente legislação civil. A manutenção da Gestão de Negócios deve-se, primeiramente, por guardar afinidades com outros institutos, v. g. o Mandato, a Comissão Mercantil e o Trabalho de Gestão, bem como, a posteriori, por uma característica otimista do legislador em tentar incentivar o bom agir e o benéfico proceder, salvaguardando direito àquele que, sem nenhum interesse pessoal, por mera graça, presta auxílio a outrem que necessitado e momentaneamente impossibilitado de se valer das próprias forças para evitar prejuízo latente, seja por fatores físicos (distância), seja por fatores econômicos. A Gestão de Negócios oferece grande semelhança com o Mandato, sobretudo com o Mandato tácito, distinguindo-se deste por conta de inexistir acordo de vontades entre os contratantes, sendo um, o mandatário, encarregado pelo outro, o mandante, de administrar negócio seu, guardar ou zelar coisa sua. Nota-se no instituto em estudo, como já explanado, inexiste prévio ajuste de vontades, a intervenção do gestor verifica-se espontaneamente, por ocasião de uma situação emergencial, sem a ciência ou sem o consentimento do dono do negócio, fato este, que para alguns doutrinadores, fenece o caráter contratual atribuído à Gestão de Negócios. Se, para ser caracterizado como um contrato clássico, a Gestão de Negócio só se operasse com a outorga de poderes entre outorgante e outorgado, não mais se caracterizaria o instituto em tela, desta maneira, em contendo uma característica consensual objetivamente manifestada, pelo qual o mandante outorga poderes ao 33 Apesar disso, os artigos 683, 684, 685 e 686, parágrafo único, do Código Civil, lista algumas exceções, casos em que o mandato deixará de ser revogável. São elas: a) quando contiver cláusula de irrevogabilidade; b) quando o ocorrer o mandato em causa própria, isto é, outorgado em favor exclusivo do mandatário e não do mandante, isentando, inclusive o mandatário da necessidade de prestação de contas, podendo inclusive transferir para si os bens móveis ou imóveis objeto do mandato, obedecidas as formalidades legais; c) 15 mandatário para que este o substitua, no plano jurídico e ou na prática de certos atos, como se ele próprio estivesse presente, se teria, desdúvida, um verdadeiro contrato de Mandato. Há de se notar que, é justamente o agir em benefício do próximo sem a outorga ou mesmo o pedido deste, sem qualquer relação pessoal, jurídica ou financeira entre as partes, resguardando-lhes bens e interesses, que dá à Gestão de Negócios identidade própria e diversa do Mandato, bem como de outros institutos jurídicos de outorga de poder, onde é imperioso a existência de cessão de poderes com manifestação intuito personae. Por fim, deve-se perceber que o referido instituto não tem sido utilizado cotidianamente, porém, isso não exclui a qualidade e valor, não só de ordem jurídica, mas, principalmente, de ordem moral e social, pois, em tempos tão carentes de humanismo e solidariedade é de se reconhecer a importância do instituto, que, bem ou mal, resguarda valores não só pertinentes à pecúnia e à propriedade material mas, principalmente, aos valores sociais de auxílio ao próximo, ainda valorizados e vigentes não só em nosso ordenamento como em nossas vidas, pois, se assim não fosse, obviamente, os nossos legisladores não se ocupariam em positivá-lo. 4 BIBLIOGRAFIA DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. vol. 2, São Paulo: Saraiva, 1998. _____. Dicionário jurídico. vol. 3, São Paulo: Saraiva, 1998. FIUZA, César. Direito civil, curso completo. 6ª ed.. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. GOMES, Orlando. Contratos. 24ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. MIRANDA, Darcy Arruda. Anotações ao código civil brasileiro. Vol. 3. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 1987. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito das obrigações. Vol. 2. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 1975. OLIVEIRA, José Lopes de. Curso de direito civil: contratos. vol. 3. 3ª ed. São Paulo: Sugestões Livraria S/A, 1981. PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol. 3. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984. RODRIGUES, Silvio. Direito civil: dos contratos e das declarações unilaterais da vontade. Vol. 3. 29ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. SANTOS, João Manuel de Carvalho. Código civil brasileiro interpretado. Vol. 18. 9ª ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1980. quando contiver poderes de cumprimento ou confirmação de negócios encetados, aos quais se ache vinculado; d) quando a cláusula de irrevogabilidade for condição de um negócio bilateral, ou tiver sido estipulada no exclusivo interesse do mandatário. 16 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: contrato em espécie. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2003. WALD, Arnoldo. Curso de direito civil brasileiro: obrigações e contratos. 4ª ed. São Paulo: Sugestões Livraria, 1974.
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