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Artigo Convivendo com a loucura - Lima Jr. e Velõso

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Resumo
Com o advento da Lei de Reforma Psiquiátrica no Brasil, observa-
se uma significativa queda nas internações psiquiátricas e, 
conseqüentemente, a necessidade de uma maior participação da 
família no tratamento do louco. O presente artigo, ao analisar as 
representações sociais dos familiares de usuários de instituição 
psiquiátrica acerca da loucura, seus conflitos, seus medos e 
anseios, acredita estar contribuindo para esse processo de 
mudança, visto que ao entendermos a forma como a loucura é 
representada pela família, teremos mais elementos para a reflexão 
sobre a permanência do louco fora do asilo.
Palavras-chave: loucura; família; representação social.
Abstract
With the institution of the Law of Psychiatric Reform in Brazil, a 
significant decline is observed in the psychiatric internments, 
consequently, the necessity of a larger family participation in the 
treatment of insane people. In the present article, when analyzing 
the users of psychiatric institution relatives' social representations 
concerning the insanity, their conflicts, fears and longings, we 
believe to be contributing to this process. The comprehension of the 
form as the insanity is represented by the family will give us more 
elements for the reflection on the insane's permanence out of the 
asylum.
Keywords: insanity; family; social representation
Joel Lima Júnior
Psicólogo e mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde (UFRN).
Thelma Maria Grisi Velôso
Doutora em Sociologia. Professora titular do Departamento de Psicologia (UEPB).
CONVIVENDO COM A LOUCURA: 
as representações sociais de familiares de 
usuários de instituição psiquiátrica
163-172n. 32 2007 p. 
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Introdução
O interesse pelo presente tema surgiu em uma pesquisa, realizada em 
um Hospital Psiquiátrico na cidade de Campina Grande, Paraíba. Naquela 
pesquisa, procurou-se analisar as representações sociais elaboradas pelos 
usuários psiquiátricos internos (exceto alcoolistas e usuários de drogas) sobre a 
sua medicalização (Lima Júnior, Silva e Freitas, 2002).
Naquele estudo, explicitou-se a grande revolta dos usuários com relação 
ao tratamento recebido na instituição. Verificou-se um panorama precário no 
interior do hospital psiquiátrico, com constantes queixas acerca da alimentação e 
das condições de estadia. 
Além das reclamações relativas às precariedades institucionais, 
observou-se, também, a referência aos conflitos advindos da dificuldade da família 
de relacionar-se com os loucos. Logo, muitos eram levados de volta ao hospital 
psiquiátrico, como forma dos familiares livrarem-se de um "problema".
De acordo com Melman (2001), o papel da família, já há algum tempo, 
vem ocupando lugar privilegiado nas reflexões e discussões na área de Saúde 
Mental. Com o advento da Lei de Reforma Psiquiátrica no Brasil (Lei 
10.216/2001), verifica-se o surgimento de novas expectativas no tocante à 
relação entre a família e o usuário de instituição psiquiátrica, visto que a citada 
Lei tem como palavra-chave a desconstrução não só dos manicômios, mas 
também dos saberes e estratégias utilizados para lidar com a loucura. Assim, 
propõe-se uma transformação no modo como os loucos são tratados. Essa nova 
forma de cuidar estimula uma significativa queda nas internações psiquiátricas, 
intensificando a exigência do comprometimento da família, o que modifica, de 
forma significativa, a participação da mesma nesse processo. 
Sendo assim, entendendo que a família possui um papel primordial no 
tratamento dos usuários de instituição psiquiátrica e pretendendo contribuir nas 
discussões que se travam na área de Saúde Mental, optou-se por desenvolver 
uma pesquisa qualitativa, fundamentada na Teoria das Representações 
Sociais, que teve como objetivo principal a análise das representações sociais 
acerca da loucura, elaboradas por familiares de usuários do Instituto 
Campinense de Neuropsiquiatria e Reabilitação Funcional (ICANERF) que se 
localiza na cidade de Campina Grande - PB. (Lima Júnior, 2003). A clientela da 
referida instituição é de baixa renda e os internamentos são realizados pelo 
Sistema Único de Saúde (SUS). 
Vale ressaltar ainda que utilizamos o conceito de Representação Social 
proposto por Moscovici (1978). Segundo esse autor, as representações sociais são 
um conjunto de conceitos e explicações originado no cotidiano dos indivíduos, 
logo, estão presentes em todos os lugares onde as pessoas interagem 
informalmente, tendo como função orientar seus comportamentos e suas 
comunicações. 
Metodologia
Considerando que um dos pesquisadores era estagiário de Psicologia na 
referida instituição psiquiátrica, os primeiros contatos com os familiares ocorreram 
nas reuniões que havia mensalmente entre as famílias dos usuários da instituição, 
os psiquiatras, a assistente social, a psicóloga e o estagiário de Psicologia. Ao 
término das reuniões, informou-se aos presentes que se pretendia desenvolver 
uma pesquisa no hospital com os familiares, explicando também que a participação 
nessa pesquisa seria voluntária. 
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Não foi delimitado um número total de familiares a serem entrevistados, 
visto que se utilizou o conceito do ponto de saturação, proposto por Bertaux (1980 
apud Lang; Campos; Demartini, 2001). A utilização desse critério pressupõe a 
análise dos dados ao longo de todo o processo de realização das entrevistas, 
objetivando, assim, determinar o momento em que se atingirá o ponto de 
saturação. Desse modo, à medida que os dados começam a se repetir, realizam-se 
mais algumas entrevistas e se encerra essa etapa da pesquisa. Um outro critério 
empregado foi o de que esses familiares morassem na mesma casa que o usuário.
Por fim, foram realizadas dez entrevistas semi-estruturadas. O grupo de 
entrevistados constituiu-se apenas de familiares do sexo feminino, visto que, ao 
longo do processo de realização das entrevistas, nenhum familiar do sexo 
masculino compareceu à instituição psiquiátrica no período de visita. Das dez 
mulheres entrevistadas, oito eram mães, uma esposa e a outra era irmã de 
usuários, com idade variando entre quarenta e dois e oitenta e três anos. Grande 
parte das entrevistadas mora na periferia de Campina Grande, são analfabetas, 
aposentadas e com renda média de um salário mínimo e meio. As entrevistas, que 
foram realizadas individualmente nos dias em que o hospital estabelecia para as 
visitas, foram gravadas em fitas cassetes, com o livre consentimento da 
entrevistada, e, posteriormente, transcritas na íntegra. A análise dos dados, por sua 
vez, foi feita a partir da proposta de Análise de Conteúdo desenvolvida por 
Demartini (1988).
Apesar de certa resistência em dar a entrevista, elas chegaram a 
verbalizar que esse seria um momento de desabafo, no qual elas poderiam contar 
suas histórias e diminuírem, assim, suas angústias. 
As Representações Sociais dos familiares
Representando a Loucura
A partir das análises das entrevistas, evidenciou-se que alguns familiares 
representaram a loucura como uma doença dos nervos, que leva à agitação e 
provoca medo:
“Agora ela começou a juntar as enxadas do lado de fora do 
terreiro [quintal] e a guardar dentro de casa [...] e eu sozinha, 
esse povo doente dos nervos fica agitado, aí eu fiquei com 
1medo” (E 1- M)
O discurso desta e de outras entrevistadas ressalta a questão do medo da 
loucura, o que contribui com a idéia de que o medo é constante para aquele que 
convive com o louco. Essa questão foi ressaltada também em outra pesquisa, já 
mencionada, na qual se constatou que o medo que os familiares tinham do louco 
era um dos principais fatores que justificavam as internações (Lima Júnior, Silva e 
Freitas, 2002).
Segundo Foucault (1999), o medo da loucura não é algo recente. Ele 
surge em meados do século XVIII, à medida que o medoda lepra diminui. O 
referido autor sublinha também que esse medo está relacionado à forma como o 
louco é representado socialmente, ou seja, como um indivíduo que não merece 
confiança, já que é difícil precisar suas ações. 
Observemos também, na seqüência discursiva acima, que a loucura é 
representada como doença, portanto, algo orgânico. Nesse sentido, outras 
entrevistadas representaram a loucura como desvio no cérebro:
"Ele é adotivo, no tempo que ele era pequeno, nós colocamos 
ele pra estudar, urinava e chorava o tempo todo e a professora 
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mandou a gente trazer ele pra bater um eletro, aí detectou que 
ele tinha desvio no cérebro" (E5 - M).
"Ele tem um desvio no cérebro, quando eu bati um eletro o 
doutor disse que ele tinha desvio no cérebro" (E7 - M).
É possível constatar, com base nessas duas citações, que o discurso 
médico influencia na representação da loucura, pois foi com base em um 
diagnóstico médico que algumas entrevistadas a representaram, sugerindo, 
assim, que essa representação foi construída a partir de um saber já difundido 
amplamente pela medicina.
No entanto, Moscovici (1984 apud Sá, 1993) ressalta que os indivíduos 
não são apenas processadores de informações, nem meros portadores de 
ideologias, mas pensadores ativos, que mediante inúmeros episódios cotidianos 
de interação social, produzem e comunicam incessantemente suas próprias 
representações e soluções específicas para as questões que se colocam a si 
próprios. Ainda afirma que:
"coexistem nas sociedades contemporâneas duas classes 
distintas de universos de pensamento: os universos 
consensuais e os universos reificados. Nos últimos, bastante 
circunscritos, é que se produzem e circulam as ciências e o 
pensamento erudito em geral [...] Aos universos consensuais 
correspondem as atividades intelectuais da interação social 
cotidiana pelas quais são produzidas as Representações 
Sociais" (Moscovici, 1984 apud Sá, 1993, p.28).
Logo, o conceito de representação social é de fundamental importância 
para se compreender o senso comum, pois é através dele que se poderá construir 
uma epistemologia popular, em contraposição a uma epistemologia científica. O 
referido autor não hierarquiza esses dois tipos de conhecimento, pois, para ele, 
sempre vão existir, cada um deles com propósitos distintos. 
Ressalta-se então que, embora o discurso médico tenha influenciado a 
representação da loucura como desvio no cérebro, ele não a determina, pois toda 
informação nova, que chega ao sujeito, confronta-se inicialmente com as 
informações que este já possui e, só a partir de então, são incorporadas em um 
sistema particular de categorias. Moscovici (2003, p.1978), denomina esse 
processo de ancoragem, um dos processos de formação das Representações 
Sociais.
Verificou-se que outras entrevistadas representam a loucura como uma 
fraqueza na cabeça. A exemplo:
"Ele passou três dias sem comer, tomava água, café, fumava 
[...] aí botou pra chorar. Na minha casa tinha um pedaço de 
terra, tinha uns pés de manga, ele ficava debaixo dos pés de 
manga, chorava, quando pensa que não ele começou [pausa] 
percebi que estava fraco da cabeça" (E 2 - M).
Observa-se que, para essa entrevistada, o fato de estar "fraco da cabeça" 
foi associado à falta de comida. O que sugere um axioma: "deixar de comer pode 
enfraquecer a mente a ponto de conduzir à loucura".
Percebeu-se, mais uma vez, que a loucura é representada como uma 
doença orgânica; representação esta veiculada pela maioria das entrevistadas. De 
acordo com Serrano (1982), o status de doença atribuído à loucura teve origem 
com a internação específica dos loucos, o que também marcou o início da 
Psiquiatria.
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Nesse sentido, Fleming (1976) ressalta que as imagens culturais 
associadas à loucura (vício, castigo de Deus, paixão desenfreada, entre outras) 
começam a ser abandonadas progressivamente em favor de uma imagem positiva: 
a loucura, como entidade objetiva, localizada no corpo, adquire gradualmente o 
estatuto de doença.
Entretanto, na pesquisa realizada, uma entrevistada, partindo de um 
pressuposto religioso, representou a loucura da seguinte forma:
“Eu imagino assim, que isso não seja doença, que não é coisa 
de Deus, na minha mente eu penso que isso é um encosto, eu 
imagino” (E 7 - M).
Esse discurso sugere-nos o seguinte questionamento: Se a loucura “não 
é um negócio de Deus”, seria ela “um negócio do Diabo”? Será que na tentativa de 
responder o “certo” para o entrevistador, outras entrevistadas omitiram o discurso 
“místico” tão presente no senso comum? 
A representação da loucura como “problema espiritual” também foi 
encontrada, entre outros, no trabalho desenvolvido por Alves (1994). Segundo o 
autor, além dos familiares atribuírem a causa da loucura a um “encosto”, o 
tratamento administrado foi “banhos” e despachos em encruzilhadas.
De acordo com Foucault (1975), o louco era considerado, até o advento 
de uma medicina positiva, como um possuído. E todas as histórias da Psiquiatria 
até então, quiseram apontar, no louco da Idade Média e do Renascimento, um 
doente ignorado, preso no interior da rigorosa rede de significações religiosas e 
mágicas. Assim, teria sido necessário esperar a objetividade de um olhar médico 
sereno e, finalmente, científico para descobrir a deterioração da natureza lá onde 
se decifrava apenas perversões sobrenaturais.
Vale ainda sublinhar que ser entrevistado no âmbito institucional, reduto 
do conhecimento médico, pode ter interferido significativamente nas respostas 
dadas, talvez fora do hospital as representações veiculadas fossem outras. No 
entanto, como afirma Orlandi (1987 apud Queiroz, 1999), o discurso do sujeito não 
mudará completamente em diferentes relações, uma vez que sua identidade não é 
perdida em cada relação de linguagem diferente. O que há é uma modulação do 
seu discurso e da sua identidade nas diferentes relações.
Nesse sentido, as representações sociais agem diretamente na definição 
da finalidade da situação, determinando os tipos de relações pertinentes para o 
sujeito, e dentro das situações de resolução de tarefas, produz um sistema de 
antecipações e expectativas, o qual seleciona, filtra e interpreta as informações, 
visando adequar a realidade à representação, definindo o que é lícito e tolerável em 
um contexto social (Abric, 2000).
Representando as Causas da Loucura
Em relação às representações sociais elaboradas pelos familiares, 
acerca do que causou a loucura em seu parente, observou-se que, para algumas 
entrevistadas, a loucura foi causada por um profundo desgosto, advindo de uma 
desilusão amorosa:
“Ele começou chorando e sorrindo por causa de uma mulher. 
Tinha a casa de uma filha minha, tinha uma senhora lá, uma 
moça. Diz ele que era doido pra arrumar uma namorada, 'ela 
deu bola a ele', você sabe, menino, né? Depois que ele ficou 
doido pra falar com ela, ela mandou um bilhete pra ele dizendo 
que não podia mais falar com ele, por causa que tinha um 
 
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amante, e o amante morava em João Pessoa [capital do 
Estado da Paraíba]. Ele chegou em casa chorando, parecia 
que tinha morrido uma pessoa” (E 2 - M).
“Eu acho que foi mais devido à mulher dele ter largado ele. 
Quando ele adoece só fala nela e nos filhos” (E 9 - M).
As entrevistadas que são mães, a todo o momento, sentem necessidade 
de culpar alguém pelo estado de seus filhos: namorados (as), maridos e esposas. 
Esse fato remete-nos para um modelo familiar ainda encontrado na sociedade (o 
burguês), no qual a mulher assume uma maior responsabilidade no tocante à 
criação dos filhos, visto que recai sobre ela a culpa por qualquer desvio na 
educação, ou mesmo qualquer doença, que venha a prejudicar a prole (Reis, 
1992). Com isso, supomos que asmães necessitam culpar alguém antes que essa 
mesma culpa recaia sobre elas.
Para Cooper (1980 apud Duarte Júnior, 1987), o sentimento de culpa é o 
principal meio de controle utilizado pela família que se orienta pelo modelo 
burguês. É através dele que se consegue o cumprimento das normas prescritas no 
seio familiar. Rabelo, Alves e Souza (1999), ressaltam que, no caso da internação 
em hospital psiquiátrico, essa culpa não recai apenas sobre a mãe, mas sobre toda 
a família. É como se esta não tivesse cumprido a função de zelar pela saúde de 
seus membros, sendo assim, interna-se o louco, como forma de omitir uma falha.
Nesse sentido, a ausência da figura paterna também foi ressaltada como 
fator desencadeante da loucura:
"Acho que foi a ausência do pai. Não é que ele tenha ficado, eu 
é que penso [...] Ele tem raiva de mim, porque ele queria que eu 
prendesse o pai, quando ele [pai] arrumou a mala pra ir 
embora, essa mala ficou quatro dias lá em casa, mas todo dia 
que eu chegava, a mala estava desarrumada, ele [usuário] 
tirava tudo de dentro e o pai reclamava [...] tirava tudo e ficava 
gritando, aí ele [usuário] ficava com raiva de mim [...] quando 
era novinho de dois pra três anos, ele tinha febre quando o pai 
não estava em casa, é por isso que eu juntei uma coisa e outra"
 (E 3 - M).
A seqüência discursiva acima também sugere uma reflexão sobre o 
modelo familiar composto por pai, mãe e filhos, no qual todos possuem um papel, 
que é determinado socialmente: o pai representa o poder econômico-financeiro, a 
comunicação com a sociedade e a referência das regras e leis; a mãe cuida da casa 
e dos filhos e os filhos obedecem aos pais (Ariès, 1981). Portanto, essa seqüência 
sugere a importância atribuída ao homem (chefe da casa), pois a sua ausência 
desestruturou a família de forma tão intensa que, segundo a entrevistada, causou a 
loucura em seu filho. Supõe-se, ainda, que a possível mágoa por ter sido 
abandonada pelo marido possa também influenciar significativamente esta 
representação.
Já outras entrevistadas associaram a causa da loucura a pancadas na 
cabeça:
"A sobrinha do meu marido foi balançar ele na rede, aí ele caiu, 
bateu com a cabeça na parede" (E 5 - M).
"Quando tinha oito anos, ele sofreu uma queda e ficou 
sangrando, aí levaram ele pro hospital e o médico falou que ele 
tinha que ficar de repouso" (E 10 - I).
As entrevistadas acima, ao associarem a causa da loucura a pancadas na 
cabeça, corroboram a representação da loucura como doença orgânica, atribuída 
pela maioria das entrevistadas.
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Convivendo com a Loucura
A relação dos familiares com os usuários, quando estes se encontram em 
casa, foi representada de forma conflituosa por todas as entrevistadas. Dizem 
sentir medo, devido ao comportamento diferente apresentado pelo usuário, bem 
como, às inúmeras agressões físicas e verbais que sofreram e ainda sofrem:
"O que trouxe ele ao hospital é que ele já estava com 
dezesseis anos e eu não agüentava mais apanhar dele. Ele me 
dava cada tapa, está por fora!" (E 3 - M).
"Ele é agressivo, me espanca com freqüência, e eu 
dialogando. Eu ia pra Belo Horizonte, mas quando a gente tem 
filho, eles ficam no meio. Fiquei com medo dos meus filhos me 
cobrarem mais tarde o porquê deu ter dado o desprezo ao pai 
deles, agüentei a conseqüência" (E 4 - E).
Ao longo dessas seqüências discursivas, percebe-se que, novamente, 
surge a questão do medo. Se em outras seqüências, esse medo era causado pela 
possibilidade de algo acontecer, agora ele é real, diante das agressões e ameaças 
de morte. O medo da loucura mais uma vez é utilizado para legitimar a internação.
As citações acima sugerem certo sentimento de culpa e/ou medo de estar 
fugindo das responsabilidades. Internar uma pessoa da família é como eximir-se 
de confrontar com um problema que a família tem o dever de enfrentar.
Rabelo, Alves e Souza (1999), reiteram a idéia de que a família é o 
principal lócus de cuidado dos doentes, é onde se delineia grande parte das 
decisões e estratégias para lidar com essa situação. Conseqüentemente, a 
principal carga de cuidados recai sobre a mãe (ou outra figura feminina que assume 
papel equivalente), sendo a mesma responsável, não só pela administração da 
vida diária do doente, como também pela escolha do tratamento.
Nesse sentido, nos discursos das entrevistadas, pode-se observar que o 
familiar mais "atingido" pelo comportamento do usuário é aquele que tem a tarefa 
de cuidar do mesmo e, na maioria das vezes, é o único que o visita na instituição 
psiquiátrica, neste caso: mãe, esposa ou irmã, a exemplo de E 5:
"Ele gosta de andar de ônibus, teve momento que dentro do 
ônibus, ele começou a bater no pessoal, mas quando eu dizia 
pra ele não fazer aquilo, ele 'voava em cima de mim', aí eu tinha 
que descer pra ele não ficar batendo, pois se ele ficasse ali o 
prejudicado seria ele. Se ele pedir pra andar e eu disser que 
não, ele 'voa em cima de mim' e me bate" (E 5 - M).
Evidencia-se certa resignação diante da loucura, percebe-se que as 
entrevistadas encontram-se em um caminho sem volta, caminho esse onde nada 
mais pode ser feito a não ser se conformar. 
Observou-se, ainda, que os familiares reestruturam suas vidas de forma 
significativa, mudando suas rotinas:
"Aí quando ele está dormindo, alivia a cabeça dele e a minha, 
né? Ninguém liga rádio, ninguém liga a televisão, falam lá no 
quintal, pra deixar ele dormir sossegado. Depois que ele está 
acordado ele diz: 'Mãe, eu quero isso pra eu comer!', se não 
tiver eu arrumo na hora, tem que fazer primeiro que o do pai, e 
se eu não tiver eu saio nas bodegas pra comprar fiado, pra não 
atrapalhar ele, né? Pra não vê ele brabo" (E 2 - M).
"Me sinto completamente neutra quando ele está em casa. Por 
exemplo, quando ele me espanca eu não contribuo do mesmo 
jeito. É pedir calma a Deus e ficar, procurar me controlar, me 
controlar e deixar ele fazer, reagir como ele quiser" 
(E 4 - E).
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A análise das seqüências acima nos remete à questão de gênero como 
também ao modelo familiar burguês. Os usuários citados são do sexo masculino e 
verifica-se o surgimento, no seio familiar, de uma estrutura que impede que esses 
indivíduos sejam perturbados ou que suas vontades não sejam satisfeitas. Essa 
situação não foi encontrada, quando se tratava de usuário do sexo feminino.
Embora a voz da loucura tenha sido abafada ao longo do tempo pela voz 
da razão (Foucault, 1999), observa-se que o considerado louco, quando é o chefe 
da casa, ainda tem poder de subjugar os outros membros da família, embora seja 
uma subjugação, sobretudo, através da força física e do medo.
A presença do usuário no lar mostrou-se coercitiva para todos os 
familiares, evidenciando, portanto, uma grande tensão, devido ao constante 
estado de alerta a que estão submetidos. Por outro lado, os discursos sugerem que 
essa situação legitima a internação.
De acordo com Souza (1999), não é isenta de dor e sofrimento a tarefa de 
internar alguém em um hospital psiquiátrico, principalmente, na primeira vez que 
isso acontece. O referido autor ressalta, ainda, que a sensação de se estar 
cometendo uma violência para com a pessoa que vai ser internada confronta-se 
com a representação que esse familiar tem acerca do hospital psiquiátrico, 
representação que corresponde à visão dominante no senso comum: local onde as 
pessoas são submetidas a tratamentos desumanos, a torturas com choque-
elétrico e camisa-de-força. Entretanto, as decisões pelas internações seguintes 
são sempre mais fáceis que a primeira.
O Tratamento no Âmbito Hospitalar
O hospital foi indicado, pela maioria das entrevistadas, como o melhor 
lugar para o usuário ficar. Desse modo, algumas entrevistadas dizem que o usuário 
precisa do hospital, enquanto estiver setratando:
"Eu queria ele comigo, mas eu não posso. O melhor lugar pra 
ele ficar é aqui" (E3-M).
"Eu queria colocar ele em um hospital em João Pessoa [capital 
do Estado da Paraíba], já ouvi dizer que lá, a pessoa fica 
efetiva, só não sei onde é" (E8-M).
"É bom, completamente bom. Os meninos têm cuidado com 
ele, não deixam ele fugir, tem a alimentação dele na hora certa, 
tem medicação e, em casa, eu não posso dar" (E 4 - M).
Já para outras, o tratamento não adianta:
"Parece que o medicamento se acostuma com o problema, e 
não faz efeito. Nenhum medicamento resolve o problema, né? 
A gente tem que pedir muito tempo de vida a Deus, pois a vida 
dele [usuário] depende da nossa" (E 5 – M).
Verificou-se certa resistência dos familiares ao responderem questões 
acerca do tratamento recebido pelo usuário na instituição. Talvez, por medo de este 
conteúdo ser transmitido aos dirigentes do hospital psiquiátrico, comprometendo a 
internação do seu parente.
Torna-se importante ressaltar que a neutralidade do entrevistador é 
inexeqüível. E, nesse sentido, o fato de o entrevistador ser um estagiário da 
instituição também deve ter influenciado as respostas. Como já salientamos, no 
processo de elaboração das representações é produzido um sistema de 
antecipações e expectativas que adapta a realidade à representação, definindo o 
que é lícito e tolerável em um contexto social (Abric, 2000).
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Ao longo das entrevistas, os familiares, geralmente, falam bem da 
instituição psiquiátrica e dos funcionários e, quando relatam algo que precisa ser 
melhorado, imediatamente é dito algo bom em relação à instituição.
Nas representações da maioria das entrevistadas, o hospital cumpre seu 
papel, uma vez que o discurso das mesmas sugere que se o usuário não fica 
curado, é por causa da doença e não por causa da instituição psiquiátrica.
Considerações finais
A partir da pesquisa desenvolvida, constatou-se que a proposta do 
Movimento de Reforma Psiquiátrica no Brasil ainda tem um longo caminho a 
percorrer. Acreditamos, então, que as atenções devam voltar-se para a família, visto 
que não basta apenas abolir a prática asilar, mas dar subsídios para que os usuários 
de instituições psiquiátricas possam permanecer do lado de fora dos asilos. 
Sendo assim, não perdendo de vista que as entrevistas foram realizadas 
num hospital psiquiátrico e que isto, provavelmente, interferiu nas respostas, 
observa-se a urgência em desenvolver trabalhos que abranjam a sociedade como 
um todo, pois, enquanto a loucura for representada como doença, o louco como um 
ser perigoso e incapaz, e o hospital como o único local e/ou local mais adequado 
para tratar a loucura, a reforma psiquiátrica não se efetivará.
NOTA
1 Visando manter o anonimato das entrevistadas, optamos por atribuir um número a cada entrevista, número 
que equivale à ordem que as entrevistas foram realizadas, seguido do grau de parentesco da entrevistada (E 
– Esposa, I – Irmã e M – Mãe).
REFERÊNCIAS
ABRIC, Jean-Claude. A Abordagem Estrutural das Representações Sociais. (27-38). In: MOREIRA, Antônia 
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