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1 Relatórios de Auditoria Independente: Um Estudo dos Parágrafos de Ênfase e de Outros Assuntos das Empresas Listadas na Bm&Fbovespa Autoria: Renato Henrique Gurgel Mota, Adilson de Lima Tavares, Márcia Reis Machado RESUMO Esta pesquisa surge do seguinte questionamento: quais os assuntos que estão sendo tratados nos parágrafos de ênfase e de outros assuntos nos Relatórios de Auditoria Independente do exercício de 2010? O presente estudo trata-se uma pesquisa descritiva, do tipo documental e quanto à abordagem do problema, utilizou-se da técnica de análise de conteúdo nos relatórios de 495 companhias abertas brasileiras em 2010. Como resultado, verificou-se que o assunto mais citado no parágrafo de ênfase refere-se a diferenças entre as Normas Brasileiras e Internacionais de Contabilidade e, no parágrafo de outros assuntos, destacou-se o exame da Demonstração do Valor Adicionado. Palavras-chave: Relatórios de Auditoria Independente. Normas Internacionais de Contabilidade. Normas Internacionais de Auditoria Independente. Empresas de Auditoria. 2 1 INTRODUÇÃO Atualmente o Brasil ocupa a sétima posição ranking das maiores economias do mundo (FMI, 2011), esse crescimento também refletiu na expressiva expansão sofrida pelo mercado de capitais brasileiro nos últimos anos. Neste sentido, o trabalho dos auditores independentes é fundamental para a validação e credibilidade das demonstrações contábeis, sendo úteis para investidores, credores, clientes, governo, dentre outros. Assim, o objetivo da auditoria independente é aumentar o grau de confiança nas demonstrações contábeis por parte dos usuários. Isso é alcançado mediante a expressão de uma opinião pelo auditor sobre se as demonstrações contábeis foram elaboradas, em todos os aspectos relevantes, em conformidade com uma estrutura de relatório financeiro aplicável (RESOLUÇÃO CFC Nº. 1.203/09). A contabilidade vem passando por fortes mudanças nas suas normas. Isso se deve ao processo de convergência das normas contábeis de vários países às Normas Internacionais de Contabilidade, emanada do International Accounting Standards Board (IASB). No Brasil, esse processo teve início em 2005 com a criação do CPC (Comitê de Pronunciamento Contábeis). A mudança das Normas Contábeis Internacionais também afetou as Normas de Auditoria Independente, que também sofreram alterações nesses últimos anos. O órgão Internacional que trata dessa normatização é a International Federation of Accountants (IFAC) através do International Auditing and Assurance Standards Board (IAASB), emitindo as International Standards on Auditing (ISA). No caso brasileiro, essa normatização fica a cargo do Conselho Federal de Contabilidade (CFC), que também passou a seguir as normas internacionais de auditoria independente. Em 2010, todas as empresas brasileiras com ações listadas na BM&FBOVESPA foram obrigadas a adotar as Normas Internacionais de Contabilidade (International Financial Reporting Standards – IFRS). Adicionalmente, naquele ano, as empresas de auditoria também tiveram que adotar as novas normas de auditoria independente. Portanto, o exercício de 2010 é marcado pela adoção completa das IFRS e das Normas Internacionais de Auditoria Independente. Em termos técnicos, destacam-se as alterações na estrutura das normas de auditoria independente, na forma de expressar a sua opinião, no produto final do auditor independente, que deixa de se chamar “Parecer de Auditoria” para chamar-se “Relatório do Auditor Independente” e nos parágrafos nele contidos. De acordo com a Resolução CFC Nº. 1.231/09, o Relatório do Auditor Independente é composto de quatro parágrafos: introdutório, responsabilidade da administração sobre as demonstrações contábeis, responsabilidade do auditor, opinião do auditor. Havendo necessidade, também são incluídos parágrafos de ênfase e/ou de outros assuntos. Diante da adoção das IFRS e das novas Normas de Auditoria Independente no Brasil surge a seguinte questão de pesquisa: quais os assuntos tratados nos parágrafos de ênfase e de outros assuntos dos relatórios de auditoria do exercício de 2010? Com o intuito de responder a esse problema de pesquisa define-se como objetivo deste estudo, analisar os assuntos que estão sendo tratados nos parágrafos de ênfase e de outros assuntos nos relatórios de auditoria das empresas listadas na BM&FBOVESPA, referentes ao exercício de 2010. Adicionalmente, será averiguado se a quantidade de parágrafos de ênfase e outros assuntos é diferente entre as Big Four e as demais empresas de auditoria. Além desta introdução, o presente estudo traz uma breve revisão sobre relatórios de auditoria, seguida da metodologia adotada para responder ao problema de pesquisa. E, por fim são apresentados os resultados encontrados e as considerações finais. 3 2 REFERENCIAL TEÓRICO 2.1 ADOÇÃO DAS NORMAS INTERNACIONAIS DE CONTABILIDADE No exercício de 2010, as empresas brasileiras com ações negociadas na BM&FBOVESPA, conforme a deliberação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) nº 647, foram obrigadas a adotar as Normas Internacionais de Contabilidade na elaboração e divulgação das Demonstrações Contábeis, emanadas do IASB. Assim, contabilmente, pode-se considerar que no ano de 2010 foi concluído o processo de convergência das Normas Brasileiras de Contabilidade (NBC) às Normas Internacionais de Contabilidade. Até janeiro de 2012, o CPC emitiu 42 pronunciamentos, 17 interpretações e 5 orientações, todas baseadas nas IFRS e versando sobre diversos temas como: redução a valor recuperável, ativo intangível, operações com arrendamento mercantil, ajuste a valor presente, instrumentos financeiros, dentre outros. Portanto, essas normas modificaram a forma de contabilização de diversos eventos financeiros e econômicos nas empresas. De acordo com NIYAMA et al (2010), as normas contábeis emitidas pelo IASB são mais baseadas em princípios do que em regras, ou seja, as normas que dão sustentação à atuação profissional têm por base uma estrutura conceitual e não estabelecem critérios específicos para o tratamento de situações particulares. Essas normas não determinam como fazer, mas sim como decidir o que precisa ser feito. Elas oferecem um referencial conceitual para auxiliar o julgamento dos profissionais contábeis e auditores, dando maior liberdade para escolher os critérios contábeis desde que representem a visão fiel e verdadeira (true and fair veiw) da empresa. Segundo essas normas, a essência da transação deve prevalecer sobre a forma, ou seja, as transações e eventos devem ser contabilizados pela sua substância e realidade econômica, e não meramente sua forma legal. Dessa forma, espera-se que com a adoção dessas normas, as informações contábeis representem uma situação patrimonial e financeira das empresas mais próximas de realidade. Damascena, Firmino e Paulo (2011) estudaram os pareceres de auditoria das companhias abertas brasileiras com o objetivo de identificar quais os fatores mais frequentes que motivaram a emissão de pareceres com ressalva e/ou parágrafos de ênfase no período de 2006 a 2008 e detectaram que os motivos que mais provocaram ressalvas versavam sobre limitação de escopo e impossibilidade da formação de opinião, ao passo que os parágrafos de ênfases diziam respeito a existência de prejuízos contínuos, passivo a descoberto e deficiência de capital de giro. Os referidos autores também observaram que 60% das auditorias realizadas no mercado brasileiro eram feitas pelas Big Four, ou seja, pelas seguintes empresas: Deloitte Touche Tohmatsu, KPMG Auditores Independentes, Ernest & Young e Pricewaterhouse- coopers. Cabe ressaltar que o estudo anteriormente citado não compreendeu o exercício de 2010, ano de conclusão do processo de convergência das NormasContábeis Brasileiras. Neste sentido, o presente artigo pretende investigar o conteúdo dos relatórios de auditoria referentes ao exercício de 2010 frente à adoção das IFRS e das novas normas de auditoria independente. 2.2 AUDITORIA DAS DEMONSTRAÇÕES CONTÁBEIS De acordo com Boynton, Johnson e Kell (2002), a auditoria começou em época tão remota quanto à contabilidade. No Egito antigo, autoridades providenciavam verificações independentes nos registros de arrecadação de impostos; na Grécia eram realizadas inspeções nas contas dos funcionários públicos; os romanos comparavam gastos com autorizações de 4 pagamento. A auditoria de empresas tem início com a legislação britânica promulgada com a revolução industrial, em meados do século XIX. Ainda segundo os autores acima, o avanço da tecnologia industrial, a expansão das empresas e a ausência dos proprietários no dia-a-dia das operações, fez surgir a necessidade de auditorias, inicialmente executadas por acionistas. Posteriormente, a legislação vigente foi alterada permitindo que essa verificação fosse executada por pessoas não acionistas, fazendo surgir as empresas de auditoria, tais como, Deloitte & Co. e Price Waterhouse & Co., até hoje, atuantes em vários países. Dentre os vários tipos de auditoria, esse estudo pretende deter-se somente à auditoria independente das demonstrações contábeis, aquela que envolve obtenção e avaliação de evidências a respeito das demonstrações contábeis de uma entidade, para emissão de um parecer acerca da adequabilidade de sua apresentação. Objetivando, com isso, aumentar o grau de confiança nas demonstrações contábeis por parte dos usuários. Segundo Franco e Marra (1992), o objeto da auditoria é o conjunto de todos os elementos de controle do patrimônio administrado, tais como registros contábeis, papéis, documentos, etc. Para eles, a auditoria exerce sua função preventiva, saneadora e moralizadora sob o objeto de auditoria, para confirmar a veracidade dos registros e a confiabilidade dos comprovantes, com o fim de opinar sobre a adequação das situações e informações contidas nas demonstrações contábeis. Attie (1998) diz que ao efetuar um exame e ao expressar sua opinião sobre as demonstrações contábeis, o auditor deve estar alerta à possibilidade de existência de fraudes e outras irregularidades, que em alguns casos podem ser de tal grandeza que afetam a posição patrimonial e financeira ou o resultado das operações da empresa em exame. Contudo, o autor alerta que o objetivo de um exame normal de auditoria sobre as demonstrações financeiras é expressar uma opinião acerca da propriedade das mesmas, e não, desvendar fraudes e outras irregularidades. Diante do exposto, a auditoria independente é de fundamental importância, para usuários, tanto internos quanto externos, das informações contábeis, uma vez que através de seus exames, investigam a veracidade das informações reportadas. 2.3 RELATÓRIO DO AUDITOR INDEPENDENTE Até o ano de 2009, a auditoria independente no Brasil foi regulamentada pelas Normas Brasileiras de Contabilidade - NBC T 11 que trata da Auditoria Independente das Demonstrações Contábeis (DC), emitidas pelo CFC. Contudo, ao final de 2009 essas normas sofreram várias modificações com vistas a adotar as Normas Internacionais de Auditoria, com vigência a partir do exercício de 2010. Essas novas normas são, praticamente, traduções das normas de auditoria emanadas pelo IFAC. O Quadro 1 evidencia as principais modificações no documento emitido pelo auditor independente entre a NBC T11 – Normas de Auditoria Independente das Demonstrações Contábeis e da NBC TA – Normas Técnicas de Auditoria. Quadro 1: Alterações entre a NBC T 11 e a NBC TA quanto ao documento emitido pelo auditor independente Alteração NBC T 11 NBC TA Nomenclatura Parecer do auditor independente Relatório do auditor independente sobre as demonstrações contábeis. Objetivo É emissão de parecer sobre a sua adequação, consoante os Princípios Fundamentais de Contabilidade e as Normas Brasileiras de Contabilidade É aumentar o grau de confiança nas demonstrações contábeis por parte dos usuários, mediante a expressão de uma opinião pelo auditor sobre se as 5 e, no que for pertinente, a legislação específica. demonstrações contábeis foram elaboradas, em todos os aspectos relevantes, em conformidade com uma estrutura de relatório financeiro aplicável. Definição do documento Documento mediante o qual o auditor expressa sua opinião, de forma clara e objetiva, sobre as demonstrações contábeis nele indicadas. Opinião do auditor sobre se as demonstrações contábeis foram elaboradas, em todos os aspectos relevantes, em conformidade com uma estrutura de relatório financeiro aplicável. Classificação do documento/opinião Parecer: sem ressalva; com ressalva, adverso, com abstenção de opinião. Opinião: não modificada ou sem modificações; modificada. Estrutura do documento Parecer sem ressalva: título, destinatário, parágrafo introdutório, parágrafo de extensão, parágrafo de opinião do auditor, data do parecer do auditor independente, assinatura do auditor, nome da empresa. Parecer com ressalva: deve incluir as expressões “exceto por”, “exceto quanto” ou “com exceção de“. Título, destinatário, parágrafo introdutório, responsabilidade da administração sobre as demonstrações contábeis, responsabilidade do auditor, opinião do auditor, outras responsabilidades relativas à emissão do relatório de auditoria, assinatura do auditor, data do relatório do auditor independente, endereço do auditor independente. Fonte: Adaptado de Damascena (2011). O tipo de opinião do auditor também passou por modificações como observado no Quadro 2. De acordo com os Quadros 1 e 2, as novas normas de auditoria independente trouxeram alterações em vários aspectos, desde o nome do documento final emitido pelo auditor, que passa a chamar-se de relatório do auditor independente, até o conteúdo desse relatório. Quadro 2: Modificações quanto a opinião do auditor independente Opinião Tipo de parecer NBC T 11 NBC TAs 700, 705 e 706 Sem modificação Sem ressalva Mostra que as demonstrações contábeis da empresa auditada foram elaboradas de acordo com as normas e práticas contábeis adotadas. É a opinião expressa pelo auditor quando ele conclui que as demonstrações contábeis são elaboradas, em todos os aspectos relevantes, de acordo com a estrutura de relatório financeiro aplicável. Modificado Com ressalva É inserida quando o auditor conclui que o efeito de qualquer discordância ou restrição na extensão de um trabalho poderá afetar as demonstrações contábeis. Ocorre: a) quando se obtém evidência de auditoria apropriada e suficiente, concluindo que as distorções, individualmente ou em conjunto, são relevantes, mas não generalizadas nas demonstrações contábeis; ou b) quando não se consegue obter evidência apropriada e suficiente de auditoria para suportar sua opinião, mas ele conclui que os possíveis efeitos de distorções não detectadas, se houver, sobre as demonstrações contábeis poderiam se relevantes, mas não generalizados. Adverso Ocorre quando o auditor evidencia que as demonstrações contábeis não representam adequadamente as normas e práticas contábeis vigentes. Ocorre quando, se obtém evidência de auditoria apropriada e suficiente, concluindo que as distorções, individualmente ou em conjunto, são relevantes e generalizadas para as demonstrações contábeis. Abstenção de opinião Ocorre quando o auditor não consegue, por meio de seus trabalhos de auditoria, emitir Ocorre quando não se consegue obter evidência de auditoria apropriada e suficiente para suportarsua opinião, concluindo-se que 6 opinião por não obter confirmação de informações para fundamentá-las. os possíveis efeitos de distorções não detectadas, se houver, sobre as demonstrações contábeis poderiam ser relevantes e generalizadas. Parágrafo de ênfase Ocorre quando há incerteza em relação a algum fato relevante, cujo desfecho poderá afetar significativamente a posição patrimonial e financeira da entidade. É o parágrafo incluído no relatório de auditoria referente a um assunto apropriadamente apresentado ou divulgado nas demonstrações contábeis que, de acodo com o julgamento do auditor, é de tal importância, que é fundamental para o entendimento pelos usuários das demonstrações contábeis. Parágrafo de outros assuntos Não dispõe. É o parágrafo incluído no relatório de auditoria que se refere a um assunto não apresentado ou não divulgado nas demonstrações contábeis e que, de acordo com o julgamento do auditor, é relevante para os usuários entenderem a auditoria, a responsabilidade do auditor ou os relatórios de auditoria. Fonte: Adaptado de Damascena (2011). A NBC TA reconhece a importância desse documento ao definir que o objetivo da auditoria é aumentar grau de confiança nas demonstrações contábeis por parte dos usuários, mediante a expressão de sua opinião. Essas normas também deixam mais claras as responsabilidades assumidas pela administração e pelo auditor, ao criar um parágrafo específico para a responsabilidade da administração da companhia. Adicionalmente, foi criado um parágrafo de “outros assuntos” alterando, dessa forma, a estrutura do documento emitido pela auditoria. 3 PROCEDER METODOLÓGICO De acordo com Beuren (2010), a presente pesquisa classifica-se, quanto aos objetivos, como uma pesquisa descritiva, uma vez que procura descrever o conteúdo que está sendo citado nos parágrafos de ênfase e de outros assuntos nos Relatórios de Auditoria Independente (RAI) nas companhias abertas brasileiras. Quanto aos procedimentos, esta pesquisa é do tipo documental, uma vez que foi necessário levantar todos os relatórios de auditoria das empresas disponíveis no sítio da BM&FBOVESPA. No que tange a abordagem do problema, trata-se de uma pesquisa qualitativa, pois, nesse estudo, será analisado o conteúdo dos RAI emitidos pelas companhias abertas brasileiras. De acordo com Marconi e Lakatos (2010), a técnica análise de conteúdo tem a finalidade de descrever, sistematicamente, o conteúdo das comunicações. A atual análise de conteúdo foi acrescida de mais uma característica, ou seja, o desenvolvimento de técnicas quantitativas, que permitem maior precisão. A população da pesquisa compreendeu, inicialmente, todas as companhias abertas listadas na BM&FBOVESPA, perfazendo um total de 514 empresas. Desse total, foram excluídas 18 empresas por não disponibilizarem no sítio da BM&FBOVESPA, a fonte utilizada para a coleta de dados, o Relatório do Auditor Independente do exercício de 2010, e uma companhia por não evidenciar a empresa que realizou o trabalho de auditoria, totalizando 495 empresas. 7 Martinez (2009) buscou identificar evidências se no Novo Mercado a Auditoria realizada por Big Four e o Parecer dos Auditores estão associados à propensão ao gerenciamento de resultados por escolhas contábeis e ao gerenciamento de resultados por decisões operacionais. As evidências obtidas, numa amostra de empresas brasileiras, sugerem que o Novo Mercado e a Auditoria de Big Four reduzem o gerenciamento de resultados por escolhas contábeis, assim como o Parecer com Ressalva é um indicador de gerenciamento de resultados por escolhas contábeis. Neste sentido, a presente pesquisa testará a seguinte hipótese: H0 – A quantidade de parágrafos de ênfase e outros assuntos, em média, são iguais entre as Big Four e as outras empresas de auditoria. Para averiguar se a quantidade de parágrafos de ênfase e outros assuntos é diferente entre as Big Four e as demais empresas de auditoria, utilizou-se o teste não paramétrico de Mann-Whitney. Esse teste deve ser empregado na análise sobre o fato de duas amostras independentes terem sido extraídas de populações com médias iguais. O teste de Mann- Whitney torna-se uma importante alternativa ao teste paramétrico de comparação de médias (MARTINS; THEÓPHILO, 2007). Para aplicação desse teste foram separados os relatórios dos auditores em dois grupos, quais sejam: os relatórios auditados por empresas Big Four e os relatórios auditados por outras empresas. Na sequência, foi quantificado o número de parágrafos de ênfase e de outros assuntos por empresa. O teste foi aplicado utilizando o software PASW Statistics® e o nível de significância para aceitar ou rejeitar a hipótese testada foi de 0,05. Assim, se o resultado do teste calculado for maior do que o nível de significância, então, não se pode rejeitar a hipótese nula testada nesta pesquisa. 4 ANÁLISE DOS RESULTADOS Conforme apresentado anteriormente, foram analisados todos os Relatórios de Auditoria do Auditor Independente, referentes ao exercício de 2010, das companhias abertas listadas na BM&FBOVESPA, disponíveis no sítio do referido órgão, perfazendo um total de 495 relatórios. Os relatórios analisadas eram concernentes a empresas de 10 setores da economia, conforma apresenta a Tabela 1. . Tabela 1: Empresas por setor Setor N % Financeiro 94 19% Utilidade pública 75 15% Construção e transporte 70 14% Consumo cíclico 66 13% Consumo não cíclico 47 9% Materiais básicos 43 9% Participações em outras empresas 37 7% Bens Industriais 34 7% Telecomunicações 15 3% Tecnologia da informação 8 2% Petróleo, gás e bicombustíveis 6 1% TOTAL 495 100% 8 De acordo com a Tabela 1, observa-se que os setores com maiores números de empresas são os setores Financeiro (19%), utilidade pública (15%), construção e transporte (14%). Já o setor de petróleo, gás e bicombustíveis é representado por apenas 1% das empresas. A Tabela 2 evidencia o número de parágrafos de ênfase e de outros assuntos por empresa. Com base na referida Tabela, observa-se que 92,7% dos relatórios apresentaram parágrafos de outros assuntos, ao passo que 70,1% dos relatórios apresentaram parágrafos de ênfase. No que tange ao número de ênfase e de outros assuntos por empresa, observou-se que a maioria dos RAI continha um parágrafo de ênfase (49,5%) e um parágrafo de outros assuntos (62,4%). Os RAI que apresentaram dois parágrafos de ênfase e de outros assuntos correspondem, respectivamente, a 15,2% e 29,1% dos relatórios pesquisados (Tabela 2). O conteúdo desses parágrafos está descrito nas Tabelas 3 e 4. Tabela 2: Número de parágrafos de ênfase e de outros assuntos por relatório/empresa Número de parágrafos por empresa Ênfase Outros Assuntos N % % Acumulado N % % Acumulado Um parágrafo 245 49,5% 49,5% 309 62,4% 62,4% Dois parágrafos 75 15,2% 64,7% 144 29,1% 91,5% Três parágrafos 23 4,6% 69,3% 6 1,2% 92,7% Quatro parágrafos 2 0,4% 69,7% 0 0,0% 92,7% Cinco parágrafos 2 0,4% 70,1% 0 0,0% 92,7% Ausência de parágrafo 148 29,9% 100% 36 7,3% 100% TOTAL 495 100% 495 100% O assunto tratado com maior frequência nos RAI do exercício de 2010 refere-se a diferenças entre as NBC e IFRS, representando 49,8% dos assuntos. Esse caso deve-se ao fato de que as demonstrações contábeis individuais foram elaboradas de acordo com as práticas contábeis adotadas no Brasil. Essas práticas diferem do IFRS, aplicável às demonstrações contábeis separadas, somente no que se refere à avaliação dos investimentos em controladas, coligada e controlada em conjunto pelo método de equivalência patrimonial, enquanto que para fins de IFRS seria custo ou valor justo. Tabela 3: Assuntos tratados nos parágrafosde ênfase em 2010 Motivos N % Diferenças entre NBC e IFRS 257 49,8% Continuidade 92 17,8% Aplicação da OCPC 04 somente nas DF consolidada 23 4,5% Revisão pelo IFRIC das práticas de reconhecimento de receitas 23 4,5% Ações judiciais 22 4,3% Amortização do saldo do Ativo Diferido 16 3,1% Negociação de dívidas 14 2,7% Atividades operacionais da empresa 13 2,5% Procedimentos de auditoria 11 2,1% Valores a receber 7 1,4% Transação com parte relacionada 6 1,2% Ajuste de avaliação patrimonial 6 1,2% Demonstração Contábil emitida com propósito especial 5 1,0% Seguros 4 0,8% Valores incertos registrados nas demonstrações contábeis 4 0,8% Provisões de impostos e contingência 3 0,6% 9 Reapresentação das demonstrações contábeis 3 0,6% Registro de propriedade de imóvel 1 0,2% Integralização de capital 1 0,2% Amortização de prejuízos acumulados 1 0,2% Títulos registradas como disponível para venda 1 0,2% Não ocorrência de Assembleia 1 0,2% Contingência não contabilizada 1 0,2% Não fez teste de impairment e o valor presente de recebíveis 1 0,2% TOTAL 516 100,0% Outro assunto bastante citado nos parágrafos de ênfase, com 17,8% de observação, trata da continuidade da empresa, com comentários no que tange a prejuízos no período corrente e anteriores. Alguns relatórios também citam que as empresas se encontravam em fase pré-operacional ou em plano de recuperação judicial. O subsetor de construção civil, pertencente ao setor de construção e transporte foi responsável pela maioria das citações nos RAI que tratam aplicação da Orientação CPC 04 somente nas DF consolidada e da Revisão pelo International Financial Reporting Interpretations Committee (IFRIC) das práticas de reconhecimento de receitas, representado 9% dos assuntos tratados. Os outros subsetores que também apresentaram essa ênfase foram o de exploração de imóveis e de outros intermediários, ambos do setor Financeiro e outros. Nesse caso, os RAI citavam que as demonstrações financeiras consolidadas foram preparadas de acordo com as IFRS aplicáveis a entidades de incorporação imobiliária, considerado, adicionalmente, a Orientação OCPC 04 editada pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis, que trata do reconhecimento da receita desse setor. Acrescentavam, ainda, que determinados assuntos relacionados ao significado e aplicação do conceito de transferência contínua de riscos, benefícios e de controle na venda de unidades imobiliárias serão analisados pelo IFRIC. E, os resultados dessa análise podem fazer com que as incorporadoras imobiliárias tenham que revisar suas práticas contábeis relacionadas ao reconhecimento de receitas. Dentre outros assuntos tratados nos parágrafos de ênfase dos RAI destacam-se: questões judiciais (4,3%), amortização do saldo do ativo diferido (3,1%), negociação de dívidas (2,7%), atividades operacionais da companhia (2,5%) e procedimentos de auditoria (2,1%). Este último refere-se, basicamente, ao alcance da auditoria realizada. Tabela 4: Assuntos tratados nos parágrafos de outros assuntos em 2010 Motivos N % Auditoria da DVA 294 64,1% Auditoria de exercícios anteriores 147 32,0% Reapresentação das demonstrações contábeis 3 0,7% Continuidade 2 0,4% Diferenças entre NBC e IFRS 2 0,4% Evento subsequente 1 0,2% Tradução de dólar para reais 1 0,2% Auditoria de informações socioambientais 1 0,2% Demonstrações contábeis com propósito específico 1 0,2% Operação com partes relacionadas 1 0,2% Gastos com ativos concessivos 1 0,2% Exame da companhia e suas controladas 1 0,2% Registro em seu ativo do superávit do Plano de Aposentadoria e Pensão 1 0,2% CPC´s implementados retroativamente a 1º de janeiro de 2009 1 0,2% Exame das demonstrações financeiras fiduciárias 1 0,2% Parcelamento de dívidas tributárias 1 0,2% TOTAL 461 100,0% 10 De acordo com a Tabela 4, observa-se que o tema mais citado nos parágrafos de outros assuntos foi sobre o exame das demonstrações individual e consolidada da Demonstração do Valor Adicionado (DVA), presente em 64,1% das observações, cuja apresentação é requerida pela legislação societária brasileira para companhias abertas, e como informação suplementar pelas IFRS. Presente em 32% das observações dos parágrafos de outros assuntos, questões que tratam da auditoria de exercícios anteriores esclarecem por quem foi realizada a auditoria do período anterior, como também, dos ajustes necessários para adoção das IFRS. Ao analisar as Tabelas 3 e 4, observa-se que alguns relatórios tratam em parágrafos diferentes, ou seja, de ênfase e de outros assuntos, temas semelhantes, como por exemplo, diferenças entre NBC e IFRS, continuidade, reapresentação das demonstrações contábeis e operações com partes relacionadas. Contudo, não foi objetivo deste estudo verificar se essas diferenças devem-se ao tipo de empresa de auditoria. A Tabela 5 apresenta o número de empresas auditadas por Big Four e por outras empresas. Observa-se que a concentração de auditorias realizadas por empresas Big Four, em 2010, foi de 69%, maior do que a encontrada por Damascena (2011) referente ao exercício de 2008 que foi de 60%. Cabe ressaltar que, no ano de 2010, a empresas Terco Grant Thornton Auditores Independentes (Terco) se uniu a Ernst & Young Auditores Independentes S.S. passando a denominar-se Ernst & Young Terco Auditores Independentes S.S. O mesmo ocorreu com a KPMG Auditores Independentes e a BDO Auditores Independentes que passou a chamar-se KPMG Auditores Associados. Tabela 5: Quantidade de empresas auditadas por Big Four e outras empresas Empresa de auditoria N % Big Four 343 69% Outras empresas 152 31% TOTAL 495 100% Através do teste de Mann-Whitney, buscou-se verificar se a quantidade de parágrafos de ênfase e outros assuntos em média são iguais entre as Big Four e as outras empresas de auditoria. O resultado do teste encontra-se na Tabela 6. Tabela 6: Teste de Mann-Whitney Test Statisticsa Parágrafos Mann-Whitney U 23339,500 Wilcoxon W 34967,500 Z -1,934 Asymp. Sig. (2-tailed) ,053 Exact Sig. (2-tailed) ,053 Exact Sig. (1-tailed) ,026 Point Probability ,000 De acordo com a Tabela 6, o teste de hipótese apresentou uma estatística teste Z igual a -1,934, com nível de significância igual a 0,053, ou seja, acima do nível de significância adotado neste estudo de 0,050. Portanto, não se rejeita a hipótese de que, em média, a quantidade de parágrafos de ênfase e de outros assuntos são iguais entre as Big Four e as outras empresas de auditoria. Contudo, como o resultado desse teste ficou muito próximo do nível de significância, essa conclusão deve ser vista com cautela. 11 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente estudo teve como objetivo, analisar os assuntos tratados nos parágrafos de ênfase e de outros assuntos dos relatórios de auditoria independente das empresas listadas na BM&FBOVESPA, referentes ao exercício de 2010. Para isso foram coletados os relatórios de auditoria das empresas no sítio da BM&FBOVESPA e, depois de excluídos as empresas que não apresentam o RAI, restaram um total de 495 companhias. Neste sentido, o presente estudo trata-se uma pesquisa descritiva, do tipo documental e, quanto à abordagem do problema, utilizou-se da técnica da análise de conteúdo. A amostra compreendeu todos os setores da BM&FBOVESPA, destacando-se: o setor Financeiro composto por bancos, securitizadoras de recebíveis, e intermediadores financeiros; o setor de utilidade pública, nele encontram-se as empresas de energia elétrica, gás e água e saneamento; e os setores de construção e transporte e consumo cíclico. Em relação à quantidade de parágrafos de ênfase e de outros assuntos, observou-se uma ausência maior dos parágrafos de ênfase do que de parágrafos de outros assuntos. Cabe ressaltar que o parágrafode outros assuntos foi criado com a adoção das normas internacionais de auditoria. Os assuntos mais tratados nos parágrafos de ênfase referem-se a diferenças entre NBC e IFRS, principalmente no que tange à avaliação de investimentos em controladas, coligada e controlada em conjunto. Outro assunto que merece destaque versa sobre a continuidade da empresa, das controladas e das coligadas. Os relatórios de empresas que estão relacionados com a construção civil e ao crédito imobiliário mencionaram sobre a aplicação da OCPC 04 somente nas Demonstrações Financeiras Consolidadas e da revisão pelo IFRIC das práticas de reconhecimento de receitas. No parágrafo de outros assuntos, dois temas foram mais recorrentes, o primeiro, trata da auditoria de DVA, cuja apresentação é requerida pela legislação societária brasileira, enquanto que pelas IFRS é tratada como informação suplementar; o segundo, refere-se à auditoria de exercícios anteriores, principalmente, no que tange à responsabilidade pelos exames daquele ano. Este estudo também encontrou um aumento na concentração de auditorias realizadas pelas Big Four quando comparado com o estudo de Damascena (2011) referente ao ano de 2008. Contudo, deve-se ressaltar que, no ano de 2010, houve duas fusões: a da Terco Grant Thornton Auditores Independentes com a Ernst & Young Auditores Independentes e da KPMG Auditores Independentes com a BDO Auditores Independentes. Diante de tal concentração, buscou-se verificar se a quantidade de parágrafos de ênfase e outros assuntos em média são iguais entre as Big Four e as outras empresas de auditoria. Através do teste de Mann-Whitney, cujo resultado apresentou significância maior do que o adotado neste estudo, não rejeitando a hipótese nula do teste. Então, pode-se dizer que não há diferença na quantidade de parágrafos de ênfase e de outros assuntos entre os relatórios emitidos pelas Big Four e por outras empresas de auditoria. Por fim, é necessário reforçar que as considerações apresentadas nesse estudo referem- se somente ao exercício de 2010, ficando como sugestão, uma análise desse tipo no período de transição das IFRS, ou seja, dos exercícios de 2008 e 2009, bem com para períodos posteriores. REFERÊNCIAS ATTIE, William. Auditoria: conceitos e aplicações. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1998. 12 BEUREN, Ilse Maria (org.). Como elaborar trabalhos monográficos em contabilidade: teoria e prática. 3. ed. 5. Reimpr. São Paulo: Atlas, 2010. BM&FBOVESPA. Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuros de São Paulo. Disponível em: <http://www.bmfbovespa.com.br/> Acesso em: 12 dez. 2011. BOYNTON, William C.; JOHNSON, Raymond N.; KELL, Walter G. Auditoria. Trad. José Evaristo dos Santos. São Paulo: Atlas, 2002. CFC. CONSELHO FEDERAL DE CONTABILIDADE. Resolução CFC nº 1.203/09. Aprova a NBC TA 200 – Objetivos Gerais do Auditor Independente e a Condução da Auditoria em Conformidade com Normas de Auditoria. 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