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Artigo - Direito à Saúde - Barroso

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DA FALTA DE EFETIVIDADE À JUDICIALIZAÇÃO EXCESSIVA: 
DIREITO À SAÚDE, FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS E 
PARÂMETROS PARA A ATUAÇÃO JUDICIAL1 
 
 
Luís Roberto Barroso 
Professor titular de direito constitucional da 
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. 
Doutor livre-docente pela UERJ e mestre em Direito 
pela Yale Law School. Procurador do Estado do Rio 
de Janeiro. 
 
SUMÁRIO 
Introdução 
APRESENTAÇÃO DO TEMA 
I. O fornecimento gratuito de medicamentos e a judicialização excessiva 
 
Parte I 
ALGUMAS PREMISSAS DOUTRINÁRIAS 
I. A doutrina da efetividade 
II. A teoria dos princípios 
III. Constitucionalismo, democracia e papel do Judiciário 
IV. Conclusão acerca das premissas doutrinárias 
 
 
 
1 Trabalho desenvolvido por solicitação da Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro. O 
presente estudo baseou-se em pesquisa e debates desenvolvidos no âmbito do INSTITUTO IDÉIAS,dos 
quais participaram os Professores Ana Paula de Barcellos e Cláudio Pereira de Souza Neto. Sou 
grato a três estudiosos que me cederam versões originais de trabalhos seus ainda não publicados: 
Fátima Vieira Henriques, O direito prestacional à saúde e sua implementação judicial – limites e 
possibilidades, mimeografado, dissertação de mestrado, UERJ, 2007; Fábio César dos Santos 
Oliveira, “Direito de proteção à saúde: efetividade e limites à intervenção do Poder Judiciário”, 2007, 
artigo inédito; e Rogério Gesta Leal, “A quem compete o dever de saúde no direito brasileiro? 
Esgotamento de um modelo institucional”, 2007, artigo inédito. 
 2
Parte II 
O DIREITO À SAÚDE NO BRASIL. CONSTITUIÇÃO, LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL E 
A POLÍTICA DE DISTRIBUIÇÃO DE MEDICAMENTOS 
I. Breve notícia histórica 
II. O sistema normativo a partir da Constituição de 1988 
III. A questão específica da distribuição de medicamentos 
 
Parte III 
INTERFERÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO EM RELAÇÃO À SAÚDE E AO FORNECIMENTO 
GRATUITO DE MEDICAMENTOS. LIMITES LEGÍTIMOS E CRÍTICAS 
I. O espaço inequívoco de atuação judicial 
II. Críticas à judicialização excessiva 
 
Parte IV 
ALGUNS PARÂMETROS PARA RACIONALIZAR E UNIFORMIZAR A ATUAÇÃO JUDICIAL NO 
FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS 
I. Em relação às ações individuais 
II. Em relação às ações coletivas 
III. Em relação à legitimação passiva 
 
CONCLUSÃO 
 3
Introdução 
APRESENTAÇÃO DO TEMA 
 
I. O FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS E A JUDICIALIZAÇÃO EXCESSIVA 
 
1. Nos últimos anos, no Brasil, a Constituição conquistou, 
verdadeiramente, força normativa e efetividade. A jurisprudência acerca do direito à 
saúde e ao fornecimento de medicamentos é um exemplo emblemático do que se vem 
de afirmar. As normas constitucionais deixaram de ser percebidas como integrantes de 
um documento estritamente político, mera convocação à atuação do Legislativo e do 
Executivo, e passaram a desfrutar de aplicabilidade direta e imediata por juízes e 
tribunais. Nesse ambiente, os direitos constitucionais em geral, e os direitos sociais em 
particular, converteram-se em direitos subjetivos em sentido pleno, comportando tutela 
judicial específica. A intervenção do Poder Judiciário, mediante determinações à 
Administração Pública para que forneça gratuitamente medicamentos em uma 
variedade de hipóteses, procura realizar a promessa constitucional de prestação 
universalizada do serviço de saúde. 
 
2. O sistema, no entanto, começa a apresentar sintomas graves de 
que pode morrer da cura, vítima do excesso de ambição, da falta de critériose de 
voluntarismos diversos. Por um lado, proliferam decisões extravagantes ou 
emocionais, que condenam a Administração ao custeio de tratamentos irrazoáveis – 
seja porque inacessíveis, seja porque destituídos de essencialidade –, bem como de 
medicamentos experimentais ou de eficácia duvidosa, associados a terapias 
alternativas. Por outro lado, não há um critério firme para a aferição de qual entidade 
estatal – União, Estados e Municípios – deve ser responsabilizada pela entrega de cada 
tipo de medicamento. Diante disso, os processos terminam por acarretar superposição 
de esforços e de defesas, envolvendo diferentes entidades federativas e mobilizando 
grande quantidade de agentes públicos, aí incluídos procuradores e servidores 
administrativos. Desnecessário enfatizar que tudo isso representa gastos, 
imprevisibilidade e desfuncionalidade da prestação jurisdicional. 
 4
 
3. Tais excessos e inconsistências não são apenas problemáticos em 
si. Eles põem em risco a própria continuidade das políticas de saúde pública, 
desorganizando a atividade administrativa e impedindo a alocação racional dos 
escassos recursos públicos. No limite, o casuísmo da jurisprudência brasileira pode 
impedir que políticas coletivas, dirigidas à promoção da saúde pública, sejam 
devidamente implementadas. Trata-se de hipótese típica em que o excesso de 
judicialização das decisões políticas pode levar à não realização prática da 
Constituição Federal. Em muitos casos, o que se revela é a concessão de privilégios a 
alguns jurisdicionados em detrimento da generalidade da cidadania, que continua 
dependente das políticas universalistas implementadas pelo Poder Executivo. 
 
4. O estudo que se segue procura desenvolver uma reflexão teórica e 
prática acerca de um tema repleto de complexidades e sutilezas. Seu maior propósito é 
contribuir para a racionalização do problema, com a elaboração de critérios e 
parâmetros que justifiquem e legitimem a atuação judicial no campo particular das 
políticas de distribuição de medicamentos. O Judiciário não pode ser menos do que 
deve ser, deixando de tutelar direitos fundamentais que podem ser promovidos com a 
sua atuação. De outra parte, não deve querer ser mais do que pode ser, presumindo 
demais de si mesmo e, a pretexto de promover os direitos fundamentais de uns, causar 
grave lesão a direitos da mesma natureza de outros tantos. Na frase inspirada de 
Gilberto Amado, “querer ser mais do que se é, é ser menos”. 
 
5. Aqui se chega ao ponto crucial do debate. Alguém poderia supor, 
a um primeiro lance de vista, que se está diante de uma colisão de valores ou de 
interesses que contrapõe, de um lado, o direito à vida e à saúde e, de outro, a separação 
de Poderes, os princípios orçamentários e a reserva do possível. A realidade, contudo, 
é mais dramática. O que está em jogo, na complexa ponderação aqui analisada, é o 
direito à vida e à saúde de uns versus o direito à vida e à saúde de outros. Não há 
solução juridicamente fácil nem moralmente simples nessa questão. 
 
 5
 
Parte I 
ALGUMAS PREMISSAS DOUTRINÁRIAS 
 
I. A DOUTRINA DA EFETIVIDADE 
 
6. O reconhecimento de força normativa às normas constitucionais 
foi uma importante conquista do constitucionalismo contemporâneo. No Brasil, ela se 
desenvolveu no âmbito de um movimento jurídico-acadêmico conhecido como 
doutrina brasileira da efetividade2. Tal movimento procurou não apenas elaborar as 
categorias dogmáticas da normatividade constitucional, como também superar 
algumas crônicas disfunções da formação nacional, que se materializavam na 
insinceridade normativa, no uso da Constituição como uma mistificação ideológica e 
na falta de determinação política em dar-lhe cumprimento. A essência da doutrina da 
efetividade é tornar as normas constitucionais aplicáveis direta e imediatamente, na 
extensão máxima de sua densidade normativa. 
 
7. Nessa linha, as normas constitucionais, como as normas jurídicas 
em geral, são dotadas do atributo da imperatividade. Não é próprio deuma norma 
jurídica sugerir, recomendar, alvitrar. Normas constitucionais, portanto, contêm 
comandos. Descumpre-se a imperatividade de uma norma tanto por ação quanto por 
omissão. Ocorrida a violação, o sistema constitucional e infraconstitucional devem 
prover meios para a tutela do direito ou bem jurídico afetados e restauração da ordem 
jurídica. Estes meios são a ação e a jurisdição: ocorrendo uma lesão, o titular do 
direito ou alguém com legitimação ativa para protegê-lo pode ir a juízo postular 
reparação. Existem mecanismos de tutela individual e de tutela coletiva de direitos. 
 
 
2 Sobre o tema, v. Luís Roberto Barroso, O direito constitucional e a efetividade de suas normas, 
2006 (a primeira versão do texto é de 1987). A expressão “doutrina brasileira da efetividade” foi 
empregada por Cláudio Pereira de Souza Neto, Fundamentação e normatividade dos direitos 
fundamentais: uma reconstrução teórica à luz do princípio democrático. In: Luís Roberto Barroso 
(org.), A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas, 
2003. 
 6
 
8. Na prática, em todas as hipóteses em que a Constituição tenha 
criado direitos subjetivos – políticos, individuais, sociais3 ou difusos – são eles, como 
regra, direta e imediatamente exigíveis, do Poder Público ou do particular, por via das 
ações constitucionais e infraconstitucionais contempladas no ordenamento jurídico. O 
Poder Judiciário, como conseqüência, passa a ter papel ativo e decisivo na 
concretização da Constituição. A doutrina da efetividade serviu-se, como se deduz 
explicitamente da exposição até aqui desenvolvida, de uma metodologia positivista: 
direito constitucional é norma; e de um critério formal para estabelecer a exigibilidade 
de determinados direitos: se está na Constituição é para ser cumprido4. Nos dias que 
correm, tornou-se necessária a sua convivência com novas formulações doutrinárias, 
de base pós-positivista, que levam em conta fenômenos apreendidos mais 
recentemente, como a colisão entre normas – especialmente as que abrigam princípios 
e direitos fundamentais –, a necessidade da ponderação para resolver tais situações, 
bem como conceitos como mínimo existencial e fundamentalidade material dos 
direitos. 
 
 
3 Direitos sociais são comumente identificados como aqueles que envolvem prestações positivas por 
parte do Estado, razão pela qual demandariam investimento de recursos, nem sempre disponíveis. 
Esses direitos, também referidos como prestacionais, se materializam com a entrega de 
determinadas utilidades concretas, como educação e saúde. É certo, todavia, que já não prevalece 
hoje a idéia de que os direitos liberais – como os políticos e os individuais – realizam-se por mera 
abstenção do Estado, com um simples non facere. Pelo contrário, produziu-se já razoável consenso 
de que também eles consomem recursos públicos. Por exemplo: a realização de eleições e a 
organização da Justiça Eleitoral consomem gastos vultosos, a exemplo da manutenção da polícia, do 
corpo de bombeiros e do próprio Judiciário, instituições importantes na proteção da propriedade. 
Sobre o tema, vejam-se: Stephen Holmes e Cass Sunstein, The cost of rights, 1999; Flávio Galdino, 
Introdução à teoria dos custos dos direitos: direitos não nascem em árvores, 2005; e Ana Paula de 
Barcellos, A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa 
humana, 2002. 
4 V. Luís Roberto Barroso, A doutrina brasileira da efetividade. In: Temas de direito constitucional, v. 
3, p. 76: “Para realizar seus propósitos, o movimento pela efetividade promoveu, com sucesso, três 
mudanças de paradigma na teoria e na prática do direito constitucional no país. No plano jurídico, 
atribuiu normatividade plena à Constituição, que passou a ter aplicabilidade direta e imediata, 
tornando-se fonte de direitos e obrigações. Do ponto de vista científico ou dogmático, reconheceu ao 
direito constitucional um objeto próprio e autônomo, estremando-o do discurso puramente político ou 
sociológico. E, por fim, sob o aspecto institucional, contribuiu para a ascensão do Poder Judiciário no 
Brasil, dando-lhe um papel mais destacado na concretização dos valores e dos direitos 
constitucionais. O discurso normativo, científico e judicialista foi fruto de uma necessidade histórica. O 
positivismo constitucional, que deu impulso ao movimento, não importava em reduzir o direito à 
norma, mas sim em elevá-lo a esta condição, pois até então ele havia sido menos do que norma. A 
efetividade foi o rito de passagem do velho para o novo direito constitucional, fazendo com que a 
Constituição deixasse de ser uma miragem, com as honras de uma falsa supremacia, que não se 
traduzia em proveito para a cidadania “. 
 7
 
II. A TEORIA DOS PRINCÍPIOS 
 
9. A teoria dos princípios, à qual se acha associada uma teoria dos 
direitos fundamentais, desenvolveu-se a partir dos estudos seminais de Ronald 
Dworkin, difundidos no Brasil ao final da década de 80 e ao longo dos anos 90 do 
século passado5. Na seqüência histórica, Robert Alexy ordenou a teoria dos princípios 
em categorias mais próximas da perspectiva romano-germânica do Direito6. As duas 
obras precursoras desses autores – Levando os direitos a sério e Teoria dos direitos 
fundamentais – deflagraram uma verdadeira explosão de estudos sobre o tema, no 
Brasil e alhures7. São elementos essenciais do pensamento jurídico contemporâneo a 
atribuição de normatividade aos princípios e o reconhecimento da distinção qualitativa 
entre regras e princípios A doutrina costuma compilar uma enorme variedade de 
critérios para estabelecer a diferença entre ambos8. 
 
10. É quanto ao modo de aplicação que reside a principal distinção 
entre regra e princípio. Regras se aplicam na modalidade tudo ou nada: ocorrendo o 
 
5 V. Ronald Dworkin, Taking rights seriously, 1997 (1ª edição: 1977), p. 22 e ss.. 
6 V. Robert Alexy, Teoría de los derechos fundamentales, 1997, p. 81 e ss.. 
7 Vejam-se, exemplificativamente, J.J. Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da 
ConstituiçãoCanotilho, Direito constitucional e teoria da Constituição, 2003, p. 1253 e ss.; Paulo 
Bonavides, Curso de direito constitucional, 2004, p. 243 e ss.; Eros Roberto Grau, A ordem 
econômica na Constituição de 1988 – Interpretação e crítica, 1996, p. 92 e ss.; Luís Roberto Barroso, 
Interpretação e aplicação da Constituição, 2006; Ana Paula de Barcellos, A eficácia jurídica dos 
princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana, 2002, p. 40 e ss. e 
Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional, 2005, p. 166 e ss.; Rodolfo L. Vigo, Los princípios 
jurídicos – Perspectiva jurisprudencial, 2000, p. 9-20; Luis Prieto Sanchis, Sobre princípios y normas. 
Problemas del razonamiento jurídico, 1992; Inocêncio Mártires Coelho, Interpretação constitucional, 
1997, p. 79 e ss.; Humberto Ávila, Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios 
jurídicos, 2003; Ruy Samuel Espíndola, Conceito de princípios constitucionais, 1999; Fábio Corrêa de 
Souza Oliveira, Por uma teoria dos princípios: o princípio constitucional da razoabilidade, 2003, p. 17 
e ss.; Walter Claudius Rothenburg, Princípios constitucionais, 1999; David Diniz Dantas, Interpretação 
constitucional no pós-positivismo, 2005, p. 41 e ss.. 
8 Por simplificação, é possível reduzir estes critérios a apenas três, que levam, em conta: a) o 
conteúdo da norma; b) a estrutura normativa; c) o modo de aplicação. Não será possível avançar em 
relação aos dois primeiros, salvo para registrar que princípios expressam valores, direitos 
fundamentais ou fins públicos, ao passo que regras são normalmente comandos objetivos, descritivosde condutas. Sobre a aproximação entre direitos fundamentais e princípios, v. Roberto Alexy, Teoría 
de los derechos fundamentales, 1997, p. 82. 
 8
 
fato descrito em seu relato ela deverá incidir, produzindo o efeito previsto9. Se não for 
aplicada à sua hipótese de incidência, a norma estará sendo violada. Não há maior 
margem para elaboração teórica ou valoração por parte do intérprete, ao qual caberá 
aplicar a regra mediante subsunção: enquadra-se o fato na norma e deduz-se uma 
conclusão objetiva. Por isso se diz que as regras são mandados ou comandos 
definitivos10: uma regra somente deixará de ser aplicada se outra regra a excepcionar 
ou se for inválida. Como conseqüência, os direitos nela fundados também serão 
definitivos11. 
 
11. Já os princípios abrigam um direito fundamental, um valor, um 
fim. Ocorre que, em uma ordem jurídica pluralista, a Constituição abriga princípios 
que apontam em direções diversas, gerando tensões e eventuais colisões entre eles. 
Estes entrechoques podem ser de três tipos: a) colisão entre princípios constitucionais, 
como, e.g., a livre iniciativa versus a proteção do consumidor, na hipótese de se 
pretender tabelar o preço de determinado medicamento; b) colisão entre direitos 
fundamentais, como, e.g., o direito à vida e à saúde de uma pessoa versus o direito à 
vida e à saúde de outra pessoa, na hipótese de ambos necessitarem com urgência de 
transplante de determinado órgão, quando só exista um disponível; c) colisão entre 
direitos fundamentais e outros princípios constitucionais, como, e.g., o direito à saúde 
 
9 Ronald Dworkin, Taking rights seriously, 1997, p. 24: “Regras são aplicadas de modo tudo-ou-nada. 
Se os fatos que a regra estipular ocorrerem, então ou a regra é válida, caso em que a resposta que 
ela fornece deve ser aceita, ou não é, caso em que não contribuirá em nada para a decisão” 
(tradução livre). 
10 Robert Alexy, Teoria de los derechos fundamentales, 1997, p. 87 e 88: “[A]s regras são normas que 
só podem ser cumpridas ou não. Se uma regra é válida, então deve-se fazer exatamente o que ela 
exige, nem mais nem menos. Portanto, as regras contêm determinações no âmbito do que é fática e 
juridicamente possível. Isso significa que a diferença entre regras e princípios é qualitativa e não de 
grau. Toda norma é ou bem uma regra ou um princípio. (...) Um conflito entre regras só pode ser 
solucionado introduzindo uma cláusula de exceção que elimine o conflito ou declarando inválida, ao 
menos, uma das regras” (tradução livre). Para uma visão crítica sobre o ponto, v. Humberto Ávila, 
Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, 2003. 
11 Expondo a teoria dos princípios de Alexy, averbou Luís Virgílio Afonso da Silva, O conteúdo 
essencial dos direitos fundamentais e a eficácia das normas constitucionais, mimeografado, 2005, p. 
51: “O principal traço distintivo entre regras e princípios, segundo a teoria dos princípios, é a estrutura 
dos direitos que essas normas garantem. No caso das regras, garantem-se direitos (ou impõem-se 
deveres) definitivos, ao passo que, no caso dos princípios, são garantidos direitos (ou são impostos 
deveres) prima facie”. 
 9
 
versus a separação de Poderes, no caso de determinadas opções legais ou 
administrativas acerca de tratamentos a serem oferecidos. 
 
12. Como todas essas normas em rota de colisão têm a mesma 
hierarquia, não podem elas ser aplicadas na modalidade tudo ou nada, mas sim de 
acordo com a dimensão de peso que assumem na situação específica. Cabe à 
autoridade competente – que poderá ser o legislador ou o intérprete judicial – proceder 
à ponderação dos princípios e fatos relevantes, e não a subsunção do fato a uma regra 
determinada. Por isso se diz que princípios são mandados de otimização: devem ser 
realizados na maior intensidade possível, à vista dos demais elementos jurídicos e 
fáticos presentes na hipótese12. Daí decorre que os direitos neles fundados são direitos 
prima facie – isto é, poderão ser exercidos em princípio e na medida do possível13. 
 
13. Uma última observação: em muitas situações, o legislador realiza 
ponderações em abstrato, definindo parâmetros que devem ser seguidos nos casos de 
colisão. Quando isso ocorrer, não deve o intérprete judicial sobrepor a sua própria 
valoração à que foi feita pelo órgão de representação popular, a menos que esteja 
convencido – e seja capaz de racionalmente demonstrar – que a norma em que se 
consubstanciou a ponderação não é compatível com a Constituição14. 
 
12 Robert Alexy, Teoria de los derechos fundamentales, 1997, p. 86: “O ponto decisivo para a 
distinção entre regras e princípios é que os princípios são normas que ordenam que algo seja 
realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes. Portanto, 
os princípios são mandados de otimização, que estão caracterizados pelo fato de que podem ser 
cumpridos em diferentes graus e que a medida devida de seu cumprimento depende não apenas das 
possibilidades reais senão também das possibilidades jurídicas. O âmbito de possibilidades jurídicas 
é determinado pelos princípios e regras opostos” (tradução livre). 
13 As categorias da teoria dos princípios, que envolvem direitos prima facie e ponderação com outros 
direitos, princípios e fatos relevantes, aplicam-se, também, aos direitos sociais, que incluem o direito 
à saúde básica e, como decorrência, o direito à obtenção de certas categorias de medicamentos. 
Também aqui avulta a idéia de mínimo existencial para demarcar a fundamentalidade material do 
direito e sua conseqüente exigibilidade. Para além desse núcleo essencial, os direitos sociais, 
inclusive o direito à saúde, sujeitam-se à ponderação com outros elementos fáticos e jurídicos, 
inclusive a reserva do possível e as regras orçamentárias. Sobre a aplicação da teoria dos princípios 
aos direitos sociais fundamentais, v. Robert Alexy, Teoría de los derechos, 1997, p. 482 e ss. 
14 Sobre o ponto, v. Daniel Sarmento, A ponderação de interesses na Constituição, 2000, p. 114: “É 
evidente, porém, que em uma democracia, a escolha dos valores e interesses prevalecentes em cada 
caso deve, a princípio, ser da responsabilidade de autoridades cuja legitimidade repouse no voto 
popular. Por isso, o Judiciário tem, em linha geral, de acatar as ponderações de interesses realizadas 
 10
 
 
III. CONSTITUCIONALISMO, DEMOCRACIA E PAPEL DO PODER JUDICIÁRIO 
 
14. A idéia de Estado democrático de direito, consagrada no art. 1º da 
Constituição brasileira15, é a síntese histórica de dois conceitos que são próximos, mas 
não se confundem: os de constitucionalismo e de democracia. Constitucionalismo 
significa, em essência, limitação do poder e supremacia da lei (Estado de direito, rule 
of law, Rechtsstaat). Democracia, por sua vez, em aproximação sumária, traduz-se em 
soberania popular e governo da maioria. Entre constitucionalismo e democracia podem 
surgir, eventualmente, pontos de tensão: a vontade da maioria pode ter de estancar 
diante de determinados conteúdos materiais, orgânicos ou processuais da Constituição. 
A compreensão desse ponto é decisiva para o equacionamento adequado da questão 
aqui tratada. 
 
15. O Estado constitucional de direito gravita em torno da dignidade 
da pessoa humana e da centralidade dos direitos fundamentais. A dignidade da pessoa 
humana é o centro de irradiação dos direitos fundamentais, sendo freqüentemente 
identificada como o núcleo essencial de tais direitos16. Os direitos fundamentais 
incluem:a) a liberdade, isto é, a autonomia da vontade, o direito de cada um eleger 
seus projetos existenciais; b) a igualdade, que é o direito de ser tratado com a mesma 
dignidade que todas as pessoas, sem discriminações arbitrárias e exclusões evitáveis; 
c) o mínimo existencial, que corresponde às condições elementares de educação, saúde 
e renda que permitam, em uma determinada sociedade, o acesso aos valores 
 
pelo legislador, só as desconsiderando ou invalidando quando elas se revelarem manifestamente 
desarrazoadas ou quando contrariarem a pauta axiológica subjacente ao texto constitucional”. 
15 CF/88, art. 1o: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e 
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito (...)”. 
16 Dela se podem extrair idéias importantes sobre as quais se assenta o pensamento filosófico 
contemporâneo, como por exemplo: a) toda pessoa humana é um fim em si mesma, não devendo 
jamais ser transformada em um meio para a realização de metas coletivas (v. Immanuel Kant, 
Fundamentação à metafísica dos costumes, 2005 (edição original de 1785)); b) toda vida 
desperdiçada, todo fracasso existencial é uma perda para a humanidade como um todo. O Estado, o 
Direito e a sociedade devem contribuir, na maior extensão possível, para que cada indivíduo 
desenvolva suas potencialidades e realize o seu projeto de vida (v. Ronald Dworkin, Is democracy 
possible here?, 2006). 
 11
nça etc. 
 
civilizatórios e a participação esclarecida no processo político e no debate público. Os 
três Poderes – Legislativo, Executivo e Judiciário – têm o dever de realizar os direitos 
fundamentais, na maior extensão possível, tendo como limite mínimo o núcleo 
essencial desses direitos. 
 
16. O princípio democrático, por sua vez, se expressa na idéia de soberania 
popular: todo poder emana do povo, na dicção expressa do parágrafo único do art. 1º 
da Constituição brasileira17. Como decorrência, o poder político deve caber às 
maiorias que se articulam a cada época. O sistema representativo permite que, 
periodicamente, o povo se manifeste elegendo seus representantes. O Chefe do 
Executivo e os membros do Legislativo são escolhidos pelo voto popular e são o 
componente majoritário do sistema. Os membros do Poder Judiciário são recrutados, 
como regra geral, por critérios técnicos e não eletivos. A idéia de governo da maioria 
se realiza, sobretudo, na atuação do Executivo e do Legislativo, aos quais compete a 
elaboração de leis, a alocação de recursos e a formulação e execução de políticas 
públicas, inclusive as de educação, saúde, segura
 
17. Como visto, constitucionalismo traduz-se em respeito aos direitos 
fundamentais. E democracia, em soberania popular e governo da maioria. Mas pode 
acontecer de a maioria política vulnerar direitos fundamentais. Quando isto ocorre, 
cabe ao Judiciário agir. É nesse ambiente, é nessa dualidade presente no Estado 
constitucional democrático que se coloca a questão essencial: podem juízes e tribunais 
interferir com as deliberações dos órgãos que representam as maiorias políticas – isto 
é, o Legislativo e o Executivo –, impondo ou invalidando ações administrativas e 
políticas públicas? A resposta será afirmativa sempre que o Judiciário estiver atuando, 
inequivocamente, para preservar um direito fundamental previsto na Constituição ou 
para dar cumprimento a alguma lei existente. Vale dizer: para que seja legítima, a 
atuação judicial não pode expressar um ato de vontade própria do órgão julgador, 
 
17 CF/88, art. 1o, parágrafo único: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de 
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. 
 12
 
precisando sempre reconduzir-se a uma prévia deliberação majoritária, seja do 
constituinte, seja do legislador18. 
 
IV. CONCLUSÃO DAS PREMISSAS DOUTRINÁRIAS 
 
18. Sempre que a Constituição define um direito fundamental ele se 
torna exigível, inclusive mediante ação judicial. Pode ocorrer de um direito 
fundamental precisar ser ponderado com outros direitos fundamentais ou princípios 
constitucionais, situação em que deverá ser aplicado na maior extensão possível, 
levando-se em conta os limites fáticos e jurídicos, preservado o seu núcleo essencial. 
O Judiciário deverá intervir sempre que um direito fundamental – ou 
infraconstitucional – estiver sendo descumprido, especialmente se vulnerado o mínimo 
existencial de qualquer pessoa. Se o legislador tiver feito ponderações e escolhas 
válidas, à luz das colisões de direitos e de princípios, o Judiciário deverá ser deferente 
para com elas, em respeito ao princípio democrático. 
 
Parte II 
O DIREITO À SAÚDE NO BRASIL. CONSTITUIÇÃO, LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL E A 
POLÍTICA DE DISTRIBUIÇÃO DE MEDICAMENTOS 
 
I. BREVE NOTÍCIA HISTÓRICA 
 
19. A trajetória da saúde pública no Brasil inicia-se ainda no século 
XIX19, com a vinda da Corte portuguesa. Nesse período, eram realizadas apenas 
 
18 A atuação judicial, em certos casos, poderá fundar-se em um ato administrativo, como um 
regulamento ou portaria. Os atos administrativos, todavia, para serem válidos precisam estar 
fundados em norma constitucional ou legal. Assim, sua aplicação envolverá, ao menos indiretamente, 
a aplicação da Constituição ou de uma lei. 
19 No século XIX, foi criada a Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro, principal 
responsável pela luta no sentido da efetivação das políticas sanitárias. Nessa época, foram 
desenvolvidas ações de regulação do exercício da medicina, incluindo as atividades dos cirurgiões, e 
a criação das primeiras escolas de medicina: na Bahia é criada a Escola de Cirurgia, em 1808; e, no 
Rio de Janeiro, a cátedra de anatomia no Hospital Militar, seguida pela de medicina operatória, em 
1809. 
 13
 
algumas ações de combate à lepra e à peste, e algum controle sanitário, especialmente 
sobre os portos e ruas. É somente entre 1870 e 1930 que o Estado passa a praticar 
algumas ações mais efetivas no campo da saúde, com a adoção do modelo 
“campanhista”, caracterizado pelo uso corrente da autoridade e da força policial. 
Apesar dos abusos cometidos20, o modelo “campanhista” obteve importantes sucessos 
no controle de doenças epidêmicas, conseguindo, inclusive, erradicar a febre amarela 
da cidade do Rio de Janeiro21. 
 
20. Durante o período de predominância desse modelo, não havia, 
contudo, ações públicas curativas, que ficavam reservadas aos serviços privados e à 
caridade. Somente a partir da década de 30, há a estruturação básica do sistema 
público de saúde, que passa a realizar também ações curativas. É criado o Ministério 
da Educação e Saúde Pública22. Criam-se os Institutos de Previdência, os conhecidos 
IAPs, que ofereciam serviços de saúde de caráter curativo. Alguns destes IAPs 
possuíam, inclusive, hospitais próprios. Tais serviços, contudo, estavam limitados à 
categoria profissional ligada ao respectivo Instituto23. A saúde pública não era 
universalizada em sua dimensão curativa, restringindo-se a beneficiar os trabalhadores 
que contribuíam para os institutos de previdência. 
 
 
20 Tanto assim que, em 1904, eclode, no governo de Rodrigues Alves, a Revolta da Vacina, 
caracterizada pela insatisfação do povo frente às medidas tomadas pelo poder público. No que 
concerne à obrigatoriedade da vacinação antivaríola, o Governo estabeleceu multas aos refratários e 
a exigência do atestado de vacinação para matrículas nas escolas, empregos públicos, casamentos, 
viagens, entre outros. 
21 Nesse período, Oswaldo Cruz procurou organizara diretoria geral de saúde pública. Foram 
incorporados como elementos das ações de saúde: (i) o registro demográfico, possibilitando conhecer 
a composição e os fatos vitais da população; (ii) a introdução do laboratório como auxiliar do 
diagnóstico etiológico; e (iii) a fabricação organizada de produtos profiláticos para uso em massa. 
22 O Ministério substituiu o antigo Departamento Nacional de Saúde Pública, que era vinculado ao 
Ministério da Justiça. Em 1953, foi criado o Ministério da Saúde. Na verdade, tratou-se de mero 
desmembramento do antigo Ministério da Saúde e Educação. 
23 No período, também se destaca, em 1941, a reforma de Barros Barreto, com a qual são instituídos 
órgãos normativos e supletivos destinados a orientar a assistência sanitária e hospitalar; há a criação 
de órgãos executivos de ação direta contra as endemias mais importantes (malária, febre amarela, 
peste); o Instituto Oswaldo Cruz se constitui como referência nacional; as atividades normativas e 
executivas descentralizam-se no País por 8 regiões sanitárias; são desenvolvidos programas de 
abastecimento de água e construção de redes de esgoto; são criados serviços especializados 
nacionais para lidar com doenças degenerativas e mentais (Instituto Nacional do Câncer). 
 14
 
21. Ao longo do regime militar, os antigos Institutos de Aposentadoria 
e Pensão (IAPs) foram unificados, com a criação do INPS – Instituto Nacional de 
Previdência Social. Vinculados ao INPS, foram criados o Serviço de Assistência 
Médica e Domiciliar de Urgência e a Superintendência dos Serviços de Reabilitação 
da Previdência Social. Todo trabalhador urbano com carteira assinada era contribuinte 
e beneficiário do novo sistema, tendo direito a atendimento na rede pública de saúde24. 
No entanto, grande contingente da população brasileira, que não integrava o mercado 
de trabalho formal, continuava excluído do direito à saúde, ainda dependendo, como 
ocorria no século XIX, da caridade pública. 
 
II. O SISTEMA NORMATIVO A PARTIR DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 
 
22. Com a redemocratização, intensificou-se o debate nacional sobre a 
universalização dos serviços públicos de saúde. O momento culminante do 
“movimento sanitarista” foi a Assembléia Constituinte, em que se deu a criação do 
Sistema Único de Saúde. A Constituição Federal estabelece, no art. 196, que a saúde é 
“direito de todos e dever do Estado”, além de instituir o “acesso universal e igualitário 
às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. A partir da 
Constituição Federal de 1988, a prestação do serviço público de saúde não mais estaria 
restrita aos trabalhadores inseridos no mercado formal. Todos os brasileiros, 
independentemente de vínculo empregatício, passaram a ser titulares do direito à 
saúde25. 
 
24 Assim concebido, o sistema possuía diversos problemas. Por ter priorizado a medicina curativa, o 
modelo foi incapaz de solucionar os principais problemas de saúde coletiva, como as endemias, as 
epidemias, além de não ser capaz de melhorar significativamente os indicadores de saúde 
(mortalidade infantil, expectativa de vida, por exemplo). Tais problemas foram sendo agravados em 
decorrência de inúmeros fatores, como o aumento constante dos custos da medicina curativa, 
centrada na atenção médico-hospitalar de complexidade crescente; a diminuição do crescimento 
econômico, com a respectiva repercussão na arrecadação do sistema previdenciário; a incapacidade 
do sistema em atender a uma população cada vez maior de marginalizados, que, sem carteira 
assinada e contribuição previdenciária, se viam excluídos do sistema; os desvios de verba do sistema 
previdenciário para cobrir despesas de outros setores e para a realização de obras por parte do 
governo federal; o não repasse pela União de recursos do Tesouro Nacional para o sistema 
previdenciário, cujo financiamento era tripartite (empregador, empregado e União). 
25 O Sistema Único de Saúde é instituído no artigo 198 da Constituição: “as ações e serviços públicos 
de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada, e constituem um sistema único”. Tal 
sistema deve ser “descentralizado” e deve prover “atendimento integral, com prioridade para as 
 15
 
 
 II.1. A repartição de competências e a Lei do SUS 
 
23. Do ponto de vista federativo, a Constituição atribuiu competência 
para legislar sobre proteção e defesa da saúde concorrentemente à União, aos Estados 
e aos Municípios (CF/88, art. 24, XII, e 30, II). À União cabe o estabelecimento de 
normas gerais (art. 24, § 1º); aos Estados, suplementar a legislação federal (art. 24, § 
2º); e aos Municípios, legislar sobre os assuntos de interesse local, podendo igualmente 
suplementar a legislação federal e a estadual, no que couber (art. 30, I e II) 26. No que 
tange ao aspecto administrativo (i.e., à possibilidade de formular e executar políticas 
públicas de saúde), a Constituição atribuiu competência comum à União, aos Estados e 
aos Municípios (art. 23, II). Os três entes que compõem a federação brasileira podem 
formular e executar políticas de saúde27. 
 
24. Como todas as esferas de governo são competentes, impõe-se que 
haja cooperação entre elas, tendo em vista o “equilíbrio do desenvolvimento e do bem-
estar em âmbito nacional” (CF/88, art. 23, parágrafo único). A atribuição de 
competência comum não significa, porém, que o propósito da Constituição seja a 
superposição entre a atuação dos entes federados, como se todos detivessem 
competência irrestrita em relação a todas as questões. Isso, inevitavelmente, acarretaria 
a ineficiência na prestação dos serviços de saúde, com a mobilização de recursos 
federais, estaduais e municipais para realizar as mesmas tarefas. 
 
25. Logo após a entrada em vigor da Constituição Federal, em 
setembro de 1990, foi aprovada a Lei Orgânica da Saúde (Lei nº 8.080/90). A lei 
 
atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais”. O texto constitucional demonstra 
claro compromisso com o Estado de bem-estar social, individualizando-se no cenário do 
constitucionalismo internacional por positivar o direito à saúde, bem como o sistema incumbido de 
sua garantia, em termos os mais abrangentes. 
26 V. Sueli Gandolfi Dallari, Competência municipal em matéria de saúde, Revista de direito público 
92:173, 1989. 
27 No âmbito da União, a direção do SUS ficará a cargo do Ministério da Saúde; nos Estados e no 
Distrito Federal, das Secretarias de Saúde ou de órgãos equivalentes; na esfera dos Municípios, da 
Secretaria de Saúde local ou de qualquer entidade correspondente (Lei nº 8.080/90, art. 9º). 
 16
 
estabelece a estrutura e o modelo operacional do SUS, propondo a sua forma de 
organização e de funcionamento. O SUS é concebido como o conjunto de ações e 
serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e 
municipais, da Administração direta e indireta. A iniciativa privada poderá participar 
do SUS em caráter complementar. Entre as principais atribuições do SUS, está a 
“formulação da política de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos e outros 
insumos de interesse para a saúde e a participação na sua produção” (art. 6º, VI). 
 
26. A Lei nº 8.080/90, além de estruturar o SUS e de fixar suas 
atribuições, estabelece os princípios pelos quais sua atuação deve se orientar, dentre os 
quais vale destacar o da universalidade – por força do qual se garante a todas as 
pessoas o acesso às ações e serviços de saúde disponíveis – e o da subsidiariedade e da 
municipalização28, que procuraatribuir prioritariamente a responsabilidade aos 
Municípios na execução das políticas de saúde em geral, e de distribuição de 
medicamentos em particular (art. 7o, I e IX). 
 
27. A Lei nº 8.080/90 procurou ainda definir o que cabe a cada um dos 
entes federativos na matéria. À direção nacional do SUS, atribuiu a competência de 
“prestar cooperação técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos 
Municípios para o aperfeiçoamento da sua atuação institucional” (art. 16, XIII), 
devendo “promover a descentralização para as Unidades Federadas e para os 
Municípios, dos serviços e ações de saúde, respectivamente, de abrangência estadual e 
municipal” (art. 16, XV). À direção estadual do SUS, a Lei nº 8.080/90, em seu art. 17, 
atribuiu as competências de promover a descentralização para os Municípios dos 
serviços e das ações de saúde, de lhes prestar apoio técnico e financeiro, e de executar 
supletivamente ações e serviços de saúde. Por fim, à direção municipal do SUS, 
incumbiu de planejar, organizar, controlar, gerir e executar os serviços públicos de 
saúde (art. 18, I e III). 
 
 
28 V. Marcos Maselli Gouvêa, O direito ao fornecimento estatal de medicamentos. In: Emerson Garcia 
(coord.), A efetividade dos direitos sociais, 2004, p. 213. 
 17
 
28. Como se observa, Estados e União Federal somente devem 
executar diretamente políticas sanitárias de modo supletivo, suprindo eventuais 
ausências dos Municípios. Trata-se de decorrência do princípio da descentralização 
administrativa. Como antes ressaltado, a distribuição de competências promovida pela 
Constituição e pela Lei nº 8.080/90 orienta-se pelas noções de subsidiariedade e de 
municipalização29. A mesma lei disciplina ainda a participação dos três entes no 
financiamento do sistema30. Os temas do financiamento e da articulação entre os entes 
para a administração econômica do sistema, porém, não serão objeto de exame neste 
estudo. Veja-se, portanto, que o fato de um ente da Federação ser o responsável perante 
a população pelo fornecimento de determinado bem não significa que lhe caiba custeá-
lo sozinho ou isoladamente. Esta, porém, será uma discussão diversa, a ser travada 
entre os entes da Federação, e não entre eles e os cidadãos. 
 
 II. 2. A questão específica da distribuição de medicamentos 
 
29. No que toca particularmente à distribuição de medicamentos, a 
competência de União, Estados e Municípios não está explicitada nem na Constituição 
nem na Lei. A definição de critérios para a repartição de competências é apenas 
esboçada em inúmeros atos administrativos federais, estaduais e municipais, sendo o 
principal deles a Portaria nº 3.916/98, do Ministério da Saúde, que estabelece a 
Política Nacional de Medicamentos31. De forma simplificada, os diferentes níveis 
 
29 A Lei nº 8.080/90 se fez acompanhar de vasta regulamentação, feita através de portarias editadas 
pelo Ministério da Saúde. A Portaria 2203/96 instituiu a Norma Operacional Básica do SUS (NOB), 
que trata da edição de normas operacionais para o funcionamento do sistema. As NOBs são, acima 
de tudo, produto da necessidade de cooperação entre entes gestores, de modo a viabilizar a 
descentralização do Sistema. Até o momento foram publicadas quatro NOBs: 01/91, 01/92, 01/93 e 
01/96. 
30 Os recursos da Seguridade serão transferidos, primeiramente, ao Fundo Nacional de Saúde e, 
depois, aos fundos de saúde dos entes locais (Lei nº 8.080/90, arts. 34 e 35). Esses recursos devem 
ser depositados nos fundos de saúde de cada esfera de governo, e serão movimentados sob a 
fiscalização dos respectivos conselhos de saúde. 
31 V. Anexo da Portaria nº 3.916/MS/GM, de 30 de outubro de 1998 (DOU 10 nov. 1998), item nº 5: 
“No que respeita às funções do Estado, os gestores, em cumprimento aos princípios do SUS, atuarão 
no sentido de viabilizar o propósito desta Política de Medicamentos, qual seja, o de garantir a 
necessária segurança, eficácia e qualidade dos medicamentos, a promoção do uso racional e o 
acesso da população àqueles considerados essenciais”. A Portaria nº 3.916/98 pode ser considerada 
a matriz de toda a estrutura de fornecimento de medicamentos, já que as outras portarias são 
 18
 
federativos, em colaboração, elaboram listas de medicamentos que serão adquiridos e 
fornecidos à população. 
 
30. Com efeito, ao gestor federal caberá a formulação da Política 
Nacional de Medicamentos, o que envolve, além do auxílio aos gestores estaduais e 
municipais, a elaboração da Relação Nacional de Medicamento (RENAME). Ao 
Município, por seu turno, cabe definir a relação municipal de medicamentos 
essenciais, com base na RENAME32, e executar a assistência farmacêutica. O 
propósito prioritário da atuação municipal é assegurar o suprimento de medicamentos 
destinados à atenção básica à saúde, além de outros medicamentos essenciais que 
estejam definidos no Plano Municipal de Saúde. O Município do Rio de Janeiro, por 
exemplo, estabeleceu, através da Resolução SMS nº 1.048, de março de 2004, a 
Relação Municipal de Medicamentos Essenciais (REMUME)33, instrumento técnico-
normativo que reúne todo o elenco de medicamentos padronizados usados pela 
Secretaria Municipal de Saúde34. 
 
baseadas em suas disposições. Sendo assim, a formulação da Política Nacional de Medicamentos 
forjou o sistema hoje proposto para a distribuição dos medicamentos, cabendo às portarias seguintes 
apenas delimitar os traços característicos. 
32 Os medicamentos essenciais básicos compõem um elenco de 92 itens destinados à atenção 
básica. A OMS define medicamentos essenciais como aqueles que satisfazem às necessidades de 
saúde prioritárias da população, os quais devem estar acessíveis em todos os momentos, na dose 
apropriada, a todos os segmentos da sociedade, além de serem selecionados segundo critérios de 
relevância em saúde pública, evidências de eficácia e segurança e estudos comparativos de custo-
efetividade. São os medicamentos mais simples, de menor custo, organizados em uma relação 
nacional de medicamentos (RENAME). 
33 A seleção de medicamentos que comporiam a REMUNE seguiu os seguintes critérios: (I) 
Medicamentos de valor terapêutico comprovado, com suficientes informações clínicas na espécie 
humana e em condições controladas, sobre a atividade terapêutica e farmacológica; (II) 
Medicamentos que supram as necessidades da maioria da população; (III) Medicamentos de 
composição perfeitamente conhecida, com somente um princípio ativo, excluindo-se, sempre que 
possível, as associações; (IV) Medicamentos pelo nome do princípio ativo, conforme Denominação 
Comum Brasileira (DCB) e, na sua falta, conforme Denominação Comum Internacional (DCI); (V) 
Medicamentos que disponham de informações suficientes sobre a segurança, eficácia, 
biodisponibilidade e características farmacocinéticas; (VI) Medicamentos de menor custo de 
aquisição, armazenamento, distribuição e controle, resguardada a qualidade; (VII) Formas 
farmacêuticas, apresentações e dosagem, considerando: a) Comodidade para a administração aos 
pacientes; b) Faixa etária; c) Facilidade para cálculo da dose a ser administrada; d) Facilidade de 
fracionamento ou multiplicação das doses. 
34 Ressalta-se ainda que a lista não fica estagnada. Para avaliar a necessidade de atualização, com a 
inclusão e exclusão de medicamentos, foi nomeada comissão. A Resolução SMS nº 1.139, de 4 de 
abril de 2005, constituiu o Grupo Técnico de Estudos sobre Medicamentos, formado por profissionais 
da Secretaria Municipal, envolvidos na gerência de diversas atividades relacionadas às ações e 
serviços de saúde. V. ResoluçãoSMS nº 1.139, de 4 de abril de 2005, art.3º: “o Grupo Técnico de 
 19
 
 
31. A União em parceria com os Estados e o Distrito Federal ocupa-se 
sobretudo da aquisição e distribuição dos medicamentos de caráter excepcional35, 
conforme disposto nas Portarias nº 2.577/GM, de 27 de outubro de 2006, e nº 1.321, de 
5 de junho de 200736. Assim, ao gestor estadual caberá definir o elenco de 
medicamentos que serão adquiridos diretamente pelo Estado, particularmente os de 
distribuição em caráter excepcional. No caso específico do Estado do Rio de Janeiro, a 
Secretaria de Estado de Saúde criou Comitê Técnico Operacional, com as funções de 
adquirir, armazenar e distribuir os medicamentos de competência estadual (Resolução 
SES nº 2.471, de 20 de julho de 2004)37. Além disso, criou também o Colegiado 
 
Estudos sobre Medicamentos terá as seguintes atribuições: a) Padronizar os medicamentos a serem 
utilizados na rede assistencial própria da Secretaria Municipal de Saúde, dentro dos critérios 
estabelecidos, que obedeçam aos parâmetros da economicidade, qualidade, segurança e eficácia; b) 
Avaliar os pedidos de inclusão e exclusão de medicamentos na REMUME-Rio; c) Convidar, quando 
couber, consultores ad hoc, sendo preferencialmente, especialistas ligados aos Programas Nacionais 
ou Estaduais de Saúde e as comissões técnicas da SMS-Rio, professores de Universidades ou 
profissionais de notório saber; d) Definir critérios que subsidiem a priorização dos medicamentos para 
elaboração de protocolos de uso de medicamentos”. 
35 Os medicamentos de “dispensação” em caráter excepcional são aqueles destinados ao tratamento 
de patologias específicas, que atingem número limitado de pacientes, e que apresentam alto custo, 
seja em razão do seu valor unitário, seja em virtude da utilização por período prolongado. Entre os 
usuários desses medicamentos estão os transplantados, os portadores de insuficiência renal crônica, 
de esclerose múltipla, de hepatite viral crônica B e C, de epilepsia, de esquizofrenia refratária e de 
doenças genéticas como fibrose cística e a doença de Gaucher. 
36 A Portaria nº 2.577/GM, de 27 de outubro de 2006, aprova o Componente de Medicamentos de 
Dispensação Excepcional e apresenta a lista de medicamentos sob a responsabilidade da União. A 
lista completa contendo mais de 105 substâncias ativas pode ser verificada no endereço: http:// 
dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/Port2006/GM/GM-2577.htm. A Portaria nº 1.321, de 5 de 
junho de 2007, define os recursos a serem repassados para os Estados e o Distrito Federal, a título 
de co-financiamento, referentes à competência maio e junho de 2007, para a aquisição e distribuição 
de Medicamentos de Dispensação em Caráter Excepcional da Tabela SAI/SUS. Nesse mesmo 
sentido decidiu a Comissão Intergestores Tripartite, no dia 5 de outubro de 2005, em reunião em que 
foi pactuada a repartição do financiamento dessa espécie de medicamento entre União e Estados: 
“Na questão dos Medicamentos da Dispensação Excepcional, o secretário de Ciência, Tecnologia e 
Insumos Estratégicos, Dr. Moisés Goldbaum, falou do processo de trabalho na Câmara Técnica 
Tripartite e do acordo que fecharam para o momento. Após várias considerações CONASS e 
CONASEMS, onde foram solicitadas ao Ministério as criações de um mecanismo para compensar os 
Estados com saldos negativos no custeio de medicamentos excepcionais e mecanismos para 
enfrentar as questões judiciais, a proposta foi pactuada” (Resumo Executivo da Reunião 
Extraordinária de 05 de outubro de 2006 da Comissão Intergestores Tripartite. Disponível em 
http://dtr2001.saude.gov.br/dad/. Acesso em 27 ago. 07). 
37 Considerando a necessidade de contínuo abastecimento de medicamentos dos programas de 
assistência farmacêutica e a necessidade de padronizar os procedimentos administrativos adotados 
por todos os setores da Secretaria de Saúde, a citada resolução constituiu Comitê com as seguintes 
atribuições: (i) elaborar os procedimentos operacionais padronizados, para cada etapa do fluxo de 
aquisição, armazenamento e distribuição de medicamentos; (ii) analisar e avaliar os processos de 
aquisição de medicamentos em tramitação; (iii) elaborar cronograma de entrega de medicamentos; 
 20
 
Gestor da Política Estadual de Medicamentos e Assistência Farmacêutica (Resolução 
SES nº 2.600, de 2 de dezembro de 2004)38, que tem a função de auxiliar a Secretaria 
de Estado na gestão da Assistência Farmacêutica. Acrescenta-se ainda que o Governo 
Estadual possui um programa de assistência farmacêutica denominado Farmácia 
Popular, que fornece remédios à população a preços módicos39. 
 
32. Como se pode perceber da narrativa empreendida, não seria 
correto afirmar que os Poderes Legislativo e Executivo encontram-se inertes ou 
omissos – ao menos do ponto de vista normativo – no que toca à entrega de 
medicamentos para a população. Ao contrário, as listas definidas por cada ente 
federativo veiculam as opções do Poder Público na matéria, tomadas – presume-se – 
considerando as possibilidades financeiras existentes. Após as reflexões teóricas e a 
descrição do quadro normativo, levadas a efeito nos capítulos anteriores, impõe-se 
agora a análise crítica do papel desempenhado pela jurisprudência para, na seqüência, 
procurar desenvolver alguns parâmetros objetivos capazes de dar racionalidade e 
disciplina adequada à questão. 
 
Parte III 
INTERFERÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO EM RELAÇÃO À SAÚDE E AO FORNECIMENTO 
GRATUITO DE MEDICAMENTOS. LIMITES LEGÍTIMOS E CRÍTICAS 
 
(iv) elaborar cronograma de pagamento para os fornecedores de medicamentos; (v) elaborar relatório 
de situação sobre abastecimento de medicamentos no prazo de 07 (sete) dias; e (vi) apresentar 
relatório com as medidas adotadas no prazo de 15 (quinze) dias. 
38 O Colegiado possui como objetivo formular políticas para o setor que envolvem um conjunto de 
iniciativas voltadas à promoção, proteção e efetivação da saúde. Segundo o art. 4º da Resolução, “os 
trabalhos do Colegiado gestor deverá englobar como eixo estratégico sas diretrizes estabelecidas no 
item 5.3 da Portaria GM/MS nº 3.916/98 e em outros que forem considerados importantes para a 
melhoria do sistema de gestão, propondo, inclusive, medidas que julgar necessárias, encaminhando-
as ao Secretário de Estado de Saúde para deliberação”. 
39 Dados obtidos através do endereço: http://www.ivb.rj.gov.br/principal.asp: “Todas as farmácias 
vendem 48 medicamentos e mais as fraldas descartáveis (tamanhos M e G). Os medicamentos são 
produzidos pelo próprio IVB, Laboratório Farmacêutico da Marinha, IQUEGO (Indústria Química de 
Goiás), Lafepe (Laboratório Farmacêutico do Estado de Pernambuco) e FUNED (Fundação Ezequiel 
Dias, de Minas Gerais). Tudo a R$ 1. As fraldas são também para deficientes (de qualquer idade). Os 
medicamentos estão entre os mais consumidos pela terceira idade. São para hipertensão, 
cardiopatias, problemas de nervos, depressão, glaucoma e osteoporose entre outras. Para comprar 
na Farmácia Popular, é preciso ter 60 anos ou mais, apresentar receita médica da rede pública e com 
o nome genérico do medicamento e, ainda, morar nas regiões” (Acesso em 28 ago. 07). 
 21
 
 
I. O ESPAÇO INEQUÍVOCO DE ATUAÇÃO JUDICIAL 
 
33. O papel do Poder Judiciário, em um Estado constitucional 
democrático, é o de interpretar a Constituição e as leis, resguardando direitos e 
assegurando o respeito ao ordenamento jurídico. Em muitas situações, caberá a juízes 
e tribunais o papel de construçãodo sentido das normas jurídicas, notadamente quando 
esteja em questão a aplicação de conceitos jurídicos indeterminados e de princípios. 
Em inúmeros outros casos, será necessário efetuar a ponderação entre direitos 
fundamentais e princípios constitucionais que entram em rota de colisão, hipóteses em 
que os órgãos judiciais precisam proceder a concessões recíprocas entre normas ou 
fazer escolhas fundamentadas40. 
 
34. Pois bem. O controle jurisdicional em matéria de entrega de 
medicamentos deve ter por fundamento – como todo controle jurisdicional – uma 
norma jurídica, fruto da deliberação democrática. Assim, se uma política pública, ou 
qualquer decisão nessa matéria, é determinada de forma específica pela Constituição 
ou por leis válidas, a ação administrativa correspondente poderá ser objeto de controle 
jurisdicional como parte do natural ofício do magistrado de aplicar a lei. Também será 
legítima a utilização de fundamentos morais ou técnicos, quando seja possível 
formular um juízo de certo/errado em face das decisões dos poderes públicos. Não é 
dessas hipóteses que se está cuidando aqui. 
 
35. O tema versado no presente estudo envolve princípios e direitos 
fundamentais, como dignidade da pessoa humana, vida e saúde. Disso resultam duas 
conseqüências relevantes. A primeira: como cláusulas gerais que são, comportam uma 
multiplicidade de sentidos possíveis e podem ser realizados por meio de diferentes atos 
de concretização. Em segundo lugar, podem eles entrar em rota de colisão entre si. A 
 
40 Sobre o tema, v. Luís Roberto Barroso e Ana Paula de Barcellos, O começo da história. A nova 
interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito constitucional brasileiro, Interesse 
Público 19:51, 2003. 
 22
 
extração de deveres jurídicos a partir de normas dessa natureza e estrutura deve ter 
como cenário principal as hipóteses de omissão dos Poderes Públicos ou de ação que 
contravenha a Constituição. Ou, ainda, de não atendimento do mínimo existencial. 
 
36. Ressalvadas as hipóteses acima, a atividade judicial deve guardar 
parcimônia e, sobretudo, deve procurar respeitar o conjunto de opções legislativas e 
administrativas formuladas acerca da matéria pelos órgãos institucionais competentes. 
Em suma: onde não haja lei ou ação administrativa implementando a Constituição, 
deve o Judiciário agir. Havendo lei e atos administrativos, e não sendo devidamente 
cumpridos, devem os juízes e tribunais igualmente intervir. Porém, havendo lei e atos 
administrativos implementando a Constituição e sendo regularmente aplicados, 
eventual interferência judicial deve ter a marca da autocontenção. 
 
II. CRÍTICAS À JUDICIALIZAÇÃO EXCESSIVA 
 
37. A normatividade e a efetividade das disposições constitucionais 
estabeleceram novos patamares para o constitucionalismo no Brasil e propiciaram uma 
virada jurisprudencial41 que é celebrada como uma importante conquista. Em muitas 
situações envolvendo direitos sociais, direito à saúde e mesmo fornecimento de 
medicamentos, o Judiciário poderá e deverá intervir. Tal constatação, todavia, não 
torna tal intervenção imune a objeções diversas, sobretudo quando excessivamente 
invasiva da deliberação dos outros Poderes. De fato, existe um conjunto variado de 
críticas ao ativismo judicial nessa matéria, algumas delas dotadas de seriedade e 
consistência. Faz-se no presente tópico um breve levantamento de algumas dessas 
críticas, sem a preocupação de endossá-las ou infirmá-las. O propósito aqui é oferecer 
uma visão plural do tema, antes da apresentação dos parâmetros propostos no capítulo 
seguinte. 
 
 
41 J. J. Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da ConstituiçãoCanotilho, Direito 
constitucional e teoria da Constituição, 2003, p. 26, faz referência à “viragem jurisprudencial”, 
observando: “As decisões dos tribunais constitucionais passaram a considerar-se como um novo 
modo de praticar o direito constitucional – daí o nome de moderno direito constitucional”. 
 23
 
38. A primeira e mais freqüente crítica oposta à jurisprudência 
brasileira se apóia na circunstância de a norma constitucional aplicável estar positivada 
na forma de norma programática42. O artigo 196 da Constituição Federal deixa claro 
que a garantia do direito à saúde se dará por meio de políticas sociais e econômicas, 
não através de decisões judiciais43. A possibilidade de o Poder Judiciário concretizar, 
independentemente de mediação legislativa, o direito à saúde encontra forte obstáculo 
no modo de positivação do artigo 196, que claramente defere a tarefa aos órgãos 
executores de políticas públicas. 
 
39. Uma outra vertente crítica enfatiza a impropriedade de se 
conceber o problema como de mera interpretação de preceitos da Constituição. 
Atribuir-se ou não ao Judiciário a prerrogativa de aplicar de maneira direta e imediata 
o preceito que positiva o direito à saúde seria, antes, um problema de desenho 
institucional44. Há diversas possibilidades de desenho institucional nesse domínio. 
Pode-se entender que a melhor forma de otimizar a eficiência dos gastos públicos com 
saúde é conferir a competência para tomar decisões nesse campo ao Poder Executivo, 
que possui visão global tanto dos recursos disponíveis quanto das necessidades a 
serem supridas. Esta teria sido a opção do constituinte originário, ao determinar que o 
direito à saúde fosse garantido através de políticas sociais e econômicas. As decisões 
judiciais que determinam a entrega gratuita de medicamentos pelo Poder Público 
 
42 Segundo José Afonso da Silva, Aplicabilidade das normas constitucionais, 1999, pp. 83-4. ‘A saúde 
é (...) dever do Estado...’], aí, não impõe propriamente uma obrigação jurídica, mas traduz um 
princípio, segundo o qual a saúde e o desporto para todos e cada um se incluem entre os fins 
estatais, e deve ser atendido. Sente-se, por isso, que as prescrições têm eficácia reduzida...” V. 
também: TJRJ, j. 17 dez. 1998, MS 220/98, Rel. Des Antonio Lindberg Montenegro: “Mandado de 
Segurança. Impetrantes portadores de insuficiência renal crônica. Fornecimento de remédio 
(CELLCEPT) pelo Estado. As normas programáticas estabelecidas na Constituição Federal não 
conferem ao cidadão o direito subjetivo de exigir do Estado o fornecimento de remédios de alto-custo, 
em detrimento de outros doentes, igualmente carentes. Na consecução de sua obrigação de saúde 
pública a administração há que atender aos interesses mais imediatos da população. Impropriedade 
da via mandamental para atendimento do direito reclamado”. 
43 Segundo o artigo 196 da Constituição Federal, “a saúde é direito de todos e dever do Estado, 
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de 
outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e 
recuperação”. 
44 Sobre a noção de desenho institucional, v. F. Schauer, Playing by the Rules: a philosophical 
examination of rule-based decision-making in law and in life, 1998; Noel Struchiner, Para falar de 
regras. O positivismo conceitual como cenário para uma investigação filosófica acerca dos casos 
difíceis do direito. Tese de doutorado apresentada à PUC-Rio, 2005. 
 24
 
levariam, portanto, à alteração do arranjo institucional concebido pela Constituição de 
1988. 
 
40. Uma terceira impugnação à atuação judicial na matéria, 
repetidamente formulada, diz respeito à intricada questão da legitimidade democrática. 
Não são poucos os que sustentam a impropriedade de se retirar dos poderes 
legitimados pelo voto popular a prerrogativade decidir de que modo os recursos 
públicos devem ser gastos. Tais recursos são obtidos através da cobrança de impostos. 
É o próprio povo – que paga os impostos – quem deve decidir de que modo os 
recursos públicos devem ser gastos45. E o povo pode, por exemplo, preferir priorizar 
medidas preventivas de proteção da saúde, ou concentrar a maior parte dos recursos 
públicos na educação das novas gerações. Essas decisões são razoáveis, e caberia ao 
povo tomá-las, diretamente ou por meio de seus representantes eleitos46. 
 
41. Talvez a crítica mais freqüente seja a financeira, formulada sob a 
denominação de “reserva do possível”47. Os recursos públicos seriam insuficientes 
 
45 O argumento é assim sintetizado por Ingo Wolfgang Sarlet, Algumas considerações em torno do 
conteúdo, eficácia e efetividade do direito à saúde na Constituição de 1988, Interesse Público 12:102, 
2001: “A expressiva maioria dos argumentos contrários ao reconhecimento de um direito subjetivo 
individual à saúde como prestação (assim como ocorre com os demais direitos sociais prestacionais, 
tais como educação, assistência social, moradia, etc.) prende-se ao fato de que se cuida de direito 
que, por sua dimensão econômica, implica alocação de recursos materiais e humanos, encontrando-
se, por esta razão, na dependência da efetiva disponibilidade destes recursos, estando, portanto, 
submetidos a uma reserva do possível. Com base nesta premissa e considerando que se cuida de 
recursos públicos, argumenta-se, ainda, que é apenas o legislador democraticamente legitimado 
quem possui competência para decidir sobre a afetação destes recursos, falando-se, neste contexto, 
de um princípio da reserva parlamentar em matéria orçamentária, diretamente deduzido do princípio 
democrático e vinculado, por igual, ao princípio da separação de poderes”. 
46 V. José Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da Constiuição, 2001, p. 946: “os juízes 
não se podem transformar em conformadores sociais, nem é possível, em termos democráticos 
processuais, obrigar juridicamente os órgãos políticos a cumprir determinado programa de ação”. No 
mesmo sentido, segundo Fabiano Holz Beserra, Comentário sobre a decisão proferida no julgamento 
da argüição de descumprimento de preceito fundamental nº 45/DF, Revista de direito social 18:110, 
2005: “De outra parte, é discutível a legitimidade daqueles que não possuem delegação popular para 
fazer opções de gastos. Quando há investimentos dispensáveis ou suntuosos, não há maiores 
problemas. O mesmo não se diga, porém, quando se está a optar por gastos sociais de igual status, 
como educação e saúde. Além disso, o que definiria a prioridade de atendimento: a distribuição do 
processo? O melhor advogado? A celeridade do juízo? São indagações que, sem dúvida, tornam a 
questão complexa”. 
47 Ricardo Lobo Torres, O mínimo existencial, os direitos sociais e a reserva do possível. In: António 
José Avelãs Nunes e Jacinto Nelson Miranda Coutinho (Org.), 2004, p. 455-6: “A doutrina modificou-
se radicalmente, abandonando o positivismo sociológico e adotando a visão principiológica em que se 
 25
 
para atender às necessidades sociais, impondo ao Estado sempre a tomada de decisões 
difíceis. Investir recursos em determinado setor sempre implica deixar de investi-los 
em outros. De fato, o orçamento apresenta-se, em regra, aquém da demanda social por 
efetivação de direitos, sejam individuais, sejam sociais48. Em diversos julgados mais 
antigos, essa linha de argumentação predominava. Em 1994, por exemplo, o Tribunal 
de Justiça do Rio de Janeiro, ao negar a concessão de medida cautelar a paciente 
portador de insuficiência renal, alegou o alto custo do medicamento, a impossibilidade 
de privilegiar um doente em detrimento de outros, bem como a impropriedade de o 
Judiciário “imiscuir-se na política de administração pública” 49. 
 
42. Mais recentemente, vem se tornando recorrente a objeção de que 
as decisões judiciais em matéria de medicamentos provocam a desorganização da 
Administração Pública. São comuns, por exemplo, programas de atendimentos 
integral, no âmbito dos quais, além de medicamentos, os pacientes recebem 
atendimento médico, social e psicológico. Quando há alguma decisão judicial 
determinando a entrega imediata de medicamentos, freqüentemente o Governo retira o 
fármaco do programa, desatendendo a um paciente que o recebia regularmente, para 
entregá-lo ao litigante individual que obteve a decisão favorável50. Tais decisões 
 
realçam: (...) d) o reconhecimento da prevalência do princípio da reserva do possível (expressão 
cunhada pelo Tribunal Constitucional da Alemanha – BverGE 33: 303-333 – largamente empregada 
em Portugal e no Brasil) ou da reserva orçamentária: ‘não são determinados previamente, mas 
sujeitos à reserva do possível (Vorbehalt des Möglichen), no sentido de que a sociedade deve fixar a 
razoabilidade da pretensão. Em primeira linha compete ao legislador julgar, pela sua própria 
responsabilidade, sobre a importância das diversas pretensões da comunidade, para incluí-las no 
Orçamento, resguardando o equilíbrio financeiro geral.’ E) possibilidade de superação do princípio da 
reserva do possível no caso de contradição incontornável com o princípio da dignidade humana, 
consubstanciado no direito a prestação estatal jusfundamental.” 
48 Gustavo Amaral, Direito, escassez & escolha: Em busca de critérios jurídicos para lidar com a 
escassez de recursos e as decisões trágicas, p. 71-3: “Todos os direitos têm custos porque todos 
pressupõem o custeio de uma estrutura de fiscalização para implementá-los”. 
49 TJRJ, j. 20 set. 1994, Apelação Cível 1994.001.01749, Rel Des. Carpena Amorim: “Medida cautelar 
inominada destinada ao fornecimento de remédio de alto custo indispensável para a sobrevivência de 
pessoa com deficiência renal. Dada a carência de recursos não pode o Estado privilegiar um doente 
em detrimento de centenas de outros, também carentes, que se conformam com as deficiências do 
aparelho estatal. Não pode o Poder Judiciário, a pretexto de amparar a autora, imiscuir-se na política 
de administração publica destinada ao atendimento da população. Manutenção da sentença. (DP) 
Vencido o Des. Hudson Bastos Lourenco”. 
50 Marcos Maselli Gouvêa, O direito ao fornecimento estatal de medicamentos, Revista forense 37: 
113, 2003, sintetiza a crítica da seguinte forma: “Um viés da crítica que se traça ao intervencionismo 
judiciário na área de fornecimento de remédios é, precisamente, o de que ele põe por água abaixo 
 26
 
privariam a Administração da capacidade de se planejar, comprometendo a eficiência 
administrativa no atendimento ao cidadão. Cada uma das decisões pode atender às 
necessidades imediatas do jurisdicionado, mas, globalmente, impediria a otimização 
das possibilidades estatais no que toca à promoção da saúde pública. 
 
43. No contexto da análise econômica do direito, costuma-se objetar 
que o benefício auferido pela população com a distribuição de medicamentos é 
significativamente menor que aquele que seria obtido caso os mesmos recursos fossem 
investidos em outras políticas de saúde pública51, como é o caso, por exemplo, das 
políticas de saneamento básico e de construção de redes de água potável52. Em 2007, 
por exemplo, no Estado do Rio de Janeiro, já foram gastos com os programas de 
Assistência Farmacêutica R$ 240.621.568,00 – cifra bastante superior aos R$ 
102.960.276,00 que foram investidos em saneamento básico53. Tal opção não se 
justificaria, pois se sabe que estapolítica é significativamente mais efetiva que aquela 
no que toca à promoção da saúde54. Na verdade, a jurisprudência brasileira sobre 
 
tais esforços organizacionais. Autoridades e diretores de unidades médicas afirmam que, 
constantemente, uma ordem judicial impondo a entrega de remédio a um determinado postulante 
acaba por deixar sem assistência farmacêutica outro doente, que já se encontrava devidamente 
cadastrado junto ao centro de referência”. 
51 Como esclarece Marcos Maselli Gouvêa, O direito ao fornecimento estatal de medicamentos, 
Revista forense 37: 108, 2003. “Em tese, seria possível aventar uma infinidade de medidas que 
contribuiriam para a melhoria das condições de saúde da população, decorrendo daí a necessidade 
de se precisar que meios de valorização da saúde poderiam ser postulados judicialmente. Um grupo 
de cidadãos poderia advogar que a ação do Estado, na área de saúde, fosse máxima, fornecendo 
tudo o quanto, ainda remotamente, pudesse satisfazer tal interesse; outros poderiam enfatizar o 
cuidado com práticas preventivas, concordando com o fornecimento, pelo Estado, de vacinas de 
última geração, de eficácia ainda não comprovada; um terceiro grupo poderia pretender que o Estado 
desse impulso a uma política de saúde calcada na medicina alternativa, ou ao subsídio aos planos 
privados de saúde. Existe, enfim, um leque infinito de estratégias possíveis, o que aparentemente 
tornaria inviável sindicarem-se prestações positivas, nesta seara, sem que o constituinte ou o 
legislador elegessem uma delas”. 
52 Varun Gauri, Social Rights and Economics: Claims to Health Care and Education in Developing 
Countries, World Development 32 (3): 465, 2004. 
53 Dados disponíveis em: http://www.planejamento.rj.gov.br/OrcamentoRJ/2007_LOA.pdf. Acesso em 
22 out. 2007. 
54 Segundo Arthur Bragança de Vasconcellos Weintraub, Direito à saúde no Brasil e princípios da 
seguridade social, Revista de direito social 20:58, 2005: “O atendimento integral é fruto da 
universalidade objetiva, sendo que a prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos 
serviços assistenciais, é oriunda da razoabilidade. Como diria São Jerônimo, sancta simplicitas: é 
melhor prevenir que remediar. E remediar faz mais sentido quando se trata de saúde. Previnam-se as 
doenças, mantendo-se o atendimento para os já enfermos. Tal prevenção envolve um conceito amplo 
de saúde, associado com o equilíbrio físico, o psicológico e o social. (...) Estas diretrizes [as do art. 
200 da CF/88] confirmam o alcance de um conceito amplo de saúde, associado com o equilíbrio 
 27
 
concessão de medicamentos se apoiaria numa abordagem individualista dos problemas 
sociais, quando uma gestão eficiente dos escassos recursos públicos deve ser 
concebida como política social, sempre orientada pela avaliação de custos e 
benefícios55. 
 
44. As políticas públicas de saúde devem seguir a diretriz de reduzir 
as desigualdades econômicas e sociais. Contudo, quando o Judiciário assume o papel 
de protagonista na implementação dessas políticas, privilegia aqueles que possuem 
acesso qualificado à Justiça, seja por conhecerem seus direitos, seja por poderem arcar 
com os custos do processo judicial. Por isso, a possibilidade de o Judiciário determinar 
a entrega gratuita de medicamentos mais serviria à classe média que aos pobres. 
Inclusive, a exclusão destes se aprofundaria pela circunstância de o Governo transferir 
os recursos que lhes dispensaria, em programas institucionalizados, para o 
cumprimento de decisões judiciais, proferidas, em sua grande maioria, em benefício da 
classe média56. 
 
45. Por fim, há ainda a crítica técnica, a qual se apóia na percepção de 
que o Judiciário não domina o conhecimento específico necessário para instituir 
 
físico, o psicológico e o social. o meio ambiente do trabalho e a saúde do trabalhador, v. g., são 
interesses difusos, pois causam impacto social. A vigilância sanitária e epidemiológica também é 
prioridade. Temos visto recentemente o governo investir mais em referendos do que no controle da 
febre aftosa ou da gripe aviária. São questões intrínsecas à saúde, que deveriam ser essência da 
atuação estatal”. V. também: Marcos Maselli Gouvêa, O controle judicial das omissões 
administrativas, 2003, p. 19: “Certas prestações, uma vez determinadas pelo Judiciário em favor do 
postulante que ajuizasse ação neste sentido, poderiam canalizar tal aporte de recursos que se 
tornaria impossível estendê-las a outras pessoas, com evidente prejuízo ao princípio igualitário”. 
55 Nesse sentido, v. TJRJ, j. 20 set. 1994, Apelação Cível 1994.001.01749, Rel Des. Carpena 
Amorim. 
56 Como sustenta Lúcia Léa Guimarães Tavares, O fornecimento de medicamentos pelo Estado, 
Revista de direito da Procuradoria-Geral 55:109-10, 2002: “Uma última questão restaria a ser 
discutida, tendo em vista que as decisões judiciais não são ‘seletivas’ no que se refere à definição dos 
medicamentos que devem ser fornecidos. É comum que alguns magistrados determinem a entrega 
de remédios inexistentes no país, que devem ser importados, às vezes muito dispendiosos. Em geral, 
não são sensíveis aos argumentos de sua inexistência ou de seu alto custo, firmes na posição de que 
recursos existem, mas são mal aplicados pelo Poder Executivo. Não posso, nem quero, entrar no 
mérito da questão do desperdício dos recursos públicos, desperdício este que, lamentavelmente, não 
é privilégio do Poder Executivo. Mas não há dúvida de que os recursos são escassos e sua divisão e 
apropriação por alguns segmentos – mais politizados e articulados – pode ser feita em detrimento de 
outras áreas da saúde pública, politicamente menos organizadas e, por isto, com acesso mais difícil 
ao Poder Judiciário”. 
 28
 
políticas de saúde. O Poder Judiciário não tem como avaliar se determinado 
medicamento é efetivamente necessário para se promover a saúde e a vida. Mesmo que 
instruído por laudos técnicos, seu ponto de vista nunca seria capaz de rivalizar com o 
da Administração Pública57. O juiz é um ator social que observa apenas os casos 
concretos, a micro-justiça, ao invés da macro-justiça, cujo gerenciamento é mais afeto 
à Administração Pública58. 
 
 
Parte IV 
ALGUNS PARÂMETROS PARA RACIONALIZAR E UNIFORMIZAR A ATUAÇÃO JUDICIAL NO 
FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS 
 
I. EM RELAÇÃO ÀS AÇÕES INDIVIDUAIS 
 
 
57 É o que explica Marcos Maselli Gouvêa, O controle judicial das omissões administrativas, 2003, 
p.22-3: “O princípio da separação de poderes compreende, portanto, uma vertente político-
funcionalista que não se pode desprezar, sob pena de restringir-se a soberania popular. Afora esta 
componente, a separação de poderes traduz-se numa consideração técnico-operacional. O 
Legislativo e principalmente o Executivo acham-se aparelhados de órgãos técnicos capazes de 
assessorá-los na solução de problemas mais complexos, em especial daqueles campos que geram 
implicações macropolíticas, afetando diversos campos de atuação do poder público. O Poder 
judiciário, por sua vez, não dispõe de iguais subsídios; a análise que faz do caso concreto tende a 
perder de vista possíveis implicações fáticas e políticas da sentença, razão pela qual os problemas de 
maior complexidade – incluindo a implementação de direitos prestacionais – devem ser reservados ao 
administrador público. Aos empecilhos normativo-estruturais, financeiros e políticos listados acima 
são somados os obstáculos processuais. Ao passo em que os direitos liberais há séculos já se 
encontram consagrados nos ordenamentos e na jurisprudência dos mais diversos países, apenas no 
século XX passou-se a reservar maior atenção

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