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Raciocínios motivados

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Raciocínios "motivados" 
Qual deveria ser a função principal dos auxiliares de nossos representantes eleitos? 
É BANAL reconhecer que mesmo nossos pensamentos mais racionais são parasitados por afetos e 
emoções. Ou seja, uma boa parte de nossos raciocínios são, de fato, "wishful thinking", meditações 
motivadas pelo desejo. Em 2002, aliás, um psicólogo, Daniel Kahneman, ganhou o Prêmio Nobel de 
Economia por trabalhos que mostram como os agentes econômicos (investidores, consumidores etc.) 
acreditam obedecer, em suas escolhas, a critérios racionais (utilidade, lucro, interesse), mas, de fato, são 
levados por emoções que eles desconhecem e que os impedem de calcular corretamente os riscos de 
seus atos. 
Outros pesquisadores chegaram mil vezes a conclusões parecidas analisando pensamentos políticos, 
nos quais a racionalidade é seriamente ameaçada por afetos e emoções. Isso, claro, sem que o sujeito 
pensante se dê conta da interferência. 
Recentemente, o "Journal of Cognitive Neuroscience" (revista de neurociência cognitiva, 18:11, 2006) 
publicou uma pesquisa, de Drew Westen e outros, que, pela primeira vez, comprova "materialmente" o 
peso das motivações afetivas e emocionais em nossos pensamentos. 
Os sujeitos da amostra deviam julgar, por exemplo, uma explicação fornecida por um político. 
Enquanto decidiam se a explicação lhes parecia plausível ou não, seu funcionamento cerebral era 
monitorado por ressonância magnética. 
Embora os sujeitos jurassem que eles estavam decidindo fria e racionalmente, suas escolhas 
implicavam uma intensa atividade de zonas cerebrais classicamente envolvidas na regulação afetiva, na 
defesa psicológica e no "viés de confirmação". 
O "viés de confirmação" é um funcionamento psíquico freqüente (e catastrófico) no diagnóstico 
médico, no discurso político e nas brigas de casais. Ele consiste no seguinte: o sujeito procura ativa e 
seletivamente (embora de maneira inconsciente) dados que confirmem sua hipótese ou o seu 
preconceito iniciais. O prazer de ter razão prevalece sobre argumentos e informações, produzindo 
cegueiras. 
Com a pesquisa de Westen, as neurociências afirmam algo que a psicologia (social e clínica) sabe há 
tempo: nosso raciocínio é influenciado por afetos implícitos que nos levam a "minimizar estados 
afetivos negativos e potencializar estados afetivos positivos". A gente pensa e escolhe não no interesse 
da verdade, mas para sentir-se bem. O próprio Westen reconhece sua dívida mais antiga: "Freud 
descobriu esses processos há décadas, usando o termo ‘defesa’ para descrever os processos pelos quais 
as pessoas adaptam seus resultados cognitivos de maneira a evitar sentimentos desagradáveis como 
angústia e culpa". 
O que fazer com isso? É possível desistir da verdade, considerando que o mundo é um vasto teatro em 
que as subjetividades se enfrentam e que o que importa é apenas a versão de quem ganha a luta 
(retórica ou armada). 
Ou, então, talvez seja possível amparar a verdade, preservá-la de nossas próprias motivações. Podemos, 
por exemplo, desconfiar de nossas idéias, sobretudo quando nos sentimos particularmente satisfeitos 
com o entendimento da realidade que elas nos proporcionam. Pois a verdade (com o curso de ação que, 
eventualmente, ela "impõe") é geralmente pouco gratificante e de acesso trabalhoso. 
CONTARDO CALLIGARIS (Folha de São Paulo, 22 de fevereiro de 2007.)

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