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1 Torpor_Capitalismo

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1 
 
KURZ, Robert. O torpor do capitalismo. In: Os últimos combates. Petrópolis, Vozes, 
1997, p. 159-165. 
 
Há uma concepção ingénua, porém sensata, sobre a produtividade: quanto mais ela 
cresce, assim pensa o bom raciocínio humano, mais alívio traz à vida em comum. A 
maior produtividade permite mais bens com menos trabalho. Não é maravilhoso? Em 
nossa época, no entanto, parece que o aumento da produtividade, além de criar uma 
quantidade exagerada de bens, resultou numa avalanche de desemprego e de miséria 
Desde o final dos anos 70, os sociólogos costumam falar de um desemprego tecnológico 
ou "estrutural". Isso significa que o desemprego desenvolve-se com independência dos 
movimentos conjunturais da economia e cresce até mesmo em períodos de surto 
financeiro. Nos anos 80 e 90, a base desse desemprego estrutural, de ciclo para ciclo, 
tornou-se cada vez maior em quase todos os países; em 1995, segundo números da 
Organização Internacional do Trabalho, 30% da população economicamente ativa de 
todo o mundo não possuía emprego estável. 
Essa triste realidade, além de incompatível com o bom raciocínio humano, suscitou uma 
curiosa reação dos economistas. Os doutores em ciências econômicas agem como se o 
fenômeno irracional do desemprego em massa não tenha absolutamente nada a ver com 
as leis da economia moderna; as causas, segundo eles, devem ser buscadas em fatores 
alheios à economia, sobretudo na política financeira equivocada dos governos. 
Ao mesmo tempo, porém, os mesmos economistas afirmam que o aumento da 
produtividade não diminui o número de empregos, mas é responsável, ao contrário, pelo 
seu crescimento. Isso foi comprovado pela história da modernidade. O que para o 
observador imparcial se assemelha à causa da doença, deve assim integrar a própria 
receita para a cura. Os economistas operam com uma equação que mais parece um 
sofisma. Onde está o erro? 
Um axioma da teoria econômica afirma que o objetivo da produção é suprir a falta de 
bens da população. Ora, isso é uma pura banalidade. Todos sabem que o objetivo da 
produção moderna é originar um lucro privado. A venda dos bens produzidos deve render 
mais dinheiro do que o custo de sua produção. Qual a relação interna entre esses dois 
objetivos? Os economistas dizem que o segundo objetivo é apenas um meio (na verdade 
o melhor meio) de atingir a primeira meta. E, no entanto, é evidente que ambos objetivos 
não são idênticos: o primeiro refere-se à economia como um todo, o segundo à economia 
das empresas. Disso resultam contradições que, desde seu início, tornaram instável o 
sistema econômico moderno. 
A idéia tão natural de que o aumento da produtividade facilita a vida dos homens não 
leva em conta a racionalidade das empresas. Na verdade, trata-se de saber qual será o uso 
de uma maior capacidade produtiva. Se a produção visa a suprir as próprias necessidades, 
a evolução dos métodos e dos meios será utilizada simplesmente para trabalhar menos e 
desfrutar do maior tempo livre. 
Um produtor de bens para o mercado, no entanto, pode ter a brilhante idéia de trabalhar 
tanto quanto agora e utilizar a produtividade adicional para produzir uma quantidade 
ainda maior de mercadorias, a fim de ganhar mais dinheiro em vez de aproveitar o ócio. 
Um administrador de empresas é mesmo forçado a chegar a essa idéia, pois de nada lhe 
serve que os assalariados conquistem um maior espaço de tempo livre. Para ele, a 
produtividade adicional representa de qualquer modo um trunfo contra a concorrência, 
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sendo revertida em benefício da diminuição dos custos da empresa, e não em favor da 
maior comodidade dos produtores. 
É por isso que, na história econômica moderna, a jornada de trabalho diminuiu numa 
proporção muito menor do que o aumento correspondente de produtividade. Hoje em dia, 
os assalariados ainda trabalham mais e durante mais tempo do que os camponeses da 
Idade Média. 
A diminuição dos custos, portanto, não significa que os trabalhadores trabalham menos 
mantendo a mesma produção, mas que menos trabalhadores produzem mais produtos. O 
aumento da produtividade reparte seus frutos de forma extremamente desigual: enquanto 
trabalhadores "supérfluos" são demitidos, crescem os lucros dos empresários. Mas, se 
todas as empresas entrarem nesse processo, há a ameaça de surgir um efeito com que não 
contavam os interesses obtusos da economia empresarial: com o crescente desemprego, 
diminui o poder de compra da sociedade. Quem comprará então a quantidade cada vez 
maior de mercadorias? 
As guildas dos artesãos da Idade Média pressentiram esse perigo. Para elas era um 
pecado e um crime fazer concorrência aos colegas por meio do aumento de produtividade 
e tentar conduzí-los a todo custo à ruína. Os métodos de produção eram por isso 
rigidamente fixados, e ninguém os podia modificar sem o consentimento das guildas. O 
que impedia um desenvolvimento tecnológico era menos a incapacidade técnica do que 
essa organização social estática dos artesãos. Estes não produziam para um mercado no 
sentido moderno, mas para um mercado regional limitado, livre de concorrência. Essa 
ordem de produção durou mais tempo do que geralmente se supõe. Em grande parte da 
Alemanha, a introdução de máquinas foi proibida pela polícia até meados do século 18. 
A Inglaterra, como se sabe, foi a primeira a derrubar tal proibição. O caminho, assim, 
ficou livre para as invenções técnicas como o tear mecânico e a máquina a vapor, os dois 
motores da industrialização. E, súbito, irrompeu a temida catástrofe social: em toda a 
Europa, na passagem do século 18 para o 19, alastrou-se o primeiro desemprego 
tecnológico em massa. 
Tudo isso é passado, dizem os economistas: a evolução posterior não demonstrou que os 
temores eram infundados? De fato, apesar da expansão contínua das novas forças 
produtivas do ramo industrial, o desemprego tecnológico caiu rapidamente. Mas por que 
motivo? Acossados pela concorrência recíproca, os industriais foram obrigados a restituir 
aos consumidores parte de seus ganhos com a produção. As máquinas tornaram os 
produtos essencialmente mais baratos ao consumidor. 
Embora para a produção de uma certa quantidade de produtos têxteis fosse necessária 
uma força de trabalho menor do que antes, a demanda por roupas e tecidos baratos 
cresceu tanto que, ao contrário das expectativas, um número considerável de 
trabalhadores foi empregado nas novas indústrias. 
Com isso, porém, o problema não foi solucionado pela raiz. Todo mercado, a seu tempo, 
atinge um limite de saturação que o torna incapaz de conquistar novas camadas de 
consumidores. Somente numa certa fase da evolução o aumento da produtividade conduz 
à criação de mais empregos para a sociedade, apesar da menor quantidade de trabalho 
necessária para a confecção de cada produto. 
Nessa fase, os métodos desenvolvidos barateiam o produto e o preparam ao grande 
consumo das massas. Antes de alcançar esse estágio, o aumento de produtividade lança o 
antigo modo de produção numa profunda crise, como mostra o exemplo dos artesãos 
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têxteis no século 19. Na outra ponta do desenvolvimento, a crise é igualmente uma 
ameaça (com base na própria produção industrial), quando o estágio de expansão é 
ultrapassado e os mercados periféricos encontram-se saturados. 
Mas essa mesma expansão ainda pode ser transferida a outros setores. Ao longo do 
século 19, os antigos redutos artesanais foram progressivamente industrializados. Cada 
vez mais produtos tiveram seus preços reduzidos e permitiram a explosão do mercado. O 
processo sofreu uma tal aceleração que os artesãos "supérfluos" eram imediatamente 
absorvidos pelo trabalho industrial, evitando assim que se repetissea grande crise social 
dos antigos produtores têxteis. 
As crises, mesmo que inevitáveis, pareciam somente transições dolorosas para se atingir 
novos patamares de prosperidade. Mas o que ocorre quando todos os ramos da produção 
já estão industrializados e todos os limites de expansão do mercado já foram alcançados? 
O desenvolvimento econômico parecia refutar também esse receio. A indústria não 
apenas absorveu os antigos ramos da produção artesanal, mas também criou a partir de si 
misma novos setores produtivos, inventou produtos jamais imaginados e infundiu a sede 
de compra nos consumidores. O processo de aumento da produtividade, expansão e 
saturação dos mercados, criação de novas necessidades e nova expansão parecia não ter 
limites. 
Economistas como Joseph Schumpeter e Nikolai Kondratieff formularam, a partir dessas 
idéias, a teoria dos chamados "grandes ciclos" no desenvolvimento da economia 
moderna. Segundo essa teoria, uma certa combinação de indústrias sempre atinge seu 
limite histórico de saturação, envelhece e começa a encolher, após uma fase de expansão 
impetuosa. Empresários inovadores, na condição de "destruidores criativos" 
(Schumpeter), inventam todavia novos produtos, novos métodos e novas indústrias que 
libertam o capital dos antigos investimentos estagnados e lhes dá novo alento num corpo 
tecnológico renovado. 
O exemplo lapidar desse nascimento de um novo ciclo é a indústria automobilística. Em 
1886, o engenheiro alemão Carl Benz já tinha construído o primeiro carro; mas até a 
Primeira Guerra Mundial, tal mercadoria permaneceu um produto de luxo extremamente 
caro. Como que egresso das páginas do livro-texto de Schumpeter, surgiu então o 
empresário inovador Henry Ford. Sua criação não foi o próprio automóvel, mas um novo 
método de produção. 
No século 19, a produtividade cresceu sobretudo pelo fato de os ramos artesanais terem 
sido industrializados por meio da instalação de máquinas. A organização interna da 
própria indústria ainda não fora objeto de grandes cuidados. Só após 1900 o engenheiro 
norte-americano Frederick Taylor desenvolveu um sistema de "administração científica", 
a fim de desmembrar as áreas de trabalho específicas e aumentar a produção. 
Ford descubriu por meio desse sistema reservas insuspeitas de produtividade na 
organização do processo produtivo. Observou, por exemplo, que um operário da linha de 
montagem perdia em média muito tempo ao buscar parafusos. Estes foram então 
transportados diretamente ao local de trabalho. Parte do processo tornou-se "supérfluo" e, 
logo em seguida, foi introduzida a esteira rolante. 
Os resultados foram surpreendentes. Até a Primeira Guerra, a capacidade produtiva de 
uma fábrica de automóveis de porte médio permanecia em torno dos 10 mil carros por 
ano; em Detroit, a nova fábrica de Ford produziu, no exercício financeiro de 1914, a 
fantástica cifra de 248 mil unidades do seu célebre "Modell T". Os novos métodos 
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deflagraram uma nova revolução industrial. Mas tal revolução "fordista" ocorreu tarde 
demais para poder evitar a crise econômica mundial (1929-33), desencadeada pelos 
custos da guerra e pelo declínio global do comércio. 
Depois de 1945, porém, sobreveio o "grande ciclo" da produção industrial de automóveis, 
aparelhos domésticos, divertimentos eletrônicos etc. Baseado no antigo modelo, só que 
agora em dimensões muito maiores, o aumento da produtividade criou um número 
espantoso de novos empregos, já que a expansão do mercado de carros, geladeiras, 
televisões etc, exigia, em termos absolutos, mais trabalho do que os métodos "fordistas", 
em termos relativos, economizavam em cada produto. 
Nos anos 70, as indústrias fordistas atingiram seu nível histórico de saturação. Desde 
então vivemos a terceira revolução industrial, da microeletrônica. Cheio de esperanças, 
alguém se lembrou imediatamente de Schumpeter. De fato, os novos produtos passaram 
por um processo semelhante de barateamento, à maneira dos automóveis e das geladeiras: 
o computador, antes um aparelho caro e destinado a grandes empresas, transformou-se 
rapidamente num produto de consumo das massas. Desta vez, porém, o surto econômico 
não causou o correspondente aumento de empregos. 
Pela primeira vez na história da modernidade, uma nova tecnologia é capaz de 
economizar mais trabalho, em termos absolutos, do que o necessário para a expansão dos 
mercados de novos produtos. Na terceira revolução industrial, a capacidade de 
racionalização é maior do que a capacidade de expansão. A eficácia de uma fase 
expansiva, criadora de empregos, deixou de existir. O desemprego tecnológico da antiga 
história da industrialização faz seu retorno triunfal, só que agora não se limita a um ramo 
da produção, mas se espalha por todas as indústrias, por todo o planeta. 
O próprio interesse econômico das empresas conduz ao absurdo. Já é tempo, depois de 
200 anos de era moderna, que o aumento da produtividade sirva para trabalhar menos e 
viver melhor. O sistema de mercado, porém, não foi feito para isso. Sua ação restringe-se 
a transformar o excedente produtivo em mais produção e, portanto, em mais desemprego. 
Os economistas não querem compreender que a terceira revolução industrial possui uma 
qualidade nova, em cujo meio a teoria de Schumpeter não é mais válida. Em vão, eles 
ainda esperam o "grande ciclo" da microeletrônica - em vão, ainda esperam Godot.

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