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China nao e o pais das maravilhas(RKurz)

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1 
KURZ, Robert. A China não é o país das maravilhas. Disponível em URL via 
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs1901200308.htm. Arquivo capturado em 
03/11/03. 
 
Presa à atualidade, a memória média de curto tempo só conhece o discurso que acaba de ser feito. 
As modas e as conjecturas não têm história. Também na discussão acerca do desenvolvimento 
econômico do mundo os augures estão como que a postos para mastigar o tema anunciado no 
momento, que de repente emerge em toda a parte, em total semelhança com os jovens que no 
mundo inteiro passam subitamente a usar o mesmo tipo de calça e a ouvir o mesmo tipo de música. 
Se não fizermos parte disso e observarmos as modas e os discursos a uma certa distância, então nos 
chamará a atenção que determinados padrões se repetem de maneira quase estereotipada. O 
capitalismo já não produz mais nada de realmente novo, nem para as calças nem para a teoria 
econômica. Como na arte e na cultura, só resta a reciclagem. O retorno periódico dos mesmos 
padrões tem algo a ver com o fato de estar exaurida a substância capitalista, o sistema global do 
"trabalho" em empresas. É preciso afirmar incessantemente: não há nenhum novo modelo de 
acumulação e de regulação que possa sugar em escala global novas massas de força de trabalho. 
Porém, onde não existe mais nenhum desenvolvimento substancial nesse sentido, as criações 
intelectuais só podem girar em círculos. 
 
Bolhas financeiras 
Em nenhum terreno isso é tão evidente quanto no da discussão econômica. Aqui o espírito é de 
imediato o espírito do próprio capital, e é por esse motivo que ele se encontra hoje particularmente 
enfraquecido. Onde não há nada, nada pode ser descoberto. O crescimento não tem mais nenhuma 
base real, só tem lugar ainda no plano virtual, na figura das bolhas financeiras. No fundo, todos os 
debates econômicos se referem a esse estado de coisas, seja confessa ou inconfessadamente. Uma 
nova e histórica onda portadora de crescimento global somente pode ser discutida no subjuntivo, na 
qualidade de mera alternativa. Precisa-se dessas alternativas para se encontrar no plano secundário 
dos mercados financeiros uma espécie de justificação das reiteradas bolhas financeiras. A miragem 
de um novo fator de crescimento real no mundo tem de ser posta no discurso, de modo que a 
formação de bolhas nos mercados financeiros, estendendo-se e retraindo-se à maneira de uma 
sanfona, pareça um prenúncio e um elemento real de uma nova onda de crescimento substancial. 
Assim que uma semelhante possibilidade se revela um fiasco, as bolhas financeiras encolhem e 
volta a surgir a necessidade de fazer aparecer no discurso, num passe de mágica, uma outra 
alternativa. Mas o acervo de fantasias não é especialmente vasto. Na realidade, só há duas 
possibilidades para um novo surto de crescimento global. Ou por uma expansão espacial, 
geográfica, isto é, por um salto descomunal de crescimento capitalista na periferia do mercado 
mundial, ou por uma inovação tecnológica nos próprios centros do capital, capaz de criar uma nova 
"onda longa" de crescimento e prosperidade. Dependendo da opção favorecida no discurso, o 
capital monetário das bolhas financeiras flui mais forte rumo às "bolsas-limiar" da periferia ou, 
inversamente, rumo aos assim chamados "valores de tecnologia" das bolsas centrais. No começo foi 
a ascensão aparentemente interminável do Japão que produziu a idéia de um deslocamento 
geográfico do centro de gravidade do crescimento global, dando asas à imaginação dos otimistas 
profissionais. 
Como se sabe, no final dos anos 80 foi proclamado o "século do Pacífico", com o Japão no papel da 
pretensa nova potência econômica mundial e com os "pequenos tigres" do sudeste asiático como 
seu séquito. Contudo, já em 1990, depois do maior crash acionário de todos os tempos, a 
magnificência japonesa era coisa do passado; e poucos anos mais tarde também os tigres asiáticos 
iriam cair de joelhos. Na segunda metade dos anos 90, os gurus da melhora econômica pegaram 
outro bonde, adotando as concepções tecnológicas de uma nova "onda longa". Sem dúvida, há 
muito tempo se constata que a revolução tecnológica da microeletrônica, em vez de vencer a crise 
global, acaba a intensificando devido aos seus potenciais -jamais efetivados- de racionalização. Mas 
 2 
por essa época se procurou colorir determinadas subtecnologias, aplicações e produtos de consumo, 
tomando-os como fiadores do "capitalismo do futuro". 
De súbito foram as indústrias da internet e da telecomunicação que iriam inaugurar uma nova época 
de ocupação, crescimento e prosperidade. No entanto, tão rápido quanto foi aclamada, a época 
grandiosa da fundação da "new economy" terminou com um desastre ainda maior que o pretenso 
"século do Pacífico". 
 
Imaginação esgotada 
Desde então a imaginação parece estar esgotada em definitivo, pois recentemente o discurso das 
esperanças e das alternativas, que havia muito andava de muletas, retornou a duras penas à Ásia e, 
desse modo, mais uma vez à idéia de uma locomotiva regional ou específica de alguns países, 
destinada a puxar o crescimento global. Agora, de repente, é a China que deve trazer o que o Japão 
não trouxe. Seja como for, há alguns meses a imprensa econômica internacional vem celebrando em 
uníssono a "dinâmica chinesa", de maneira tão enfática como outrora a dinâmica japonesa. 
Enquanto o Ocidente luta com a recessão, é o que se diz, a China se ergue impetuosa. 
Em 2001 houve um farto crescimento de 7,6% , bem acima da média global, e em 2002 a China 
atrairá, com os cerca de 50 bilhões de dólares dos EUA à frente, a maior fatia dos investimentos 
globais no exterior. Como se sabe, graças ao punho de ferro da ditadura política, a força de trabalho 
chinesa é incomparavelmente barata, deixando exaltados os empresários do mundo todo. E já se 
calcula que o pretenso novo "milagre" durará anos e mesmo décadas: a China estaria no melhor 
caminho de se tornar a "oficina do mundo", como outrora a Grã-Bretanha, dizem de boca cheia os 
comentaristas alemães e norte-americanos em seus prognósticos. As esperanças verdejam de novo: 
uma China "próspera" será a campeã de compras no Ocidente, voltará a puxar para cima os tigres 
asiáticos e, de modo geral, a economia mundial, dando a nós todos um exemplo de ascensão por 
meio de diligência e frugalidade. 
Embora já tivéssemos provado esse molho ideológico adocicado a ponto de enjoar, devemos voltar 
a ele justo com a China. Na realidade, o cálculo é bem menos correto do que no caso da alternativa 
japonesa, 15 anos atrás. As condições da China para um grande salto à frente na economia mundial 
do século 21 são muito mais miseráveis do que eram no Japão, cuja base industrial pelo menos fora 
estabelecida já no século 19, em semelhança com a européia, ao passo que o ponto de partida da 
China na segunda metade do século 20 se encontrava no nível do Terceiro Mundo. A distância atual 
em relação às potências capitalistas centrais é francamente desesperadora. 
É preciso ler corretamente as estatísticas, visto que elas só expressam algo de maneira relativa. 
Desse modo, o júbilo equivocado com a grandeza absoluta das taxas do crescimento chinês se deve 
a uma ilusão óptica. Pois elas só são altas assim por conta do nível inicial extremamente baixo, em 
analogia com os tigres asiáticos anos atrás e, de resto, com todos os "portadores da esperança" 
anteriores do Terceiro Mundo. Toda vez ia a pique, em poucos anos, o crescimento que os 
animadores do capital financeiro haviam estimado de modo angelical, porque a brecha para alcançar 
o padrão de produtividade global não era possível devido à força escassa de capital e, por 
conseguinte, o limiar de um desenvolvimento realmente intensivonão podia ser ultrapassado. De 
fato, mesmo as taxas do crescimento chinês, por mais altas que pareçam atualmente, já caíram pela 
metade desde o princípio dos anos 90. 
Assim como o nível absoluto das taxas de crescimento, a grandeza absoluta do produto interno 
bruto não é um indicador de que um país como a China possa abrir as portas para o Primeiro Mundo 
e menos ainda que possa se tornar a locomotiva do crescimento global. Naturalmente só a massa de 
1,3 bilhão de seres humanos resulta em um produto social absoluto imenso. Mas isso e a quantidade 
de "hands", de força de trabalho disponível, já não importam mais sob as condições da globalização 
e do padrão da produtividade microeletrônica. Em princípio, e mais ainda no contexto da terceira 
revolução industrial, apenas a criação relativa de valor, o produto social per capita, constitui a régua 
para medir a situação e as perspectivas do desenvolvimento econômico. E nesse aspecto o ranking 
da China fica bem abaixo. 
 3 
 
Se em 2000 o PIB per capita chegava ainda a US$ 35.620 no Japão em crash, a US$ 34.100 nos 
EUA e a US$ 25.120 na Alemanha, na China ele está em deploráveis US$ 840, ou seja, 
praticamente o mesmo que em Honduras (US$ 860), a metade da taxa da Jordânia (US$ 1.710) ou 
do Irã (US$ 1.680) e um quarto da taxa do Brasil (US$ 3.580). Centro e periferia Por esses números 
fica visível o verdadeiro abismo entre o centro e a periferia. Nos países ocidentais e no Japão, no 
nível do padrão tecnológico, um crescimento real, que deveria mover a criação de valores e 
mercadorias em ordens astronômicas de grandeza, quase não é mais possível; justamente por esse 
motivo haviam se formado em seu lugar as bolhas financeiras. Na periferia, ao contrário, mesmo as 
altas taxas de crescimento absoluto só podem mover uma massa de valores e de mercadorias 
relativamente mínima, de pouco peso no plano global. É por isso que a China jamais poderá se 
tornar no século 21 a "oficina do mundo", como a Grã-Bretanha no início do século 19. A 
industrialização chinesa atual, voltada à exportação, não se baseia, diferentemente da britânica 
daquela época, em uma tecnologia superior própria, mas somente em baixos salários. A 
"profundidade da produção" independente é ainda bem menor do que nos tigres asiáticos. Por conta 
disso, o know-how e até uma grande parte dos componentes da produção têm de ser importados a 
altos preços. Tudo computado, não resta quase nada de saldo positivo para a própria China. 
Sessenta por cento das exportações baseiam-se apenas nos investimentos diretos de firmas 
ocidentais e japonesas na China, as quais abastecem a partir de lá os seus próprios mercados e o 
resto do mundo. Dessa maneira, a China não está abrindo as portas para o Primeiro Mundo; pelo 
contrário, ela está sendo degradada ao maior quintal de salários baixos do mundo. Em razão disso, 
nenhuma importação de mesma classe pode se contrapor às exportações chinesas. Ao contrário, são 
importados, sobretudo, os componentes para a exportação e para a infra-estrutura, raramente bens 
de consumo. 
Na verdade, tanto quanto os já defraudados "milagres" asiáticos anteriores, o suposto "milagre" 
chinês vive apenas dos desequilíbrios e dos déficits globais, principalmente da rua de mão única da 
exportação para os EUA através do Pacífico, ou seja, dos prolongamentos da economia baseada em 
bolhas financeiras e dos déficits gigantescos norte-americanos. À medida que os consumidores 
superendividados dos EUA vierem a perder finalmente o fôlego, a industrialização chinesa voltada 
à exportação entrará em colapso, se não fracassar antes por conta do estouro de suas próprias bolhas 
financeiras internas. Isso seria ao mesmo tempo o segundo e definitivo crash dos tigres asiáticos. Já 
agora, no séquito da China, seu crescimento transcorre com um dinamismo bem menor do que 
outrora, quando se encontravam no séquito do Japão; uma boa parte dos danos da crise de 1997/98 
ainda não foi reparada. Conforto relativo Mas, mesmo que a ofensiva chinesa nas exportações 
continue ainda por algum tempo, seu raio de ação é tão restrito que ela não pode provocar nenhum 
grande surto de desenvolvimento. Pelo contrário, a economia interior colossal ameaça cair numa 
crise de dimensão imprevisível justamente devido aos aparentes êxitos da economia externa. É 
verdade que o crescimento das exportações na China proporcionou um aumento do bem-estar a 
"dúzias de milhões de pessoas", como acentuam os otimistas. E talvez mais 150 milhões de chineses 
possam levar uma existência de pobreza, capaz de participar do mercado mundial com os produtos 
residuais desse novo bem-estar. 
De novo isso parece impressionante apenas em números absolutos. Mas o que fazer com o restante, 
cerca de 1 bilhão de pessoas? Essa massa inimaginável ameaça se tornar "supérflua" e um ônus para 
a capacidade de participar do mercado mundial. Pois, com o ingresso na Organização Mundial do 
Comércio, a China precisa pagar sua industrialização voltada à exportação abrindo gradualmente os 
próprios mercados internos. Com isso a maior parte das indústrias estatais não-rentáveis e a 
agricultura, subprodutiva para os padrões globais, passam a ficar à disposição. 
A existência da maioria da população chinesa está sendo "desvalorizada". Ao mesmo tempo se 
amplia o desnível entre as poucas regiões ascendentes da costa do Pacífico e o imenso interior que 
ficou para trás. Em nenhum país da periferia a sociedade é dilacerada tão brutalmente pela 
industrialização voltada à exportação do que na China. 
 4 
Na tentativa de montar o tigre capitalista, a burocracia partidária dominante se decompôs faz tempo 
em estruturas mafiosas ou de clã por detrás das fachadas rígidas do poder. Apesar da duríssima 
repressão, já ocorrem no interior do país milhares de tumultos locais e rebeliões abertas. 
Enquanto a tempestade do colapso vai se formando, o capital monetário global, sob os anúncios do 
sucesso chinês, flui ainda em grande volume rumo às "bolsas-limiar", ignorando o desastre 
argentino. Mas a crise chinesa vindoura promete ser não só a mais dura de todas as crises asiáticas, 
mas também a pior de todas as crises dos "países-limiar" em geral. Depois do fiasco do otimismo 
com a China, poderá ser difícil à corporação dos augures econômicos inventar mais uma nova 
alternativa para o "futuro do crescimento".

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