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A Fitoterapia no Âmbito da Atenção Básica no SUS: Realidades e Perspectivas Phytotherapy in Primary Care in SUS: Realities and Perspectives Leônia Maria BATISTA1, Ana Maria Gondim VALENÇA2 O emprego de plantas com o objetivo de recuperar ou manter a saúde é uma prática que se confunde com a própria história da humanidade. No Brasil, a utilização de plantas medicinais é bastante difundida, sendo resultado de um acúmulo secular de conhecimentos repassados por meio da tradição oral por gerações e diferentes etnias. Estamos vivendo em um momento marcado por um amplo interesse nas terapêuticas naturais, entre as quais a Fitoterapia, tendo em vista que ela busca a cura ou a prevenção das doenças, quando usada de forma correta. Mesmo sendo um fenômeno mundial, mas, no Brasil, ele tem características próprias devido à riqueza de nossa flora, a extensão de nosso território e a tradição do uso de plantas medicinais. Tem sido observada, na nossa prática diária, uma crescente insatisfação da população com o medicamento sintético, ainda uma terapêutica hegemônica, nos dias atuais devido aos efeitos adversos que eles provocam, ao seu alto custo e a falta de acesso da população aos serviços de saúde. Como consequência deste crescimento, muitos usuários do sistema público e privado de saúde buscam novas terapêuticas para tratar suas doenças, entre elas a Fitoterapia, o que tem levado ao aumento do número de profissionais de saúde interessados no seu estudo e na sua prática. No Brasil, a partir da década de 80, foi enfatizado o uso de fitoterápicos no âmbito da atenção básica no sistema de saúde pública na perspectiva de melhoria dos serviços ofertados, do aumento da resolutividade e do acréscimo de diferentes abordagens terapêuticas na perspectiva de uma melhor qualidade de vida. Na década de 70 a Organização Mundial de Saúde (OMS), criou o “Programa de Medicina Tradicional”, impulsionando o estabelecimento de políticas públicas que contemplassem a Medicina Tradicional, a Medicina Complementar e Alternativa1. No campo das práticas integrativas, que inclui, entre outras, a Fitoterapia, um marco foi a 8ª Conferência Nacional de Saúde (CNS), uma vez que, impulsionada pela Reforma Sanitária, aprovou no relatório final2 o incentivo ao seu uso nos serviços de saúde, deliberando pela introdução de práticas alternativas de assistência à saúde no âmbito dos serviços de saúde, possibilitando ao usuário o acesso democrático de escolher a terapêutica preferida. Na perspectiva de disciplinar a introdução da Homeopatia, da Acupuntura, do Termalismo, das Técnicas Alternativas de Saúde Mental e da Fitoterapia nos serviços de saúde, a Comissão Interministerial de Planejamento e Coordenação (CIPLAN), em 1988, elaborou, respectivamente, as Resoluções de números 04 3 , 05 4 , 06 5 , 07 6 e 08 7 . Em consonância com estas iniciativas, surge a necessidade de serem desenvolvidos fitoterápicos nacionais para uso nos programas de saúde pública. Para tanto, o Programa de Pesquisa de Plantas Medicinais da Central de Medicamentos do Ministério da Saúde (PPPM/CEME), financiou o estudo de um conjunto de plantas medicinais, de uso disseminado, e já com estudos preliminares, que garantiam sua eficácia e sua segurança 8 . Nos anos subseqüentes, a exemplo do ocorrido na 8ª Conferência Nacional de Saúde (CNS), esta instância máxima de deliberação de políticas de saúde, recomendou a implantação da Fitoterapia e de outras práticas integrativas e complementares no SUS. Esta 1 Professora Adjunta do Departamento de Ciências Farmacêuticas da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), João Pessoa/PB, Brasil. 2 Professora Associada do Departamento de Clínica e Odontologia Social da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), João Pessoa/PB, Brasil. iNTRODUÇÃO BREVE HISTÓRICO 293 Pesq Bras Odontoped Clin Integr, João Pessoa, 12(2):293-96, abr./jun., 2012 DOI: 10.4034/PBOCI.2012.122.21 ISSN - 1519-0501 recomendação está colocada explicitamente nos relatórios 10ª (1996)9, 11ª (2000)10 e 12ª (2003)11 conferências. A Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no Sistema Único de Saúde (SUS), estabelecida pela Portaria nº 971, de 03/05/2006, do Ministério da Saúde, com diretrizes e linhas de ação para “Plantas Medicinais e Fitoterapia no SUS”, contempla diretrizes, ações e responsabilidades, no âmbito das esferas governamentais federal, estadual e municipal, para oferta de serviços e produtos da homeopatia, plantas medicinais e fitoterapia, medicina tradicional chinesa/acupuntura, assim como para observatórios de saúde do termalismo social e da medicina antroposófica, promovendo a institucionalização destas práticas no SUS12. Além da PNPIC, merece destaque a “Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos”, aprovada pelo Decreto Presidencial nº 5.813, de 22/06/2006 e que contempla diretrizes que vão além das esferas do setor Saúde, englobando toda a cadeia produtiva de plantas medicinais e produtos fitoterápicos. Mediante as ações oriundas desta política, o governo, em parceria com a sociedade, visa garantir à população brasileira o acesso seguro e o uso racional de plantas medicinais e fitoterápicos, promovendo o uso sustentável da biodiversidade, o desenvolvimento da cadeia produtiva e da indústria nacional13. Em um momento posterior à aprovação destas políticas, e objetivando a implementação das suas diretrizes, instituiu-se um Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) para elaborar o Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos. Como resultado deste GTI, ocorreu consulta pública de sua proposta, sendo ela aprovada em 09/12/2008, por intermédio da Portaria Interministerial nº 2.960. Esta Portaria também criou o Comitê Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, com a função de monitorar e avaliar a implantação da PNPIC 14 . Torna-se importante destacar que estas políticas buscam incorporar e implementar tais práticas no âmbito do SUS na perspectiva de prevenir agravos e promover e recuperar a saúde. Elas têm como foco a Atenção Básica, por este nível estar voltado para o cuidado continuado, humanizado e integral em saúde. Ademais, também têm o propósito de ampliar o acesso a opções de tratamento com produtos seguros, eficazes e de qualidade, de forma integrativa e complementar, não tendo como objetivo a substituição ao modelo convencional15. Sobre o acesso a plantas medicinais e produtos fitoterápicos no SUS, os programas podem tornar disponíveis plantas medicinais e/ou fitoterápicos nas Unidades de Saúde, de forma complementar, seja na Estratégia Saúde da Família, seja no modelo tradicional ou nas unidades de média e alta complexidade, utilizando um ou mais dos seguintes produtos: planta medicinal “in natura”, planta seca (droga vegetal), produto fitoterápico manipulado e fitoterápico industrializado 14 . Mais recentemente o Ministério da Saúde, por meio da Portaria nº 886/GM/MS, de 20/04/2010, instituiu no âmbito do SUS, a “Farmácia Viva”, que tem como atribuições realizar todas as etapas, iniciando pelo cultivo, abrangendo a coleta, o processamento, o armazenamento de plantas medicinais, a manipulação e a dispensação de preparações magistrais e oficinais de plantas medicinais e produtos fitoterápicos16. Até o ano de 2010, dois fitoterápicos eram oferecidos pelo SUS: medicamentos produzidos com guaco e espinheira santa. A partir de então, a rede pública passou a contar com mais seis produtos, sendo eles: fitoterápicos formulados com alcachofra, aroeira, cáscara sagrada, garra do diabo,isoflavona da soja e unha de gato. Em 2012, o Ministério da Saúde publicou a Portaria MS/GM nº 533, de 28 de março de 2012, na qual é estabelecido o elenco de medicamentos e insumos da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais – RENAME. Passaram a ser contemplados na RENAME mais quatro medicamentos fitoterápicos – babosa, hortelã, plantago e salgueiro17. Ainda neste ano, o Ministério da Saúde publicou o Cadernos de Atenção Básica “Práticas integrativas e complementares: plantas medicinais e fitoterapia na Atenção Básica”18, no qual podem ser destacados os seguintes aspectos: a) No Brasil, aproximadamente 82% da população brasileira utiliza produtos à base de plantas medicinais nos seus cuidados com a saúde, seja mediante o conhecimento tradicional na medicina tradicional indígena, quilombola, entre outros povos e comunidades tradicionais, uo ainda pelo uso popular na medicina popular, de transmissão oral entre gerações, ou nos sistemas oficiais de saúde, como prática de cunho científico, orientada pelos princípios e diretrizes do SUS; b) Dentre os avanços oriundos da indução das políticas nacionais que envolvam as práticas integrativas e complementares se situam: 1 - incentivo à pesquisa e ao desenvolvimento de plantas medicinais e fitoterápicos, pelo Ministério da Saúde, em parceria com outros órgãos de fomento; 2 - Inclusão do tema na Agenda Nacional de Prioridades de Pesquisa em Saúde e na Rede de Pesquisas em Atenção Primária a Saúde. Considerando que a atenção básica é orientada pelos princípios da universalidade, da acessibilidade, do vínculo, da continuidade do cuidado, da integralidade da atenção, da responsabilização, da humanização, da equidade e da participação social e que este nível busca a atenção integral, tomando por base o sujeito em sua singularidade e o contexto sociocultural que ele está inserido19, torna-se estratégica a oferta de ações e serviços de fitoterapia na atenção básica, enquanto prática integrativa e complementar. 294 Batista e Valença – A Fitoterapia no Âmbito da Atenção Básica no SUS O MOMENTO ATUAL Pesq Bras Odontoped Clin Integr, João Pessoa, 12(2):293-96, abr./jun., 2012 Dentre os benefícios desta prática podem ser destacados: - a validação do conhecimento popular/tradicional das comunidades sobre o uso das plantas medicinais nas práticas diárias das Unidades Básicas de Saúde (UBS), aumentando a autoestima dos indivíduos e do coletivo; - a partir da familiarização com a proposta terapêutica ofertada, a comunidade estreita laços com as equipes de saúde do seu território, reforçando a APS como principal porta de entrada do sistema de saúde; - a experiência da população no uso das plantas medicinais e seus preparados, aliada à oferta dessa prática nas UBS, permitem a troca de saberes e a construção do conhecimento sobre plantas medicinais, fortalecendo o seu uso racional. Além disso, essa parceria com a comunidade nos encontros e reuniões de educação em saúde permite a identificação de líderes locais e a formação de alianças, fortalecendo o controle social; - maior facilidade de participação comunitária em reuniões de educação em saúde e trabalhos em grupo quando o profissional de saúde dá abertura para trocas de experiências com o uso de plantas medicinais; - empoderamento da população e dos profissionais de saúde em relação a essa forma de cuidado, favorecendo maior envolvimento do usuário em seu tratamento, estimulando sua autonomia e corresponsabilização; - possibilidade de redução da medicalização excessiva pelo acréscimo de novas opções terapêuticas às situações clínicas apresentadas no cotidiano das UBS; - fortalecimento do princípio da integralidade em saúde mediante a ampliação do olhar, das ofertas de cuidado e dos recursos terapêuticos. Neste contexto, considerando primordialmente a crescente ampliação da cobertura da Estratégia Saúde da Família, é perceptível o potencial para ampliação do acesso às ações e serviços com plantas medicinais e medicamentos fitoterápicos, proporcionando o fortalecendo dos princípios da universalidade e da integralidade em saúde, expandindo o acesso da população aos benefícios dessa prática no Sistema Único de Saúde. 1. World Health Organization. WHO Traditional Medicine Strategy 2002-2005. Geneva: World Health Organization, 2005. 2. Brasil. Ministério da Saúde. Conferência Nacional de Saúde, VIII. 1986. Relatório Final. Brasília, DF. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/8_CNS_Relatori o%20Final.pdf 3. Brasil. Comissão Interministerial de Planejamento e Coordenação - CIPLAN. Resolução nº 4 de 08 de março de 1988. Diário Oficial da União, Brasília-DF, 11 de março de 1988. 4. Brasil. Comissão Interministerial de Planejamento e Coordenação - CIPLAN. Resolução nº 5 de 08 de março de 1988. Brasília, 1988. Diário Oficial da União, Brasília-DF, 11 de março de 1988. 5. Brasil. Comissão Interministerial de Planejamento e Coordenação - CIPLAN. Resolução nº 6 de 08 de março de 1988. Brasília, 1988. Diário Oficial da União, Brasília-DF, 11 de março de 1988. 6. Brasil. Comissão Interministerial de Planejamento e Coordenação - CIPLAN. Resolução nº 7 de 08 de março de 1988. Brasília, 1988. Diário Oficial da União, Brasília-DF, 11 de março de 1988. 7. BRASIL. Comissão Interministerial de Planejamento e Coordenação - CIPLAN. Resolução nº 8 de 08 de março de 1988. Brasília, 1988. Diário Oficial da União, Brasília-DF, 11 de março de 1988. 8. Brasil. Ministério da Saúde. A fitoterapia no SUS e o Programa de Pesquisa de Plantas Medicinais da Central de Medicamentos. Brasília: Ministério da Saúde, 2006. 148 p. 9. Brasil. Ministério da Saúde. Conferência Nacional de Saúde, X. 1986. Relatório Final. Brasília, DF. Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/biblioteca/Relatorios/relatorio_1 0.pdf 10. Brasil. Ministério da Saúde. Conferência Nacional de Saúde, XI. 2000. Relatório Final. Brasília, DF. Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/biblioteca/Relatorios/relatorio_1 1.pdf 11. Brasil. Ministério da Saúde. Conferência Nacional de Saúde, XII. 2003. Relatório Final. Brasília, DF. Disponível em http://sna.saude.gov.br/download/rel%20final%2012a%20CNS. pdf 12. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n° 971, 3 de maio de 2006. Aprova a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no Sistema Único de Saúde. Brasília, 2006. 13. Brasil. Ministério da Saúde. Decreto n. 5.813, de 22 de junho de 2006. Aprova a Política de Plantas Medicinais e Fitoterápicos e dá outras providências. Brasília, 2006. 14. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Coordenação Nacional de Práticas Integrativas e Complementares. Relatório de Gestão 2006/2010: Práticas Integrativas e Complementares no SUS. Brasília: Ministério da Saúde, 2011. 15. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS, PNPIC, SUS. Brasília: Ministério da Saúde, 2006. 92 p. 16. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n° 886, 20 de maio de 2010. Institui a Farmácia Viva no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília 2010. 17. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Relatório do 1º Seminário Internacional de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde: PNPIC. Brasília: Ministério da Saúde, 2009. 196 p. (Série C. Projetos, Programas e Relatórios). 18. Brasil. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria nº 2.488, de 21 de outubro de 2011. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas paraa organização da atenção básica, para a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Diário Oficial da União, seção 1, nº 204, 24 de outubro de 2011, p. 48-55. 19. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Práticas integrativas e complementares: plantas medicinais e fitoterapia na Atenção Básica/Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. – Brasília: Ministério da Saúde, 2012. 156 p. 295 REFERÊNCIAS CONSIDEREAÇÕES FINAIS Batista e Valença – A Fitoterapia no Âmbito da Atenção Básica no SUS Pesq Bras Odontoped Clin Integr, João Pessoa, 12(2):293-96, abr./jun., 2012 Recebido/Received: 29/02/2012 Revisado/Reviewed: 30/04/2012 Aprovado/Approved: 15/05/2012 Correspondência: Ana Maria Gondim Valença Avenida Jacinto Dantas, 94/206 – Manaíra, João Pessoa, PB, Brasil CEP: 58038-270 Telefone: (83) 32167796 E-mail: anamvalenca@gmail.com 296 Pesq Bras Odontoped Clin Integr, João Pessoa, 12(2):293-96, abr./jun., 2012 Batista e Valença – A Fitoterapia no Âmbito da Atenção Básica no SUS
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