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12 Biotecnologia CiŒncia & Desenvolvimento Fotos: Dra. Ortrud Monika Barth Hermann G. Schatzmayr Chefe do Departamento de Virologia Instituto Oswaldo Cruz /FIOCRUZ hermann@gene.dbbm.fiocruz.br A biologia molecular aplicada à virologia criou novas Æreas de pesquisa e de desenvolvimento tecnológico, com perspec- tivas sequer imaginadas anteriormente. Essas tecnologias tŒm permitido, por exemplo, a criaçªo de vírus novos a partir de segmentos de vírus anteriormente conhecidos, o que indica, portanto, uma grande responsabilidade social, Øtica e moral do cientista e da sociedade sobre a questªo da Biossegurança e do risco que ela deve gerenciar em âmbito mundial. A introduçªo de normas e procedi- mentos de Biossegurança somente ocorreu nas ultimas dØcadas, motiva- das, principalmente, por sucessivos relatos de graves infecçıes ocorridas em laboratório. Assim, ao longo de nossa carreira de mais de 40 anos de virologia, observamos a evoluçªo e a implantaçªo dessas normas, inexisten- tes na dØcada de 60, quando se utiliza- va regularmente a pipetagem, sem maior cuidado com materiais infeccio- sos, e mesmo o manejo em laboratóri- os comuns, de animais inoculados com vírus de alta periculosidade, hoje clas- sificados como de risco biológico de nível 4. A legislaçªo brasileira em Biosse- gurança preocupou-se quase que ex- clusivamente com os Organismos Ge- neticamente Modificados (OGMs), dei- xando de lado os microorganismos nªo modificados, muitos deles de alto risco para o operador e o meio ambi- ente. Em nossas instituiçıes como um todo, Ø notória a grande variaçªo nos níveis de manejo do problema da Bios- segurança, e, sem dœvida, Ø necessÆrio um grande esforço para se alcançar um adequado patamar em todo o país. Algumas instituiçıes, de forma pon- tual, tŒm procurado cobrir essa lacuna atravØs do preparo de Manuais e da formaçªo de pessoal para o reconheci- mento dos riscos e o manejo de agen- tes patogŒnicos em suas Æreas, servin- do de modelo e apoio para as demais instituiçıes no país. Os vírus constituem um extenso grupo de microorganismos , no qual se incluem agentes patogŒnicos para o homem, animais e plantas. Suas carac- terísticas principais, alØm do reduzido tamanho, sªo a replicaçªo exclusiva no interior de cØlulas vivas e a presença de um œnico Æcido nuclØico (ribonuclØico ou desoxiribonuclØico) em sua estru- tura. Os vírus nªo possuem formas de resistŒncia como os esporos de algu- mas bactØrias, sendo, inclusive, bas- tante susceptíveis à açªo de agentes químicos e físicos, porØm, a gravidade dos quadros clínicos que muitos deles podem causar torna essencial a aplica- çªo de rígidos padrıes de Biossegu- rança no seu manejo em laboratório e mesmo com os pacientes infectados. Os vírus foram cultivados inicial- mente pela inoculaçªo em organismos completos, como plantas e animais, onde começaram a ser isolados e iden- tificados, no início do sØculo passado. Na dØcada de 30, foi introduzido o uso de embriıes de galinha, com cerca de 10 a 12 dias de vida, meio bastante favorÆvel ao desenvolvimento de vÆri- os vírus e para o preparo, ainda hoje utilizado, de vacinas, como a anti- amarílica e as vacinas para influenza. Ao final da mesma dØcada, surgi- ram as primeiras culturas de cØlulas vivas em laboratório, em maior escala, metodologia estendida e aperfeiçoada nas dØcadas seguintes e que revoluci- onou a virologia, permitindo a desco- berta de centenas de novos vírus e o Biotecnologia CiŒncia & Desenvolvimento 13 preparo de novos agentes imunizan- tes. A biologia molecular aplicada à virologia criou novas Æreas de pesquisa e de desenvolvimento tecnológico, com perspectivas sequer imaginadas anteri- ormente. Essas tecnologias tŒm permi- tido, por exemplo, a criaçªo de vírus novos a partir de segmentos de vírus anteriormente conhecidos, o que indi- ca, portanto, uma grande res- ponsabilidade social, Øtica e moral do cientista e da soci- edade sobre a questªo da Biossegurança e do risco que ela deve gerenciar em âmbi- to mundial. Do ponto de vista da Bi- ossegurança, a inoculaçªo de animais de experimentaçªo com vírus patogŒnicos cons- titui o mais perigoso mØtodo de cultivo e exige uso de alta tecnologia para um manejo seguro, e aplicaçªo de estritas regras de Biosse- gurança no cultivo de vírus, de acordo com o nível de risco biológico do agente em questªo. Os vírus se classificam nos níveis 2, 3 e 4 de risco biológico; este œltimo, de mÆxima periculosidade para o opera- dor e o meio ambiente, incluindo ape- nas o vírus, o que enfatiza o grau de risco desses agentes. Essa classificaçªo se baseia na patogenicidade do agente para o homem, os vegetais ou animais de interesse econômico; risco indivi- dual ou comunitÆrio pelas infecçıes que causam; pelo seu modo de trans- missªo mais ou menos eficaz e pela existŒncia ou nªo de tratamento ou de vacinas eficientes. No nível 4, se clas- sificam os vírus de alto risco de trans- missªo nas comunidades e de alta patogenicidade, sem vacinas ou trata- mento eficaz disponível, como os vírus agentes de febres hemorrÆgicas gra- ves, algumas encefalites transmitidas por carrapatos, o herpes vírus tipo B e os vírus Marburg e Ebola, alØm de vÆrios vírus que podem afetar animais de interesse econômico. Em seu processo de replicaçªo no organismo, os vírus podem lesar irre- versivelmente cØlulas do organismo superior ou entrar em aparente equilí- brio com elas, gerando, posteriormen- te, quadros degenerativos como neo- plasias, ao longo dos anos, pós-infec- çªo, como Ø o caso das hepa- tites B e C, e outros vírus oncogŒnicos, humanos e ani- mais. Os vírus se disseminam por vÆrios processos de um hospe- deiro a outro, destacando-se o contato direto atravØs das vias respiratórias e sexual. HÆ tam- bØm a transmissªo por artró- podes, como mosquitos e car- rapatos, por Ægua e alimentos, como as das hepatites A e E, os vírus que causam diarrØia e os que se transmitem por contato com sangue e seus derivados, tendo estes œltimos gerado um complexo problema para o controle de infecçıes iatrogŒnicas; pelas hepatites B e C, e pelo vírus HIV. Em laboratorio e no manejo de pacientes, sªo especialmente perigo- Fig. 1 Vírus da Hepatite B concentrado de soro humano apresentando os trŒs tipos de partículas: pequenas, esfØricas, alongadas e grandes esfØricas infecciosas. (aumento = 157.500x) Fig. 2 Vacina de hepatite B, constituída de suspensªo purificada de partículas nªo-infecciosas. (aumento = 180.000x) Os vírus nªo possuem formas de resistŒncia como os esporos de algumas bactØrias, sendo, inclusive, bastante susceptíveis à açªo de agentes químicos e físicos, porØm, a gravidade dos quadros clínicos que muitos deles podem causar, torna essencial a aplicaçªo de rígidos padrıes de Biossegurança no seu manejo em laboratório e mesmo com os pacientes infectados. 14 Biotecnologia CiŒncia & Desenvolvimento sos os vírus passíveis de propagaçªo respiratória, como os hantavírus, e em especial, na ocasiªo de sua inoculaçªo em animais de experimentaçªo ou na coleta de animais silvestres portadores do vírus. Para a prevençªo de infecçıes por vírus, o conceito bÆsico Ø a percepçªo do risco das operaçıes a serem estabe- lecidas, ou seja, todos os profissionais envolvidos devem ter plena conscien- tizaçªo dos riscos envolvidos na mani- pulaçªo dos pacientes, dos espØci- mens clínicos e dos animais ou culturas infectadas. Deve estar claro que nªo existe o chamado risco zero e que todos os esforços devem ser no sentido de se alcançar um ní- vel mínimo de possibi- lidades de acidentes e infecçıes do pessoal envolvido. Nas enfermarias e laboratórios, devem ser observadas as seguin- tes linhas de cuidados na prevençªo de infecçıes por vírus: - Definir um responsÆvel pelas ope- raçıes nas Æreasde risco, o qual deverÆ introduzir previamente o treinamento de todo o pessoal envolvido, inclusive o pessoal de apoio e limpeza, os quais tŒm freqüentemente contato direto com material infeccioso, antes de sua este- rilizaçªo e descarte. O responsÆvel deve ainda supervisionar a presença e o uso dos Equipamentos de Proteçªo Individual (EPI) e dos Equipamentos de Proteçªo Coletiva (EPC). A ele de- vem ainda ser reportados quaisquer problemas surgidos, em especial aci- dentes, para que tome as providencias cabíveis em relaçªo ao acidentado e ao local onde surgiu o problema. - Sinalizar as Æreas de trabalho de maneira completa, incluindo o nível de risco biológico (mapas de risco), os locais que contŒm substâncias corrosi- vas, tóxicas, inflamÆveis e radioativas, bem como proibir a entrada de estra- nhos nas Æreas de risco e demais aspec- tos específicos do agente e do laborató- rio e enfermaria. - Seguir as regras bÆsicas nas quais se incluem a proibiçªo de alimentos, bebi- das e fumo em Æreas de trabalho, bem como a aplicaçªo de cosmØticos e o manejo de lentes de contato. - Os EPIs, como roupas de proteçªo, devem ser usadas apenas no locais de trabalho; luvas, sapatos fechados e mÆs- caras adequadas ao risco previsto; e protetores faciais, quando existe o risco de haver projeçªo de fluidos contami- nados no rosto. Esses equipamentos sªo essenciais, devem estar em perfeito es- tado e devem ser sendo substituídos sempre que necessÆrio. - Os EPCs, como cabines de fluxo laminar, sistemas de ventilaçªo, exaus- tªo e resfriamento; autoclaves e seme- lhantes, devem ser certificados regular- mente segundo as recomendaçıes do fabricante, e garantindo seu perfeito funcionamento. - A vacinaçªo prØvia contra agentes patogŒnicos de todo profissional que trabalha nas Æreas de risco, deve ser implementada, como Ø o caso da influ- enza, raiva e hepatites A e B, sendo coletadas amostras de sangue após a vacinaçªo, para comprovaçªo sorológi- ca da imunidade alcançada. Os protoco- los respectivos devem ser guardados para referŒncia no caso de infecçªo acidental e planejamento de revacina- çıes , quando recomendado. - As normas operacionais de traba- lho nas Æreas de risco de- vem estar escritas, à disposi- çªo de todos os que traba- lham na Ærea. Essas normas devem ser apresentadas com clareza a todos os novos profissionais que começam o seu trabalho nesses locais, antes que iniciem suas ativi- dades. - Precauçıes especiais no manejo de instrumentos cirœrgicos, seringas e agu- lhas. Estas nunca devem ser recapeadas após o uso e sim descartadas, juntamen- te com as seringas, em caixas de pape- Fig. 3 Vacina contra poliomielite apresentando partículas virais inteiras e incompletas. (aumento = 280.000x) Fig. 4 Rotavírus concentrado de fraçªo de gradiente. (aumento = 150.000x) Biotecnologia CiŒncia & Desenvolvimento 15 lªo de paredes resistentes, antes de serem autoclavadas e posteriormente descartadas. - Os espØcimens clínicos coletados de pacientes devem ser recebidos no laboratório em local próprio, sendo as embalagens abertas cuidadosamente por profissional portando EPIs adequados, como mÆscaras, luvas e roupas de pro- teçªo. No caso de quebra de frascos e vazamentos que contaminem extensa- mente as embalagens, pode ser reco- mendÆvel a eliminaçªo de todo o con- teœdo, com a sua autoclavaçªo antes do descarte final. - Cuidados especiais na rotulagem, manejo e guarda dos espØcimens sªo essenciais. As amostras de materiais contendo vírus, devem ser guardadas em frascos padronizados, colocados em caixas ordenadas, para que possam ser facilmente localizÆveis. Os vírus sªo conservados em temperaturas baixas, sempre abaixo de 40” negativos, quan- do estocados por longos períodos. - Operaçıes como centrifugaçªo e uso de aparelhagens automÆticas de bio-ensaio, devem ser monitoradas cui- dadosamente, quanto a formaçªo de aerossóis e vazamentos no seu interior. No trabalho de concentraçªo e puri- ficaçªo de suspensıes virais de alto risco, como hepatite B, recomenda-se trabalhar em nível de Biossegurança 3, quando o mesmo vírus Ø normalmente operado em nível 2. O mesmo ocorre com os hantavírus, que sªo enquadrados no nível 3, porØm para a inoculaçªo de animais e purifica- çªo viral se exige o nível 4, pelo alto risco da formaçªo de aerossóis. - Todo material contaminado com vírus, deve ser esterilizado antes de seu descarte final, e a autoclavaçªo Ø a operaçªo mais segura. As carcassas animais nªo devem ser imersas previamente em desinfetantes e sim autoclavadas, em embalagens fe- chadas e à prova de vazamento. As bancadas e outros locais de trabalho, devem ser limpas com hipoclorito a 0,5%, com soluçıes preparadas diaria- mente. Materiais plÆsticos nªo descartÆ- veis e outros pequenos equipamentos cirœrgicos e vidraria podem ser esterili- zados por imersªo em hipoclorito a 1%. O formol, em baixas concentraçıes, como 1%, pode ser igualmente utilizado para a esterilizaçªo desses materiais. - Os resíduos líquidos e sólidos hospitalares, passíveis de conter vírus e outros agentes infecciosos devem ser descartados conforme as legislaçıes em vigor, prevendo-se a coleta dos sólidos em sacos plÆsticos de cor bran- ca para descarte diferenciado no meio ambiente. Assinale-se que o país nªo dispıe de nenhum laboratório de alta segu- rança de nível 4 para manejo de vírus desse nível de periculosidade, o que nos torna dependentes de laboratórios do exterior para o esclarecimento de infecçıes graves, como febres hemor- rÆgicas, nas quais uma etiologia viral seja suspeitada. Com isso, nªo temos condiçıes de estudar vírus como o SabiÆ e o Rocio, por exemplo, que causaram casos humanos fatais no país. Igualmente, nªo dispomos de uma enfermaria de alto risco, segundo pa- drıes internacionais, para internamen- to de pacientes com infecçıes graves de etiologia desconhecida. Essas lacunas precisam ser urgente- mente cobertas, sob risco de aumentar- mos, cada vez mais, nossa dependŒncia tecnológica, bem como mantermos o risco de termos de enfrentar uma virose de alta periculosidade, que surja no país ou nele seja introduzida pelo trÆfego aØreo, cada vez mais intenso no mun- do, e contaminar o pessoal de saœde e mesmo segmentos populacionais im- portantes, por falta de local adequado para isolamento precoce dos pacientes. As medidas de controle das infec- çıes virais na populaçªo compreen- dem as vacinaçıes e as campanhas de esclarecimento dos seus meios de trans- missªo, estas œltimas nem sempre efica- zes, devido ao seu baixo nível de divul- gaçªo entre a populaçªo como um todo. O uso de mÆscaras individuais, no caso de infecçıes respiratórias, por exemplo, que Ø prÆtica comum na ` sia, por razıes culturais e econômicas, nªo se conseguiu introduzir em outras regi- ıes. Para concluir, os vírus constituem um amplo grupo de agentes patogŒni- cos para o homem, os vegetais e os animais de interesse econômico e po- dem se transformar em pandemias de alta gravidade, como Ø o caso da AIDS e da influenza. O manejo desses agen- tes em laboratório e do paciente infec- tado exige normas com estritos padrıes e procedimentos de Biossegurança ca- pazes de gerenciar os riscos de conta- minaçªo dos profissionais de saœde, das populaçıes e do meio ambiente, e de prevenir os riscos inerentes à mani- pulaçªo genØtica de vírus, em âmbito internacional. ReferŒncias bibliogrÆficas 1. Comissªo TØcnica Nacional de Biossegurança, Instruçªo Normativa no. 7, 1997. 2. Laboratory Safety, Eds: Fleming D.O. & Richardson J.H., ASM Press, 2“ ediçªo, 1995. 3. OMS, Laboratory Safety Manual, 2“ ediçªo, Genebra, 1993. 4. OMS, Guidelines for the safe transport of infectious substances and diagnostic specimens, Genebra, 1997. 5. Schatzmayr, H.G., Biosseguran- ça em doenças provocadaspor vírus, Anais do I Encontro Norte-Nordeste de Biossegurança e produtos transgŒni- cos, Recife, Setembro 27-29, 2000. Fig. 5 Parapoxvírus isolado de bovino. (aumento = 150.000x) Fig. 6 Orthopoxvírus isolado de caso humano. (aumento = 150.000x)
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