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WARAT, Luis Alberto. O desafio da liberdade Argumentos e sentenças confissões tormentosas

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1 
O desafio da liberdade 
Argumentos e sentenças: confissões tormentosas 
 
por Luis Alberto Warat 
Tradução Jaqueline S. B. Sena 
 
I 
Texto em homenagem ao professor Tercio Sampaio Ferraz, meu primeiro 
parceiro e grande amigo que conheci no Brasil1 
 
1. Corpos mestiços e corpos sucessivos 
1.1. - Se a linguagem e o amor são como fluidos únicos de um rio que passa sem 
nunca repetir-se, através de corpos sucessivos, este ensaio é, assim, um suceder 
cartográfico de alguns dos seus resíduos. Restos que tratam de se agarrar ao fundo. 
Homens em ruínas que mantêm um esconderijo secreto para os tesouros. Uma geografia 
de difícil acesso, que quando se consegue penetrar, permite ao forasteiro encontrar-se a 
si mesmo nos territórios desconhecidos da “outridade” e dele mesmo nela. 
Este ensaio é uma das possibilidades cartográficas que existem para se poder 
navegar dentro do que meu corpo esconde. Partirei, cartografias em mão, com uma 
tripulação de fantasmas: Barthes, Cortazar, Guatarri, Castoriadis, Foucault, Mafessoli. 
Marinheiros experientes que serão minha estrela-guia. Alguns chamam essa cartografia 
de iluminuras do espírito, eu prefiro chamar de deuses do dionisíaco. 
 
1.2 - Alguns acordos para se aproximar ao sentido de alguns termos em aberto 
que usarei neste ensaio 
As convicções do espírito constituem o sangue ou a seiva dos corpos 
sucessivos. Nas ruínas dos homens, elas se instalam como sementes que podem fazer 
 
1
 Este texto reflete o estado atual das minhas investigações que, suspeito, diferem dos atuais interesses de 
Tercio. Sempre os caminhos dos intelectuais se bifurcam, o que é bom no trabalho teórico. Mas não existe 
melhor homenagem a um amigo do que participar de uma obra em sua homenagem com o melhor que se 
reputa como produção presente. De qualquer forma, creio que as diferenças com Tercio são de detalhes. 
Ao largo da nossa história em comum, divergimos em alguns pontos e, com o passar dos anos, 
reconhecíamos sempre a razão do outro. Esses reconhecimentos são as homenagens mais sutis. 
 2 
germinar os fluxos do amor e da palavra poética. Isso, sempre que as convicções do 
espírito que nutrem os corpos sucessivos não sejam tóxicas e impeçam o florescimento 
das palavras do desejo. As convicções do espírito podem ser nutritivas ou tóxicas. Estas 
últimas podem ser purificadas pela palavra e pelo amor do outro. A alteridade como um 
filtro. 
 
a) Corpos sucessivos é um conceito aberto que me proponho usar para mencionar a 
existência de um lugar virtual na rede de intercâmbios simbólicos e vínculos que os 
homens estabelecem para construir reciprocamente, nesse jogo de influências, suas 
identidades, que são sempre estados relacionais. São todos os corpos que 
sucessivamente passaram por mim, para constituir-me, deixando suas sementes entre as 
minhas ruínas. São os corpos que configuram este corpo mulato, que é a minha 
identidade. “Virtual”, o emprego aqui não como um estado ou tipo de realidade, mas 
como um lugar indeterminado, uma rede de intercâmbios onde se armazenam 
informações, sentimentos, dados de todos os tipos. 
 
b) O corpo mulato é a expressão que uso para referir-me ao homem maduro, que 
conseguiu sua autonomia responsável sem renunciar às partículas do surrealismo que o 
permitem manter-se como cronópio em um mundo saturado de famas. É o corpo que 
consegue contagiar-se pelos sucessivos corpos que o atravessam sem ser contaminado 
por toxinas, apropriando-se apenas de seus nutrientes, metabolizando-se nas diferenças, 
mediando sangue e seivas de outros corpos. Em contraponto, uso a expressão corpo 
minguante (tomando um pouco a idéia de Almodóvar em “Hable con Ella”) para 
referir-me ao homem que, por paixões e dependências desmedidas, vê seu corpo 
minguar até ficar reduzido a um tamanho tão pequeno que pode entrar na vagina de sua 
paixão: o corpo da devoradora. Esse corpo que, fingindo proteger-lo, o conduz a um 
estado de infantilismo ou de vitimização. 
 
c) Corpos minguantes são os dos famas (os excluídos que não se dão conta de seu 
estado e seguem ordenando suas vidas por suas agendas), dos discriminados, 
abandonados e danificados pelas exclusões mais aberrantes; corpos minguantes são os 
 3 
dos devorados pela cultura, pelos objetos da moda, da ideologia de consumo e pelas 
trivialidades fashion, são aqueles que preferem formar parte de uma espécie 
infantilizada (a espécie dos infantes perpétuos, que, como as crianças, não conseguem 
compreender o alcance da palavra alteridade), ou os que, passando-se por vítimas, 
procuram responsabilizar os portadores de diferenças. O corpo minguante é o do 
homem reduzido em suas possibilidades de pluralidades pelo modismo do pensamento 
único. 
 
d) O corpo da devoradora é principalmente uma referência à maioria dos 
componentes do sistema educacional e da administração da justiça. Corpos deformados 
pelas suas instituições, que conseguem produzir o melhor elixir para minguar os corpos 
(principalmente dos mulatos potenciais) que logo introduzirão em suas páginas 
poderosas para atingir o êxtase. 
 
e) Convicções do espírito é um outro conceito aberto que proponho para me referir aos 
conteúdos que informam e formam os corpos sucessivos. Esses conteúdos podem ser de 
dois tipos: desejantes, ou delegados ou manipuladores. Os primeiros são eco-políticos, 
já os segundos, bio-políticos ou de tratamento degradante. Os primeiros são credores do 
próprio destino, os segundos, disciplinadores ou exterminadores. Ambos estão 
configurativos do que tradicionalmente se convencionou chamar de mentalidade ou 
consciência coletiva, duas expressões de que nunca gostei; prefiro falar de corpos 
sucessivos portadores de convicções. Conforme as convicções que carregam os corpos 
sucessivos que me atravessaram e que continuam a me perpassar, terei mais ou menos 
chances de chegar a ter um corpo mulato ou minguante. Um humanismo da alteridade, 
ou uma moral de escravos (humanismo reduzido da condição moderna). O corpo mulato 
capaz de pensar e sentir por si mesmo, sem necessidade de delegar essa possibilidade a 
alguém ou a um conjunto representacional. 
Em algum lugar da rede de comunicação, entre os corpos e suas ruínas, estão 
expectantes: as convicções do espírito que podem ser imagens, idéias já estabelecidas, 
objetos de moda que marcaram sensibilidades e artifícios, somados aos códigos de 
existência e modalidades estilísticas para a vida, marcada através de mensagens 
 4 
publicitárias ou pelo clima fashion. Crenças do senso comum cotidiano e teórico. 
Formas unívocas de entendimento, manifestações melodramáticas sobre a pátria e a 
família. Fetiches persuasivos, lugares-comuns, inversões humanas. Marcas de 
quadrinhos da infância, matinês de westerns e filmes mexicanos cm telefones brancos. 
A imprensa do coração e dos livros de auto-ajuda, sonhos fabricados para continuar 
iludindo-nos com o consumo, com a vida e com o amor. 
Acabo de enumerar exemplos escolhidos de uma lista interminável de 
convicções contidas em corpos sucessivos. Lugares para responder artificialmente à 
pergunta sobre o sentido da condição humana. A forma pré-histórica de uma Matrix. 
 Claro que, também, as convicções do espírito podem conter as chaves para 
apostar nas buscas do que não se percebe com o logos, mas com a sensibilidade, com os 
impulsos que podemos construir para ouvir a nossa criança interior insatisfeita. Estas 
convicções do espírito acompanham os fluxos de amor e a palavra para poderem 
alcançar a iluminação dos enigmas, algo como o que dizem os hinduístas. Respostas, 
entre as ruínas, para os desafios da liberdade.A combinação: uma mistura explosiva, 
um longo caminho de comunicações que não dispensam os conflitos. A liberdade como 
resultado da mediação interior entre convicções enfrentadas. 
Uma cartografia muito particular de convicções do espírito circula entre os 
corpos mulatos de juristas. Aqui também pode-se notar a guerra, o embate entre 
convicções conflitantes que acabam funcionando como condição de significação da lei. 
Os sentidos da lei são ideologicamente dialógicos (nos meus tempos de estudante, os 
lógicos chamavam “falácias não formais” a esses diálogos configurativos dos sentidos 
da lei). Signos construídos não sobre o império da arbitrariedade, explicitada na 
semiologia de Saussure, mas sob o comando do desejo e do poder. 
Convicções profundas, que, nada mais são do que a Matrix de interpretação das 
leis. Os métodos de interpretação não são mais do que uma lista de esforços com os 
quais se pretende esconder a sensibilidade que opera como condição renegada do 
sentido das leis. Tais métodos podem esconder, inclusive, mais do que pretendiam 
esconder, graças às imagens gerais que circulam configurando a imagem geral e difusa 
que se tem sobre a linguagem e o pensamento (sabe-se tão pouco que, o que se sabe, se 
está bem fundamentado retoricamente, parece muito). 
 5 
 Parece que posso tentar mostrar que as convicções do espírito são o que 
assegura o trânsito sucessivo do nosso corpo por entre as ruínas do inacessível. Elas 
acabam impondo o regime de nossos “lloríqueos” (choromingo infantil, em português), 
frente aos sentidos que se nos impõem, apesar de alguns de nós sabermos, em nosso 
íntimo, da sua precariedade. Pensamentos e práticas progressistas que sempre acabam 
por reconhecer sua impotência se comparada à virilidade fascista. 
Passam os anos e continuo sentindo que sempre tenho a mesma ocupação 
quando quero protestar contra a biopolítica que me impõem. Sempre estou questionando 
as mesmas coisas, dando voltas, rodeios que me deixam um sabor agridoce. 
Simultaneamente, sigo sentindo o fracasso e, ao mesmo tempo, uma certa esperança de 
estar dando um passo adiante, ao menos para mim mesmo, para abordar, desembarcar 
em terras desconhecidas, que sempre olhei de longe para conseguir penetrá-las. Sei que 
não irei muito longe. Mas, dar um próximo passo é, para cada membro da espécie, um 
dever político de esperança. 
Meu pequeno passo não é “adânico”. Segue por uma trilha já iniciada pelo 
pensamento dos tempos de 68 (principalmente Guattari, Foucault e Deleuze). Meu 
pequeno passo vai mostrar o valor da multiplicidade, que vai além de distinções como 
consciente e inconsciente, natureza e história, corpo e espírito, animalidade e 
racionalidade. Multiplicidades são o real concreto, que não supõe nem suporta nenhuma 
unidade, não comporta nenhuma totalidade. Expandem-se rizomaticamente. Os 
elementos de uma multiplicidade são singularidades. Suas relações, devires e seus 
acontecimentos são individuações sem sujeito. Além de afirmar que seus planos de 
realização são metas, quer dizer, intensidades contínuas (atravessadas por vetores que 
constituem territórios e graus de desterritorialização). Um passo que mude o olhar e 
rompe, simultaneamente, com ambos os tipos de convicções. Uma morte da ontologia. 
Apenas devires que vão se expandindo, devires perdidos, bloqueados, abortados. 
A concepção do multívoco, concordo com Deleuze e Guattari, inaugura uma 
outra semiologia, uma nova perspectiva sobre a semiótica que altera todas as áreas de 
produção dos saberes consagrados, desde a psicanálise até o Direito. É uma crítica forte 
e uma proposta de abandono da representação e do significado (eles se produzem no 
acontecimento, não se representam). A rejeição total da interpretação, que os autores 
 6 
que me servem de apoio consideram a maneira moderna de crer e ser piedosos. O que 
acaba por aparecer como possibilidade é a produção de acontecimentos singulares e os 
mecanismos para poder fugir deles. 
Ao reler o que estou escrevendo, sinto que vou desaparecendo deste ensaio. 
Estou apagando principalmente as marcas da memória daquilo que fui, principalmente 
como escravo erudito da instituição universitária, ou um escriba metido dentro de uma 
batina laica. O que produzi no passado, se teve valor datado, se foi útil para seu 
momento, agora não serve mais. Preciso construir, com suas ruínas, algo diferente, 
transitório. Me desterritorializei de muitas coisas. Eu não sou, mas sou. Os sentidos que 
meu corpo emitiu ou emite não tem órgãos. Um ensaio, como este, só existe enquanto 
espaço de metamorfose. 
A sensibilidade não é representativa. Em geral, a pragmática, em todas as suas 
manifestações, não é representativa, também não é conceituável. As conotações são 
marcas d'água que expressam algo mais além da representação, revelam o silente, o 
inaudível da linguagem. O não dito que diz mais que o dito. Para a sensibilidade, a 
semiologia é inútil. É um absurdo pretender traduzir a uma metalinguagem 
representativa qualquer reflexão sobre os acontecimentos sensíveis. O sensível se sente 
e se desfruta sem comentários. Em certo sentido, trato de dizer, ainda que só o consiga 
por fagulhas, que o mais importante de uma linguagem não passa pela representação, 
que é sempre um esquema reducionista. Preciso escutar o outro no silêncio de seus 
ditos. Para isso, preciso saber escutar e entender a mensagem dos corpos. A linguagem 
que me dá vida, que me torna vivo, está depositada em meus corpos sucessivos, nos 
vínculos rizomáticos dos corpos. 
Em geral, a linguagem é uma comunicação de standards, com uma carga 
interpretativa que se pretende afirmar desde uma neutralidade sem surpresas. Isso, há 
muito tempo, deixou de me interessar. Prefiro surpreender a fala, a um texto, a uma 
comunicação discursiva, sempre além do estandardizado. Estabelecer o que Barthes 
chamo o puntum, algo que muda o sentido introduzindo uma novidade no 
deslocamento
2
. Nós escutamos a fala desde momentos e incidências de angústia, alegria, 
 
2
 Nota do tradutor: no original, o termo utilizado pelo autor foi “desplazamiento” e deve ser 
compreendido a partir do seu significado para a psicanálise. 
 7 
tristeza, desde o desamparamento, querendo que o que escutamos sirva de útero. Essas 
sensações significativas são instantes fugazes de sentido, que nos atravessam, deixando 
em nosso corpo animal apenas ruínas de seus significantes invisíveis, agenciados pelas 
emoções, pelo desejo, pelo traumático em nós instalado pelo fato de vivermos. 
A semiologia que se ocupe dos vazios da linguagem e o que eles comunicam 
está, porém, em vias de construção. Falta. Proponho-me chamá-la, na ausência de um 
nome melhor, de semiótica das incógnitas. Seria um agenciamento expressivo que 
funcionaria fora da órbita suspeita de uma semiologia que se pensa científica sabe-se lá 
porque (exceto para o desejo do neutro). Uma quimera. Trata-se de uma fala das 
linguagens, se resolvo essas incógnitas, não preciso falar sobre elas. Daí se depreende a 
inutilidade da semiótica. 
Como Barthes e muitos outros companheiros surrealistas, sou um 
semioanarquista que me deleito com o azar de minhas escolhas bibliográficas que 
fundamentam as minhas idéias. De Cortazar a Nietzsche. Nunca as instituições me 
convocaram com suas recomendações bibliográficas. Prefiro detestar-las. Não tenho 
mais consciência paradigmática, só tenho má consciência semiótica. A relação de 
qualquer ser humano, se se sente mais intelectual ou apenas mais um membro da 
espécie, é amorosa e passional. O destino da linguagem, que é sempre passional, é por 
essa mesma razão ingovernável, sendo assim, seinutiliza a semiologia e eu a semiótica, 
em todas as suas dimensões. Nos movemos dentro de agenciamentos de puras 
sensações. Se aceitamos isto, a história dos esforços da razão fica reduzida a um sorriso 
burlador, sarcástico, uma ironia. A partir desta nova perspectiva, o neutro não é mais do 
que uma ausência de supostos valorativos diante do abismo que angustiará para sempre. 
 Para mim, e eu discordo de Barthes neste ponto, o neutro é o que preocupa por 
desbaratar os signos em relação ao seu sentido. 
A linguagem é sempre delicada. Por isso se ofende diante das repetições inúteis. 
A filosofia, a representação, a ciência, não são mais do que ofensas à linguagem. 
A linguagem é, para o homem, um ambiente biológico, aquilo pelo qual e no 
qual ele vive. Mas como um homem vive gregariamente, vai produzindo agenciamentos 
de linguagem que transcendem o contorno biológico e se manifestam, diríamos, como 
natureza. Quer dizer, ao invés de responder à necessidade de vida, respondem a 
 8 
necessidades de uma expropriação política da vida. É a biopolítica de que falava 
Foucault manifestando-se como linguagem. Nesse caso, devemos falar de “ideosferas”. 
Elas são linguagens que internalizamos fantasmagoricamente. Seguindo abaixo, 
poderíamos dizer que a linguagem como ideologia são fantasmas significativos. 
Significantes que não veiculizam sentidos, mas convicções. 
As ideosferas, os significantes convictos (que veiculam convicções) têm a 
tendência de converterem-se em doxa, quer dizer, num sistema particular de linguagem 
que é vivido pelos usuários como um discurso universal, natural, evidente. Um 
aniquilamento dos dogmas individuais, substituídos pelos dogmas nacionais, patrióticos. 
O paradigma moderno viveu seu desenvolvimento alimentado pelo desejo de diferenciar 
a doxa da episteme. O que foi um profundo fracasso. Uma embriaguez que facilita a 
fuga do sensível. 
 
1.3. - A economia de consumo e de produção a alta velocidade de todos os tipos 
de artigos de moda, enquanto fabricam, por meio da educação, uma Matrix, um sono 
simulado, servem para que as mentes ou a subjetividade em ruínas possam seguir 
iludidas com a vida, com o consumo e com o sol. Para o ser humano, livrar-se da Matrix 
adquire a dimensão de um desafio religioso até a busca do si-mesmo perdido. Uma 
busca desafiante que começa pelo questionamento da concepção educacional que 
governou durante toda a condição moderna, com algumas linhas de fuga, que marcaram 
a tendência de um certo desvio da opressão imposta pelo modo em que se 
institucionalizaram os saberes. 
Estou juntando escola e meios de comunicação de massa considerados protótipo 
para marcar uma tendência privilegiada, que faz da educação uma maneira de 
discriminação e exclusão social. Com distintas estratégias e apelando a diferentes tipos 
de elementos e objetos de moda, a educação foi se encarregando, reservou a si a tarefa 
de ir criando uma rede sólida de convicções fetichizadas e atitudes idolátricas, 
principalmente em torno de uma razão abstrata vangloriada como a melhor conquista do 
ocidente. Os muros da razão. Uma razão que foi consolidando uma determinada forma 
de nos enganarmos sobre o mundo, criando a virtualidade da razão abstrata. Uma razão 
comunicada por meio de signos que ao mesmo tempo que veiculavam os conceitos 
 9 
virtuais se impunham como fetiches, lugares comuns a idolatrar. Democracia, Estado de 
Direito, Direitos Humanos, para dar apenas alguns exemplos. 
 Dissemos que a televisão nos distancia até dela própria, porque nos faz diminuir 
a nossa sensibilidade a ponto de nos fazer desaprender a olhar o mundo, só conseguimos 
olhá-lo através de uma forma mediática que aniquila os conteúdos e os contrastes. Em 
oposição, diz Lyotard, a obra pictórica nos desafia a revelá-la. É como se eu lhe dissesse 
que demorarás para compreendê-la. O que Lyotard disse sobre a pintura, podemos 
generalizar para todos os produtos estéticos. 
Pode surpreender que se esteja chamado de virtual à razão abstrata da condição 
moderna. Mas, se repararmos que podemos atribuir ao termo virtual o sentido de ser um 
lugar inefável, não-localizável, onde as palavras se encontram em estado de nirvana à 
espera de renascer em qualquer sequencia de corpos sucessivos, não cabem dúvidas 
sobre a possibilidade de se aplicar esse conceito de virtualidade para todas as 
manifestações da razão cartesiana. A metafísica é a primeira virtualidade criada pelos 
modos grego para compreender o mundo. Podemos continuar conosco e o Direito, 
então, em uma nova grande referência para a virtualidade. Não podemos negar que as 
ilusões criadas pelo universo conceitual dos juristas tem muito mais de virtualidade do 
que de realidade. O virtual é um fazer de contas simbólico, do qual a razão abstrata não 
escapa, ao contrário, o reafirma. A concepção educacional sustentada pela ideologia da 
escolaridade não faz mais do que consagrá-la fabricando as bases internas para que 
essas ilusões possam fazer pé no escorregadio terreno da alma humana. É nesse fazer de 
contas simbólico que se assentam e se fundamentam as argumentações, as falácias não-
formais. 
Em seguida, vem o declínio da condição moderna, a sociedade disciplinar, o 
consumismo, a triviologia fashion que vai tomando conta do paradigma moderno para 
reduzi-lo a esse momento crítico. Dobradiças do mundo, o ponto crítico de um 
raciocínio falho, que terminou em ceticismo e na falta de sentido da vida da espécie. 
 
2 - Quando falo de consumismo, quero dizer uma forma de fetichismo e de 
ideologia, uma ideologia transformada trivialogia, uma lógica canibal que está tomando 
conta de tudo que toca para reduzi-lo, para colocá-lo sobre os contornos que controla ou 
 10 
territórios que habita. Já faz tempo que o consumismo transcendeu o espaço de 
supermercados para começar a adquirir o lugar de mundo de uma visão substitutiva e 
imbecilizante. Uma lógica que, no momento, está instalada no centro da produção de 
sentido da sociedade mediatizada, quer dizer, no campo comunicacional da tecno-
cultura. Abrindo um parêntese, direi que se entende por mediatização os processos de 
articulação das instituições sociais com os meios de pós-comunicação de massas, como 
instância de produção de bens simbólicos culturais e educacionais, mas também de 
contaminação e escolarização da realidade. Um mix de realidades virtuais que vão se 
integrando a nossas convicções de espírito. 
Em seguida, vem o declínio da condição moderna, a sociedade disciplinar, o 
consumismo, triviologia fashion que vai tomando conta do paradigma moderno até 
reduzi-lo a esse momento crítico, ponto crítico de uma racionalidade viciada, que 
terminou em ceticismo e na falta de sentido da vida espécie. 
Quando falo de consumismo, refiro-me a uma forma de fetichismo e de 
ideologia, a uma ideologia transformada em trivialogia, a uma lógica canibal que vai se 
apoderando de tudo aquilo que toca para reduzi-lo, para colocá-lo sobre os contornos 
que controla ou territórios que habita. Já há muito que o consumismo transcendeu o 
espaço de supermercados para começar a adquirir o site de uma visão de mundo 
substitutiva e imbecilizante. Uma lógica que, nesse momento, está instalada no centro 
da produção de sentidos da sociedade mediatizada. Quer dizer, do campo 
comunicacional de tecno-cultura. Abrindo um parêntese, direi que se entende por 
“mediatização” os processo que articulam as instâncias sociais com os meios de pós-
comunicação de massas, como instância de produção de bens simbólicos culturais e 
educacionais, mas também para a contaminação e culturalização e escolarização da 
realidade. Um mix de realidades reais virtuais que se vão integrando a nossasconvicções do espírito. 
O consumismo impõe o fashion como triviologia. Signos fetichizados sem 
conteúdos persuasivos, unicamente configurativo de uma cultura de frenesi envolvente 
para que ninguém pense. Um manto de banalidades que nos protege com uma suavidade 
que acaba confundindo sabedoria com o embrutecimento que produz. Compro, logo 
existo. Corpos minguantes que adquirem a ilusão de identidade reconhecendo-se como 
 11 
marcas. Encontrei-me comigo mesmo fumando um Malboro. Meu desejo de 
identidade confundido com as marcas que consumo. Um consumo que, até mesmo, nos 
consola da exclusão, apagando os vestígios daquilo que é verdadeiramente a causa da 
exclusão. “Isto usam os sul-americanos”, dizem em alguns países da União Européia; 
“isso é o que compram os ‘bolitas’”, dizem os incas de Boca, em Buenos Aires. O 
consumismo exclui qualquer experiência anterior, qualquer diálogo com o outro, 
qualquer circuito de corpos sucessivos, uma vez que nos propõe esperar tudo da compra 
de um objeto, um espetáculo de rock, ou da troca de um automóvel. O consumismo 
somente nos forma para nos alienar de nós mesmos, seu valor existencial ou pedagógico 
é nulo. Seu valor como suporte persuasivo, de manipulação e de aceitação cega de 
argumentos, contudo, é altíssimo. 
A grande armadilha do consumismo está no fato de que todos nós estamos tão 
envolvidos nele que não nos damos conta dos seus efeitos destrutivos. Suaviza também 
aos críticos. Impõe a sua presença em todas as áreas, inunda os processos pedagógicos. 
Aqueles que procuram aprender não se subtraem às embalagens consumistas. Aqueles 
que tentam ensinar, menos ainda. Todos contaminados por um sagrado fashion, que 
impossibilita o encontro com a alteridade, com o desejo, com os valores, enfim, com 
qualquer via de espiritualidade. Quantos são os que conseguem desligar a televisão ou 
deixar de passear pelo shopping? O consumismo é uma forma miserável de privar-nos a 
nós mesmos que agrava as conseqüências do modelo de ensino que predominou ao 
longo do Estado Moderno. Quantos são os que vão a uma sala de aula com o “discman” 
ligado? Como se pode, nestas condições, estabelecer o diálogo? Não podem estabelecer 
diálogo os que não se despojam de seus objetos de fetiche. Com essa ideologia em 
mente, é ainda mais difícil encontrar os caminhos para o si-mesmo. Trata-se de um 
recurso fantástico para a ideologia da escolarização. Somos nós a maioria dos homens 
presos a um devir infanto-consumista. Nessa prisão, ninguém escuta a um Mestre. 
Devemos esvaziar, primeiro, a casa carregada de objetos com energia consumista, senão 
ela nunca se tornará hospitaleira. Sem desfazer o malefício consumista, não poderemos 
tentar nenhuma pedagogia do amor, da alteridade, do diálogo. Os muros da 
Universidade foram fortalecidos. 
Quando se fala de muros, temos que tomar em conta que não estamos nos 
 12 
referindo a uma divisória que demarca o “dentro” e o “fora”. É óbvio que a educação 
está comprometida com o processo de coesão social e suas distorções. Estamos nos 
valendo da força da expressão de um muro onde o exterior penetra para dentro das 
quatro paredes da Universidade. Mas, não se trata de um exterior condicionado por 
convicções libertárias; aquilo que entra, vindo de fora, são as convicções alienantes, o 
consumismo, os primeiros esboços de uma Matrix que se instala como ilusão que torna 
o outro e o mundo virtual. A alienação não está a extramuros das Universidades, mas no 
modo de ser daqueles que nelas irão se formar e dos professores que nelas ministram 
suas aulas magistrais. Hoje, na Universidade, os estudantes sequer têm a cabeça vazia 
para ser carregada de informações e, além disso, consomem realimentados pelos 
companheiros e pelos professores, que cada dia podem saber menos, ser iletrados, 
menos criativos e mais burocratizados. Mas em uma coisa são competentes: em 
retransmitir a ideologia de consumo que têm impregnada em seu corpo. Presenciei isso 
no Direito que, creio, antecipou o consumismo através das formas de dogmatismo. Com 
o consumismo sucede o mesmo que com a ideologia jurídica e seus fetiches: todos 
sabem do que se trata, mas não se consegue dela escapar. 
 
2.1 - Não tenho mais nenhuma dúvida que me impeça de afirmar que o destino 
da educação não passa por nenhum tipo de saber erudito, senão pela ajuda na construção 
das identidades. Aí está o grande ponto crítico, já que o modelo educacional foi 
construído em contraposição a esse destino. Ao invés de contribuir para a formação de 
identidades, colabora ou influi para torná-las minguantes. 
Tampouco tenho dúvida para sustentar que o processo educacional tem que ser 
visto, antes de tudo, como um fenômeno comunicacional, um espaço de comunicação, 
sem ruídos, sem muros. 
O sentido da comunicação sempre foi oscilante entre a retórica e a dialética, 
entre o monológico e o dialógico. A especificidade do seu poder, a subjetividade que 
condiciona sua fixação, as vinculações entre mídia e arte, a narrativa telenovelesca 
como matriz melodramática da informação às ficções virtuais que veicula a televisão, 
assim como as mutações de identidade pessoal que os chamados “meios de 
comunicação de massa” produzem. Discutiram-se suas dimensões normativas e 
 13 
políticas, seu caráter democrático ou totalitário. Mas quase não se acentuou a questão do 
valor educacional da comunicação. Por quais modos a comunicação deve ser usada para 
educar e não apenas para criar a sensação de estar educando, quando na realidade se está 
desinformando (no sentido desestruturador ao que se pretende comunicar para 
aprender). A comunicação não é um espaço onde se aprende. Para que esse espaço 
possa cumprir essa finalidade requer-se certas condições que, honestamente, creio que 
não são dadas dentro do modelo educacional dominante. Penso que o espaço 
comunicacional para ajudar a aprender tem que ser carnavalizado, dialógico e 
antropofágico, não sustentado por argumentos que simulam ser verdades e falácias não-
formais que nos convencem de que a ilusão é realidade objetiva. 
Face o enfraquecimento das relações comunicativas entre os indivíduos, que 
reprimem a ética em favor de uma forma organizacional baseada na tecnociência e no 
mercado, Habermas pensa sobre a possibilidade de um racionalismo substancial da 
ação comunicativa (por meio de avaliações discursivas, que levariam os sujeitos a 
orientar suas ações sociais baseando-se num sentido comunitariamente compartilhado). 
Penso mais ou menos o mesmo. Eu falaria de denominadores comuns, produto de 
diálogos; falaria de mediação como instrumento ou modo de realização das avaliações 
discursivas. Uso outra terminologia para apontar a mesma alternativa. No fundo, trata-se 
da mesma denúncia. Habermas fala de retração da ética. Heidegger dos modos de 
decadência, da existência inautêntica (fuga de si mesmo, curiosidades artificiais, 
verbosidade). Eu falo sobre a ideologia da moda, o consumismo, a banalização do 
simbólico. 
Com base na psicanálise, poderíamos dizer que quando se trata de 
enfraquecimento da ética, pode-se estar fazendo referência a um enfraquecimento do 
inconsciente como uma dimensão do sentido que está ao cuidado de um outro, e o qual 
não podemos acessar sem interpretar esse lugar do outro. O inconsciente como lugar de 
uma ética debilitada é paulatinamente substituído pela matriz ideológica do 
consumismo, que põe uma Matrix de indiferenciações virtuais que distancia ainda mais 
os emissores comunicacionais do domínio das mensagens que produzem. São ainda 
menos donos e senhores daquilo que dizem do que nos momentos de maior liberdade do 
inconsciente. O fenômeno do consumismo nos fazer perder para o inconscientea nossa 
 14 
liberdade de influir, sem sermos advertidos na comunicação entre os indivíduos. O 
homem disposto à comunicar-se nunca pode ter controle total sobre o que diz, porque 
não domina sua causalidade interna, muito menos nos momentos em que se pretende 
instalar uma Matrix de controle das ilusões. 
A proposta de uma teoria psicanalítica da comunicação humana é a de ajudar o 
homem a comunicar-se consigo mesmo. Esta reorientação é essencial para os processos 
de comunicação educacional. O processo de educar começa por ajudar o outro a 
comunicar-se consigo mesmo. E isso é o que menos sabemos; é o com o que menos se 
importa a educação tradicional. No modelo tradicional, reforça-se a necessidade de 
aprender a ouvir o professor. Ensina-se a aprender a escutar uma mensagem estruturada 
como se fosse possível uma comunicação monológica. A comunicação só pode ser 
dialógica. O monológico é imposição de mensagens. É um modo de manipulação, não 
de comunicação. A transmissão impositiva ou persuasiva de fetiches não pode ser 
comunicativa. Nesta questão estou marcando diferenças com outros pontos de vista. A 
transmissão monológica não seria, conforme o que estou afirmando aqui, comunicativa. 
Nessa perspectiva, os meios de comunicação de massas e os de pós-comunicação de 
massas não comunicam. Esta é uma problemática central das atuais teorias da 
comunicação, preocupadas por debater as novas formas de discursividade engendradas 
pela tecnologia avançada da informação. Poderia afirmar aqui que sem uma dimensão 
estética, amorosa, poética, essas formas de discursividade não comunicam. Nem toda 
discursividade é comunicativa. 
Estamos começando a falar sobre o impacto de uma nova cultura burguesa pós-
massa. Neste momento, temos a cultura das relações capitalistas globalizadas. A 
educação não está fora dessa cultura? Depende da concepção de educação. O problema, 
no fundo, passa em saber se permitimos que nossas ilusões sejam controladas por uma 
Matrix ou por nossa reserva selvagem. No segundo caso, mais do que ilusões, devemos 
falar em sonhos comandados pelo desejo. 
Em suma, se o nosso compromisso é com uma universidade responsável, e essa 
responsabilidade está embasada na ética, esta última tem que ser adjetivada pela 
alteridade. Não se trata de qualquer ética, muito menos que funcione como fetiche 
disciplinador e excludente. Não nos esqueçamos que também podem existir processos 
 15 
de exclusão efetuados em nome da ética e de sentidos de ética, que, apesar de sua 
aparente boa intenção, terminam produzindo efeitos de barbárie e exclusão social. 
Falar da educação como uma concepção baseada na necessidade de contar com 
um docente que sirva de facilitador para que as pessoas possam reencontrar-se com a 
possibilidade de comunicar-se consigo mesmas, implica propiciar uma concepção de 
educação sustentada por uma prática de docência terapêutica ou uma pedagogia 
“terápica” (prefiro propor esse nome como substitutivo de terapêutica). A diferença 
substancial entre esta concepção e a pedagógica dominante está em que esta última 
pretende informar, rechear nossa cabeça e nosso coração de informação e de razões para 
fundamentar o mundo. A docência terápica, ou a pedagogia do amor, como sempre a 
chamei, teria como principal aspiração ajudar a trocar. Chaves psicológicas para um 
homem e um mundo melhor em termos de eco-política. Um retorno ao sentido 
originário da filosofia, seis séculos antes da era cristã. Ali a filosofia não era a busca 
pelos fundamentos da realidade ou da verdade, senão uma arte para viver melhor. A 
filosofia como arte da vida, como caminho para viver em harmonia e alcançar o 
autodesenvolvimento pleno. Uma filosofia que nos ensine que tudo que se pode dizer 
sobre a verdade não é verdade. E que tudo que se diga sobre o amor como busca de seu 
sentido carece de sentido, porque como sentimento, o amor só pode ser sentido. É 
necessário aprender a sentir-lo e não aprender a pensar sobre ele. A pergunta não é “o 
que é o amor”, senão “como posso senti-lo”. 
A filosofia da Grécia antiga era consciente de que as divisões entre teoria e 
prática, conhecimento e transformação, não tinham nenhuma razão de ser. Apontavam a 
uma mente bem formada, clara, lúcida, que em si mesma nos ajudaria, que seria uma 
fonte de libertação interior e de transformação profunda. Uma filosofia que deveria 
realimentar-se com o compromisso cotidiano, com o próprio conhecimento. Uma mente 
clara serve para liberar-nos das intoxicações externas, das convicções solidificadas por 
contaminação. Uma mente libertada para os contágios. Uma educação que nos ajude a 
encontrar-nos com a sabedoria e não com o saber de informações e domínios. Uma 
educação que trate de liberar-nos dos saberes de busca da sabedoria. Que nos ajude a 
esvaziar a casa dos objetos do consumismo, a infantilização e vitimização do homem. A 
educação para a sabedoria, para o amor. A firme convicção de que sabedoria, amor e 
 16 
vida são um tripé em que se apóia nossa liberação interior. Esse tripé nos remete a outra 
concepção de filosofia, de uma filosofia que se faz terapêutica por excelência e se 
brinda como remédio liberador e capaz de curar as enfermidades da alma, infantilismo, 
vitimização (autodeterminação de um “eu” como “culpado”). 
Quando falo de sabedoria como objeto educacional, como meta da pedagogia 
ajudar o outro a aprender a ser sábio, estou me referindo: primeiro, à necessidade de 
desaprender o aprendido como informação, erudição e modelos de verdade, 
esquecendo-se da informação científica como lugar de idolatria: a sabedoria como o que 
se recorda e depois se esquece; segundo, como expressão do potencial humano, 
principalmente do potencial amoroso; terceiro, como meus entendimentos inseparáveis 
da experiência cotidiana mais vivencial do que racional, mais inspiradora do que 
explicativa, mais antropofágica do que descritiva, algo que precisa ser mais entendido 
do que explicado demonstrativa ou dialeticamente. 
A sabedoria como a chave para derrubar muros. A universidade constrói seus 
muros baseada nos seus saberes. São muros que, por outro lado, podemos dizer, são 
construídos para preservar ou aprisionar seus saberes. Derrubar os muros é liberar nosso 
entendimento para que possa ir ao encontro da sabedoria. Portanto, para falarmos de 
uma nova concepção educacional é necessário que paremos de nos referir às maneiras 
para obter e comunicar conhecimentos, saberes, e passar a falar das formas de conferir à 
experiência um novo estado: o de se tornar a cada dia mais sábio. E tornamo-nos cada 
dia mais sábios quando conseguimos escutar a nós mesmos, conhecer a nós mesmos e 
ao lugar que ocupamos na comunidade e no mundo. Essa sabedoria que consiste em 
entender que entender-se a si mesmo é a única forma de felicidade e de transformações 
possíveis. 
Somente os sábios conseguem não ser manipulados pelos argumentos e pelas 
virtualidades. 
A universidade com muros nos transmitia uma idéia de filosofia confundida com 
epistemologia, e cada vez mais como um reduto, um gesto reduzido para especialistas 
muito inteligentes, um clube privado para inteligências VIP. Um lugar sagrado, 
reservado para deuses laicos e dos quais somos proibidos até mesmo de ver o rosto. 
Como Deus proibiu aos judeus de ver seu rosto. Aos deuses da filosofia só podemos 
 17 
acessar pela interpretação, mas os leigos nem o rosto deles consegue ver. A filosofia é 
preciso ler e interpretar. Não podemos conviver com eles. A condição do poder de seu 
saber é não ter consistência cotidiana nem um convívio afetivo. Assim, a filosofia está 
longe da Didática terápica. O amor da filosofia é ao saber e não ao outro. E tudoisso 
porque, no modelo dominante de filosofia e de educação, a verdade é um lugar 
inacessível aos leigos. Unicamente tem acesso a esse lugar sagrado os sacerdotes, que se 
comunicam oracularmente. Com o passar do tempo, muitos deles foram se convertendo 
em mafiosos com territórios demarcados. 
 
2.2. - A didática terápica baseia-se na busca da sabedoria, na logoterapia - ou 
terceira via ou terceira escola vienense de psicoterapia, como o seu criador (Victor 
Frank) propôs chamá-la. Trata-se de uma concepção da psicanálise que aparece como 
uma alternativa à visão positivista ortodoxa da psicanálise. Um ressurgimento da 
filosofia da Grécia antiga, somada a algumas experiências em campos de concentração 
nazistas (Frank sobreviveu a quatro campos de concentração). É uma terapia didática 
baseada em um humanismo da alteridade. Frank vê a logoterapia como algo que se 
desloca do método psicoterapêutico para promover uma oferta para que pessoas de 
qualquer condição, considerando a sua condição de vida, sua estilística, seu próprio 
estilo de vida, dirijam-se da melhor forma possível até aquilo que para elas faça sentido, 
para o que é razoável e ético. A busca da felicidade como sentido. A busca da 
serenidade que se pode obter quando temos a convicção de que estamos seguindo pelo 
caminho que escolhemos. O logoterapeuta, o mediador, o professor que aderiu a essa 
corrente, considera o outro a quem oferece sua ajuda como um indivíduo que porta 
dificuldades no seu projeto de auto-realização. Pessoas que ainda não se deram conta do 
seu próprio desejo de lugar, do lugar no mundo que desejam para si. Pessoas que não 
aprenderam a escutar a si mesmas para saber qual caminho seguir para desenvolver suas 
potencialidades, e que sequer compreendem que potencialidades possuem. Ajudar a 
compreender a partir da experiência e não de bibliotecas infinitas e sem saída, ajudar a 
entender o vínculo entre experiência e o modo próprio e irrepetível de sentir-la desde e a 
partir da própria sensibilidade. Uma ajuda a experiências pessoais e irrepetíveis que não 
devem ser contaminadas por seitas, dogmas ou grupos que fazem da espiritualidade um 
 18 
produto de consumo. A liberdade interior, a autonomia individual, é algo que nunca 
pode ser convertido em fetiche, em mercadoria. A sabedoria renega intermediários. 
Confundimos os facilitadores com intermediários. Mediar não é intermediar. 
O sentido da vida são as múltiplas formas com que tratamos de nos aproximar 
interpretativamente do mistério do amor. Um mistério é sempre um lugar vazio proibido 
de ser acessado, a que nos referimos por interpretações aproximadas, que são os 
sentidos do mistério. As normas jurídicas e as verdades também são lugares de mistério, 
fazem parte do leque mistérios da condição humana. Mas pensar que a vida é algo que 
não possui sentimento é coisa da depressão. Os deprimidos pensam que a vida não tem 
sentido. 
 A logoterapia aborda e denuncia um tipo particular de depressão, a intelectual 
(noogen), que pode ser definida como a frustração espiritual, existencial de uma pessoa 
que se desespera porque não vive segundo os ditados de sua verdadeira e melhor forma 
de ser. Basicamente, para ajudar, a logoterapia convida as pessoas a voltar a serem 
realmente pessoas. Um convite a mudar os pontos de partida, fazê-las ver que têm que 
deixar de sentir que já passaram por todos os trens que as poderiam levar a alguma 
direção. 
Filosofia, sabedoria, logoterapia, vida, amor, todas palavras em conjunção para 
aprender a viver; matéria-prima para o aprendizado da vida; matéria-prima para uma 
universidade sem muros, que é outro modo que emprego como sinônimo de 
universidade da vida. Sem esses componentes, a comunicação dialógica, carnavalizada, 
será impossível. 
Sabedoria é entender que os sonhos se alimentam com amor e imaginação 
criativa e não com as ilusões de um homem ideal, perfeito, que se acredita perfeito no 
interior da Matrix. 
 
3 - O que aconteceu foi uma mudança radical na concepção lingüística 
comunicacional. Do signo como representação passamos à imagem como signo. Trata-
se de uma mudança cultural brutal. O que resta é a busca do caráter abstrato do sistema 
de signos, dos conceitos que se convertam em núcleo da linguagem representacional a 
imagem abstrata e perfeita da linguagem tecno-cultural. De qualquer forma, continua 
 19 
existindo uma relação entre duas séries infinitas de elementos: a da realidade real e da 
linguagem. São duas séries oraculares, séries de significantes que podem veicular 
infinitos sentidos. A virtualidade sempre foi uma presença cultural, o que mudou é que 
antes a virtualidade era da ordem da representação e agora da imagem. Mas, em ambos 
os casos, deu-se uma fusão ou uma imbricação com a realidade, que não deixa de ser a 
última das virtualidades. 
 A grande complicação da condição moderna foi a busca do homem ideal, que 
teve um impacto sobre todas as buscas. O parceiro ideal no amor, conceitos ideais na 
metafísica, as ilusões ideais da mulher ideal no amor, a verdade ideal na ciência, a 
democracia ideal, o Direito ideal (tipos e tudo o que se refere a segurança). Agora, a 
grande quebra cultural da modernidade tardia prossegue na busca de identidade. Feridas 
suficientes, a busca pelo homem ideal transformou-se na questão da busca de uma 
realidade ideal, construindo múltiplos ideais através de um tipo especial de imagens 
substitutivas. 
 
 4 - Universidade sem muros é uma força de expressão que não podemos 
engolir sem mastigar, que devemos devorar antropofagicamente antes de engolir. Uma 
força de expressão, não me canso do apontar, nunca pode ser interpretada linearmente. 
A sociedade sem escola foi uma tendência de moda nos anos 60. Falar de uma 
universidade de muros é propor uma transformação radical na concepção educacional, 
uma proposta de reinvenção da cultura educacional. 
O século XX se postulou como uma esperança triunfadora sobre a ignorância, a 
guerra, a violência e a multiplicação de genocídios, esperança alimentada pelos avanços 
da ciência dos diferentes saberes e a generalização das ilusões democráticas. Como todo 
gênero, tudo o que postulava o fazia como superação em um grau nunca antes 
imaginado. Inclusive, muitas das palavras idolatradas pela razão da condição moderna 
terminaram o século com uma carga de sangue impensável nas origens do 
cartesianismo: ao invés de criar condições ótimas de humanização, otimizaram as 
condições de barbárie escamoteada por uma exaltação idolátrica aos Direitos Humanos. 
O modelo educacional hegemônico da condição moderna sustenta a 
possibilidade de ensinar. Pensa-se, nesse modelo, que ensinar é impor conhecimento. 
 20 
Ensinar, para o modelo da modernidade, é impor, invadir, doutrinar, disciplinar, 
controlar, inumanizar. Ensinar é um formar o homem unidimensional de que falava 
Marcuse. Os que simulam ensinar, escolarizam ao invés de humanizar. A educação nos 
tornou inumanos como condição de controle. Os que tem pretensões de ensinar somente 
conseguem institucionalizar valores de opressão, que contaminam dependências 
emocionais nas relações pessoais e institucionais, e isso começa a nos tornar inumanos. 
No sentido mais forte, tornar-nos inumanos significa perder o senso de alteridade e da 
estilística da existência, os dois pilares da nossa identidade. 
Ninguém educa ninguém. O que educa é a possibilidade de estabelecer uma 
comunicação dialógica, estabelecer um diálogo entre educandos e educadores. Educar é 
estabelecer a possibilidade de construir um diálogo, fazer circular a palavra que 
podemos escutar num entre-nós do diálogo entre educador e do educando (o sentido está 
nesseentre-nós da linguagem e da realidade real). 
 
5 - Finalizando e resumindo o que foi até aqui apresentado: 
 
Temos, primeiramente, que nos colocar diante de uma atitude desconstrutiva da 
concepção educacional hegemônica. Uma crítica e não o exercício de uma censura, que 
é outra forma de barbárie. A crítica como desconstrução exige que formulemos uma 
pergunta inicial que funcione como ponto de partida. Para esse caso, escolhi começar 
perguntando-me sobre como é possível realizar uma educação desde e para os direitos 
humanos. Essa pergunta, imediatamente, a reformulo nos seguintes termos: como 
podemos ter uma educação para evitar a exclusão social e ajudar os excluídos a 
reinserem-se socialmente? Como educamos para a reinserção social? Tratar-se-ia de 
uma pergunta nevrálgica, dado que o ponto critico do modelo educacional predominante 
na contemporaneidade é um modelo de barbárie que provoca diferentes modos de 
exclusão, discriminação e esquecimento social, que vai se agravando em uma 
assustadora espiral crescente. 
Tal pergunta obriga-nos a adentrar num terreno de alta complexidade, já que 
temos de começar admitindo que a concepção educacional não é um fenômeno isolado 
de resposta da razão bárbara, ou melhor dizendo, está inscrita no paradigma da 
 21 
modernidade, que provocou, dentre os seus efeitos perniciosos, o de haver generalizado 
uma razão bárbara. Se isto for admitido, devemos afirmar, então, que estamos diante de 
uma tarefa de desconstrução múltipla, em que temos que atacar ao mostro da barbárie 
decapitando todas as suas cabeças, porque se uma permanece intacta, muito 
rapidamente provocará a regeneração das outras, reaparecerão todas as cabeças 
cortadas. Assim, temos que efetuar o ataque desconstrutivo simultaneamente sobre a 
concepção jurídica, científica, ética de Direitos Humanos e de alteridade da condição 
moderna. Todas elas são responsáveis simultaneamente, tem uma quota de 
responsabilidade sobre todo o sangue derramamento no século XX. Os genocídios e os 
semiocídios do século XX são responsabilidade da condição de barbárie do paradigma 
moderno. A barbárie interna à razão moderna é, em grande medida, responsável pelo 
sangue que manchou as grandes utopias que romperam o paradigma que estou julgando 
neste texto. Poderíamos dizer, encerrando o argumento, que a barbárie escondida na 
razão abstrata fez metástase em todas as concepções do paradigma moderno. 
Dito isso, vou situar-me na Bíblia para fazer uma leitura ideológica que me 
permitirá mostrar que no texto sagrado, que é mito fundante do ocidente, encontra-se 
uma condenação ao saber. Ali se estabelece que é pecado, e um pecado original, sair da 
ignorância. Deus condena o esforço do homem por sair da ignorância. Por esse esforço, 
Adão e Eva perderam a possibilidade de continuar no paraíso. Por outro lado, Deus 
perdoa Caim pela morte de seu irmão, transmitindo como mensagem sua apreciação de 
que o extermínio do outro não é pecado, carece de gravidade. Esta leitura não é 
religiosa, mas trata de ver a Bíblia como um mito fundante. Dos antropólogos, aprendi 
que fazendo uma interpretação dos mitos fundantes podemos aproximar-nos, em parte, 
do núcleo de inacessibilidade da conduta dos homens de uma determinada sociedade 
nos momentos ou situações contemporâneas. Os homens estão marcados em suas 
condutas e em suas relações com o outro por esses mitos fundantes. Não importa 
acessar os desígnios inacessíveis de Deus. Importa acessar, no que as interpretações 
permitem, ao inacessível do outro que convive comigo no presente. Esse outro está 
condicionado, quase sem defesas, nas convicções secretas do mito fundador. 
O mito também me permite construir uma provocativa força de expressão: Deus 
foi o primeiro que violou os Direitos Humanos, foi ele que autorizou a sua violação. 
 22 
Esta força de expressão me leva também a outra, forte e forçante na argumentação: o 
modelo educacional vigente é ele mesmo uma violação aos Direitos Humanos. É um 
modelo que nos condena à ignorância e à exclusão. Quando falo aqui de ignorância 
refiro-me a uma educação que nos veda o acesso à sabedoria. Não estou me referindo à 
ignorância como ausência de saber, refiro-me a ela como uma ausência de sabedoria. 
Afirmo aqui àquilo que foi mimicamente concebido como pecado original, ou seja, o 
acesso à sabedoria. 
Partindo da postulação de que a maior violência aos Direitos Humanos é a 
educação que gera nossa barbárie interior, quero brevemente agendar no texto os dois 
territórios onde, ao meu ver, surgiu essa barbárie. 
Começarei por registrar o território da escolarização, ou seja, a ideologia da 
escolarização, que alienou o homem de sua própria existência interior, tornando-o um 
corpo minguante. O segundo território a registrar é o tipo de razão que veiculou a escola 
como ideologia. Refiro-me à razão abstrata que, condicionada pelos ideais de pureza, 
verdade e objetividade, e pelo desejo “melogâmico” de alcançar a universalidade do 
conhecimento, conseguiu impor a construção de um conhecimento único como algo 
positivo; um pensamento e uma modalidade de saber que terminou convertendo o que 
se apresentava como objetivo em um grande aglomerado de narrativas ideológicas. O 
corpo do homem minguando um pouco mais. Dois territórios que se uniram para criar a 
instância mais glorificada de produção do conhecimento, a universidade, que, como seu 
nome conota, é o lugar de produção do pensamento único e universal, o pensamento 
mais rigoroso, o lugar que, devido ao um acordo de poderes, se passará a chamar “de 
conhecimento de verdades”. Estou falando agora dos dois grandes muros: da 
universidade e do saber ideológico que em nome da ciência produz aquele espaço. A 
universidade é um lugar de poder. É um lugar onde a digna voz da majestade expressa o 
saber. A universidade é o campo onde se trava a luta pela produção do conhecimento. A 
universidade é o lugar onde se luta pelo poder do saber. É fundamental ter isso muito 
claro, sobretudo se nossa preocupação é gerar um conhecimento e uma concepção de 
educação posta a serviço da inclusão ou da reinscrição social dos excluídos. Eles devem 
lutar para conseguir um espaço no lugar onde se gera o poder do saber. Eles devem lutar 
para se tornar parte desse poder de geração do saber. Parece-me que os excluídos 
 23 
caminham em direção errada se reduzem a sua luta a quotas para poder estar sentados 
recebendo doutrinamento ideológico dos que dominam o poder do saber. Eles devem 
lutar por sua quota de poder, devem lutar para que o saber de sua cultura tenha um 
espaço de manifestação nas universidades. Assim teremos um campo terciário que não 
será mais o da universidade, o da universalização do saber como ideologia. Teremos 
assim um caminho de uma Universidade sem muros. Será uma Pluriversidade e não 
mais universidades (existem já na Venezuela, Equador e em outros países da América 
Latina experiências nessa direção, que se podem registrar atrás de uma ampla gama de 
significantes). 
 Nesta luta pelo poder do conhecimento devem participar todas as culturas 
condenadas à exclusão, a dos afrodescendentes, dos povo indígenas, dos gays, da 
cultura de gênero. Neste quadro não incluiria as comunidades de excluídos que não 
geraram cultura própria, independente da dos dominadores. Aqui, para concluir este 
fragmento, gostaria de abrir um parênteses para comentar que o poder de saber é muito 
mais visível que o poder político-econômico; o poder do saber tem nomes e apelidos 
sendo assim muito mais fácil saber contra quem é preciso lugar. 
 
5.1. - Quando alguém está preocupado com as questões da alteridade, descobre, 
muito rapidamente, que o conceito de alteridadeda modernidade é, também, 
discriminatório. A idéia do outro como o diferente remete a uma dicotomia em que a 
noção de igualdade é maniqueísta, diferente de um eu que se pressupõe existente para a 
comparação. Nos força a pensar a nossa identidade como algo personalizado e ao 
mesmo tempo pensado como coisa, como um ente material no mundo. Certo é que não 
tenho uma identidade materializável, essa ideia de sujeito da modernidade acabou sendo 
ideológica. Meu eu interior, minha alma, não é um elemento que se encontra de modo 
fechado no interior do meu corpo. Propor essa identidade e logo postular a diferença da 
identidade dos outros acaba sendo algo discriminatório, ainda que reconheçamos e 
recomendemos aceitar os outros na sua diferença, nossa identidade está no conjunto de 
relações que me atravessam no cotidiano. Meu corpo é um corpo sucessivo. Um corpo 
mestiço. Quando em vez de ser atravessado por corpos sucessivos que deixam suas 
marcas, me deixo ser contaminado ideologicamente pelas instituições e pelos outros, 
 24 
meu corpo se torna um corpo minguante. Agora bem, se todos deveríamos ser corpos 
sucessivos ameaçados a nos tornar minguantes, como podemos falar de igualdade e de 
diferenças com o outro, se o outro não é um corpo diferente, é uma sucessividade 
composta unicamente de outros atravessamentos? Se é assim, não existe o “um” e o 
“outro”. Eu sou o outro. Nós somos o outro. O outro é um sucessivo como eu. O que me 
obrigaria a ter que reconhecer que o outro não é diferente, senão um parte de mim. 
Razão pela qual eu não devo tolerar nem aceitar o outro, senão reconhecê-lo como uma 
necessidade para que possa ser um corpo sucessivo. Se eu não reconheço isso, meu 
corpo começa a minguar. Como se vê, estou propondo categorias, figuras de corpos 
sucessivos e corpos minguantes para me contrapor às tradições e às modernas categorias 
de igualdade e diferença, duas caras da mesma discriminação. A modernidade postula 
que existem grupos diferentes, mas acaba apresentando todos os componentes desse 
fruto de diferentes como iguais. Essa é a estratégia de homogeneização, que é o modo 
de poder adjudicar a todo o grupo características idênticas, características estereotipadas 
que permitem engendrar o preconceito. 
 
 5.2. - A modernidade nos legou impositivamente uma concepção de Direitos 
Humanos que constituiu uma violência com a própria concepção, uma violência a si 
mesma. Durante todo o século XX vivemos e atuamos condicionados por uma 
concepção ilusória e idolátrica dos Direitos Humanos. Uma concepção que os 
proclamava como universais e produto de uma razão abstrata, uma razão divorciada das 
contingências históricas. Estivemos condicionados por um discurso dos Direitos 
Humanos que não passou de fetichismo (isso sem negar o papel positivo que 
desempenharam politicamente). A concepção idolátrica de Direitos Humanos os deixou 
prisioneiros, também, da concepção jurídica dominante na modernidade. Os deixou 
prisioneiros do normativismo. Essa concepção nos vendeu a idéia de que os Direitos 
humanos eram uma dimensão simbólica do jurídico, negando, assim, a possibilidade de 
que possamos percebê-los como uma dimensão simbólica da política.

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