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CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA TRIBUNAIS PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 1 Aula 01 Olá, Pessoal! Esta é a primeira aula do curso da Administração Pública para Tribunais. Como combinamos, nela veremos o seguinte conteúdo: Estruturação da máquina administrativa no Brasil desde 1930: dimensões estruturais e culturais. Já estudamos na aula demonstrativa como foi a evolução da administração pública no mundo, como saímos de um modelo patrimonialista para o burocrático até chegar ao gerencial. Nesta aula veremos como foi essa evolução aqui no Brasil. Estudaremos o processo de modernização da administração pública brasileira e, dentro dele, as reformas administrativas que ocorreram nesse período. Boa Aula! SUMÁRIO 1 ESTRUTURAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL ....................................................................... 2 1.1 ADMINISTRAÇÃO COLONIAL A REPÚBLICA VELHA ....................................................................................................... 3 1.2 VARGAS E O MODELO BUROCRÁTICO........................................................................................................................ 8 1.3 GOVERNO JK E A ADMINISTRAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO .................................................................................. 16 1.4 DECRETO‐LEI N° 200 DE 1967 ............................................................................................................................ 20 1.5 PROGRAMA NACIONAL DE DESBUROCRATIZAÇÃO .................................................................................................... 26 1.6 RETROCESSO BUROCRÁTICO NA CF/88.................................................................................................................. 28 1.7 PLANO DIRETOR DE REFORMA DO APARELHO DO ESTADO ......................................................................................... 31 1.8 O GOVERNO LULA ............................................................................................................................................. 37 2 EXERCÍCIOS ............................................................................................................................................. 42 2.1 QUESTÕES COMENTADAS.................................................................................................................................... 49 2.2 GABARITO........................................................................................................................................................ 65 CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA TRIBUNAIS PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 2 1 Estruturação da Administração Pública no Brasil Antes de entrarmos nos modelos patrimonialista, burocrático e gerencial na evolução da administração pública brasileira, para começar nosso estudo, vamos dar uma olhada na evolução das constituições brasileiras. A seguir temos a evolução cronológica das constituições com momentos históricos importantes. Toda essa evolução assinala o quanto a lei maior está sujeita às mudanças na estrutura de poder do país. Sempre que ocorrem transformações significativas nos grupos que detêm o poder, é elaborada uma nova Constituição. Por isso que, no Brasil, não podemos dissociar o direito constitucional do estudo das forças políticas. Ao longo dessa evolução poderemos observar períodos sucessivos de concentração e desconcentração dos poderes políticos, refletindo aquilo que acontecia na sociedade. Das oito constituições brasileiras, quatro foram elaboradas de forma democrática: 1891, 1934, 1946 e 1988. As outras quatro foram impostas em períodos autoritários: 1824, 1937, 1967 e 1969. Essa relação da Constituição com a estrutura de poder está de acordo com a concepção sociológica de Ferdinand Lassale da Constituição. Para o autor, a Constituição é compreendida como o somatório dos fatores reais de poder existentes em certo Estado, a exemplo dos fatores econômicos, políticos, culturais, militares, religiosos, entre outros. Vamos ver como o Bresser Pereira traça um panorama geral da evolução da administração público no Brasil. O autor montou a seguinte tabela: 1821-1930 1930 - 1985 1985 - Sociedade Mercantil-Senhorial Capitalista-Industrial Pós-Industrial Estado (política) Oligárquico Autoritário Democrático (1985) Estado (administração) Patrimonial Burocrático Gerencial (1995) 1822 Indepen dência 1824 1ª Const 1889 Proclam. República 1891 2ª Const 1930 Revolução de 30 1934 3ª Const 1937 Estado Novo 1937 4ª Const 1945 Redemocra tização 1946 5ª Const 1964 Golpe de 64 1967 6ª Const 1968 AI-5 1969 7ª Const 1985 Redemocra tização 1988 8ª Const CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA TRIBUNAIS PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 3 De 1821 a 1930, a sociedade brasileira era baseada na produção agrícola destinada ao comércio internacional (café, algodão, borracha) e era dirigida por uma oligarquia patrimonialista, ou seja, por um pequeno grupo que se aproveitava do Estado para conquistar vantagens pessoais. A partir de 1930 a economia se volta para a industrialização e o governo passa a ser comandado a mãos de ferro por Getúlio Vargas no Estado Novo, durante o qual se implantou no país a administração burocrática. Após a saída de Vargas em 1945 há um período democrático, mas em 1964 os militares retornam ao poder, colocando o país novamente sob os mandos de uma ditadura. Em 1985 ocorre a redemocratização, a economia entra numa era pós-industrial, em que os serviços e a tecnologia da informação ganham extrema importância. Na administração, em 1995 é lançado o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, que implantaria a reforma gerencial no Brasil. No entanto, aqui cabe uma observação. O próprio Bresser Pereira afirmou nesse mesmo texto que o Decreto-Lei n° 200 de 1967 pode ser considerado como o primeiro momento da administração gerencial no Brasil. Veremos isso mais adiante. 1.1 ADMINISTRAÇÃO COLONIAL A REPÚBLICA VELHA No Brasil, o patrimonialismo perdurou até a década de 1930 como a forma de dominação predominante. Não podemos dizer que ele está totalmente superado. Quando um ministro confunde seu cartão de crédito pessoal com o cartão corporativo do governo federal na hora de comprar uma tapioca, está claro que o patrimonialismo ainda está bastante presente em nossa cultura, já que permanece a confusão entre o patrimônio público e privado. Mas é a partir da década de 1930 que o país passa a adotar uma administração burocrática. Segundo Bresser: O Estado brasileiro, no início do século XX, era um Estado oligárquico e patrimonial, no seio de uma economia agrícola mercantil e de uma sociedade de classes mal saída do escravismo. Portanto, vamos ver aqui um pouco da administração pública brasileira nesse período anterior a 1930, da administração colonial até a República Velha. No último concurso do MPOG eles cobraram alguns itens sobre isso. Caio Prado Júnior aponta como principais características da administração colonial: a centralização, a ausência de diferenciação (de funções), CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA TRIBUNAIS PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 4 o mimetismo, a profusão e minudência das normas, o formalismo e a morosidade. Mimetismo é imitação, é o processo pelo qual alguém ou alguma coisa se adapta para ficar semelhante a outro. Uma característica importante desse período é a falta de uma divisão do trabalho. Já vimos que o modelo burocrático tem como princípio a divisão racional do trabalho.No patrimonialismo não existe isso, tudo se confunde. A administração colonial, apesar da abrangência das suas atribuições e da profusão de cargos e instâncias, do ponto de vista funcional, pouco se diferencia internamente. Segundo Frederico Lustosa: O caos legislativo fazia surgir num lugar funções que não existiam em outros; competências a serem dadas a um servidor quando já pertenciam a terceiros; subordinações diretas que subvertiam a hierarquia e minavam a autoridade. Essas disfunções tinham origem, em grande medida, na tentativa de copiar as estruturas e instituições existentes na metrópole (Portugal) e do vazio de autoridade (e de obediência) no imenso território, constituindo um organismo autoritário, complexo, frágil e ineficaz. É a partir da administração pombalina que há um processo maior de racionalização. Marquês de Pombal foi Secretário de Estado de Portugal de 1750 a 1777. Ele ficou conhecido como um dos "déspotas esclarecidos", por entender que a superação das dificuldades que o Reino Português enfrentava somente seria possível por meio da realização de reformas por um soberano fortalecido. Com a intenção de centralizar e controlar ainda mais a administração colonial, extinguiu as capitanias hereditárias ainda existentes, e unificou os Estados do Maranhão e do Brasil. Essa mudança se expressava principalmente nos métodos e processos de trabalho que davam lugar à emergência de uma burocracia. Mesmo assim, prevaleceu a enorme distância entre a colônia e a metrópole, que, juntamente com a lentidão na troca de mensagens, criavam um vazio de autoridade legal. Somente com a chegada da coroa portuguesa ao Brasil em 1808 que começará a ser formada uma verdadeira administração pública no Brasil. Segundo Frederico Lustosa: O fato é que a transferência da corte e mais tarde a elevação do Brasil a parte integrante do Reino Unido de Portugal constituíram as bases do Estado nacional, com todo o aparato necessário à afirmação CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA TRIBUNAIS PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 5 da soberania e ao funcionamento do autogoverno. A elevação à condição de corte de um império transcontinental fez da nova administração brasileira, agora devidamente aparelhada, a expressão do poder de um Estado nacional que jamais poderia voltar a constituir- se em mera subsidiária de uma metrópole de além-mar. No patrimonialismo, o Estado brasileiro era governado por uma oligarquia, palavra que significa “governo de poucos”. A este pequeno grupo que controlava o governo, Raymundo Faoro deu o nome de “estamento burocrático”. Um ponto importante aqui é não confundir o uso do termo “burocracia” sempre como uma referência ao modelo burocrático de administração defendido por Max Weber. O termo “burocracia” surgiu da junção da palavra francesa bureau, que significa escritório, com a palavra grega kratos, que significa poder. Desde o XVII já se falava em “burocracia” para se referir à repartição pública e aos grupos que administravam o governo. Assim, quando a questão falar em estamento burocrático, não devemos associá-lo ao modelo racional- legal, mas sim ao grupo de burocratas que controlava o Estado durante o período patrimonialista. O estamento se diferencia da classe social porque, nessa, o critério de pertencimento é o econômico, enquanto no estamento é social, de status, prestígios. Classe para Weber é o conjunto de pessoas que tem a mesma posição diante do mercado. Há dois tipos básicos de classe, as que têm algum tipo de bem e as que não têm algum tipo de bem. Mas as classes também se diferenciam pela qualidade dos bens possuídos. Estamento está ligado à esfera social, que é capaz de gerar comunidade. Estamento é um grupo social cuja característica principal é a consciência do sentido de pertencimento ao grupo. A luta por uma identidade social é o que caracteriza um estamento. Assim, na Idade Média, uma pessoa era nobre porque possuía “sangue azul”; por mais que um burguês ganhasse dinheiro, ficasse rico, não vinha a se tornar um nobre. Uma das diferenças principais entre os estamentos e as classes sociais é a mobilidade social. Nas classes, a mobilidade é alta, já que as pessoas podem mudar de classe adquirindo renda. Nos estamentos há baixa mobilidade. Trata-se de grupos isolados, que se diferenciam pelo status que possuem. Segundo Rubens Campante: Uma sociedade estamental é uma “ordem de status” baseada em “prestígio social” para qualificar positiva ou negativamente os grupos sociais. Os grupos positivamente qualificados costumam manter um estilo de vida que desvalora o trabalho físico, o esforço premeditado e contínuo, o interesse lucrativo, e buscam, através de monopólios sociais e econômicos, a manutenção de um modus vivendi exclusivo, diferenciado, traduzido em privilégios de consumo. A razão de ser dos CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA TRIBUNAIS PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 6 estamentos, portanto, é a desigualdade calcada na diferenciação da honra pessoal, no exclusivismo social e na ostentação do consumo. O instrumento de poder do estamento é o controle patrimonialista do Estado, traduzido em um Estado centralizador e administrado em prol da camada político-social que lhe infunde vida. O patrimonialismo é intrinsecamente personalista, tendendo a desprezar a distinção entre as esferas pública e privada. Vale muito mais o poder particular e o privilégio, em detrimento do universalismo de procedimentos e da igualdade formal- legal. O distanciamento do Estado dos interesses da nação reflete o distanciamento do estamento dos interesses do restante da sociedade O termo estamento burocrático foi usado por Faoro para designar o grupo aristocrático- burocrático de juristas, letrados, e militares, que derivavam seu poder e sua renda do próprio Estado. Para Raymundo Faoro, o país não era dominado por uma oligarquia de senhores de terra. A literatura clássica defende que essas oligarquias, juntamente com a burguesia mercantil, constituíam as classes sociais dominantes. Faoro não as nega, mas afirma que foi reproduzida no país a lógica do sistema montado em Portugal do século XIV: um estamento patrimonial, originalmente aristocrático, formado pela nobreza decadente que perde as rendas da terra, e, depois, vai se tornando cada vez mais burocrático, sem perder, todavia, seu caráter aristocrático. Este estamento não é mais senhorial, uma vez que a sua renda não é proveniente da terra. É patrimonial porque ela é retirada do patrimônio do Estado, que em parte se confunde com o patrimônio de cada um de seus membros. Os impostos são arrecadados das classes, particularmente da burguesia mercantil, e são usados para sustentar o estamento dominante e o grande corpo de funcionários de nível médio a ele ligados por laços de toda ordem. São utilizados os termos “sinecura” e “prebenda” para descrever os empregos públicos, já que significam ocupação rendosa de pouco trabalho. “Sinecura” significa “sem cuidado”, ou seja, não se tem muito esforço num cargo público. “Prebenda” também traz o conceito de “ocupação rendosa e de pouco trabalho”. É justamente isso o que ocorre no patrimonialismo brasileiro, em que os ocupantes de cargos públicos recebem os cargos como “presentes”, moeda de troca. É tradicional a ideia de que uma função fundamental do Estado nessa época era garantir empregos para a classe média pobre ligada por laços de família ou de agregação aos proprietários rurais. Enquanto os senhores de terra e os grandes comerciantes e traficantes de escravos se ocupavam da economia, este estamento dominava com relativa autonomia o Estado e a política. Havia ali uma nova classe média, uma classe burocrática, em formação, masCURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA TRIBUNAIS PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 7 naquele momento tratava-se antes de um estamento de políticos e burocratas patrimonialistas, apropriando-se do excedente econômico no seio do próprio Estado, e não diretamente através da atividade econômica. Faoro é bastante radical em afirmar que a burocracia patrimonialista detinha ampla autonomia, que era isolada dos demais grupos da sociedade, governando com ampla arbitrariedade. José Murilo de Carvalho discorda dele, defendendo que faltava à elite política patrimonialista brasileira do Império poder para governar sozinha. Haveria uma aliança do estamento patrimonialista com burguesia mercantil de senhores de terra e grandes comerciantes. Tivemos assim um Estado Patrimonial-Mercantil no Império, que se estenderá ainda pela Primeira República. A elite patrimonialista imperial, embora tivesse origem principalmente nas famílias proprietárias de terra, vai ganhando aos poucos autonomia na sua própria reprodução. O que a caracteriza é o saber jurídico formal, transformado em ferramenta de trabalho e instrumento de poder. São todos burocratas porque sua renda deriva essencialmente do Estado; são patrimonialistas porque os critérios de sua escolha não são racional- legais, e porque constroem um complexo sistema de agregados e clientes em torno de si, sustentado pelo Estado, confundindo o patrimônio privado com o estatal. Os critérios administrativos eram pessoais, e a preocupação com a eficiência da máquina estatal, nula. Segundo Bresser: É essa elite política letrada e conservadora que manda de forma autoritária ou oligárquica. Não há democracia. As eleições são uma farsa. A distância educacional e social entre a elite política e o restante da população, imensa. E no meio dela temos uma camada de funcionários públicos, donos antes de sinecuras do que de funções, dada a função do Estado patrimonial de lhes garantir emprego e sobrevivência. A proclamação da República em 1889 não alterou profundamente as estruturas socioeconômicas do Brasil imperial. A riqueza nacional continuou concentrada na economia agrícola de exportação, baseada na monocultura e no latifúndio. O que se acentuou foi a transferência de seu centro dinâmico para a cafeicultura e a consequente mudança no polo dominante da política brasileira das antigas elites cariocas e nordestinas para os grandes cafeicultores paulistas. A Constituição de 1891, bastante inspirada na Constituição dos EUA de 1787, consagrou a República, instituiu o federalismo e inaugurou o regime presidencialista. A separação de poderes ficou mais nítida. O Legislativo continuava bicameral, sendo CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA TRIBUNAIS PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 8 agora formado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado, cujos membros passaram a ser eleitos para mandado de duração certa. Ampliou-se a autonomia do Judiciário. Foi criado o Tribunal de Contas para fiscalizar a realização da despesa pública. As províncias, transformadas em estados, cujos presidentes (ou governadores) passaram a ser eleitos, ganharam grande autonomia e substantiva arrecadação própria. Suas assembleias podiam legislar sobre grande número de matérias. A República Velha durou cerca de 40 anos. Nesse período, não houve grandes alterações na conformação do Estado nem na estrutura do governo. Aos poucos, foi se tornando disfuncional ao Brasil que se transformava, pela diversificação da economia, pelo primeiro ciclo de industrialização, pela urbanização e pela organização política das camadas urbanas. Surgiam novos conflitos de interesse dentro dos setores dominantes, entre as classes sociais e entre as regiões, o que dificultava o pacto oligárquico. Além disso, desde a guerra contra o Paraguai (1864-70), o Exército passou a ser um ator político cada vez mais importante, como arena de revoltas ou sujeito de ações determinantes, perseguindo ideais modernizadores ou salvacionistas. Com o tempo, o estamento passa a ser infiltrado por grupos externos, de origem social mais baixa, como os militares do Exército. Não podemos mais falar com precisão de um “estamento patrimonial” já que, como vimos, uma característica dos estamentos é a sua pequena permeabilidade. Aqui começa a nascer a administração pública burocrática, juntamente com o autoritarismo burocrático-capitalista que está emergindo através principalmente dos militares e das revoluções que promovem em nome de uma abstrata “razão”. Vimos que o modelo burocrático surgiu no mundo em virtude da maior complexidade da sociedade decorrente do capitalismo e da democracia. Contudo, no Brasil temos uma situação diferente. O modelo burocrático não se desenvolve em um momento democrático, pelo contrário, ele nasce durante o Estado Novo, uma ditadura. 1.2 VARGAS E O MODELO BUROCRÁTICO A crise da bolsa de Nova York em 1929 e a recessão que se alastrou pelo mundo obrigaram o Brasil a buscar novas formas de desenvolvimento, já que não havia mercado para o café, sobre o qual estava baseada quase toda nossa economia. Como a recessão prejudicou também as exportações dos outros países para o Brasil, o mercado interno, que havia se constituído após o fim da escravidão e início da imigração, e que se abastecia em grande medida pelas importações, se mostrou uma saída, principalmente como propulsor de uma industrialização incipiente. CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA TRIBUNAIS PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 9 Dentro deste contexto, Getúlio Vargas comanda um movimento revolucionário que vai marcar a reformulação completa do Estado brasileiro, abrindo caminho para um amplo processo de modernização social e industrial, que resultou na incorporação da classe trabalhadora, de setores médios urbanos e da incipiente burguesia nacional. Este processo será comandado com mão de ferro pelo ditador, especialmente depois de 1937 com a implantação do Estado Novo. A administração burocrática surgiu no quadro da aceleração da industrialização brasileira, em que o Estado assume papel decisivo, intervindo pesadamente no setor produtivo de bens e serviços. Segundo o Plano Diretor: A implantação da administração pública burocrática é uma consequência clara da emergência de um capitalismo moderno no país. Assim, a reforma administrativa, ou “civil service reform”, dá início a implantação do modelo racional-legal no Brasil, através de um grande esforço de Vargas para normatizar e padronizar os principais procedimentos da administração pública. Nos primórdios, a administração pública sofre a influência da teoria da administração científica de Taylor, tendendo à racionalização mediante a simplificação, padronização e aquisição racional de materiais, revisão de estruturas e aplicação de métodos na definição de procedimentos. São princípios da administração científica: 1. Princípio de Planejamento: substituir a improvisação pela ciência, por meio do planejamento do método. 2. Princípio de Preparo: selecionar cientificamente os trabalhadores de acordo com suas aptidões e prepará-los e treiná-los para produzirem mais e melhor, de acordo com o método planejado. 3. Princípio de controle: controlar o trabalho para se certificar de que o mesmo está sendo executado corretamente. 4. Princípio da execução: distribuir distintamente as atribuições e as responsabilidades, para que a execução do trabalho seja bem mais disciplinada. É iniciado um amplo processo de criação de estatutos e normas para as áreas fundamentais da administração pública, principalmente em três áreas que são consideradas o tripé da implantação da administração burocrática no país: Administração de materiais Administração dePessoal Administração Financeira: CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA TRIBUNAIS PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 10 A primeira perna do tripé, a administração de materiais, deu seu primeiro passo com a criação da Comissão Permanente de Padronização em 1930 e da Comissão Permanente de Compras em 1931. Segundo Bresser, a reforma burocrática brasileira inicia-se de fato em 1936 quando é criado o criado o Conselho Federal do Serviço Público Civil, que teria responsabilidade sobre a segunda perna do tripé. Já em 1938 tal Conselho foi transformado no Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP). O DASP viria a ter uma longa e importante trajetória na administração pública, vindo a ser extinto apenas em 1986. Ele passou a ser o órgão executor e, também, formulador da nova forma de pensar e organizar a administração pública. O DASP foi criado no início do Estado Novo, um momento em que o autoritarismo brasileiro ganhava força, com o objetivo de realizar a revolução modernizadora do país, industrializá-lo, e valorizar a competência técnica. Representou, assim, no plano administrativo, a afirmação dos princípios centralizadores e hierárquicos da burocracia clássica. Entre as principais realizações do DASP, são citadas: Ingresso no serviço público por concurso; Critérios gerais e uniformes de classificação de cargos; Organização dos serviços de pessoal e de seu aperfeiçoamento sistemático; Administração orçamentária; Padronização das compras do Estado; Racionalização geral de métodos. O DASP ficou responsável pelas três pernas do tripé de que falamos acima. Na segunda perna do tripé, na administração dos recursos humanos, o DASP tentou formar uma burocracia nos moldes weberianos, baseada no princípio do mérito profissional. Surgiram as primeiras carreiras burocráticas e tentou-se adotar o concurso como forma de acesso ao serviço público. Antes da Constituição de 1934, algumas carreiras já eram organizadas com base em ingresso mediante concurso público. Este era o caso dos militares, da diplomacia e do Banco do Brasil. No entanto, a generalização das propostas weberianas como modelo de organização do serviço civil federal deu-se a partir da Constituição de 1934, que determinou: CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA TRIBUNAIS PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 11 Art. 170 - O Poder Legislativo votará o Estatuto dos Funcionários Públicos, obedecendo às seguintes normas, desde já em vigor: 2º) a primeira investidura nos postos de carreira das repartições administrativas, e nos demais que a lei determinar, efetuar-se-á depois de exame de sanidade e concurso de provas ou títulos; Em 1939 entrou em vigor o “Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União”, por meio do Decreto-Lei 1.713. Os cargos foram agrupados em classes e estruturados em carreiras e o concurso passou a ser utilizado para o provimento dos cargos. Contudo, não é da noite para o dia que se consegue implantar o concurso para todos os cargos. Segundo no Martins, a profissionalização da administração pública a partir da criação do DASP deu origem um duplo padrão: Para os altos escalões da burocracia, foram adotados acessos mediante concurso, carreiras, promoção baseada em critérios de mérito e salários adequados. Para os níveis médio e inferior, a norma era a admissão por indicação clientelista; as carreiras eram estabelecidas de forma imprecisa; o critério de promoção baseava-se no tempo de serviço e não no mérito; e a erosão dos salários tornou- se intermitente. Vamos dar uma olhada em uma questão do CESPE: 1. (CESPE/MC/2008) No que tange à administração de recursos humanos, foram valorizados instrumentos importantes como o instituto do concurso público e do treinamento; deste modo, foi adotada consistentemente uma política de recursos humanos que respondia às necessidades do Estado. À primeira vista, está questão parece certa, já que, valorizando o concurso e o treinamento, estaria sendo adotada uma política que respondesse às necessidades do Estado. Contudo, na prática a coisa era diferente. Essa questão foi tirada do Plano Diretor, segundo o qual: No que diz respeito à administração dos recursos humanos, o DASP representou a tentativa de formação da burocracia nos moldes weberianos, baseada no princípio do mérito profissional. Entretanto, embora tenham sido valorizados instrumentos importantes à época, tais como o instituto do concurso público e do treinamento, não se chegou a adotar consistentemente uma política de recursos humanos CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA TRIBUNAIS PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 12 que respondesse às necessidades do Estado. O patrimonialismo (contra o qual a administração pública burocrática se instalara), embora em processo de transformação, mantinha ainda sua própria força no quadro político brasileiro. O coronelismo dava lugar ao clientelismo e ao fisiologismo. Portanto, a questão é ERRADA porque, apensar de terem sido valorizados estes instrumentos, o patrimonialismo e o clientelismo ainda estavam bastante presentes, uma vez que muitos cargos ainda eram usados como moeda de troca, por indicação política. A terceira perna do tripé que vimos acima é a administração financeira. O DASP também teve entre as suas atribuições a elaboração da proposta do orçamento federal e a fiscalização orçamentária. Antes da reforma burocrática da década de 1930, o orçamento era visto como uma mera enumeração de receitas e despesas. Foi a implantação do modelo racional-legal que permitiu que o orçamento fosse visto como um instrumento de planejamento. Até a criação do DASP, a proposta das despesas da União era realizada da seguinte maneira: Estabelecimento de normas/prazos orçamentários através de lei ou Decreto- lei; Designação de funcionários do Ministério da Fazenda para acompanharem a organização de propostas parciais das despesas dos Ministérios; Apresentação, pelos ministérios, de propostas parciais de suas despesas, com justificativas minuciosas quanto às alterações realizadas; Designação de comissão, sob a presidência do chefe de Gabinete do Ministro da Fazenda, para organizar a proposta geral; Encaminhamento ao Presidente da República pelo Ministro da Fazenda, acompanhado de minuciosas exposições; Encaminhamento à Câmara dos Deputados, após aprovação definitiva do Presidente da República. Tratava-se de um orçamento clássico, em que não existiam metas bem definidas e as projeções de gastos são estabelecidas considerando-se os orçamentos dos anos anteriores, ou seja, se baseia em dados históricos. Até 1940, as iniciativas relativas à política orçamentária permaneceram nas mãos do Ministério da Fazenda. Nesse ano, a situação foi contornada com a criação, no interior daquele ministério, da Comissão de Orçamento, cuja presidência passava a ser acumulada pelo presidente do DASP. Somente no princípio de 1945 o DASP assumiu CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA TRIBUNAIS PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 13 plenamente a responsabilidade pela elaboração da proposta do orçamento federal, com a consequente extinção da comissão do Ministério da Fazenda. A década de 1930, período pós Crise de 1929, assistiu ao abandono do liberalismo e de aumento do intervencionismo em todo o mundo, inclusive no Brasil. Contudo, enquanto na maioria dos países, como nos Estados Unidos e na Europa, significava um mecanismo de defesa contra a depressão, no Brasil, o intervencionismo estatal representou uma forma de levar adiante uma estratégia nacional de desenvolvimento. Erapreciso aumentar o tamanho do Estado, sua participação na economia. Assim, entre 1930 e 1945 houve um aumento da Administração Direta considerável e um exemplo deste fato foi o surgimento de três Ministérios: de Educação e Saúde, de 1930, do Trabalho, Indústria e Comércio, de 1931 e da Aeronáutica, de 1941. No entanto, também houve a criação de agências estatais descentralizadas, o que chamamos hoje de administração indireta. A maior parte destas agências foi criada para a área econômica. Bresser Pereira observa que: Já em 1938, temos um primeiro sinal da administração pública gerencial, com a criação da primeira autarquia, a partir da ideia de descentralização na prestação de serviços públicos para a administração indireta, que estaria liberada de obedecer a certos requisitos burocráticos da administração direta. Assim, a burocracia pública teria ainda, no primeiro governo Vargas, um papel importante ao participar da criação das primeiras empresas de economia mista que teriam um papel decisivo no desenvolvimento do país. O país passava agora a contar com dois tipos de burocracia pública moderna: a burocracia de Estado e a burocracia das empresas estatais – dois grupos que teriam entre si seus conflitos, mas que seriam principalmente solidários na busca, de um lado, de maior poder e prestígio, e, de outro, de êxito no projeto de desenvolvimento nacional em curso. O ambiente cultural encontrado pela reforma modernizadora pretendida com a criação do DASP foi o mais adverso possível, corroído e dominado por práticas patrimonialistas amplamente arraigadas. Para se proteger deste patrimonialismo, o DASP nasceu como uma instituição insulada, que deveria contrapor-se à lógica do clientelismo e o personalismo no serviço público e na administração do estado brasileiro. Já vimos o conceito de insulamento burocrático, que corresponde ao isolamento das entidades burocráticas, que deixam de ouvir os políticos e a sociedade e trabalham de forma auto-referida. No entanto, com o crescimento do poder, o DASP passou a ser usado como um instrumento político na tarefa de garantir a sustentação do poder ditatorial de Vargas. O CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA TRIBUNAIS PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 14 DASP passou a apresentar um alto grau de engolfamento social, que pode ser entendido como a influência externa exercida pela instituição. Segundo Edson Nunes: O DASP era um organismo paradoxal, porque combinava insulamento burocrático com tentativas de institucionalização do universalismo de procedimentos. Criado para racionalizar a administração pública e o serviço público, o departamento preocupava-se com o universalismo de procedimentos em assuntos relacionados com a contratação e a promoção dos funcionários públicos. Nesse aspecto o DASP representava a fração moderna dos administradores profissionais, das classes médias e dos militares, tornando-se um agente crucial para a modernização da administração pública. Embora jamais tenha completado sua missão, o DASP deu inúmeros passos positivos para a modernização do aparelho de Estado e para a reforma administrativa. Mas o DASP possuía uma outra face: o papel de conceber e analisar criticamente o regime autoritário. Como tal, implementou o insulamento burocrático e desempenhou várias funções antagônicas ao universalismo de procedimentos que ele próprio defendia, como agente de modernização. O insulamento burocrático esteve presente em toda a evolução da nossa administração pública. Veremos que o mesmo ocorreu no governo JK e na Ditadura de 1964. Ao longo do Estado Novo, o DASP foi ganhando cada vez mais funções e poder, o que resultou na sua hipertrofia no contexto do Estado, extrapolando a função de órgão central da administração, assumindo características de agência central de governo com poderes legislativos, que abrigaria, de fato, a infraestrutura decisória do regime do Estado Novo. Falei acima em hipertrofia. Muitos alunos confundem este termo com diminuição, pois o associam com o termo atrofia. Mas tomem cuidado, porque ele significa justamente o inverso. “Trofia” significa “ação de alimentar”, representa o desenvolvimento de um corpo, órgão, tecido ou membro. O prefixo “a”, antes de trofia, significa negação, ou seja, um não crescimento. Já o prefixo “hiper” significa “superiormente, muito, demais, para lá de”, ou seja, trata-se de um crescimento desordenado, exagerado. Foi isso que aconteceu com o DASP. Ele cresceu demais e se distanciou da sua missão mais importante, que era modernizar a administração pública brasileira. O DASP só veio a ser extinto em 1986, com o Decreto 93.211, que criou a Secretaria de CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA TRIBUNAIS PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 15 Administração Pública. Contudo, com a saída de Getúlio em 1945, o DASP perdeu grande parte de suas atribuições. O fim do Estado Novo em 1945 permitiu que houvesse um retorno dos velhos componentes patrimonialistas e clientelistas. A reforma de 1936 havia sido imposta de cima para baixo, contrariando muitos interesses. Vargas foi deposto em outubro de 1945, fazendo com que faltasse à Reforma Burocrática o respaldo que o regime autoritário lhe conferia. Vimos que a burocracia se desenvolve em virtude do capitalismo e da democracia, que precisavam de uma administração racional. No Brasil, o capitalismo foi o propulsor da burocracia, mas a democracia não. Ela foi implantada por um governo autoritário. Na realidade, no Brasil, a democracia sempre caminhou em sentido contrário à burocracia. Segundo Humberto Falcão Martins: Sobretudo, dada a peculiaridade do nosso processo histórico de construção nacional, a construção da ordem burocrática se chocou com a construção da ordem democrática. Só conseguimos fortalecer de forma mais significativa o universalismo de procedimentos e a capacidade de realização da burocracia governamental em regimes autoritários, ao arrepio da democracia. Tanto em 1945, com a saída de Vargas e o fim do Estado Novo, quanto em 1985, com o fim da ditadura, o retorno da democracia foi marcado por uma acentuação das práticas patrimonialistas. Por um lado a redemocratização permitiu que Administração ficasse mais responsável perante o Congresso Nacional. Por outro, os mesmos instrumentos foram distorcidos e utilizados para fins clientelistas. Nos cinco anos seguintes a queda de Vargas, a reforma administrativa seria conduzida como uma ação governamental rotineira e sem importância, enquanto práticas clientelistas ganhavam novo alento dentro do Estado brasileiro. O retorno de Vargas ao governo por meio de eleições em 1951 permitiu uma reação da burocracia a este retorno do clientelismo. Com a volta de Vargas ao poder (1951-54), inicia-se uma fase de “novas tentativas de retomada do ímpeto inicial”. Dentro desta reação ocorreu a promulgação da Lei nº 1.711 de 1951, que trazia o segundo “Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União”. Tal estatuto passou a reger o trabalho no setor público e o concurso público, mais uma vez, tornou-se a regra geral de admissão. Ele veio a ser revogado apenas pela Lei 8.112 de 1990, que dispõe do regime jurídico dos servidores civis da União. As forças que atuavam contra o prosseguimento da reforma burocrática não eram mais apenas as do patrimonialismo e do clientelismo, mas também as forças comprometidas CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA TRIBUNAIS PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 16 com o desenvolvimento econômico, que já estavam presentes no próprio governo Vargas, teriam continuidade com Kubitschek (1956-60) e se reorganizariam no regime militar (1964-84), uma vez que elas viam o formalismoburocrático como incompatível com as necessidades do país. 1.3 GOVERNO JK E A ADMINISTRAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO Juscelino Kubitschek tomou posse em 1956 e tentou implantar no Brasil a “Administração para o Desenvolvimento”, consubstanciada no Plano de Metas. A administração para o desenvolvimento foi um conjunto de ideias que surgiu a partir da década de 1950 que buscava discutir os meios administrativos necessários para alcançar as metas do desenvolvimento político, econômico e social. Defendia que era necessário reformar o sistema administrativo para transformá-lo em instrumento de modernização da sociedade. A ideia básica é a de que a administração pública deve adaptar-se às tarefas estatais com o propósito de servir eficientemente o desenvolvimento do país. Outro princípio desta corrente era a necessidade de planejar o desenvolvimento, visando estabelecer prioridades de investimento de recursos escassos para utilizá-los da melhor forma possível. Assim, a ação do governo deveria estar intimamente relacionada com o planejamento. Segundo Humberto Falcão Martins: A velha Administração para o Desenvolvimento se baseava em uma ideia nacionalista, xenófoba e autóctone de desenvolvimento a partir da qual se buscava a independência econômica da nação. Dicotomizava desenvolvimento econômico (primordialmente relacionado à industrialização e crescimento do produto interno bruto) e desenvolvimento social (associado à distribuição da renda). O modelo preconizava um crescimento centralizado, com ênfase na composição das indústrias nacionais. Considerava o Estado como grande motriz do desenvolvimento, mas atuando como produtor direto inclusive de bens privados. JK adotou a administração para o desenvolvimento, que foi mantida pela Ditadura. No entanto, temos que ter em mente que JK não se inseria neste aspecto de aversão ao capital internacional. Ele atraiu para o país grandes empresas, como as montadoras de automóveis Ford, Volkswagen, Willys e General Motors. CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA TRIBUNAIS PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 17 A aplicação da administração para o desenvolvimento no Brasil resultou, tanto no governo de JK quanto na ditadura, no crescimento (inclusive desordenado, hipertrofia) da administração indireta. Como se defendia a adequação da administração pública às necessidades desenvolvimentistas do país, eram necessárias estruturas administrativas mais flexíveis do que a rigidez do modelo burocrático implantado pelo DASP. Durante a primeira reunião de seu ministério, realizada no dia 1º de fevereiro de 1956, Juscelino expôs seu plano de governo por meio do Programa de Metas e instituiu o Conselho de Desenvolvimento, órgão controlador da economia, diretamente subordinado à Presidência, designando para integrá-lo os ministros de Estado, os chefes dos gabinetes Civil e Militar e os presidentes do Banco do Brasil (BB) e do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico (BNDE). A criação do Conselho foi a primeira medida tomada no contexto da reorganização administrativa voltada para a preparação e a implementação do Programa de Metas. Sua atuação se dava através dos grupos executivos, que funcionavam como braços do Conselho. Quando, JK decide por um ambicioso Programa de Metas que, principalmente por meio da indústria automobilística, completará a Revolução Industrial brasileira iniciada por Vargas, um obstáculo se coloca a sua frente: a rigidez de nossa burocracia que o DASP havia instituído. O governo JK diagnosticou a incompatibilidade entre a estrutura burocrática vigente e o novo projeto nacional. Além da sobrevivência de valores tradicionais no núcleo da burocracia, a implementação do Programa de Metas exigia estruturas flexíveis, não burocráticas e uma capacidade de coordenação dos esforços de planejamento. JK não era uma pessoa que “batia de frente”, ele tinha a tendência a evitar conflitos, a te mesmo por causa da falta de apoio político em alguns setores. JK raramente tentara abolir ou alterar radicalmente as instituições administrativas existentes. Preferiu uma atitude mais prática, como a de criar um novo órgão para solucionar um novo problema. A estratégia de JK direciona-se então para as estruturas “paralelas”, dotadas de maior autonomia. Esta dicotomia entre dois setores da burocracia – estatutário e “paralelo – já vinha de antes. Como vimos acima, em 1938 temos a criação da primeira autarquia, dentro da ideia de que deveriam haver estruturas com maior autonomia e flexibilidade voltadas para a prestação de determinado serviço. Foi dentro dessa lógica que se estruturaram as empresas públicas e a aplicação do desenvolvimentismo no Brasil. Assim, se por um lado, a administração pública brasileira progredia, estimando-se que o número de servidores selecionados segundo o mérito tenha subido de 4% em 1943 para 9% em 1952, o grande desenvolvimento da burocracia brasileira estava CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA TRIBUNAIS PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 18 realizando-se paralelamente, por meio das empresas estatais, de organizações como a FGV ou autarquias como o BNDES. A via paralela revela-se mais flexível e mais rápida. Ganha vulto a “aurtarquização” de órgãos da administração direta, mediante a criação de várias autarquias e sociedades de economia mista, mecanismos mais ágeis e flexíveis. A administração do Plano de Metas de JK foi executada, em grande parte, fora dos órgãos administrativos convencionais. Considerando-se os setores essenciais do plano de desenvolvimento (energia, transportes, alimentação, indústrias de base e educação), apenas 5,1% dos recursos previstos foram alocados na administração direta. Dentro desta lógica da administração paralela, era necessária uma coordenação dos esforços de planejamento. Esta coordenação política das ações se fazia através de grupos executivos nomeados diretamente pelo Presidente da República. Eles funcionavam como braços do Conselho de Desenvolvimento e formulavam as políticas públicas para determinados setores da economia. São exemplos o Grupo Executivo da Indústria Automobilística (GEIA) e o Grupo Executivo da Indústria de Construção Naval (Geicon). Empregava-se nessas estruturas paralelas uma burocracia pública não estatutária, mas competente, recrutada segundo critérios de mérito. Segundo Bresser, “é a burocracia gerencial que está surgindo, nem mal havia-se formalizado a weberiana”. Segundo Celso Lafer: Os auxiliares diretos de Kubitschek para a implementação do Programa de Metas eram todos técnicos de alto nível, experimentados não apenas nas tentativas anteriores de planejamento como também em cargos políticos relevantes. Destacam-se, entre eles, Lúcio Meira, Lucas Lopes, Roberto Campos, e, mais adiante, já para criar a Sudene, Celso Furtado. Os grupos executivos, na sua maioria, eram ocupados por pessoas ligadas aos grupos multinacionais (empresários com qualificação profissional, oficiais militares), juntamente com a burocracia “gerencial”, que iriam pensar a implementação do Plano de Metas. Faziam parte também dos grupos executivos representantes dos órgãos responsáveis pela concessão de subsídio. O objetivo era facilitar o acesso da indústria aos recursos governamentais. Foi formada uma administração paralela que coexistia com o Executivo formal e permitia que os interesses multinacionais ignorassem os canais tradicionais de formação de decisão, contornando assim as estruturas de representação do regime populista. CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA TRIBUNAIS PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 19 Por confrontar o modelo do DASP, dos órgãos de uma administração direta burocrática,e por JK não ter apoio de muitos setores, essas entidades paralelas tiveram que se isolar, constituindo mais um caso de insulamento. Como eram entidades bastante qualificadas, em virtude de seus quadros serem trazidos da iniciativa privada, elas passaram a ser classificadas como “ilhas de excelência”. Com o tempo, o governo JK foi perdendo poder, fazendo com que essas estruturas paralelas perdessem sua proteção. O resultado foi a sua absorção pela administração direta, pela administração burocrática. Isso já foi cobrado pelo CESPE: 2. (CESPE/MCT/2004) O principal mecanismo de implementação do desenvolvimentismo do período JK foram os grupos executivos que, embora constituíssem estruturas ad hoc dotadas de grande flexibilidade, acabaram sendo posteriormente engolfadas pela burocracia governamental. A expressão “ad hoc” significa “destinado a essa finalidade, designado, nomeado para executar determinada tarefa”. Podemos entender então que os grupos executivos foram criados com uma finalidade específica; isso é correto, uma vez que eles eram utilizados como instrumentos de formulação de políticas de forma paralela para determinados setores. Eram dotados de grande flexibilidade e acabaram sendo posteriormente “engolfados” pela administração direta. Questão CERTA. Contudo, apesar desta incorporação das estruturas paralelas à burocracia governamental, instalara-se em diversos setores da administração a convicção de que a utilização dos princípios rígidos da administração pública burocrática constituía-se em um empecilho ao desenvolvimento do país. Como o país apresentava um desenvolvimento econômico acelerado, permitia que as soluções encontradas para contornar o problema conseguissem empurrar o problema com a barriga. No momento, entretanto, em que a crise se desencadeia, no início dos anos 60, a questão retorna. O Presidente João Goulart nomeou, em 1963, o deputado nomeou o Deputado Federal Amaral Peixoto como Ministro Extraordinário para a Reforma Administrativa, com a incumbência de dirigir diversos grupos de estudos, encarregados da formulação de projetos de reforma. A Comissão Amaral Peixoto apresentou, ao final de 1963, quatro projetos importantes, tendo em vista uma reorganização ampla e geral da estrutura e das atividades do governo. Contudo, com o início da ditadura, o governo Castello Branco retirou do Congresso todos os projetos de Goulart, inclusive estes da Comissão. CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA TRIBUNAIS PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 20 Apesar disso, as bases para uma reforma ampla da administração pública estavam lançadas, e o governo militar iria seguir o direcionamento da Comissão na reforma do Decreto-Lei 200 de 1967. A importância da Comissão Amaral Peixoto não decorre nem de sua produção imediata nem da implementação de medidas específicas, que, na verdade, não houve. Decorreram dos diagnósticos propostas e medidas idealizadas que passaram, desde então, a fazer parte do acervo científico-administrativo brasileiro. A partir daquele momento esse acervo é, com frequência, utilizado pelos governantes e, pelo menos em parte, posto em prática. Os dois principais projetos da Comissão foram a Lei Orgânica do Sistema Administrativo Federal e o projeto referente ao Conselho de Defesa do Sistema de Mérito. O primeiro defende a utilização de uma série de instrumentos de gestão que, posteriormente, foram incorporadas ao Decreto-lei 200, sobretudo aqueles referentes à descentralização e à flexibilização via administração indireta. Outra medida importante do governo João Goulart, principalmente para o pessoal que quer passar no concurso do MPOG, é a criação, em 1962, do cargo de Ministro Extraordinário responsável pelo Planejamento do país, ocupado por Celso Furtado, então o primeiro Ministro do Planejamento. Antes, só existia na estrutura governamental o Conselho de Desenvolvimento, que detinha atribuições de coordenação e planejamento da política econômica, que passou a ser subordinado ao Ministério recém-criado. 1.4 DECRETO-LEI N° 200 DE 1967 Ainda em 1964 o governo militar cria a Comissão Especial de Estudos da Reforma Administrativa (Comestra), tendo Hélio Beltrão como seu presidente e principal inspirador das inovações. A administração para o desenvolvimento, adotada por JK, continuará na Ditadura, tanto Essa reforma ficou conhecida “reforma desenvolvimentista”porque ela foi realizada no quadro do nacional-desenvolvimentismo, quando todos os esforços do país voltavam a centrar-se na industrialização depois da crise da primeira metade dos anos 1960, e porque vinha, de alguma forma, chancelar e dar mais coerência à experiência de descentralização e de montagem de uma administração paralela que caracterizara esse desenvolvimento no plano administrativo. Segundo Bresser: Duas ideias são centrais: a distinção entre a administração direta e indireta e, nesta, a criação de fundações públicas que passam a CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA TRIBUNAIS PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 21 poder contratar empregados regidos pela legislação aplicada às empresas privadas. Vamos ver uma questão do CESPE. 3. (CESPE/TCE-AC/2008) A reforma iniciada pelo Decreto n.º 200/1967 foi uma tentativa de superação da rigidez burocrática, e pode ser considerada como o começo da administração gerencial no Brasil. Esta questão foi tirada do texto de Bresser Pereira, segundo o qual: Em síntese o Decreto-Lei 200 foi uma tentativa de superação da rigidez burocrática, podendo ser considerado como um primeiro momento da administração gerencial no Brasil. A questão é CERTA, já que é cópia do texto do Bresser. O objetivo da reforma era substituir o modelo burocrático por um mais flexível, até mesmo antecipando muito do que viria com o NPM. Vejam o que diz o Bresser Pereira: Reconhecendo que as formas burocráticas rígidas constituíam um obstáculo ao desenvolvimento quase tão grande quanto as distorções patrimonialistas e populistas, a reforma procurou substituir a administração pública burocrática por uma “administração para o desenvolvimento”: distinguiu com clareza a administração direta da administração indireta, garantiu-se às autarquias e fundações deste segundo setor, e também às empresas estatais, uma autonomia de gestão muito maior do que possuíam anteriormente, fortaleceu e flexibilizou o sistema do mérito, tornou menos burocrático o sistema de compras do Estado. A reforma tinha um caráter nitidamente descentralizador e buscava modernizar a administração pública através da utilização de instrumentos gerenciais de gestão utilizados pela iniciativa privada. Além de normatizar e padronizar procedimentos na área de pessoal, compras governamentais e execução orçamentária (o mesmo tripé da implantação da administração burocrática no governo Vargas), o decreto estabelece cinco princípios fundamentais que irão estruturar a administração pública: Planejamento, Descentralização, Delegação de autoridade, CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA TRIBUNAIS PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 22 Coordenação e Controle; Segundo o DL 200: Art. 7º A ação governamental obedecerá a planejamento que vise a promover o desenvolvimento econômico-social do País e a segurança nacional, norteando-se segundo planos e programas elaborados, na forma do Título III, e compreenderá a elaboração e atualização dos seguintes instrumentos básicos: a) plano geral de govêrno; b) programas gerais, setoriais e regionais, de duração plurianual; c) orçamento-programa anual; d) programação financeira de desembôlso. O princípio do planejamento, que determina que sejam elaboradoso plano geral de governo, programas gerais, setoriais e regionais de duração plurianual, o orçamento- programa anual e, por fim, a programação financeira de desembolso. Art. 8º As atividades da Administração Federal e, especialmente, a execução dos planos e programas de govêrno, serão objeto de permanente coordenação. § 1º A coordenação será exercida em todos os níveis da administração, mediante a atuação das chefias individuais, a realização sistemática de reuniões com a participação das chefias subordinadas e a instituição e funcionamento de comissões de coordenação em cada nível administrativo. O princípio da coordenação buscava integrar os diversos ministérios e as atividades que se relacionam com determinado projeto. No nível superior, a coordenação seria assegurada com reuniões do Ministério, reuniões de Ministros de Estado responsáveis por áreas afins, atribuição de incumbência coordenadora a um dos Ministros de Estado, funcionamento das Secretarias Gerais e coordenação central dos sistemas de atividades auxiliares. O princípio da descentralização seria implantado em três aspectos: Art. 10. A execução das atividades da Administração Federal deverá ser amplamente descentralizada. CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA TRIBUNAIS PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 23 § 1º A descentralização será posta em prática em três planos principais: a) dentro dos quadros da Administração Federal, distinguindo-se claramente o nível de direção do de execução; b) da Administração Federal para a das unidades federadas, quando estejam devidamente aparelhadas e mediante convênio; c) da Administração Federal para a órbita privada, mediante contratos ou concessões. Neste último aspecto, como o setor privado não estava preparado para receber muitas das incumbências do Estado, o resultado foi o crescimento da administração indireta. Não devemos confundir esta descentralização administrativa com a centralização política que ocorreu nas mãos do governo federal. Se por uma lado houve uma grande descentralização para a administração indireta, não houve nenhuma descentralização política, pelo contrário, ocorreu uma grande centralização. Um exemplo é a edição do Ato Institucional N.º 8, de abril de 1969, que determinou a implantação pelos governos estaduais, municipais e do Distrito Federal, de reformas administrativas pautadas nos mesmos princípios estabelecidos para a reforma já dinamizada no Executivo federal. Art. 11. A delegação de competência será utilizada como instrumento de descentralização administrativa, com o objetivo de assegurar maior rapidez e objetividade às decisões, situando-as na proximidade dos fatos, pessoas ou problemas a atender. A delegação de competências tinha como objetivo aproximar os tomadores de decisão das situações que ensejam uma deliberação do poder público, liberando a direção para as tarefas de controle, formulação e normatização. Art. 13 O contrôle das atividades da Administração Federal deverá exercer-se em todos os níveis e em todos os órgãos, compreendendo, particularmente: a) o contrôle, pela chefia competente, da execução dos programas e da observância das normas que governam a atividade específica do órgão controlado; b) o contrôle, pelos órgãos próprios de cada sistema, da observância das normas gerais que regulam o exercício das atividades auxiliares; c) o contrôle da aplicação dos dinheiros públicos e da guarda dos bens da União pelos órgãos próprios do sistema de contabilidade e auditoria. CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA TRIBUNAIS PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 24 Art. 14. O trabalho administrativo será racionalizado mediante simplificação de processos e supressão de contrôles que se evidenciarem como puramente formais ou cujo custo seja evidentemente superior ao risco. Por fim, o controle seria exercido pelas chefias e órgãos responsáveis em todos os níveis e repartições da administração pública, sendo facilitado pela busca da simplificação dos processos e pelo abandono dos controles que se mostrem puramente formais. Com relação à administração indireta fica estabelecida a necessidade de supervisão ministerial. Segundo Bresser Pereira: O aspecto mais marcante da Reforma Desenvolvimentista de 1967 foi a desconcentração para a administração indireta, particularmente para as fundações de direito privado criadas pelo Estado, as empresas públicas e as empresas de economia mista, além das autarquias, que já existiam desde 1938. Bresser fala em “desconcentração para a administração indireta”, mas o correto seria “descentralização”. O Estado brasileiro passou a ser representado por quatro pilares básicos: Administração Direta, Autarquias, Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista. Daí decorre a distinção entre administração direta e indireta, prevalecente até os nossos dias. A primeira é integrada pelos ministérios e órgãos da Presidência da República, inclusive os autônomos; a segunda, pelas autarquias, empresas públicas e sociedades de economia mista. Posteriormente, as fundações (que não pertenciam nem à administração direta, nem à indireta) foram incluídas na administração indireta, por força do que dispôs a Lei 7.596/87. A estratégia de descentralização do governo autoritário possuía semelhança com a criação da administração paralela de JK. A criação e expansão da administração indireta foi uma tentativa de escapar dos órgãos centralizados para que se instalassem novos princípios de uma nova onda de eficiência no setor público, evitando-se, deste modo, o enfrentamento de conflitos advindos de um possível reforma do sistema central. As entidades da administração indireta foram dotadas de elevado grau de autonomia. Novamente aqui ocorrerá o crescimento desordenado, a hipertrofia da administração indireta, o que tornaria virtualmente impossível a retomada do controle governamental, quer mediante o regime de supervisão ministerial, quer mediante a instituição de mecanismos de controle econômico-financeiro atrelados ao planejamento ao às políticas sucessivas de ajuste macroeconômico. CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA TRIBUNAIS PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 25 Como consequência, empresas estatais e outras entidades dispunham de ampla autonomia para realização de vultosos investimentos em projetos de infraestrutura econômica mediante parcerias com a iniciativa privada, bem como para o estabelecimento de sistemas de seguridade e remuneração segundo seus próprios critérios. Na questão que vimos acima, pode-se observar que Bresser Pereira deixa claro que o DL 200 foi uma “tentativa” de superação da burocracia. Isto porque a reforma teve duas consequências inesperadas e indesejáveis. De um lado, ao permitir a contratação de empregados sem concurso público, facilitou a sobrevivência de práticas clientelistas ou fisiológicas. De outro lado, ao não se preocupar com mudanças no âmbito da administração direta ou central, que foi vista pejorativamente como “burocrática” ou rígida, deixou de realizar concursos e de desenvolver carreiras de altos administradores. O foco da reforma do DL 200 foi a concessão de maior autonomia e flexibilidade para a administração indireta. No entanto, a administração direta continuou rígida, nos moldes da administração burocrática. Segundo o Plano Diretor da reforma do Aparelho do Estado: As reformas operadas pelo Decreto-Lei nº 200/67 não desencadearam mudanças no âmbito da administração burocrática central, permitindo a coexistência de núcleos de eficiência e competência na administração indireta e formas arcaicas e ineficientes no plano da administração direta ou central.O núcleo burocrático foi, na verdade, enfraquecido indevidamente através de uma estratégia oportunista do regime militar, que não desenvolveu carreiras de administradores públicos de alto nível, preferindo, ao invés, contratar os escalões superiores da administração através das empresas estatais. A estratégia de descentralização adotada pela reforma de 1967, predominantemente identificada com a criação da administração indireta, decorreu a expansão da intervenção estatal. Esta expansão, sobretudo no setor econômico, requereu a adoção de padrões de mercado concorrendo para a seleção e recrutamento de pessoal dotado de habilidades específicas e, deste modo, ajudando a consolidar um segmento de tecnocratas de importância estratégica no âmbito da administração descentralizada. Segundo o Decreto-Lei 200: Art. 124. O pessoal técnico especializado destinado a funções de assessoramento superior da Administração Civil será recrutado no setor público e no setor privado, selecionado segundo critérios específicos, submetido a contínuo treinamento e aperfeiçoamento que assegurem o conhecimento e utilização das técnicas e instrumentos CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA TRIBUNAIS PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 26 modernos de administração, e ficará sujeito ao regime da Legislação Trabalhista. Deste modo, a tecnocracia moderna passou a coexistir com a forma tradicional da burocracia central. Esse padrão perdurou até os anos 90. 1.5 PROGRAMA NACIONAL DE DESBUROCRATIZAÇÃO A emergência do processo de abertura política no final da década de 70 foi acompanhada da mobilização de segmentos fortes do setor privado contrários à centralização burocrática que, apesar da ênfase na administração indireta, se acentuou na sequencia dos governos autoritários. Por força dessas pressões, em 1979, durante o governo do Presidente Figueiredo tenta dar uma resposta para a sociedade. Segundo Bresser: Apesar de todos os avanços em termos de flexibilização, o núcleo estratégico do Estado foi, na verdade, enfraquecido indevidamente através da estratégia oportunista ou ad hoc do regime militar de contratar os escalões superiores da administração através das empresas estatais. Desta maneira, a reforma administrativa prevista no DL 200 ficou prejudicada, especialmente pelo seu pragmatismo. Faltavam-lhe alguns elementos essenciais para que houvesse se transformado em uma reforma gerencial do Estado brasileiro, como a clara distinção entre as atividades exclusivas de estado e as não- exclusivas, o uso sistemático do planejamento estratégico ao nível de cada organização e seu controle através de contratos de gestão e de competição administrada. Faltava-lhe também uma clara definição da importância de fortalecer o núcleo estratégico do Estado. De 1979 a 1982 a administração pública federal, embora enfrentando problemas crônicos, abre duas novas frentes de atuação: a desburocratização e a desestatização. No início dos anos 80 registrou-se uma nova tentativa de reformar a burocracia e orientá-la na direção da administração pública gerencial, com a criação do Ministério da Desburocratização e do Programa Nacional de Desburocratização (PrND), cujos objetivos eram a revitalização e agilização das organizações do Estado, a descentralização da autoridade, a melhoria e simplificação dos processos administrativos e a promoção da eficiência. Hélio Beltrão, que havia participado ativamente da Reforma Desenvolvimentista de 1967, volta à cena, agora na chefia do Ministério da Desburocratização. Beltrão critica, CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA TRIBUNAIS PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 27 mais uma vez, a centralização do poder, o formalismo do processo administrativo e a desconfiança que estava por trás do excesso de regulamentação burocrática. Segundo Beltrão: “Na porta do cemitério, o atestado de óbito tem mais valor que o defunto”. Beltrão propõe uma administração pública voltada para o cidadão. Seu Programa Nacional de Desburocratização foi por ele definido como uma proposta política visando, pela administração pública, a “retirar o usuário da condição colonial de súdito para investi-lo na de cidadão, destinatário de toda a atividade do Estado”. Portanto, a importância da criação do Ministério é grande, na medida em que busca ressaltar que o contribuinte não é um súdito do Estado, mas um cliente com direito a uma boa prestação de serviços públicos. Tânia Keinert afirma que a Administração Pública no Brasil passou por dois paradigmas. De 1937 a 1979 o paradigma era o do “Público como estatal”. Era uma visão centrada no aparelho do Estado de maneira unilateral, numa situação de inexistência ou negação da sociedade civil. A partir de 1979, com a crise do Estado, é que as atenções se voltam para a sociedade e o público passa a ser entendido como “interesse público”. As ações do PrND voltaram-se inicialmente para o combate à burocratização dos procedimentos. Posteriormente, foram dirigidas para o desenvolvimento do Programa Nacional de Desestatização, num esforço para conter os excessos da expansão da administração descentralizada, estimulada pelo DL 200. A criação do Ministério da Desburocratização pode ser considerada com um dos raros movimentos de modernização do regime militar direcionados para a administração direta. O PrND, juntamente com mudanças promovidas pela área econômica do governo, fez parte dos esforços de reforma para recuperação da credibilidade do regime autoritário. Havia muitas críticas à autonomia excessiva da administração indireta e possíveis práticas de corrupção. Neste contexto, ressalta-se como relevante a criação, em maio de 1979, da Secretaria de Controle das Empresas Estatais (SEST), que efetivou o rompimento com a natureza empreendedora, autônoma e descentralizadora das estatais promovida pela reforma de 1967. Portanto, podemos afirmar que esta nova reforma de 1979 apresentava três principais linhas: Desburocratização da administração direta; Desestatização: papel suplementar do Estado no campo da iniciativa privada CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA TRIBUNAIS PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 28 Maior controle das empresas estatais. 1.6 RETROCESSO BUROCRÁTICO NA CF/88 Com a redemocratização do país em 1985, o governo da transição democrática assumiu tendo sob seu comando uma burocracia estruturada sob bases autoritárias e forte intervencionismo econômico e social. A reforma administrativa foi incluída na agenda das reformas a serem promovidas pelo governo para o restabelecimento da nova ordem democrática. No entanto, embora representasse uma grande vitória da sociedade, a redemocratização do país trouxe consigo o loteamento dos cargos públicos. Segundo Bresser Pereira: da administração indireta e das delegacias dos ministérios nos Estados para os políticos dos partidos vitoriosos. Um novo populismo patrimonialista surgia no país. Segundo Humberto Falcão Martins: Os desafios de resgatar a capacidade da burocracia pública em formular e implementar políticas sociais e direcionar a administração pública para a democracia foram sobrepostos pelo imperativo em tornar a administração pública um instrumento de governabilidade, loteando áreas e cargos em busca do apoio político necessário à superação das dificuldades da instabilidade política da transição. O processo de expansão da administração indireta decorrente da descentralização implementada pelo Decreto-Lei 200/67 fora diagnosticado como danoso ao Estado, que teria perdido o controle operacional da máquina pública por excesso de flexibilidade administrativa. A autonomia da administração indireta foi considerada excessivae responsável pelo enfraquecimento dos mecanismos de controle administrativo. Deste modo, em 1986, o governo Sarney constituiu grupo de estudo para reforma administrativa federal, tendo como objetivo central o fortalecimento da administração direta, por meio do restabelecimento de mecanismos de controle burocrático. Extinto o DASP em 1986, o governo Sarney criou, no mesmo ano, a Secretaria de Administração Pública da Presidência da República (Sedap), diretamente ligada ao Presidente e que ficou encarregada dos esforços de modernização e racionalização da administração pública federal. Foi criada a carreira de gestor governamental, o órgão de treinamento do governo federal, a FUNCEP, foi transformado na Escola Nacional de Administração Pública (ENAP) e foi criado o Cadastro Nacional do Pessoal Civil, precursor do atual SIAPE. CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA TRIBUNAIS PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 29 Como reação ao loteamento de cargos após a redemocratização e por considerar que o excesso de flexibilização concedido à administração indireta era uma das causas da crise do Estado, a Constituição de 1988 dá um passo atrás na caminhada rumo à administração gerencial, representando um retrocesso, já que traz de volta a rigidez burocrática. O regime militar ao invés de consolidar uma burocracia profissional no país, através da redefinição das carreiras e de um processo sistemático de abertura de concursos públicos para a alta administração, preferiu o caminho mais curto do recrutamento de administradores através das empresas estatais. Com a CF/88, se salta para o extremo oposto e a administração pública brasileira passa a sofrer do enrijecimento burocrático extremo. Segundo Bresser Pereira: A Constituição irá sacramentar os princípios de uma administração pública arcaica, burocrática ao extremo. Uma administração pública altamente centralizada, hierárquica e rígida, em que toda a prioridade será dada à administração direta ao invés da indireta. Em primeiro lugar, há uma forte tendência em fortalecer a administração direta pela extensão das mesmas regras previstas e estipuladas na Constituição para todos os ramos da administração, inclusive e principalmente para a administração indireta, que perde boa parte de sua agilidade e autonomia, principalmente em duas áreas: na gestão de pessoas e nos procedimentos de compras públicas. Vamos ver uma questão do CESPE: 4. (CESPE/IBAMA/2003) A Constituição de 1988 acertou ao subordinar os entes descentralizados às mesmas regras de controle formal da administração central, visto que nesses os níveis de corrupção são historicamente mais elevados. O termo “acertou” é bastante opinativo. A questão é ERRADA porque as bancas seguem a linha do Bresser Pereira, entendendo que foi um erro a CF/88 subordinar a administração indireta às mesmas regras da direta. Estas entidades da administração indireta são criadas justamente para dar maior flexibilidade e autonomia à gestão dos serviços públicos. No que se refere à gestão de pessoas, a administração indireta foi obrigada a adotar integralmente todos os procedimentos que regem a realização dos concursos públicos, perdendo sua liberdade de contratar e demitir que o regime celetista anteriormente utilizado propiciava, instaurando o “regime jurídico único”. CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA TRIBUNAIS PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 30 Quanto às compras públicas, o processo licitatório instituído pela Lei 8.666/93 deverá também ser observado por toda a administração indireta, apesar de algumas exceções concedidas às sociedades de economia mista e empresas públicas. Apesar deste retrocesso, a CF/88 também trouxe coisas boas, uma delas foi a descentralização política. Vamos dar uma olhada em uma questão do CESPE. 5. (CESPE/TCU/2008) A estruturação da máquina administrativa no Brasil reflete a forte tradição municipalista do país, cujo ímpeto descentralizante se manifesta, na Constituição de 1988, reforçado pela longa duração do período transcorrido entre 1964 e 1985, marcadamente caracterizado pela associação entre autoritarismo e centralização. Não acho correto afirmar que o país tenha uma forte tradição municipalista, mas a questão é CERTA. Na realidade, ao longo de nossa história se alternaram períodos de descentralização, como na Constituição de 1891, a redemocratização em 1945 e em 1988; com outros de centralização, como o Estado Novo e a Ditadura de 1964. No entanto, segundo o Plano Diretor: Visando maior racionalização no uso de recursos, a Constituição de 1988 assegurou como princípio administrativo a descentralização da execução dos serviços sociais e de infraestrutura, bem como dos recursos orçamentários para os estados e municípios. Consequentemente, estes últimos aumentaram sua participação na repartição da carga tributária. Entretanto, os avanços no sentido de conceder maior autonomia na execução de serviços e de favorecer as unidades subnacionais caminham lentamente, menos por falta de definição legal do problema, e mais pela crença arraigada na cultura política brasileira de que cabe à União promover diretamente o desenvolvimento social do país. Esta crença está em contradição com a profunda tradição municipalista brasileira, que vem do período colonial, e aos poucos vai sendo abandonada, à medida em que os municípios, melhor dotados de recursos financeiros, vêm assumindo crescentes responsabilidades na área social. Assim, a CF/88 representou um movimento contrário à centralização que perdurou durante o período ditatorial. O Brasil é o único país em que os Municípios são considerados entes da federação. Abrucio afirma que: CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA TRIBUNAIS PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 31 Pela primeira vez na história, os municípios transformaram-se em entes federativos, constitucionalmente com o mesmo status jurídico que os estados e a União. Não obstante essa autonomia, os governos locais respeitam uma linha hierárquica quanto à sua capacidade jurídica – a Lei Orgânica, por exemplo, não pode contrariar frontalmente a Constituição estadual –, e são, no mais das vezes, muito dependentes dos níveis superiores de governo no que tange às questões políticas, financeiras e administrativas. Contudo, as conquistas da descentralização não apagam os problemas dos governos locais brasileiros. Apesar de ter ocorrido a descentralização dos recursos orçamentários, muitos municípios ainda não apresentam capacidade técnica, de recursos humanos ou de gestão para conseguirem desempenhar adequadamente as tarefas complexas que lhes foram impostas. 1.7 PLANO DIRETOR DE REFORMA DO APARELHO DO ESTADO Em 1995, Fernando Henrique Cardoso assume a Presidência da República. Ele convoca então Luiz Carlos Bresser Gonçalves Pereira para assumir o Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado. No mesmo ano ele viria a propor uma reforma gerencial para a administração pública brasileira, o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE). O PDRAE baseou-se num diagnóstico de crise do Estado – crise do modo de intervenção, dos modelos de administração e de financiamento do setor público – e foi concebido levando-se em conta o conjunto das mudanças estruturais da ordem econômica, política e social necessárias à inserção do Brasil na nova ordem mundial. O Plano Diretor buscou traçar um panorama da administração pública para, a partir daí, traçar as mudanças necessárias. O primeiro ponto apontado é que o resultado do retrocesso burocrático de 1988 foi um encarecimento significativo do custeio da máquina administrativa, tanto no que se refere a gastos com pessoal como
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