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ZARKA, Yves A Invenção do Sujeito de Direito

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A Invenção do Sujeito de Direito
*
 
 
Yves Charles Zarka
**
 
Tradução: José Emílio Medauar Ommati 
[com algumas pequenas modificações: Theresa Calvet de Magalhães] 
in Filosofia Politica Nova Série, Vol 1 (Porto Alegre: L&PM, 1997), pp. 9-29. 
 
 O estudo filosófico-histórico da invenção do sujeito de direito, de Grotius a Leibniz, 
traça de forma emblemática o percurso do problema da subjetividade e do sujeito no campo 
do direito natural moderno. É nesse estudo que a idéia de um outro caminho para a 
subjetividade deve ser estabelecido. Para conseguir alcançar esse objetivo, eu procederei 
em três etapas. Inicialmente, partirei da noção de direito como qualidade moral tal como 
encontramos, primeiramente, em Suarez e, logo depois, em Grotius. A seguir, examinarei 
as noções de sujeito moral e de pessoa elaboradas por Pufendorf e Locke. Finalmente, 
analisarei a maneira pela qual Leibniz desenvolve esse percurso, formando a expressão e o 
conceito do sujeito de direito. 
 
 Se, como acredito, uma história não cartesiana (apesar dos pontos de encontro e de 
oposição que sublinho) é, dessa forma, atestada, é a significação da subjetividade no mundo 
moderno que deveria ser revisada. Tentarei, ao concluir esse estudo, expor os termos dessa 
revisão. 
 
 Pois bem. A questão da invenção do sujeito de direito (subjectum juris) é realmente 
primordial. É uma das questões mais importantes da modernidade. Alguns tentaram dar a 
essa questão algumas respostas, mas essas com freqüência ficaram comprometidas, porque 
a própria pergunta é mal formulada. Assim, começarei por esses dois pontos: a importância 
da questão e os termos nos quais ela deve ser colocada. 
 
 A questão da invenção do sujeito de direito é importante porque ela traz um aspecto 
fundamental para a compreensão da modernidade. Um dos traços essenciais dessa 
modernidade não reside exatamente na definição do homem como sujeito de direito? 
Sujeito ao qual se ligam, simplesmente porque é um ser humano, ou seja, naturalmente, 
direitos. Ora, essa definição do homem como um ser portador de direitos não é atemporal, 
já que foi inventada pela filosofia moral e política moderna, constituindo uma de suas 
principais inovações. Poderíamos dar várias formulações sobre a importância dessa 
inovação. Mas, eu ficarei com apenas uma: a transformação da noção renascentista de 
dignidade do homem na noção do homem como ser portador de direitos no século XVII. 
Transformação significa conservação e mudança. O que se conserva é a idéia de uma 
especificidade que caracteriza o homem enquanto tal e o distingue de todos os outros seres 
 
* Título original: “L’invention du sujet de droit”. Esse artigo do Professor Yves Charles Zarka apareceu 
inicialmente na Revista Archives de Philosophie, Cahier 60-4, outubro-dezembro de 1997 [p. 531-550], e, 
posteriormente, em um livro do autor, intitulado L’autre voie de la subjectivité, Paris, Beauchesne, 2000 [p. 
3-30]. A tradução foi feita a partir do texto desse livro. O tradutor agradece a gentileza do autor em 
autorizar a tradução para a língua portuguesa. 
** Yves Charles Zarka é diretor de pesquisa no CNRS. É um dos principais autores da renovação da filosofia 
política contemporânea. Ele é, além disso, fundador e diretor da revista Cités (PUF). 
naturais. O que muda profundamente é que a dignitas hominis se refere menos ao lugar do 
homem na hierarquia dos seres, já que o homem tem sua própria liberdade de se constituir 
naquilo que ele é, e muito mais a noção do homem como ser portador de direitos que define 
muito mais um dado do que uma responsabilidade sobre aquilo que ele será. A diferença do 
discurso da dignidade do homem para o discurso sobre o homem como ser portador de 
direitos pode ser bem visualizada nessa passagem célebre da Oratio de hominis dignitate, 
de Jean Pic de La Mirandole: 
 
“Não te fizemos celeste nem terrestre, imortal ou mortal, para que, como um escultor 
que recebe a função e a honra de esculpir tua própria pessoa, tu te dês a forma que tu 
preferirás. Tu poderás degenerar em um desses seres inferiores que são as bestas, 
poderás, segundo os desejos do teu coração, ser regenerado em um desses seres 
superiores que qualificamos de divinos.”1 
 
 Em relação a esse apelo endereçado ao homem para ser ele mesmo o princípio de 
sua própria valorização, o discurso sobre o homem como ser naturalmente portador de 
direitos define mais claramente um estado de fato inalienável. 
 
 Que não se enganem sobre o que estou falando! Eu não tenho a intenção de 
embaralhar o passo daqueles – e eles são numerosos – que vêem na definição do homem 
como sujeito de direito uma herança primitiva que traz todos os perigos da modernidade: 
perda da significação da natureza e do mundo, primado de uma subjetividade incômoda 
para os outros e injusta em si mesma, reino da dominação técnica e política. Exatamente ao 
contrário, opondo-se ao pensamento pessimista do declínio ou do jargão do esquecimento 
do ser e da destruição, eu gostaria de mostrar que a invenção do conceito de homem como 
sujeito de direito não traz de nenhuma maneira em si o germe desses perigos. Dizendo de 
outra forma, eu gostaria de mostrar que a promoção moderna do homem como sujeito de 
direito pode ser feita não apenas sem se questionar as normas universais e os valores 
morais, mas que ela apenas pode ser feita pela demonstração do caráter irredutivelmente 
moral do sujeito de direito, como também pela necessária reciprocidade que esse sujeito 
deve ter em relação aos demais. Em outras palavras, a invenção do sujeito de direito está 
ligada a uma primeira formulação da intersubjetividade jurídica. 
 
 No entanto, para chegar até esse ponto, através de caminhos pouco claros, convém 
precisar os termos nos quais a questão da invenção do sujeito de direito deve ser colocada. 
Essa precisão é importante por duas razões. Por um lado, porque se supõe muitas vezes a 
questão resolvida antes mesmo dela ter sido colocada e, por outro, porque com freqüência 
não se determina suficientemente bem o que se busca com a denominação de “sujeito de 
direito”. 
 
 Em relação ao primeiro ponto, aqueles que supõem que a questão já está resolvida 
antes mesmo de ser feita são aqueles que consideram mais ou menos de modo explícito que 
a determinação cartesiana do homem como ego e a concepção da subjetividade que ela 
veicula teriam conseqüências não apenas sobre o domínio moral que Descartes abordou, 
 
1 Jean Pic de la Mirandole, Oratio de hominis dignitate, tradução francesa de Louis Valcke e Roland Galibois, 
Presses de l’Université Laval, 1994, p. 188. Cf. da mesma forma o volume coletivo editado sob a direção de 
Pierre Magnard, La dignité de l’homme, Paris, Champion, 1995. 
mas também sobre o domínio do direito natural em que ele não disse uma palavra. Sem 
querer minimizar a influência da metafísica cartesiana do ego, mesmo nos domínios em que 
Descartes não se pronunciou, é preciso sublinhar que a questão do homem como ser 
portador de direitos foi formulada no campo teórico do jusnaturalismo moderno bem antes 
que Descartes elaborasse sua metafísica. A definição do direito natural no sentido daquilo 
que mais tarde será denominado “direito subjetivo” está plenamente elaborado na obra de 
Grotius desde 1625 no De jure belli ac pacis, e se encontra claramente em sua formulação 
técnica, antes de Grotius, no De Legibus, de Suarez. Assim, não se pode imputar a menor 
influência que seja à metafísica cartesiana para a invenção, fora de seu campo direto de 
exercício, do sujeito de direito. É verdade que a reflexão sobre a obra de Descartes afetará 
mais tarde atradição jusnaturalista e, em particular, mas não somente, a obra de Pufendorf, 
mas não se pode dizer que foi com Descartes que aparecerá o princípio de uma definição do 
homem como sujeito de direito. Essa definição se dá em um outro contexto: o do 
jusnaturalismo moderno, de Grotius a Leibniz. 
 
 Sobre o segundo ponto, relativo à indeterminação em que se mantém muitas vezes a 
questão do sujeito de direito, eu diria que importa aqui distinguir três noções: indivíduo, 
pessoa, sujeito. Se não fizermos essa distinção, se não determinarmos a todo momento qual 
desses três conceitos está sendo utilizado, ficamos na impossibilidade de colocar 
corretamente a questão. 
 
 Para tentar compreender o processo teórico que conduz à invenção do sujeito de 
direito, convém definir os três momentos teóricos que lhe são constitutivos: 
 
 1. A definição propriamente moderna do direito como qualidade moral (o que 
chamaremos mais tarde de direito subjetivo). 
 
 2. A reflexão sobre o estatuto do sujeito no qual é conveniente uma tal definição do 
direito natural: a reemergência moderna da noção de sujeito moral ou de pessoa. 
 
 3. A relação do campo gnoseológico com o campo jurídico: a transformação de uma 
questão que se relacionava com a objetividade do conhecimento em uma outra que dizia 
respeito sobre o fundamento intersubjetivo do direito natural. Devemos mostrar a passagem 
do problema do sujeito do campo gnoseológico para o campo jurídico. 
 
 Esses são os três momentos que pretendo examinar, enquanto momentos 
constitutivos do campo teórico em que nasce a noção de sujeito de direito. Minha proposta 
terá, portanto, um duplo objetivo: filosófico e histórico. Filosófico, porque se trata de 
descobrir os momentos constitutivos de uma invenção conceitual. Histórico, porque essa 
invenção foi feita na história de uma corrente doutrinária específica. 
 
 
1. O DIREITO COMO QUALIDADE MORAL 
 
 Há certamente muitas maneiras de se ser moderno, mesmo no domínio da teoria 
jurídica. Mas, há apenas uma e uma única forma de ser moderno quando se trata de definir 
o direito como algo que se relaciona com o homem. Essa definição do direito enquanto algo 
relacionado com o homem é encontrada na formulação canônica de Grotius em seu De jure 
belli ac pacis. Eis a definição daquilo que mais tarde denominaremos direito subjetivo: 
 
“Uma qualidade moral ligada à pessoa em virtude da qual pode-se legitimamente ter ou 
fazer algumas coisas – qualitas moralis personae competens ad aliquid juste 
habendum vel agendum.”2 
 
 Dessa forma, o direito é uma qualitas moralis ligada a uma pessoa. A partir daí, 
Grotius reorganiza toda a concepção do direito. O conceito de direito é dividido em direito 
perfeito e direito imperfeito. Do lado do direito perfeito, a qualitas moralis é entendida 
como faculdade, facultas, que define o direito propriamente ou estritamente dito, jus 
proprie aut stricte dictum. A própria facultas se divide em poder (potestas), propriedade 
(dominium) e faculdade de exigir o que é devido. Cada uma dessas componentes do jus 
strictum é objeto de novas subdivisões das quais não falarei aqui. Lembrarei simplesmente, 
porque isso terá conseqüências sobre o que falarei depois, que a categoria da potestas se 
divide em duas subcategorias: poder sobre si mesmo (libertas) ou sobre outrem (patria 
potestas e dominica potestas). Face ao direito perfeito, existe um direito imperfeito que é 
simplesmente atitude, aptitudo, o que envia àquilo que Aristóteles chamava de mérito ou 
dignidade. A distinção entre facultas e aptitudo permitia a Grotius reformular a distinção 
aristotélica entre justiça comutativa e justiça distributiva, pois a primeira decorria da 
facultas e a segunda da aptitudo. Essa reformulação de Grotius de uma distinção 
aristotélica, em função de uma definição não aristotélica do direito como qualidade moral, 
teve por conseqüência modificar consideravelmente o sentido da justiça distributiva que, 
sob o nome de justiça atributiva, decorre, a partir de agora, do direito imperfeito e não tem 
mais como correlata uma obrigação jurídica estrita. 
 
 O que importa entender de tudo isso é a definição do direito como qualitas moralis. 
Não é evidentemente a única definição do direito dada por Grotius
3
, mas é a mais 
importante. Podemos mostrar isso de dois modos. 
 
 1. Inicialmente, é preciso notar que essa definição do direito como qualidade moral 
de uma pessoa não foi inventada por Grotius, já que ela se encontra formulada 
explicitamente por Suarez no De legibus (I, II, 5). Nessa obra, já se apresentava essa 
definição como a mais estrita do termo jus. Mas, essa definição do direito subjetivo levava 
Suarez a considerações que retomavam as determinações tomistas do termo jus, bastante 
diferentes das de Grotius. Particularmente, Suarez retoma explicitamente uma passagem da 
Suma Teológica (IIa IIae, q. 57, art. 1) em que Tomás de Aquino afirma que a idéia de 
justiça engloba a de igualdade: o que se iguala, se ajusta. Ele retoma, do mesmo modo, a 
passagem em que Tomás de Aquino sustenta que “a lei não é propriamente a voz do direito, 
mas principalmente a regra de direito”. Esse ponto testemunha a presença no texto de 
Suarez de posições não apenas diferentes, mas até mesmo incompatíveis, donde resulta ao 
mesmo tempo sua proximidade e sua distância em relação a São Tomás. Podemos dizer que 
Suarez está no encontro de várias tradições das quais Grotius vai ser influeciado. 
 
2 Grotius, De jure belli ac pacis, I, I, 4, edição crítica de B. J. A. De Kanter-Van Hettinga Tromp, Aalen, 
Scientia Verlag, 1993, p. 31; tradução de Jean Barbeyrac, Le droit de la guerre et de la paix, Caen, 
Bibliothèque de philosophie politique et juridique, 1984, I, I, 4, p. 41. 
3 Ele dá duas outras definições: o direito como aquilo que é justo, por um lado, e o direito como lei, por outro. 
 
 2. A especificidade da concepção de Grotius do direito subjetivo se relaciona menos 
com a definição que ele dá para esse termo do que do fato de que ele a situa no princípio de 
uma sistematização nova da teoria jusnaturalista. Em outras palavras, Grotius completa o 
que ficava indeciso na síntese de Suarez produzindo uma sistematização da teoria jurídica 
que funda primeiro o direito natural sobre a definição do direito como qualidade moral, 
para deduzir disso logo a seguir os princípios de uma teoria dos direitos civil e político. 
Direi apenas uma palavra sobre a fundação de Grotius do direito natural sobre a definição 
do direito como qualidade moral. O direito natural é definido por Grotius em função da 
natureza sociável e racional do homem. Eis os quatro princípios do direito natural, tais 
como decorrem dessa natureza sociável e racional do homem: 1. que é preciso se abster dos 
bens dos outros ou restitui-los; 2. que é-se obrigado a manter sua palavra; 3. que se deve 
reparar os danos causados; 4. que qualquer violação das regras precedentes merece uma 
punição mesmo da parte dos homens. 
 
 À primeira vista, esses princípios parecem depender menos de uma definição do 
direito subjetivo do que de uma teoria do direito objetivo que se enraíza na estrutura de uma 
sociedade em que a natureza leva os homens a constituir. Na verdade, quando examinamos 
mais de perto esses princípios, percebemos que eles apenas pressupõem algumas das 
determinações do direito como qualidade moral, quais sejam, o poder(sobre si mesmo ou 
sobre outrem), a propriedade (plena ou imperfeita) e a faculdade de exigir o que é devido. 
O direito natural é, dessa forma, fundado sobre o direito subjetivo.
4
 
 
 Contudo, se Grotius teve o grande mérito de sistematizar o direito naturala partir da 
definição do direito como qualidade moral, há um ponto que continua em sua obra em 
suspenso: ele não se refere ao estatuto da pessoa (persona) a qual ele relaciona o direito 
como qualidade moral, como vimos em sua definição de direito. A essa tematização que 
falta, se substitui em sua obra a simples retomada da concepção de Cícero das tendências 
fundamentais da humanidade. Ora, é precisamente essa indeterminação relativa no que se 
refere ao estatuto da persona a qual se liga o direito natural, a partir de então entendido em 
termos de direito subjetivo, que vai se tornar uma das questões centrais do debate das 
doutrinas jusnaturalistas que sucedem a de Grotius. Assim, a questão ético-política relativa 
à determinação do ser do homem o qual se liga o direito natural vai assumir grande 
importância a partir da obra de Hobbes. 
 
 No ponto em que estamos, a questão central se torna essa: é Hobbes que, para além 
daquilo que ele deve a Grotius, inventa a noção de sujeito de direito construindo uma ética 
adaptada à nova teoria do direito? A resposta para essa questão deve ser negativa, porque, 
como veremos, Hobbes substitui a indeterminação de Grotius da persona a qual se liga o 
direito como qualidade moral por uma nova incerteza. 
 
 De início, notemos que sobre o plano da definição do direito, Hobbes radicaliza a 
posição de Grotius, já que ele apenas mantém um único conteúdo da noção de direito: a 
liberdade. Já vimos que a libertas, na obra de Grotius, definia uma espécie particular de 
poder: o poder sobre si. Também vimos que o poder (potestas) constituía com a 
 
4 Cf. Alexandre Matheron, Spinoza et la problématique juridique de Grotius, in Philosophie, n. 4, 1984. 
propriedade (dominium) e a faculdade de exigir o que é devido as grandes divisões do 
direito como qualitas moralis. Na obra de Hobbes, essa arquitetura complexa de Grotius é, 
de alguma maneira, descartada em benefício de uma conversibilidade simples entre jus e 
libertas. Essa radicalização de Hobbes fica clara na distinção feita pelo autor entre as 
noções de jus e de lex: 
 
“For though they that speak of this subject, use to confound Jus, and Lex, Right and 
Law; yet they ought to be distinguished; because RIGHT, consisteth in liberty to do, or 
to forbeare; Whereas LAW, determineth, and bindeth to one of them: so that Law, and 
Right, differ as much, as Obligation, and Liberty; which in one and the same matter are 
inconsistent.”5 
 
“Com efeito, ainda que aqueles que falam desse tema tenham o costume de confundir 
jus e lex, direito e lei, deve-se distinguir, no entanto, essas duas coisas, porque o 
DIREITO consiste na liberdade de fazer alguma coisa ou de se abster de fazê-lo, 
enquanto que a LEI vos determina, e vos liga a uma ou outra coisa; de sorte que a lei e 
o direito diferem exatamente como a obrigação e a liberdade, que não coexistiriam em 
um só e único ponto.” 
 
 Resulta dessa concepção do direito o desaparecimento de qualquer reciprocidade 
entre direito e obrigação: um indivíduo pode ter direitos sem que isso induza a obrigação de 
outrem. A obrigação e a exigência de reciprocidade são a partir de agora relacionadas com 
a noção de lei natural. Eis a definição que Hobbes dá do direito da natureza: 
 
“THE RIGHT OF NATURE, which Writers commonly call Jus Naturale, is the 
Liberty each man hath, to use his own power, as he will himself, for the preservation of 
his own Nature; that is to say, of his own Life; and consequently, of doing any thing, 
which in his own Judgement, and Reason, he shall conceive to be the aptest means 
thereunto.”6 
 
“O DIREITO DA NATUREZA, que os autores chamam normalmente jus naturale, é a 
liberdade que cada um tem de usar como bem quiser seu poder próprio, para a 
preservação de sua própria natureza, ou seja, de sua própria vida, e por conseqüência 
de fazer tudo o que considere, segundo seu julgamento e razão próprios, como o meio 
mais adaptado para esse fim.” 
 
 Erraríamos se concluíssemos a partir dessa definição que o direito natural se liga na 
obra de Hobbes ao poder do indivíduo. Com efeito, de acordo com Hobbes, a liberdade de 
usar nosso poder apenas define o direito natural na medida em que esse uso é racional, ou 
seja, se restringe à classe de ações que contribuem direta ou indiretamente para a 
preservação de nosso ser. O direito natural se liga, assim, a um uso racional da liberdade. 
Essa referência à razão no Leviathan, que faz eco à referência à reta razão no De Cive, 
explica, entre outras coisas, que não haveria para Hobbes direito natural para os seres 
inanimados, nem mesmo para os animais. 
 
5 Hobbes, Leviathan, XIV, edição MacPherson, Harmondsworth, Penguin Classics, 1968, p. 189, tradução 
francesa de François Tricaud, Paris, Sirey, 1970, p. 128. A partir de agora, nas referências, a página da 
tradução seguirá, após uma barra oblíqua, aquela da edição indicada do texto original. 
6 Ibid. 
 
 Mas, em um mesmo golpe, chegamos na incerteza fundamental que afeta o 
pensamento de Hobbes. Porque se a racionalidade implicada no direito natural e a distinção 
entre ele e o simples poder tende a fazer do homem, como ser portador de direitos naturais, 
um simples indivíduo físico, digamos uma pessoa natural, obstáculos internos à sua 
filosofia impedem Hobbes de chegar a esse ponto. É verdade que a noção de pessoa natural 
é empregada por Hobbes, mas, opondo-se à noção de pessoa artificial, não sendo jamais 
verdadeiramente teorizada para pensar o estatuto do homem como ser ao qual se liga o 
direito natural. A falta de uma verdadeira conceitualização da noção de pessoa natural 
explica que essa noção, quando é utilizada por Hobbes, fique sem um sentido claro. Na 
indecisão, ela pode significar tanto o indivíduo físico, o ser humano ou o ser capaz de 
realizar atos jurídicos. Enquanto Hobbes tem necessidade, em virtude de sua doutrina da 
promessa e das convenções, de pensar o homem como ser moral e responsável, ele não 
pode nem quer dar o passo que lhe permitiria formular essa doutrina. Essa indecisão e esse 
caráter esquivo decorrem fundamentalmente, como mostraremos, dos obstáculos 
doutrinários internos que impedem Hobbes de fornecer um conceito da pessoa moral que, 
no entanto, é tão importante e necessário para sua teoria do direito. Entre o indivíduo físico 
e o conceito jurídico de pessoa, há um lugar de indecisão na obra de Hobbes. 
 
 Mostrarei mais a frente como a teoria de Hobbes da identidade não leva em nenhum 
de seus níveis a uma reflexão sobre a ipseidade, a identidade do si [identité du soi] ou a 
identidade para si [identité à soi].
7
 Aqui é suficiente para mim notar que a noção de 
subjectum fica sempre referida na obra de Hobbes àquela da matéria ou do corpo, mesmo 
quando nas Troisièmes Objections aux Méditations de Descartes, trata-se de definir a res 
cogitans: o subjectum é, então, uma matéria ou um corpo que tem a propriedade de pensar, 
e que, como tal, não tem nenhum privilégio em relação aos outros corpos ou matérias – por 
exemplo, a cera que continua eadem res ou eadem materia sujeita às mudanças de suas 
propriedades.
8
 A concepção de Hobbes do sujeito, longe de permitir a promoção da idéia de 
um sujeito de direito, implica, ao contrário, o rebaixamento da individualidade humana 
sobre uma fisiologia do movimento (vital e animal). 
 
 Enquanto que a teoria do direito e das convenções pressupõe a identidade de um ser 
ou de uma pessoa que promete ou dá sua palavra, a doutrina do sujeito como corpo impede 
sua formulação. A única realidade do homem reside em Hobbes no indivíduo físico, que é 
insuficiente para definir o sujeitode direito. 
 
 Para pensar o homem como ser portador de direitos, convém ultrapassar o conceito 
de indivíduo físico para pensar a pessoa moral. Ora, é precisamente o que Pufendorf, por 
um lado, e Locke, por outro, farão, contra a redução de Hobbes do homem enquanto 
indivíduo físico. 
 
 
2. A DEFINIÇÃO MODERNA DA NOÇÃO DE SUJEITO MORAL OU DE PESSOA 
 
 
7 Cf. mais adiante “Identité et ipséité: Hobbes et Locke”, p. 51 a 68. 
8 Troisièmes Objections, AT VII, p. 173, tradução AT IX-1, 135. 
 Duas orientações teóricas permitem pensar, mesmo que em sentidos diferentes, o 
homem como sujeito moral ou como pessoa: trata-se da doutrina dos sujeitos morais 
desenvolvida no início do De jure naturae et gentium, de Pufendorf, e da doutrina da 
identidade pessoal contida no capítulo XXVII do livro II do Essay concerning Human 
Understanding, de Locke. 
 
 Sublinhemos que relacionar os textos de Grotius, Hobbes, Pufendorf, Locke e, mais 
a frente, Leibniz, não tem absolutamente nada de artificial. Não se trata de forma alguma de 
um efeito do comentário que privilegiaria alguns aspectos de um todo em detrimento de 
outros. São os próprios textos que se relacionam entre si, ou seja, eles se referem explicita 
ou implicitamente uns aos outros. Eu insisto nesse ponto, nesse ponto da minha exposição, 
para chamar a atenção sobre o fato de que a problemática que fez nascer o sujeito de direito 
se desenvolveu nos textos de pensadores que estavam plenamente conscientes da grande 
repercussão ligada à definição do homem como sujeito de direito, como também das 
dificuldades encontradas nessa seara por seus predecessores ou seus contemporâneos. 
 
 Comecemos pela doutrina dos sujeitos morais na obra de Pufendorf. Contra Hobbes, 
Pufendorf mostra que não se poderia falar de direito sem ao mesmo tempo se falar de uma 
obrigação: 
 
“Qualquer poder natural de fazer uma coisa não é um direito propriamente dito, mas 
apenas o é aquele que traz algum efeito moral em relação aos nossos semelhantes. [...] 
Na medida em que os outros homens aceitam a obrigação de não impedir que alguém 
faça uso de seu poder, e de não se utilizar de suas coisas ou de seus animais sem seu 
consentimento; então esse poder adquire força de direito.”9 
 
 É precisamente porque o direito é uma qualidade moral que se distingue de uma 
qualidade simplesmente física, que não é possível relacioná-lo a uma faculdade física de 
agir, consistindo em uma relação moral estabelecida entre uma faculdade de fazer e uma 
obrigação correlata. 
 
 Pufendorf realiza um gesto diferente daquele de Hobbes que vai exigir a 
tematização do que ficava incerto na obra de seus predecessores. À distinção de Hobbes 
entre direito natural e lei natural, Pufendorf opõe uma dependência do primeiro em relação 
ao segundo. O primeiro princípio é agora a obrigação envolvida na lei natural: 
 
“Assim, é preciso necessariamente colocar como princípio que a obrigação da lei 
natural vem do próprio Deus, que, na qualidade de criador e de condutor soberano do 
gênero humano, prescreve aos homens com autoridade a observação dessa lei. E isso é 
o que se pode conhecer com certeza pelas luzes da razão.”10 
 
 
9 Pufendorf, De Jure naturae et gentium, libri octo, fac-símile da edição de Amsterdã de 1688, Oxford, The 
Classics of International Law, 1934, III, V, 3, p. 265; tradução de J. Barbeyrac, edição de Bâle, 1732, 
reeditada pela Bibliothèque de philosophie politique et juridique, Caen, 1987, vol. I, p. 359. A partir de 
agora, nas referências, a página da tradução seguirá, após uma barra oblíqua, a do texto original. 
10 Ibid., II, III, 20, p. 149-150 / p. 204. 
 Sem que seja necessário aqui adentrar no exame do conteúdo da lei natural, 
entendemos que o ser ao qual se imporá essa obrigação não será apenas um indivíduo 
físico. 
 Abordarei a necessidade da passagem de uma consideração do indivíduo físico para 
a pessoa moral na obra de Pufendorf, considerando a relação deste autor com a teoria do 
direito natural de Spinoza, por um lado, e com a moral de Descartes, por outro. 
 
 De início, notemos que se Pufendorf critica, algumas vezes no mesmo parágrafo, 
Hobbes e Spinoza, ele concede, no entanto, uma importância bastante diferente para cada 
um deles. De acordo com Pufendorf, com efeito, a concepção de Hobbes do direito natural 
é certamente falsa, mas é também, desde que seja emendada em um ponto fundamental, 
recuperável. Por outro lado, a concepção de Spinoza não pode ser emendada. Assim, 
poderíamos dizer que se Hobbes se situa na outra extremidade do problema jusnaturalista, 
Spinoza se situa no exterior dessa questão. Tudo isso dito forneceria menos uma imagem 
do jusnaturalismo do que uma rediscussão radical do problema que perpassa suas diferentes 
imagens. Essa apreciação implícita de Pufendorf é interessante e até mesmo verdadeira. 
Portanto, importa saber por que a concepção de Spinoza do direito natural se situa fora do 
problema jusnaturalista. 
 
 No capítulo II do livro II do De Jure naturae et gentium, Pufendorf examina a 
concepção do direito natural tal como formulada por Spinoza no início do capítulo XVI do 
Traité théologico-politique. Ele retoma primeiro a definição: 
 
“Por direito e instituição da natureza, Spinoza entende apenas as regras da natureza 
de cada indivíduo, em virtude das quais concebemos cada um desses indivíduos como 
naturalmente determinados a existir e a produzir suas operações de uma certa 
maneira [...].”11 
 
 Essa definição do direito natural traz em si, segundo Pufendorf, o princípio de uma 
destruição do direito natural. Primeiro, porque o termo “direito” não significa aqui uma lei 
sobre a qual se deve seguir, mas uma faculdade natural de agir. Em segundo lugar, porque 
há uma redução radical do direito ao poder físico. Em terceiro lugar, porque ao fazer do 
direito uma qualidade física através da qual cada coisa produz suas operações de maneira 
fixa e determinada, o conceito de direito se encontra estendido ao conjunto dos seres, 
compreendendo-se até mesmo aqueles destituídos de razão. 
 
 Em outras palavras, definir o direito como uma qualidade física de indivíduos 
físicos, é, para Pufendorf, destruir a própria noção de direito que, para ter uma consistência 
própria, deve designar uma qualidade moral que somente pode ser conveniente para seres 
morais. A análise feita por Pufendorf das conseqüências da definição de Spinoza pode nos 
permitir definir as condições que estão subjacentes à problemática jusnaturalista para além 
do próprio Pufendorf: 1. A distinção entre o fato e o direito; 2. o direito apenas pode ser 
conveniente ao homem; 3. e não para qualquer homem, mas para o homem enquanto ser 
dotado de razão. 
 
11 Ibid., II, II, 3, p. 109 / p. 155. Spinoza, Tractatus theologico-politicus, XVI, ed. J. Van Vloten e J. P. N. 
Land, 1914, t. II, p. 258. 
 
 Pufendorf confere, em sua antropologia jurídica, uma importância completamente 
diferente para a moral de Descartes. Ele leu Les Passions de l’âme, obra que ele cita, e 
certamente outros textos de Descartes. Além disso, a teoria do entendimento e da vontade 
humana em sua relação com as ações morais
12
 comporta mais do que traços de uma leitura 
de Descartes. 
 
 Ficaremos com três pontos que aproximam Pufendorf de Descartes: 1. a distinção 
entre o entendimento e a vontade; 2. a concepção da liberdade, em tensão entre uma 
liberdade de indiferença, que faz com que a vontade seja uma capacidade de 
autodeterminação, e uma determinação inevitável da vontade para o bem; 3. a relação entre 
a vontadee as paixões. Sobre esse último ponto, Pufendorf, para mostrar que as paixões, 
por mais violentas que sejam, jamais destroem inteiramente o poder da vontade, cita uma 
passagem do fim do artigo 50 das Passions de l’âme13. 
 
 Mais importante ainda para a relação com Descartes é a retomada que Pufendorf faz 
do conceito de generosidade em um dos capítulos que trata dos deveres naturais dos 
homens entre si
14
. 
 
 Pode-se dizer pura e simplesmente que a moral cartesiana fornece o conceito de 
pessoa que subjaz a concepção de sujeito moral ao qual Pufendorf relaciona o direito 
natural? Em outras palavras, a moral cartesiana fornece o conceito do sujeito que o De Jure 
naturae et gentium transportaria para fora de seu domínio para fazer dele um sujeito de 
direito? A essa questão, é preciso responder negativamente e isso, pelo menos, por duas 
razões. 
 
 1. Pufendorf fornece indiretamente o sentido de sua retomada da generosidade 
cartesiana. Essa retomada, com efeito, faz parte dos deveres de humanidade e não daqueles 
da “justiça propriamente dita, ou do direito rigoroso”15. Isso quer dizer que se a moral 
cartesiana pode fundar os deveres da humanidade, ela não poderia sozinha fundar uma 
teoria do direito. Poderíamos dizer que seria preciso somente completar essa moral 
mostrando suas implicações em um domínio que não era inicialmente o seu? Na verdade, se 
Pufendorf retoma um certo número de concepções cartesianas, é para colocá-las em um 
contexto bastante diferente que modifica bastante sua importância. 
 
 2. Podemos mostrar tudo isso examinando o conceito que Pufendorf fornece da 
consciência: “Chamamos comumente pelo nome de consciência, conscientia, o julgamento 
do intelecto que cada um possui das ações morais, enquanto é instruído pela lei e que age 
em concerto com o legislador na determinação do que é preciso fazer ou não fazer.”16 A 
consciência, longe de ser descoberta em uma presença pura de si, longe de se promover 
 
12 Pufendorf, op.cit., I, III e IV. 
13
 Ibid., I, IV, 7, p. 42 / p. 61-62. É importante, da mesma forma, assinalar que se as análises de Pufendorf 
sobre a liberdade e a vontade retomam concepções cartesianas, elas se ligam também, e de maneira 
fundamental, à polêmica entre Hobbes e Bramhall sobre a liberdade e a necessidade. 
14 Pufendorf retoma os artigos 152 e seguintes das Passions de l’âme, cf. ibid., III, II, 6, p. 230-231 / p. 315. 
15 Ibid., III, IV, 1, p. 257 / p. 349. 
16 Ibid., I, III, 4, p. 28 / p. 41. 
como um ego, mesmo se esse ego sai de sua solidão através da generosidade para se pensar 
em relação a um alter ego, se define inteiramente em relação à lei
17
. Pufendorf dedica um 
capítulo inteiro para mostrar que o homem precisa de uma lei, e que a liberdade absoluta é 
conveniente apenas para Deus enquanto que a liberdade humana exige uma norma que a 
regule e a restrinja. 
 
 Dessa forma, não podemos dizer que a definição de pessoa moral na obra de 
Pufendorf possa se fundar na retomada, na verdade no deslocamento, da metafísica ou da 
moral cartesianas. Essa definição, dada na abertura do De Jure naturae et gentium dos seres 
morais, é, em si mesma, bastante complexa, e nos fixaremos apenas em três pontos: 1. A 
pessoa moral particular é uma forma específica no gênero das pessoas morais; 2. A pessoa 
moral é apenas um ser institucional, podendo ser modificada ou destruída sem que haja 
mudança física no homem; 3. Em decorrência disso, não se poderia identificar o homem e a 
pessoa. Assim, pode-se dizer que o conceito de pessoa, desenvolvido por Pufendorf, é 
diferente daquilo que esperaríamos, ou seja, uma definição de sujeito moral ao qual se liga 
o direito natural. 
 
 É na obra de Pufendorf que ressurgirá o problema da definição do ser moral sob a 
forma de uma reflexão central sobre a relação entre pessoa moral e identidade pessoal. 
 
 Com efeito, encontramos esse problema abordado no capítulo XXVII do livro II do 
Essay concerning Human Understanding, de Locke, intitulado “Of Identity and Diversity”. 
Esse capítulo foi redigido após a primeira edição da obra em 1690 e foi inserido na segunda 
edição em 1694. Pode-se dizer que, de uma certa forma, essas implicações se ligam em um 
ponto mais importante da totalidade do Essay. 
 
 A intenção principal de Locke nesse capítulo é determinar o conceito de identidade 
de uma pessoa a qual os pensamentos e ações estão relacionados como suas, e que se pode 
colocar como responsável. A finalidade do texto é, assim, moral e, por alguns lados, 
jurídica e, até mesmo, teológica. Para entendermos bem tudo isso, seria preciso analisar o 
conteúdo desse capítulo em relação a dois autores que Locke tem em mente quando escreve 
seu capítulo e sob que aspectos ele se diferencia deles: Descartes e Hobbes. O interlocutor 
principal de Locke é Descartes. Todo o esforço do capítulo XXVII visa realizar uma 
desontologização da questão do eu questionando a relação estabelecida por Descartes entre 
pensamento e substância. Em outras palavras, Locke tenta estabelecer o que se pode 
esperar, com o conceito de identidade pessoal, uma certeza sobre o plano moral que seja 
independente da solução impossível dos problemas metafísicos ligados à natureza da 
substância. Mas, Locke pensa também em Hobbes quando escreve seu capítulo sobre a 
identidade, em particular no capítulo XII do De Corpore intitulado “De eodem et 
diverso”18. Eu apresentarei apenas duas das implicações do texto de Locke: 
 
 1. Locke retoma a análise feita por Hobbes tentando distinguir os diferentes tipos de 
identidade. Mas, ele insere essa análise em uma lógica completamente diferente que 
procura separar a identidade de si da consciência. Há na obra de Locke a reemergência de 
 
17 Ibid. 
18 A relação de Locke com Hobbes é examinada mais a frente, p. 55-76. 
um si [un soi]
19
, de um self, que se opera igualmente contra a ligação necessária, 
estabelecida por Descartes, entre a existência do ego e a natureza espiritual da substância 
pensante. Essa emergência da ipseidade se faz através de uma distinção entre identidade do 
homem, identidade da substância e identidade pessoal. 
 
 A identidade do homem não é diferente daquela do animal, consistindo em um 
corpo bem organizado e que se torna tal apesar da sucessão das diversas partículas de 
matéria que estão temporariamente unidas nele. Atribuir algo a mais ao homem, seria não 
compreender como um embrião, um homem mais velho, um louco ou um sábio pode ser, 
sucessivamente, o mesmo homem. 
 
 Essa identidade do homem se distingue da identidade da substância. Em outras 
palavras, ela requer apenas que suponhamos a identidade de uma alma. Aqui Locke utiliza 
como argumento o tema da transmigração das almas nos diferentes homens em diferentes 
tempos. A identidade da alma não alcançará jamais a identidade do homem. 
 
 A identidade pessoal supõe, primeiro, a definição do termo “pessoa”. Esse termo é 
 
“a thinking intelligent Being, that has reason and reflection, and can consider it self as 
it self, the same thinking thing in different times and places; which it does only by that 
consciousness, which is inseparable from thinking, and as it seems to me essential to it: 
It being impossible for any one to perceive, without perceiving, that he does 
perceive”20 
 
“um ser pensante e inteligente, capaz de razão e de reflexão, e pode consultar a si 
mesmo, como uma mesma coisa que pensa em diferentes tempos e em diferentes 
locais; tudo o que ele faz o faz unicamente por essa consciência que é inseparável do 
pensamento, e para mim, me parece essencial. É impossível a qualquer ser perceber 
semperceber que ele percebe”. 
 
 A identidade pessoal é definida pela relação de si a si [de soi à soi] que acompanha 
sempre o pensamento e a memória: 
 
“as far as this consciousness can be extended backwards to any past Action or 
Thought, so far reaches the Identity of that Person”21 
 
“tão longe essa consciência possa se estender sobre as ações ou os pensamentos já 
passados, tão longe se estende a identidade dessa pessoa”. 
 
 Ora, essa definição de identidade pessoal visa dar um fundamento certo para a 
moral: a) pelo fato de que o si [le soi] se relaciona consigo mesmo com as ações e 
pensamentos, b) pelo fato que se pode fundar a responsabilidade dos atos. 
 
19
 A emergência do si [du soi] se faz primitivamente na obra de Cudworth. Esse ponto é estudado mais a 
frente p. 34-54 no estudo sobre “A ação, o sujeito e a norma: Cudworth contra Hobbes”. 
20 Locke, Essay concerning Human Understanding, II, XXVII, 9, ed. P. H. Nidditch, Oxford, Clarendon 
Press, 1979, p. 335, tradução francesa feita por Coste, Paris, Vrin, 1972, p. 264. Como em outras passagens, 
a tradução Coste foi aqui por mim modificada. 
21 Ibid. 
 
 2. Assim, compreende-se em que sentido o problema da identidade pessoal está no 
centro da questão do estatuto do sujeito moral. Quanto ao resto, o próprio Locke no §26 do 
mesmo capítulo XXVII associa dois sentidos de pessoa: a) a pessoa como si [comme soi], 
b) a pessoa no sentido jurídico, enquanto se apropria das ações, como também do mérito e 
demérito dessas ações. Essas duas noções estão até mesmo relacionadas para formar o 
conceito de personalidade. Eis o texto: 
 
“Person, as I take it, is the name for this self. Where-ever a Man finds, what he calls 
himself, there I think another may say is the same Person. It is a Forensick Term 
appropriating Actions and their Merit; and so belongs only to intelligent Agents 
capable of a Law, and Happiness and Misery. This personality extends it self beyond 
present Existence to what is past, only by consciousness, whereby it becomes 
concerned and accountable, owns and imputes to it self past actions, just upon the same 
ground, and for the same reason, that it does the present.”22 
 
“Eu considero a palavra pessoa como o nome desse si [soi]. Em qualquer lugar em que 
um homem encontra aquilo que ele chama ele mesmo, eu acredito que um outro pode 
dizer que lá reside a mesma pessoa. A palavra pessoa é um termo da prática jurídica 
que se apropria das ações, e o mérito ou o demérito dessas ações; e que, 
conseqüentemente, somente pertence a agentes inteligentes capazes de direito, da 
felicidade e miséria. Essa personalidade somente se estende para além da existência 
presente, alcançando o passado, através da consciência que faz com que a pessoa se 
interesse pelas ações passadas, se tornando responsável, ao reconhecê-las como suas, e 
se as imputa sobre o mesmo fundamento e pela mesma razão que ela se atribui as ações 
presentes.” 
 
 Vemos que esse texto, além de sua evidente intenção moral e teológica, tem 
igualmente uma importância jurídica. 
 
 Contudo, o self lockiano e a definição de pessoa que ele dá não constituem, apesar 
de sua importância moral e jurídica fundamental, a última caracterização do sujeito de 
direito. Para chegar a ela, é preciso atingir uma etapa suplementar: aquela que relaciona o 
campo gnosiológico com o campo jurídico fazendo passar a questão do sujeito da relação 
cognitiva sujeito/objeto para a relação jurídica intersubjetiva sujeito/sujeito. 
 
 Essa passagem da questão do sujeito é realizada por Leibniz que fornece, 
contrariamente a qualquer expectativa, se acreditássemos em alguns comentadores, a 
primeira definição do sujeito de direito. 
 
 
3. DA OBJETIVIDADE DO CONHECIMENTO PARA A INTERSUBJETIVIDADE 
JURÍDICA 
 
 Inicialmente, notemos que encontramos a reconstrução do direito em torno da noção 
de qualitas moralis em Leibniz de maneira sensivelmente permanente em toda a sua obra. 
 
22 Ibid., p. 26, p. 346; tradução francesa, p. 275. 
Assim, é em relação à idéia de qualitas moralis que as noções de direito e obrigação são 
definidas na Nova methodus
23
: 
 
 É nisso que Leibniz segue Grotius, no nível do primeiro grau do direito natural, 
menos na definição do direito como poder moral e de obrigação como necessidade moral 
que sobre a definição do direito como qualitas moralis ligada à pessoa que age. 
 
 Contudo, entre as modificações que Leibniz realiza no texto de Grotius, há uma 
cujas conseqüências são importantíssimas para a questão da invenção do sujeito de direito. 
Com efeito, vimos que Grotius colocava a noção de persona em sua definição do direito 
como qualidade moral. A pessoa era entendida como o ser ao qual se relaciona o direito 
como qualidade moral. Mas, seguia-se disso igualmente que Grotius chamava a persona 
sem a determinar como sujeito, subjectum. Ora, Leibniz o faz de maneira decisiva no §15 
da segunda parte da Nova methodus: 
 
“Subjectum qualitatis moralis est persona et res. Persona est substantia rationalis, 
eaque vel naturalis vel civilis.”24 
 
“O sujeito da qualidade moral é uma pessoa ou uma coisa. Uma pessoa é uma 
substância racional, e esta é natural ou civil.” 
 
 Nesse contexto, Deus é definido como o sujeito do direito supremo sobre todas as 
coisas: 
 
 “Deus est subjectum juris summi in omnia.”25 
 
 “Deus é o sujeito do direito supremo sobre todas as coisas.” 
 
 Essa determinação da pessoa como subjectum é encontrada com freqüência. Aqui, é 
suficiente para nós fazer referência a um texto publicado por G. Grua, Ad elementa juris 
civilis (1668-1671 ?). Ainda aqui, após a definição da qualidade moral como poder ou 
impotência moral, Leibniz define a pessoa como sujeito da qualidade moral: 
 
“Subjectum qualitatis moralis et persona, seu substantia rationalis.”26 
 
“O sujeito da qualidade moral é uma pessoa, ou seja, uma substância racional.” 
 
 Desse uso do termo subjectum, pode-se legitimamente concluir que a caracterização 
de “direito subjetivo” é mais justificada quando é aplicada à concepção de Leibniz do 
 
23 Cf. Leibniz, Sämtliche Schriften und Briefe, Berlim, Akademie Verlag (abreviação=A), VI, 1, §14 [a], p. 
301. “Moralitas autem, seu Justitia, vel Injustitia actionis oritur, ex qualitate personae agentis in ordine ad 
actionem, ex actionibus praecedentibus orta, quae dicitur: Qualitas moralis. Ut autem Qualitas realis in 
ordine ad actionem duplex est: Potentia agendi, et necessitas agendi; ita potentia moralis dicitur Jus, 
necessitas moralis dicitur Obligatio.” 
24 A, VI, 1, §15, p. 301. 
25 Ibid. 
26 Leibniz, Textes inédits, vol. 2, publicados por G. Grua, Paris, PUF, 1948, p. 706. 
direito do que a de Grotius. Em todo caso, Leibniz vai além de Grotius na formação do 
conceito de direito como atributo de um sujeito. 
 
 Como veremos, o termo sujeito de direito, subjectum juris, se encontra 
explicitamente nos trabalhos de Leibniz. Indo mais longe, Leibniz é provavelmente o 
inventor desse termo
27
. Mas, se Leibniz inventou a expressão, teria ele também inventado o 
conceito? Sabemos bem que uma invenção terminológica raramente é fruto do acaso, que 
ela é freqüentemente ligada a uma nova compreensão. Mas, sobre a questão que nos ocupa, 
o problema é fundamental ao mesmo tempo para a interpretação de Leibniz e, 
principalmente, para nós mesmos. Leibniz é o inventor do sujeito de direito? Para poder 
afirmar isso, é preciso que a invenção terminológica tenha sido sustentada por um 
questionamento que ultrapassa o problema do sujeito do plano gnosiológico parao plano 
jurídico. Essa superação ocorreu na obra de Leibniz? Parece que a resposta para essa 
questão deva ser pela afirmativa. Se esse for o caso, estamos nos aproximando do final de 
nossa investigação. 
 
 Inicialmente, nos Nouveaux Essais sur l’entendement humain, Leibniz 
pretende corrigir o capítulo XXVII do livro II do Essay concerning Human Understanding, 
de Locke, em um ponto fundamental: o da continuidade da identidade pessoal no tempo, 
mesmo quando a consciência está suspensa. Esse restabelecimento da continuidade da 
identidade de si mesmo é realizado pela evidência do surgimento da alteridade na 
ipseidade. Leibniz mostra, com efeito, que a coerência ou a continuidade da experiência 
pode ser restabelecida se não por mim mesmo, já que se supõe uma suspensão momentânea 
da consciência, pelo menos pelos outros. Outrem pode dar um paliativo para a falta 
momentânea de consciência de si [conscience de soi] 
 
“Assim, se uma doença interrompeu a continuidade da ligação da capacidade de 
consciência, de sorte que eu já não possa mais saber como estarei no estado presente, 
mesmo que me lembre de coisas mais importantes, o testemunho de outras pessoas 
poderia preencher o vazio de minha reminiscência.”28 
 
 Há implicações jurídicas imediatas pela restituição da identidade pessoal e moral 
através da emergência de outrem na relação a si mesmo [rapport à soi]: 
 
“Eu poderia até mesmo ser punido por esse testemunho, se eu fizesse qualquer mal 
deliberadamente em um espaço de tempo, tendo eu esquecido logo depois por força 
dessa doença.”29 
 
 Esse surgimento do outro na relação a si mesmo permite a Leibniz concluir: “A 
consciência não é o único meio de constituir a identidade pessoal, e a relação de outro ou 
mesmo de outras marcas podem suplementar essa identidade.”30 Essa afirmação é 
 
27
 Essa ainda é uma hipótese a ser confirmada. Mas, pelo que sei, nenhum autor antes de Leibniz empregou a 
expressão subjectum juris, no sentido que estamos examinando. Antes de Leibniz, a noção de subjectum 
juris significava a matéria, o tema ou a questão sobre a qual o direito se relacionava. 
28 Nouveaux Essais sur l’entendement humain, II, XXVII, 9. 
29 Ibid. 
30 Ibid., sublinhado por mim. 
admirável, mas convém não interpretá-la mal. O termo “constituir” é evidentemente muito 
forte: outra pessoa poderia ser entendida como entrando na constituição da identidade de si 
mesmo [identité de soi]. Mas, a expressão final “ou mesmo de outras marcas podem 
suplementar essa identidade” indica de forma clara que não se pode ir até esse ponto. Já que 
outras marcas que não aquelas de outra pessoa podem preencher a mesma função, seria 
forçar demais o texto ou interpretá-lo muito ao pé da letra o termo constituição, que 
Leibniz, no entanto, emprega bem. 
 
 Contudo, a relação com o outro que seria por assim dizer empírica nos Nouveaux 
Essais vai se tornar propriamente constitutiva no domínio da teoria do direito, porque a 
teoria do direito na obra de Leibniz repousa completamente em uma teoria do amor. Eis a 
definição que Leibniz dá de amor – eu não conheço nenhuma outra que a supere – “Amar 
ou estimar, é se comprazer na felicidade de uma outra pessoa ou, o que é o mesmo, é fazer 
da felicidade de uma outra pessoa a nossa própria felicidade”31. Leibniz faz do amor a fonte 
dos três graus do direito natural
32
. 
 
 O amor intervém, primeiramente, na definição dos dois primeiros graus do direito 
natural, ou seja, na definição da justiça humana: 
 
“Efetivamente, o direito puro ou estrito nasce do princípio de que é preciso conservar a 
paz; a eqüidade ou a caridade tende a algo de maior, ou seja, a que procurando a 
utilidade dos outros, tanto que for possível, encontremos o aumento da nossa felicidade 
na felicidade dos outros, e para dizermos em uma palavra, o direito estrito evita a 
miséria, e o direito que está abaixo tende à felicidade, mas somente a felicidade que 
pode se dar nessa vida mortal.”33 
 
 A passagem para a felicidade eterna, que supõe a coincidência entre a virtude e a 
alegria, como também entre o direito e o fato, somente é possível sob uma dupla condição: 
1. que nossa alma seja imortal, 2. que um Deus governe o universo: 
 
“Não se pode conhecer Deus, como é necessário, sem amá-lo para além de todas as 
coisas, e não se pode amar assim, sem querer o que ele quer. Suas perfeições são 
infinitas e não cessam. É por isso que o prazer, que consiste no sentimento de suas 
perfeições, é o maior e o mais durável que se possa, ou seja, é a maior felicidade, e o 
que faz que o amemos, faz com que [alguém] seja ao mesmo tempo feliz e virtuoso. De 
acordo com isso, pode-se dizer de maneira absoluta que a justiça é a bondade conforme 
a sabedoria, mesmo para aqueles que não conseguem atingir essa sabedoria.”34 
 
 A Méditation sur la notion commune de la justice varia entre o argumento do lugar 
do outro e o princípio do amor para definir progressivamente os diferentes graus do direito 
natural. Assim, para passar do jus strictum para a eqüidade, é preciso passar do princípio: 
“Coloque-se no lugar do outro, e você estará no ponto certo para julgar o que é justo ou 
 
31 Codex juris gentium diplomaticus, ed. Dutens, IV, p. 295. 
32 Para um exame mais completo dessa questão, cf. mais adiante “A alteridade na ipseidade: Leibniz e o 
direito natural (I)”, p. 79-94. 
33 Codex juris gentium diplomaticus, op.cit., p. 296. 
34 Méditation sur la notion commune de la justice, ed. Mollat, II, p. 62-63. 
não”35 para o princípio: “Coloque-se no lugar de todos e suponha que eles estejam bem 
informados e esclarecidos.”36 Por isso mesmo: 
 
“Levado de grau em grau, será conveniente não apenas que os homens se abstenham de 
fazer o mal, mas ainda que eles devem impedir que o mal aconteça, e mesmo repará-lo, 
quando ele ocorre, pelo menos tanto quanto for possível, sem se incomodar. E não 
examino agora, até que ponto esse incômodo pode chegar.”37 
 
 Em outras palavras, não somente Leibniz descobre e nomeia o sujeito de direito, 
mas, ao transpor a questão do sujeito do plano gnosiológico para o plano jurídico, ele 
define também os primeiros lineamentos de um fundamento intersubjetivo da teoria do 
direito. 
 
 
CONCLUSÃO 
 
 Se tudo isso estiver correto, se tudo o que mostramos tem algum fundamento, então 
vemos que a invenção do sujeito de direito nos três momentos constitutivos que 
examinamos leva a cinco conseqüências. As duas primeiras são historiográficas, e as três 
últimas são propriamente filosóficas. 
 
 1. A invenção do sujeito de direito não precede a definição moderna do direito 
natural, mas a segue. É nas obras filosóficas e jurídicas mais importantes do século XVII 
que se opera, por etapas sucessivas, essa invenção. O jusnaturalismo moderno não 
pressupõe um sujeito de direito, mas o produz durante uma longa elaboração histórica em 
que tradições, no início, estrangeiras se cruzam entre si. 
 
 2. Que Leibniz possa ser considerado o inventor do sujeito de direito e como um 
pensador da intersubjetividade deve legitimamente levar a uma revisão fundamental de 
tudo o que foi com freqüência escrito sobre o fechamento sobre si mesmo da mônada. 
 
 3. A idéia do sujeito de direito envolve a idéia de um ser moral irredutível a 
qualquer perspectiva fisicalista ou naturalista. A universalidade do sujeito de direito 
repousa sobre essa irredutibilidade. 
 
 4. A descoberta do sujeito de direito, longe de implicar um fechamento sobre si 
mesmo, implica, ao contrário, uma abertura desse sujeito a uma perspectiva intersubjetiva. 
 
 5. A idéia do sujeito de direito não envolve de forma algumaos obscuros horizontes 
da decadência, do esquecimento e da dominação em que alguns quiseram aprisioná-lo. 
 
 Abre-se, assim, a possibilidade de uma nova interpretação da teoria moderna da 
subjetividade, o que eu chamo “a outra via da subjetividade”. 
 
 
35 Ibid., p. 57. 
36 Ibid., p. 58. 
37 Ibid., p. 56.

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