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Orientalismo - O Oriente como invenção do Ocidente, Edward Said (Prefácio e Posfácio)

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•
EDWARD W. SAID
ORIENTALISMO
o 01"iente como i1lVenfiio do Ocidente
Novn ftiifno
li"odlifnO
ROS:lUfa E.ichenberg
2' rfi"'!,."tmin
Posf;icio da edi\"ao de 1995 438
Notas 468
Agradecimentos 495
lndicc rcmissivo 497
Sohre 0 alltor 52l
PREFACIO DA EDIc;:Ao DE 2003
IIi nove anos, na primavera de 1994, cscrevi urn posfacio a
(ltjentd/is",o em que, tcntando esdarecer 0 que pens:lva ler e
niio ter :lfirmado, dcstacava nao apcnas :IS inumeras discussOcs
descncadead;1.~pelo lan\";1mcntode meu livro, em 1978, mas ain-
da 0 modo como uma obra a rcspeito das representac;Oes do
"Oriente" dava ensejo a rcprescnta\"oes e imerpreta\"oes eada
vez mais equivocadas. 0 fato de (Jue cu csteja me scntindo rn3is
ironieo do que irntado em rela\"ao a rnesmlssima eoisa neste
momento demonstra atc que ponto minha idade fui me irnpreg-
nando, com 0 inevitivcl declinio <lasexpcctativas e do 7.clope-
dagngico que costuma emoldurar 0 avan\"o Jos anus. A motte
recente de meus dois principais mentores intclcctuais, politicos
e pessoais, Eqbal Ahmad e Ibrahim Abu-Lughod (urna Jas pcs-
soas a quem dedico este livro), provocou tristeza e sentimcnto
de perda, bem como resignat;ao e urn ceno deseju teimoso de
prosseguir. Nao .';e trata, ahsoillt:ullenrc, de ser otimista: antes,
de manter ;1fe no processo em curso, literalmente infinito, de
emancipa';3o e e.~c1arecimentoque, ern minh;l opiniao, (Ia C<lt.30
e sentido a voca~o intclectllal.
Com tudo isso, ainda e fonle ,Ie espanto para mim 0 fato de
que Orienta/imto continue sendo discutido e lradu~JdQpdQ milo__
do afora, em 36 idiomas. rar;:l.saos esfon;os de men qucrido
amigo e colega Gaby 'Pe'i:erberg, agora integrado a Universida_
de cla California (UCLA), antes professor na Universidade Ben
Gurion, em Israel, e.uste lima versao do livco em hehrnico, que
c:'itimulou um enoflne volume de discussao e debate entre leito-
res e estucliosos israclenses. AlCmdisso, sob auspfcios australia-
nos, umbern foi lao\"ada uma tradu.;3.o vietnamit:l; espcro nao
ser imodcsto de minha parte afirm:lc que as propostas intelcc-
/I
tuais Jeste livro abriram para si urn espa~o intelectual indochi~
nes. Seja como for, me Ja muito prncr, como autor que jarnais
havia sonhado um uestino uo auspicioso para sua obra, pcrce-
ber que 0 interesse naquilo que tentei reali7.ar com meuJivro
nio dc.'iapareceu por completo, em especial nos muitos paises
do "Orientc" propriamente dito.
Em parte, c claro, isso acontece porque 0 Oriente MCdio, os
arabes e 0 isla continua ram alimentando mudanps, conflitos,
controvcr.;ias e, no momelllO em que escrevo cstas linhas, guer-
ras. Como falei ha muitos anos, Orirnuzlismo C 0 produto de
circunstancias que sao, funJamentalmeme, 011 mclhor, radical-
mente, fragmemos. Em mell livro de memorias, Pora do lugar
(1999), dcscrevi os mundos estranhos e contradit(Jrios em que
cresci, oferecendo a mim mesmo e a mens leitores urn relato de-
talhado dos ccnarios que, pcnso eu, me forma ram na Palestina,
no Egito e no Libano. Contudo, Fara do 11lgarera apenas urn re-
lato muito pes..'ioal,que deixava de fora todos os anos de meu en-
gajatuento politico, iniciado dcpois da guerra arabe-israelense
de 1967, uma guerra em cuja esteira continuada (Israel <linda
ocupa militarmente os tcrritorios palestinos e as colinas de Go-
lan) os termos do confliw e as idcias em jogo, cruciais para mi-
nha gera~ao de arabcs e americanos, parecem continuar validos.
Mesmo assim, desejo afinnar mais uma vel. (Iue estc hvro e, nes-
se aspccto, minha obra intelectual de modo genl foram, de fato,
possibilitados por minha vida de acadcmico univer.;itoirio.A uni-
vcr.;idade americana - especialmente a minha, Columbia _,
com todos os seus tlefcitos e problemas tantas vezes apontados,
continua sendo urn dos raros lugares remanescentes nos Esta-
dos Dnidos onde a reflexao e 0 eSludo podem Deorrer de manei-
ra quase utopica. Jamais ensinei coisa alguma sohre 0 Oriente
Medio, pois, por treinamento e pritica, sou professor de huma-
nidades, sobretudo as europeias e as americanas, e cspecialista
em Iiteratura comparada. A universidade e meu trabalho peda-
gog-ieocom duas gera\lSc.'ide estndalltcs de primclra linha e ex-
celentc.'i coJegas possibilitaram 0 tipo dc c.'itudodeliberadamen-
te meditado e anal.tico presente neste livro, 0 qual, com toda a
11
urgenda de suas refercncias planetarias, continua sendo urn hvro
sobre cultura, ideias, historia c poder, mais do que sobre a poli-
tica do Oriente Medio tout court. En. 0 que eu pretcndia dcsdc 0
COlllC(,:O, e hoje isso e muito evidcnte e muito mais cristalino.
Ao mesmo tempo, Orirntnlismo e, em grande IIlcdida, urn li-
vro ligado a dinarnica tumuhuo~a da historia contemporanca.
Assim sendo, enfatiw que ficrn 0 termo "Oriente" nem 0 COll-
ceito de "Ocidente" tern estabilidade ontologica; ambos sao
constituidos de esfo~o hnmano - parte afirma~ao, parte iden-
tifica~ao do Outro. 0 fato de que essas rematadas fi~ocs se
prcstem facilmente a manipula~ao e a organi7.apo das paixOcs
coJetivas nunca [oi mais cvidente do que em nosso tempo, quan-
do a mobjIi7.a~o do medo, do 6dio e do asco, hem como da pre-
sun~ao e da arrog:incia ressurgentes - boa parte disso relacio-
nada ao isla e aos arahcs de urn lado, e a "nos", os ocidemais, do
outro -, e um empreendimento em c.'icab.muito ampla. A pri-
meira pagina de Orimtalismo se abre com uma de.<;cri~aode
1975 da guerra Clvillibanesa - que :lcahon em 1990 -, mas a
violencia e 0 lamentavel derramamento de .'languehumano pros-
seguem neste Clato minuto. livcmos 0 fracassn do processo de
pa7.de Oslo, a eclosao da segunJa intifada e 0 terrivcl sofrimen-
to dos palcstinos da Cisjordania c de G:n.a, reinvadidas, com
aviOcSF-16 e helicoptcros Apache israelenscs scndo utiliz.ados
rotineiramente contra civis indcfesos como parte de sua punj~ao
coletiva. 0 fenomeno dos ataque5 suicidas fez sua cntrada em
cella com tndos os seus danos horrendos, nenhum, evidente-
mcnte, mais chocante e apocallptico do que os acontecimentos
do Onre de Setembro e suas conseqiiencias, as guerras contra 0
Afcganistao C 0 Iraquc. No momento elll que escrevo cstas Ii-
nhas, a invasao imperial c a ocupa~ao do lraque pela Inglaterra
e pclos ESlados Unidos prossegue, ilegal e nao sancionada pclas
outras naplcs, proJuz.mdo destruil;ao fisica, inquieta~o politica
c mais invasOes- uma coisa vcrdadeiramcnte horrivcl de teste-
munhar. Tudo isso e parte de um suposto choquc de civiliza-I
\.oes, urn choquc scm tim, impladvel, irremediavcl. Contudo,
nao creio que deva ser assim.
11
Gostaria de podcr afionar quc a comprecllsiio geral do Orien-
tc Media, dos arabcs c do isla nos Estados Unidos ll1clhorou \1111
pOIlCO.!vbs, infcli7.mcntc, 0 fato e que isso nao ocorrcll. Por ra-
zoes dc t(xlos os tipos, II situalj30 na Europa parcce scr considc-
navdmente mdhor. Nos Estados Unidns, 0 endurccirncnto das
atitmles, 0 cstreitOlmcllto da tena1, da gencrali1-3ljao desellcora-
jallte e do cliche triunfalista, a sllprclIlacia da forlja hruta aliada a
11mdcsprem simplista pelos opositorcs c pelos "outros" Cl1con-
lraram mn corrclativo :ulcquauo no saquc, na pilhagclIl C na
dcslr\li~30 das hihliotecas c dos musclls do Iraquc. 0 que nos-
sos lfdcres e sellS laeaios intclcetllais pareeem incapazcs de com.
precndcr c quc a historb nao podc ser apagada, que eja nao fica
cm br<lllCocomo Hilla 10l1sa limpa para que "n<'is" possamos in.~-
crever nda nos.m proprio futuro c illlpor nossas pr,oprias forma:'!
de vida para qlle csses povos l11enores os adotclll. E b;lstante eo-
mum ouvir altos fUllciollarios dc Washington c de otltrus luga-
res f:!lando em llmdar 0 mapa (10 Orientc Mcdin, como se soac.
dadcs anti gas c mirfades dc povos pudcssem scr sacUllidos como
amendoins llUITlfr~sco. Mas isso ja al"onteceu llluit:1s vczes com
o "Oriente", esse constnlCto selllilllftico que, desde a invas30 do
Egito por Napoldo, no fim do scenlaXVIII,j:i foi feito e refcito
IIIll scm-mlmero dc VC7.es,scm pre pela fon;:! agindo por inter.
medio dc IItn tiro expedicnte de conhecimcnto cnjo ohjetiyo C
assevcrar que tal 011qual c a natureza do Oricnte, e que devclllos
li(br com de condi7...cntelllcnte, No proCCS50, os inul1leros sedi-
lIWI1t().~de hist6ria (Ille indllclIl incollcivcis hisl6rias e \Jill:! varic-
dade cstomeantc de povos, lfngu:!s, cllperienci:ls e (:ll1ttlfaS, tmlo
isso e desqualificado all i~norado, rclegado ao 11l011turo, junta.
lIlcl1te corn os tesouros esmigalhados :He formar fr:lgmelltos ill~
significantes - como e 0 casu dos tesouros retiralios lias biblio-
tccas e llHlseus de Bagd:1.. Em minha opiniao, a historia e feit.a
por hOl11cl1sc lTlulheres, e do lIIeSIllOmodo cia tamhCll1 pode scr
dc.~fcira c rcescrita, sempre com v~rios siiellcios e e1i.~i'ies,scm pre
com forlllas impostas e dcsfigur:!l11clltos tolerados, de modo que
o "nusso" Lcste, () "l1oss0" Oriente possa scr dirigido e possufdo
por "nos",
Serl:!. () ca.m de ell di1.er \1I11aVC1.lllais IjUe nao tenhn 11m
Oricl1Ie "rcal":1 defender. 'lcl1ho, contuclo, ellonne considefaiOan
pela fort:!lc1.a (las pes.~oas da<JlIela parte do mUlldo, hem COIllO
pur seu esfor~o de contillllar Inumlo por sua c()l\cep~ao do que
sao e do que desc;am ser. As sociedades cOlltcrnpor~nea.~ de ara~
hcs e IIll1t;uhnanos sufreram \1m :ltaque tao maciiOo, lao calclllada-
mcnte agressivo em ra1.30 de scn atraso. de Slla faha de UClllocra-
ci!. e de sua sllpressao dos dircitos das lDulhcres que sillJplesrnc[lte
csqucCClUOS.J~u.~oes como mOilernidade. iluminismo c demo-
cras;iaJliiQ .sao .•.._dunodo...algw.n..a:u.lCcit.olO-li.Uul'l.,$ c rumenS!mis
que se encolltralll 011nan, C0l110ovos de Pa.~coa, na sala (Ie casa.
A Icviandadc estarrecedora dos pllhlici~las inconse{jiientes que fa-
lam cm nome (b polltica externa e que nao tem a mcnor m~30
da vida real nesses Illg'l1res(nelllllenhultl conhecimento da lingua
Oil du qlle :!.~pessoas rC<liscfetivamentc falam) fahrieou \1m:! p:!i-
sag-cm ;irida a cspera de {lue 0 poderio al1lcricano venba cons-
Iruir \lllI lII(Xlclo 511cedanco de "democracia" de livre mercado,
scm IIcm scquer a somhra de \lma d,ivida de qlle tais projetos nao
cxistcm fora da Academia de Lagado, de Swift.
'Eunhem dcfendo 0 POlltO de vista de (Ille cxiste IIllla (Iife-
ren~a entre mil conhecimelltn de O1ltroSpovos e 01llra5 cras que
resulta da cOlllpreens30, da cOJnpaixiio, do esttu!o c da anilisc
cuidadnsos no interesse deles IllCSlllOSC, (Ie OIltro lado, conheci-
mento - se Cque se trata de conhecimento - integrado a lima
campanha abrangcnte de allto-afinn:!~~o, bcligedncia c hl"uerra
dedara(la. Elliste, afinal, \lma profunda (lifercn~a entre 0 desejo
de cOl11prcender por ra7.(les (Ie coellisteneia e de alargamcllw de
hori7.ontes, e 0 dcsejo (Ie con!tceimcnlo por ra1.oes dc controle e
dlllllinar;ao elllerna. Scm (hivida trata-:;e de mIl:! das carastrofcs
il1lclectuais d:! hist{Jria 0 (ato de (lllC 11m:!gucrra impcrialista fa-
hricada por \lm pe(IUellO grupo de fllllcion~rios IJ(lblicos none-
americanos nao elcitos (e que algncll1 ja chamoll de ,bid'w-
hl1l1'kJ, pclo f;lto de (Itle nenhul1l tlcles fcl. servir;o l11ilitar) tenha
sido dc.<;cllcadeada contra lI111aditadllra em frangalhos 110lCrcei~
ro Mundo por ra7.lies puramellte idcoU)~icas, ligad'ls ;l dOlTlilla~
\30 l1lundial, cO/lIrole lIa segllran~.a e cs(~asse7.ric r(,l~ursos, po-
"
I'
I,
rem com os reais objetivos mascarados - e sua ncccs.~idade de-
fcnclida e explicada - por orient~lisus que miram 0 compro-
misso acadcmico. As principai~influencias sobre 0 Pcncigono e
o Conselho de SegurallYi Nacional de George W. Bush foram
homens como 8ernard Lewis c Fouad Ajami, espccialistas em
.munao arabc e islimico que a;udaram as aguias amcricanas a
pensar fcnomcnos csdriixulos como a mente arabe e 0 dcdinio
isla-mica ocorrido h:i muitos scculos como alga que :ilpcna.~0 po-
dena americana poderia reverter. Hojc em dia as !ivrari:ls norte-
americanas c.~tao lotadas de impressas de ma qualidadc osten lan-
do manchctes alannistas sobre 0 isla e 0 terror, 0 isla dissecado,
a amc:u;a arabe e a amca~a mur;ulmana, tudo c.'icrito por polemis-
las politicos que ale gam deter conhecimentos oferecidos a des e
a outros por c.••pecialistas que, supostamenle, atingirnm 0 imago
desscs estranhos e remotos povos orientais que tern sido UIII es-
pinho tao terri ..•.eI em "nos. ••a" carne .. Toda essa sahedoria belico-
sa e acompanhada pelas onipresentes CNNs c Foxes deste mon-
do, jum:unemc com quantidades mirificas de emissoras de ddio
cvangclicas e direitistas, aIem de incolltaveis tabl6ides e ate jor-
nais de porte medio, todos reciclmdo as mesmas f.ihulas inveri4
ficiveis e as mesmas vasta ••genernlizal;Ocs com 0 prop6sito de sa-
cudir a "America" contra 0 diabo cstrangeiro.
Mcsmo com todos os sens tcrrfveis fracas..••os e sell ditador hl-
mentavcl pareialmente criado pela politica americana de duas
rlccaclas alras, 0 fato e que, se 0 Iraque Fosse 0 maior exportador
mundial de bananas ou laranjas, scm duvida nao teria havido guer-
ra nem histeria em tarno de armas de destnlil;:lO em massa mis-
teriosamente desap;l;recid;l;s, e cfetivos de proporl;oes dcscomu-
nais do excrcito, da matinha e da aeronautica nao teriam sido
transportados a \lma dist:i.Ol.;ade mais de II mil quilometros com
o objetivo de destruir \l1ll pais que nero os amcricanos cuhos C04
nhecem direito, mdo em nome da "!iherdade" Sem um senti-
mento bern organiz.ado de que aquela genre que mora hi nao e
como "n6s" e nao aprccia "nossos" valores - justamentc 0 cer-
ne do dogma orient.alist.a tradieion.al, tal como descrevo seu sur-
gimcmo c S\la circuJal;ao neste livro -, nao leria havido guerra.
16
Ponamo, ria mesmissima mesa dirctora de academicos a sol-
do - aliciados pdos conquistadores holanclescs ciaMalasia e cia .
Indonesia, pelas armadas britanicas cia india, cia Me.'mpot:i.mia,
do Egito e cia Africa Ocidcntal, pelas armadas francesas lIa In-
dochina e do Norte da Africa - vieram os eonsultores america-
nos que assessoram 0 Penragollo e a Casa Branca usando os
mesllIns cliches, os mesmos estereotipos mortificantcs, as mes-
mas justificativas para 0 usn da for~a e da violcncia (afinal de
comas, diz 0 coro, a forl;a (; a unica linguagem que aquela gcn~
te cntende), tanto no caso atual como nos que 0 precederam.
Agor.a fOI juntar-se a es..••as pessoas, no Iraque, um verdadeiro
cxercito de empreiteiros privados e emprcsarios avidos a quem
serao confiadas todas as coisas - da e!al)()ral;aO de Iivros dic);i-
tiens e da Constituil;ao nacional a rcmodelagem da vida polltica
iraquiana e da industria petrolffera do pals. -10<105os imperios
que ja existiram, em seus discursos ofici;lis, afinnaram nao ser
como os outros, explicaram que suas circunstancias sao espc-
ci<1is,que existcm com <1missao de educar, civili7..ar e instaurar a
ordcm e a demoeracia, e que s6 em liltimo caso recorrem 11for-
I;a. AlCm disso, a que {;mais tristc, semprc aparece urn cora de
intelectuais de boa vontade para dizer palavras pacificacloras
acerca de imperios benignos e altmistas, como se nao devcsse-
mos confiar na evidcncia que nossos pr6prios olbos nos ofele4
cern quando contemplamos a destruipo, a miseria e a mone
traz.idas (lela mais recenle miJIiun ewi/isatriet.
Uma das contribuil;oes especuH~amente. americanas ao dis-
curso do imperio c 0 jargao pr6prio dos especialistas politicos.
Ninguem tern necessidade de saber arabe ou persa ou mesmo
franccs para pontificar sabre como 0 cfeito dominb da dcmo-
cracia e exatamcnle aquilo dc que 0 mundo arahe ncccs.siu. Es-
pccialistas politicos combativos e deploravelmenre ignorantes,
cu;a expcricncia de mundo se limita a livros superficiais que cir-
aJiam par 'Vashington sohre "terroriSIlIO" e Iiberalismo, 011 so-
bre 0 fundamentalislllo islimico e a politica externa americana,
011sabre 0 fim dOl hist6tia, mdo issocompetindo pela atenl;30
do publico e sem a mellor prcOCllpaf;aO com confiabilidade ou
17
!IL
reflexao ou alltentieu conhecimento. 0 liue conta Ca eficicncia
c a engcnhosidadc lio tClIto e, par assim dizcr, quantas irao
morder a iSCl.U pior aspccto Ilesse material csscncializame e
que 0 sofrirnento humano, em toda a sua densidadc, e ec1ipsa-
do. A memoria, e com cia 0 passado historico, e c1iminada,
como na conhecilla c desdcnhosamcnte insolcllIc cxpressao in.
glcsa "you're historyn [voce ja era).
Vinte e cinco anm t1epoisda publica\ao de mCIIliveo,Orim-
tlllismo mais uma vez suscit2 a questao de saber se algum <lia0
Impcrialismo moderno chegoll ao fim, 011 se cIe se manlcve no
Oriente desde a entrada de Napolao no Egito, dois seculos
atras. Dcclarou-sc aDsarahes e lI1u\ulmanos qlle a vitimiza~ao e
o cultivo da lista de (lcprcd2~ocs do impc.-io nao sao mais do (Iue jc.....;~
Olnra manein de c1udir a responsabili(l:Jde no presentc. Voces -A
falharam, voces se cstragaram. djz 0 orieDt21istalUodcm.,g.lam.
bern e essa, cvidememenle, a contriblli\'ao de V.S. Naipaul a li-
Icralura: que as vitimas do imperio continuam se Jamcntando
enquanto sellS paises desmoronam. Que avalia\'io superficial da
intrn ••ao imperial! Que maneira mais SUmarla de lidar com a
imensa diston;io intrOllul.ida relo imperio na villa dos povos
"menores" e das "ra\,as submctidas", gera~ao apc::.sgera\'io! Que
faha de vontade dc encarar :along:asuccs.••ao de anos durante os
quais 0 imperio continua a se introduzir nas vidas, digamos, de
palestinos ou congoleses ou argelinos au iraqllianos! Admili-
mos, com justi~a, que 0 Holocaust<>aherou permanentemente a
consciencia de nosso tempo: por que nio reconhecer a mesma
mutalfao epistcmol6gica n<ts<t~cs do impcrialismo e no que 0
orientalismo continua a fazer? Basta pensar na linha que se ini-
cia com Napoleiio, passa l?c1aascellS30 dos csrudos orientais e
pela tomada do Norte da Africa, e continua em empreendimen.
tos similares no Vietna, no Egito, na Palestina e, durante todo 0
seculo xx, nos conflitos rclacionados 010 pClr6Jeo c ao conUolc
estrategico no Golfo, no fraque, na Siria, na Palcstina c no Afe-
ganistao. Em seguida hasta pensar, cm colltrapol1to, na ascensao
do nacionalismo anticoloni:ll, durante 0 curto perrodo de iode-
pcndencia liberal, na era de golpcs militarcs, insurgcnda, guer-
18
ra civil, fanatismo rcligioso, confrontos irracionals e bnttalida-
de intransigente contra a turma de "nativos" da vez. Cada uma
dessas fases c eras produz seu proprio conhecimento distorddo
do mitro, bern como suas propria.~ imagens redutivas, suas pro-
prias polemicas Iitigiosas.
Minha idCia, em arimtolinl101 e utilizar a critic!! bllmaQi5~
~)()r os campos de contlito: introduzir ulna seqiicncia mais
onga e pensamento e analise em substituilfao as breves rajadas
de ruria polemica que paralisam 0 pensamcnto para aprisionar-
nos em etiquet2s e debates 211tagOIll.~tascujo objctivo e uma idcn-
tidade colctiva beligerantc que se sobreponha a compreensao e
a troca intelectu21. Chamei aquilo que procuro fa7.erde "huma-
nismo", palavra que continuo leimOS21llentca utilizar, malgrado
a ab<tndono altivo do termo pelos sofisticados enricos pOs-mo-
demos. Por hmnanismo entendo, antes de mais nada, a tentati-
va de dissolver aquilo que nJake chamou de grilhoes forjados
pela mente, de modo a tcr COJl(li~ de utilizar historica e racio-
n21mente 0 proprio intclecto para chegar a uma comprccnsao rc-
f1exivae a \1mdesvendamento genulno.
Is.<;osignifica que cada campo individual est;) ligado a todos
os outros, e que nada do que aconlece em nosso mundo ,;e da
isoladamente e iscnto de influencias extemas. A parte dcsanima-
dora e que quanto mais u estudo cciuco da cultura nos demons-
tra que e :lssim, menos influencia essa concc~ao parece ler, e
mais adeptos as polari7.a~Ocsterritoriais redutivas do tipo "isla
versus Ocidentc" parecem conquistar.
Para aqueles de nos que por for~a das circunst:incias levam
a vida pluricultural determinada pcla questio isla-Ocidente, hoi
muito acredito haver uma res:pollsahilidade intelecrual e moul
espcdfka ligada ao que fazcmos como academicos e intelec-
ntais. Certamcnte penso que nos cabc-complicar clotl de.<;cons-
truir as formulas redtltiva.~e 0 tipo de pensamento 3bstrato - mas
poderoso - que afast.a0 pen.~amento ciahistoria e da ellpericn-
cia humanas concret:\s pan condu1.i-lo aos campos da fic~ao
ideologica, do eonfronfo metaffsico e da paixao coletiva. 1550 nao
qucr di7.Crque sejamos illcapazes de falar sobre quest6es de jus-
19
ti~a e sofrimento, mas sim que e preciso que 0 f:l.f;amos, sempre,
dentro de um conteno ampLtmente situado na hisloria, na cul-
tura e na realidadc socioeconomica. Nossa fun~ao c alargar 0
campo de discussao, e Ilio estabelecer limttes confonne a auto-
ridadc predominante. Passci boa parte de minha vida, no dccor-
rer das ultimos 35 anos, defendendo 0 direito do povo palesljno
a alltodeterminat;io, mas sClllpre procurei fau-Io mantenda-me
totalmentc atcnto a realid:Hle do povo judeu e ao que ele sofreu
em materia de perseguit;ao e genoddio. Mai.~ importante do que
ruda c dar ao conflito pela igualdade na Palestina e elll Israel 0
sentido de perscguir um ohjetivo humano, au seja, a cocxisten-
cia, e nao 0 aumento da sllpressao e da denegat;ao. Nao por aca-
so, chamo a atent;ao para 0 fato de que 0 orient:llismo e 0 al!.ti.-
semitismo modern!) tClU.ufu:s c0w,uns. A~sim sendo, considero
"i'ima l1eces.~idade vital que os intelectuais independenles apre-
scntem scmpre modclos alternativos aos modelos redntivamen-
te simplificadores e aos modclos restritivos e baseados na hosti-
lidade mlltua que hii tanto tempo prevalcct~m no Oriente J\lcdio
e em outras partes do mundo.
Agora eu gostaria de falar sobre \l1Il modelo difereme, que
foi llluito imporlante para mim em meu trabalho. Em minha
qualidade de humanista que trabalha COUlIiteratura, tcnho ida-
de suficiellte. para ter feito meus estudos h:i quarenr.a anos, no
campo da Iiteratura comparada, cujas ideias centrais remontam
a Alemanha de fins do scculo >,....vm e infcio do scculo XIX.An-
tes, prcciso menciomr a contribuir;ao extrema mente criauva de
Giambattista Vico, a fil6sofo c fil6logo napolitano cujas idiias
alltecipam, c mais adiante permciam, a linhagcm de pensadores
alemaes que estou prestes a citar. F~<;sespensadores pertenccm a
era de llerder e Wolf, posteriormente conunuados por Goethe,
Ilumboldt, Dilthey, NieI7.sche, Gadamer e, finalmente, as gran-
des filologo.~ romiinicos do seculo xx: Erich Auerbach, Leo Spit-
zer e Ernst Robert CurUus. Para os jovens da gcrat;ao atual, a
mera idcia de liloJogia sugere uma eoisa abmnlamentc antiga e
embolorada, ma.<;na realidade a filologia c a mais b:isica c cria-
tiva das artcs intcrprctativas. Para mim, cia se exernplific.a admi-
20
nvelmente no interesse de Goethe pelo isla em geral e poe Ha-
fiz em particular, uma paixao dcvoradora que 0 levou a compo-
sir;ao do Divii ocidm(4!-oricntd! e que direcionou suas ideias pos-
teriores sobre a r¥t:!I!iuralUr {literatura l1lundialj, 0 estudo do
conjulllO das literaturas do lJ1undo visto como um todo sinfOni-
co que podia ser apreendido teoricameme, preservando-se a in-
dividualida(lc de cada obra sem perder 0 t(J<lode vista.
Assim, h:i uma ironia considedvcl na pereep~ao de que, a
ml.'dida que 0 munda globalizado de hoje cerra fileiras conforme
algumas das maneiras deplor:iveis que dcscrevi neste pref:icio,
talvn estejamos nos aproxjmamlo do tipo de estandardiUl~o e
homogeneidade que as idcias de ('-.oethe foram cspecifieamente
formuladas para prevenir. Num ensaio intitulado "Philologie der
WcltJiteratur" [Filologia da Iitcratura mundialj, publicado em
1951, no limiar do pcriodo do pos-guerra - que roi tamhCm 0
inicio da Guerra Fria -, Erich Auerbach afirmou exatamelHe
isso. Sen grande livco, Mimesis, puhlicado em Berna em 1946
mas escriloenquanto Auerbach era exilado de guerra e Icciona-
va lfllb1Uasromanicas em Istamhul, seria um testamento sobre a
diversid~de e a concretude d~ realidade rcpresentada na Iiteratu~
ra ocidental, de Homero a Virginia Woolf. Ao ler 0 emllio de
1951, cOlltudo, percebemos que para Auerbach a grande livro
escrito por cle era uma clegia para \lma cpoca em que as pcssoas
cram capal.CS de interpreur os totos filologicamente, concreta-
mente, sensivelmente c intuitivamcntc, rccouendo 3 emdi~:io c
a um excelente dominio de diversos idiomas como cmbasamen-
to para 0 tipo de compreensao advogado por Goethe para SUlI
concepr;ao da literatura isliimica.
Era imprescindfvcluffi conhecimento concreto de Ifnguas c
de historia, lIlas is.so nunca foi suficiemc, assim COIllOa coleta
lllecaniC3 de faws nao constilufa metoda adeCJuado para COIl1-
prccnder do que lratav3 urn autor como Dante, por excmplo. 0
requisito hiisico para 0 tipo de comprecnsao filol6giea a CJllC
Auerbach e sellS predecessores se refcriam - c que tralavam de
praticar - era \11m penetnc;ig s1]bjetiv:J e cmp:hinl (r:ingefiiUm)
I\a vida de \l1ll texto escrito, yenda-a da pcrspectiva de seu telll-
21
I
l
po e ~cu autor. Em vez dc alicna~ao e hostilidaue para com uma
epoca e um;!.cultnra distintas, a filologia, tal como aplieada 3 li-
teratum universal, pres~llpllllha urn profunda espfrito human is-
ta empregauo com gcnerosidade e, sc me peTmitelll 0 termo,
com hospitalidade. Assirn, a mente do inteTprete abre ativ3men-
tc espa~o para um Outeo nao familiar, e essa abertllm criativa de
\1m espayo para obras que, no m;!.is,sao estrangeiras e distantes
c a faceta mais importante da missao filol6gica do interprete.
Obviamentc, mdo isso foi minado e dcstmido na Alemanha
pelo narismo. Dcpois da guerra, registra Auerbach mclaneolica-
mente, a estandardiuyao (bs iueias e a cspccialivH;ao eada vez
maior do conhecimento Coramgradualmcme estrcitando as opor-
tunidades para 0 tipo de trabalho filo1oj,ricoindagador e {lercne-
mente investihT<ltivoque ele representava; por dcsgrar;a, C 'Jinda
rnais dcprirnentc constatar que, desde a motte de Aucrbaeh, em
1957, tanto;!. idCi'Jcomo a pratica da pe.~qllisalmmanista sc re-
trafram em amplitude e em centralidade. A cultura do livro ha.
sead-aem pesquisas de arquivo bern como as prindpios gerais de
vida intelectual que urn dia fonnaram as bases do humanjsmo
como disciplina hist()rica praticamente dcsapareceram. Em VCl.J
de lcr, no sentido real da palavra, hoje Cfreqii~nte vennos noss~s
estudantcs se cxtravlarem por obra do eonheCllllento fragmenta-
rio disponivel na internet enos melos de comunicar;ao de massa.
Pior ainda, a cdllcar;ao e ameay3da por ortodoxias naciona-
[istas e religiosas constanlemcnte disscminadas pelns meios de
comunica~ao de massa que focalizam a-historicamente e de ma-
neira sensacionalista gucrras elctrollicas remotas, transmitindo
a audicneia 0 sentimento de preci.~aocirurgica, mllSna rcalida-
de cncombrindo () sofrirnento e a destruis:ao terriveis produ-
zidos pcill guerra "Iimpa" de haje. Na dcmonizll<;ao de urn 1111-
migo desconhecido, em relar;ao ao qual a eriqueta "terrorista"
serve ao prop6sito geral de manter as pcssaas mobilizad'Js e cn-
nivecidas, as imagens Ja midia lltracm aten~~aoexccssiV;le po-
clem ser exploradas em cpocas de cnsc e inseguranr;a do tipo
proJuzido pela perfodo p{)S On7.ede Setembro. Falando ao rnes-
mo tcmpo como ngrte-americano e como arabe, tenoo de pedir
2Z
ao meu leitor que nao snbestime 0 tipo de risao simplifiqda do
illundo que nm gmpo relativamente pequcno de civis dc elite li-
ga(IOS;lOPemagono fortnuloll para a politica Jm K~tadosUnidos
em todo 0 muntlo af3be c em todo 0 mnnda islamico, uma visaa
em que 0 terror, a guerra prevcntiva e a mmlanr;a unilateral (1e
regime - sllstentados pelo orr;amento militar mais polpudo da
hist6ria - COl1stitucmas idcillScentrais, dcbatidas incamavcl e
empobrecedoramente pol' \lma mfdi;l quc se aITog:l0 p<lpclde
fomecer supostos "espcci:llistas" que validem a linha gentl do go-
verno. Dcvo observllf, ainda, que esta longe de ser cnincideneia 0
fato de que 0 general Sharon, de Israel, que em 1982 liuero\l a in-
vas~o do Lillano com 0 objetivo de mudar 0 govemo lih31lese
matou 17 mil dvis 110 processo, Cagora IIlll parceiro (Ie George
W Bush na "pn", e (I"e nos E.~t:ldosUnido.~,pelo menos, nao
houve conlestar;ao sundente da tese Juvidosa de que so 0 pode-
rio militar sed capaz dc alterar 0 mapll do pl:meta.
Reflexao, debate, argumentar;;lo racional, prindpios Illor:lis
baseados na no<;aosecular de que 0 ser Imm<lnodeve criar sua
pr6pri-a hist6ria - nldo isso foi substitufdo por idcias abstratas
que eelebram a excepcionalidade american-a ou ocidcnral, deni-
grem a relevanda do contcxto e veem as outras euhllras com
dcsprew c descaso. Talvez alguem me diga que exagcro em mi-
nhas transi.;:i"lesahm{llas entre iJJlerprcta\ao hllmanista, de mn
lado, e polftica externa, de outro, e que uma socicdade tecnol6-
gica moderna que, a par de seu poderio sem precedentes, possui
a internet c os jatos de guerra F-I6 deve, -annal, ser Iiderada por
cspecialistas tccnico-polfticos formidavcis, como Donald Rums-'
fcld e Richard Perle. Nenhum dos dois, lima vez dcfhgmda a
gucrr;l, participaria Jos combates, que f"icarama cargo de 110-
mens e mulheres menos afortllllados. 0 que se pcrelell vcrdauci-
ramcntc, contudo, e 0 sentido da dcnsidade e da intcrdepen-
deIlcia da vida bumana, no~~oesque n~o podem ser reduzidas II
f6rmubs ncm afastadas como irrclcvante.~.Mesmo a linguagcm
da guerra plancjada C Ilesum,mizadora ao cxtremo: "vamos Cll-
trar la, tirar 0 Saddam, destnm 0 Excrcito dele com golpes hm-
pos, cirurgicos, c tolios vao achar 0 maximo", disse lim membra
Z3
I
I
do Congrcsso lIlIIa noite dessas em rcdc nadonal de tclcvisao.
Parece.mc inteir:uncnte exprcssivo do mOlllenta prcc:irio que
CSlamos vivt:lldo 0 fato de que, ao pronunciar seu tJiscurso li~
nha-dura de 26 de agosto de 2002, suhre a llccessidatle ill1pera~
tiva de at;Jear 0 lraquc, 0 vice-presidentc Cheney tcnha citado,
como seu unic() "especialista" em Oriente Medio _ favoravcl:a
intervcn~ao militar no lraqllc-, um aC:Hlcmieo arabc que, como
consultor rClIlullcr:Hlo pela madia de massas, rcrete todas as noi-
les pela tclevisao sell &Iio por sell proprio 1'0\'0 e S\J:trcnuncia
::In proprio passado. Mais ainda: em SClL'ies(or~os, c"<;seacadcmico
cOllla COlli 0 apoio dos militares e dos grupos de prcssao sionis-
tas nos £..<;1<1<105 Unidos. Ulna tal tTO/';;OI1 da clrra e lim intoma
dc como 0 hum:mislllo genulno pode degenerar ell Jingoism e
em falso patriotismo, , __ -'"''-0 1
•Esse e urn dos lados do debate global. Nos pafses arabes e
Inm;ulmanos, a sitlla~30 n30 chega a ser muito melhor. Como
afinna I~Ollla Khalaf em sell exce!entc artigo pllhlieado pelo Pi.
'Iancia/ Tim(J (4 de sctembro de 2002), a regiao escorregou para
urn antiamericanislllo facil que nlUstra pouco entendimento do
que os E.stados Unidos efetivamente sao como socieJadc. Rcla-
tivamente impolentes para influenciar .a polilica norte.america-
na, os govcrnos acaham voltando suas cnergias para a repressao
e a conlens:ao de suas popula,()cs, 0 que provoca ressentimcnto,
ira c imprecas:oes impolentes que em nada contrilmelll para arc.
jar sociedades em que as iJcias secularcs acerca da hist6ria e Jo
desellvolvimento humanos for.un sobreplljadas pelo lIl:Jlogro e
pcb (rustras:ao, e tambCm por um islamismo constrUido a partir
do aprenJi1..ado mecinico, da obliteraC;3o do que c percebiJo
como fonnas competitivas de conhecimento secular, e da inca.
pacidade de analisar e imercamhiar ideias no amhito do mundo
prcdOluinanlemcnte discnrdante do discurso moderno. 0 desa-
parecirncnto gr.Hlu31 da e:xtraordin1iria 1radis:ao do ijtihad is1a-
mico (oi um dos maiores desastres do nosso tempo, com 0 re-
sultado de que a pensamenlo crftico e os emhates irulividuais
di:mte dosproblemas do munJo modcrno simpleslllelHe safram
do ccn;irio. Em ve7. disso, imperam a ortodo~ia e 0 dng:ma.
Isso nao signific:l (Iue (J mundo cultUral tenha Sillli)le~l1Iente
regredido, de mn lado, para mIl neo-orientalismo bdigerante e,
de out.ro, para a rejeic;ao colctiva. COlli efeito, a rccellte Cupula
Mun(~,al. das Na,()es Unidas em Johanneslmrgo, COIll todas as
suas IIl111ta~es, revdou IIllU vasta area de preoctlpalj3o gloool
romum euja.~ atividades CIlI torno (ie (l\lest6e~ relacionadas a
lI1eio ambiente, fome, ahislllo entre iJaiscs t1esenvolvitlos e paises
ell1 desenvulvimellto, saLide e dircitos hultlanos apootam para a
emergcneia belll-vinda de mn novo c1eilorado ('oletivo qlle ('011.
fere urgencia rellovada a lIos:iio lamas ve1-CSfaeil de "um s()
mundo
n
• Em ludo isso, porem, somas fors:ados a reconhecer
(Iue ninguclII tem condis:<'lcS de avaliar a IIllidade exlraordina_
ria e complexa de nosso Illundo globali1.a(lo, a despeito do fato
d: q~e, CO~10afirmei no inkio, () lIIundo lem um3 interdepcn.
dellela deltva enlre as partes que nao deill3 nenhuUla possihili-
dade genllina de isolaeiollislllo.
Descjo conduir insistilldo neste pOllio; as terrfveis conllitns
reducionistas que agnlpam as pessoas sob mbricas falsall1ente
unificallons COlllO"America", "Oddcntc" 011"Isla", inventando
idenudades coletiv.as para muhidoes de indivfduos que na reali.
Jade sao muito (lifcrelltes uns dos outros, nao podel1l conti.
nuu tendo a fors:a (Iue tem e (Icvelll ser cmnbatidos; sua efid-
ei3 assassina pn.-cisa ser r.adicalmente re{luzida tanto elll cfideia
COlllOem poder IllObili7.ador. Ainda Jlodemos recorrer as artes
intcrpret3tivas raciona!s, legaclo da cultura hum3l1ista _ nao
COIll a atitudc piedosamente sentimental de quem advoga a re-
lomada dos nlores tradicionais au a volta 30S cU.ssicos, mas
COlli 3 pr:itica ativa do dicurso racional, secular e profano. 0
mundo secular c a mundo da hist6ria - da hist6ria \ist3 como
algo feito por seres hurnanos. A aC;aohum311a e.~lasujeila i invc.'i-
ti~a5'ao ~ a analise; a intcligcncia tem como missiio aprcentler,
cntlClr, lIIf1uenciar e julgar. Antes de mais nada, 0 pcnsamento
crltico lIi~ se slIumete a poderes de E.stado Oll a injlln~r,es para
cerrar filelfas COlli as (Iue mareham contra este au aquclc inillli-
go sacramemado, Mais do que no chnquc manufaturado de ci-
vilJza~oes, I)rccisamos concelHrar-nos no lelHo trabalho conjull-
2J
n - _ • , • ~ • "' ,-- ". ..: .1, .:. ",. ., ,"', , •..•
I
I
to de culturas que se sobrqxjem, tom:lln isto 011 aquila emprcs-
tadu \lma a outra e vivem juntas de maneiras muiw mais intercs-
santes do que qualquer modo ahreviado ou inautentico de com-
preensao poderia supor. Acontece que esse tipo de percc~ao
mais ampIa exige tempu, paciencia e indag-.u;aocritieJ., construl-
dos :I. partir da fc em comunidades Yoltad:l.spara a inrerpreta-
~ao, tao dificeis de manter num lTIundo que exige al;iio e rca-
~ao instantancas.
o hUllIallismo csta centradu na a~ao da individualidade e da
intui~ao subjeciva humanas, mais do que cm idcias prontas e na
autoridade aceita. Os tex:lOsprccisam scr lidos como texlos pro-
duzidos no domlnio hist6rico e quc nele vivem, sob uma varic.
dade de mOl,:!osprofanos. Isso, contudo, nao exdlli 0 {loder. De
modo algum. Pelo eontrario, 0 que procurei demonstar em meu
livro foram as insinua~oes, :IS imbrica~Ocs do poder mcsmo no
mais recondito dos c:ampos de esmrlo.
E, finalmente, 0 que de fato importa e que 0 humanislllo e
nossa unica possibilidade de rcsistcncia - e ell chcgaria mesmo
ao ponto de dizcr quc ele e nossa ultima possibilidade de resis-
tencia - contra as praticas desumanas que desflguram a histb.
ria humana. Hojc somos favorecidos peln campo democr:hico
fantastieamente allimador do eibcrespa~o, abcrto para tmlos os
usmtrios de maneiras jamais sonhadas pelas gera~ocs antcriores,
tanto de tiranos como de ortodox.ias. as protestos em escala
Illundial logo antes do inicio da guerra no lraquc nan tcriam
sido possiveis scm a existencia de comunidades ahernativas pelo
mundo afora, comunidades informadas peb rede altemativa de
informa~a(J e agudamente conseientes das inidativa.s ambicn.
tais, de direitos humanos e tibcrtarias que nos unelll a todos nes~
te minuscul() planeta. Nao e f:ieil esmagar 0 descjo humano e
humanista por esclareeilllento e emancipa~ao, a despeito do po-
derio inimaginavel da oposil;':ao que essc desejo suscita nos
Rumsfelds, Bin L;ulens, Sharons e Bushes deste mundo. Eu gosJ
taria de acreditar que Q,';mt"lismo teve urn parel no longo per-
curso, tant:ls veus interrompido, rumo 11liberd;ulc do homem.
"
INTRODU<;:Ji.O
Numa visita a Beirute dur,U1tc a terrlvcl guerra civil dc
1975-6, um jornalista .francg escreveu com pcsar sobre a area
dcscrta n~ centro da cidade que "eJa O\ltrora parecia pertencer
[ ... J ao Onente de Chateauhriand c Nerval".l Ele cinha razao so-
bre 0 lugar, e claro, e especialmcnte no qne dizia respeito a um
europcu. a Oriente era pratieamente uma inven~ao europcia e
fora desde a Antigtiidade um lug-arde epis6dios romancscos, se-
rcs ex6tieos, Icrnbranps e paisagens encantadas, expcricncias
extraonlinarias. Agora estava desaparecendoj num cerro senti.
~Io,j:i dcs:lpareccra, seu tempo havia passado. Talvez parecesse
~rreJevante que os pr6prios oricntais tivessem alguma cois:l em
Jogo nesse proeesso, que mesmo no tempo de Ch:ltcaubriand e
Nerval os orientais tivessem vivido ali, e que :lgora fos.~cmeJes
que estavam sofrendoj 0 principal para 0 visitantc curopcu era
~lIla ccrta represenra~ao europeia - compartHhada pelo joma~
lista e por seus lcitores franceses - a respcito do Oricnte e de
seu destino atual.
0••amcrjca110Snao sentirao exatamente 0 mesmo sobre 0
Oriente, que mais provavelrnente associarao ao Extremo Orien-
te (principalmeme a China e ao japao). Ao contnlrio dos ame-
ricanos, os francescs e os britanicos - e em menor medida os
alemaes, os rus.~os,os espanh6is, os portugueses, o.~italianos e
os sUll)OS- tiverarn uma longa tradit;!2,. d!J..llue vou chamar
Orimtatismo, um modo de abordar 0 Oriente que lern CO'I-lO
.,funJamento p lu~! espeCial do Oriente fia qpcrjcncia ocidCl'•.
ijl europ6a. 0 Griemc nao c apcnas adj~n:nte a Europa; c 1aOl-
bern 0 lugar das maiores, mais ricas e mais antigas colonias eu-
ropeias, a fonte de suas civi1iz:l\oes c \i"nguas,SCIlrival cultural e
27
I'OSJiACIO DA EDl<;:Ao DE 1995
Orirnlali.f1/fo foi C{)l1cluido no final de 1977 c pubJicauo \1111
ano lI\;:lis tarde. Foi (c :linda c) 0 {mica Jivro que cserev! como
\Iln gc~to contimlo, c01l1cpmuo pela pcsqllisa, passando p.or va-
rios rascunhos, atc chegaT ~ vcrsao final, c:H13ctapa .~cgulJldo a
outra scm intcrrupt;ao ou distrat;;10 Seri;l. A cxce~1io de 11111 :mo
(1975-6) m:tnwilhos:lmcntc civilizado c rc!aliv;lmcntc scm es-
torvo COIllO bolsista no Centra par;!. Estlldos AV;lnpdo.~ nas
r.icnci:l.~ rio Comp0rlamento em Stanford, live l11uito [louca
apoio 011 interesse 1\0 l1lundo exterior. Rcccbi c.~tfm\ll()s de \lin
Oll dois :lInigos c de minha familia proxima, m:lS cstava lange de
set claro sc podcria illtcrcssar a \1111publico gCf;lllllll cSluda so-
bre a mancira como 0 poder, a crudir;ao c a illlagilla~ao de Ulna
tradi<;:io dc JIll-CIllOS<lnm Il;l Europa e na Amcrica viarn 0 Orien~
tc Medin, os ~rabcs e 0 isla. Lemhto-tnc, por excmplo, que fm
Illllito difleilno principia despcrtar () interesse de IIl11editor s~-
rio peln projClO. UJ11:1editora academica em particular sIlgcr1l1
de forma muito rccema 11mconlralo modesto para mna pcque-
na 11I00lOgrafia, tao pOlleo promissor c limitado pareci<l tndo 0
cmpnTlldimento. Mas par .'lorte (falo de minha boa. sorte com
OW\!primeiro editor oa pagina original dos agradeCllllentns dc
Orirntfllis1lIQ) as eoisas rapidalllemc lllllJaram p"ra mclhor dc-
pais que tenninei de cscrever 0 livra. . . •. .
Tanto na America como l1a Inglalerra (:I.cdl<;ao nntall1c.a samem 1979) 0 livro atraiu bastJntc :l.ICJI(,;aO,P:l.rtc (como cra de es-
perar) tnuito hosli!, parte desprovid:l de eornpreellsao, mas a
nJ:l.ior pnlc positiva e ent\lsi~stica. COllleo;ando em 1980 cum a
edi~~aofr<lnccsa, toda uma serie de lradu<;oes comc<;ar:l.1l1a apa4
reeer, allJllcntando ate as dias de hojc, 11l11itasdas qU:lis tem ge-
rado cOIlUnversias C IliscIlssoes em lil1gtlas que nao cOlllpreell-
do. I {ouve llIlla lradllO:;iioeJl.lraon[in~ria c :linda controvcrsa para
a lingJ':l ~r:lbe Ccita pclo talcl1to~o pocta e eritieo srrio K:IllI:ll
Abu Deeh; falarei lllais sobre esse assllnto logo ahaixo. A partir
desse pOlitO Oricnta/ismo foi public:ldo em japoncs, aleman, por4
tUgllcS, italiano, POIOIlCS,csp:mhol, catalao, lurco, ~erVl,-ctoat:l
c sllcen (em 19lJ3, tOfllOU-SCmil best-seller na Succia, 0 <Jlle
sllrpreende\1 tanto 0 editor local quanto a mim). J I.i v~rias edi4
l,:i'ie.'l(gr(~ga, nIssa, llOl"llCb'ueS:Ie chinesa) Clll and:llllento Oil pres-
tes a sere.1Il publicadas. Fala-sc CIIl outras tr:ldllO;i'icsellropcia.s, c
talvel. ate IIl1la vecsao israelcnsc. Publicaram-sc tradu\ocs pira-
las llO Ira c no i'aquistao. Mllil:l.'l d<lstradll\ocs de 'l"e .501l1>Cdi-
relall1ente (em particular, a j:l.poncsa) passaram por mais de lima
edi\:io; lodas ainda cSlao a venda c aparcccll1 de vel, em quando
para dar origem a discus.'loes locais que vao muito ateru 110que
eu pCllsava Ilu<lndo escrevi 0 livro.
a resnltado de Imlo isso e lillCOrienta/is-mo, nlllll modo qlla-
5Cborgi:lllO, 101"l1011-5Cv~rios Iivros difuclltcs. E. na lIlcdida em
lple (ui capaz de seguir e cOlllprcender cssas versocs subH~qiicn-.
tes, quero agora disclItir esse polilllorlisrno CSlr:l.llito, fn~qiicntc.
rnellte ilHj\1ietador e certalTlentc incsperado, lcndo no livro (]ue
es('rcvi 0 qllc outros disseral1l, alCIII do (jue ell prbprio cscrevi
depois de Or;rottlliJlIIo (oito 0\1 \love livtos, alcrn de 111uilos arli-
gas). f.: 6bvio que tcmarci corrigir leituras crrtll1eas e, em alguns
poucos C<lSOS,intcrpreta\ocs {1e1ibcradamclltc errtllIeas.
Mas {'.stan,i tamhCI1l ens:li:'llr!o argulllcl1tos e descllyolvi-
l11emos inlc!eeluais que rcconhecclII a ulilidade de 11l\l Jivro
COil\{)OrinU4hrmo de m:l.llciras que so previ lIluito pareialme1\-
te a cJloea. 0 importantc em llldo i.'lso nao c aecnar contas, nelT1
acumular eongratlllar;ocs a rninha pessoa, mas mapC:lr e regis-
trar \lIna pcreCl,\ao dc aUlOria (jlle vai hem alcrn do egofsrna dos
seres solit;irios !Jlle sentimos set <ju:l.ndo emprccntlernos lima
obra. Pois, de varios :l1lgJ.llos,OricntllliS11IO me pareee agora \llIl
livro coletivo que \lie ullrilpassa C01ll0 alllor, mais do que CI1po-
dcria ler espcrado quando 0 eserevi.
I'ermitarn-me corne~ar COIll lllll aspecto da repercllss:io do
I
I
livro que J~mento muilO c q\IC ~g~Jra (cm 1994) me vcjn fentan •.
do ~\IJler~r C0111toda~ as for'r;ls, E 0 alcg:!do anliocidcIltalistllo
d~) [iv,~o, como telll sido ,chamado dc form:! cq\livocada c gran-
dlloquenle por c01l1cnt:mstas hostis ou simpati7,antcs. E,ssa visao
lelll dlJa~ pa~les, ora argumenurlas elll conjullto, ora CIIlscpara-
do. A prnnelra C a alirmar;ao il11plltarla a mim de quc 0 fenome'
no do O •.iclllalismo e lima ~incdoquc, 1111\simholo em miniam.
ca, de todo () Ocidcntc, Jevendo na vcnlade ~er cOllsillcrado
c.omo a rcprcsenta~ao do Ocidcnte el11geral. SenJo as~ill1,con-
tlllU~ o.ar~'Ul1lel1to, todD 0 OcidcJJte CUIll illimi~o do povo ara-
be ~ l~lal111CO011,l11esmo do iraniano, do chines, do indiana e de
IIIUltOSoulrus povos nan europClIS que snfreram sub 0 colonia"
li.slllo c 0 preconceito ocidemais. A segunda parte do argumen-
to atrilmfda a mim n:lO e de mellor alcallce. I~ qlle UI11Ociden.
te c mil OricntaJislilo predat6ri(l.~ viola ram 0 isl1i e os ;irahe.~.
(Note.se que os tcrmos "Orienralismo" e "OciJelltc" ~cabaram
por sc recohrir.) Sendo ~ssim, ~ propria existenda do Orienta.
Hsmo e de oricntalistas e tOJlJacla como um prelcxto para ugu-
r_n~ntar u ~xalo opusto, a saher, (jIlC {l isla e perfeito, que C {)
lln/.COca~TlInho (11/-hl1/I1/-wl1hid), e assim por ({iante. Criticar 0
O~lentabsmo, como til. no meu livro, e com efeito apoiar 0 isla.
IlllSl110011(l fll11darnclltalislJJo m\l(1l1m~no,
Nao sei 0 que fal.ce dess~s penuuta}6es caricaturais de 11m
livre.)'juc, para 0 sell autor e em scu,~argulllcntos, Cdc forma ex.
pliClt:J antiessel1cialisra, radicalmcnte ct:tico quanto a tadas as
dc~igllal;6c..~ categ{Jricas COI1JO0 Oriente e 0 OddC'llte, e cuida-
<loso Cllt nflO "dcfender", nCIll scq\l(~r discll1ir (J Oriente e 0 isla.
M~~ Or;entl11wmo tCIll sido lido c cOlllentado por escrito 110II1Ull-
dn arabe como mm dcfesa sistematica do islii e dos ~rahcs, em.
bora e\l diga COIlldueza (Iue nau tcnho ncnhmn interesse em
mostrar a real cunstituil;":lo do vcrd:Hleiro Oriente au isla, new
po~suo qualilical;ocs para tanto, Na vcrdatlc, YOUll111ito alem
quando, belll nn inkiu do liveu, Jigo l}IlCpa!:Jvr:ls COIllO"Oricn.
te" e "Ocidente" n:lO correspondcll1 a nenhuma realida(1c C~f~-
vel qne exista COlllOfato nat\lr~1. Alcm dissa, tod:ls eSS<lSdesig-
lla~'6es gcogdficas sao Ulm combill<l(ao estranha do cI.npfrico e
440
do imaginativo. No easo do Oriente como nOl;ao difumlida na
Gri:'Bretallha, n~ Franl;"a c na Amr.rir:.::I,a ideia deriva, em b'l'ande
Illedida, do impulso n1io apenas dc dcscrcver, Iilas tambclll de do~
minar e de cerlo modo dcfender-sc daquilo que a ideia represen-
13.C0Jl10 tento lllo.strar, isso e podc-rosamenlc vcnladeiro COlli
rcfcrcncia :10islii como Ulna encarnal;"1io pcrigosa do Oriente.
D POllto central em tuoo isso C, entretanlO, como Vico nos
ensinou, que a histMia h\1l1lan~ e feita por seres h11lllallos. As-
sim como a luta pc10 controle sobrc 0 lerritbrio C parte dess~
hist6ria, a luta a respeito do significado historico e soci~1 tam.
hem n e. A tarefa para 0 erudito crftieo nao e separar lima lut3
da (lutra, llIas conecd.las, apesar do cantrastc entre a materi~-
[icl~dee~magadora da primeira c oS aparentcs refillalllento~ es.
pirituais da {duma. A Ininha maneira de cllmprir essa tarefa tem
si{lo1Il0~trar que 0 desellvulvimento e a manlllell(:lO de lOll:! cul-
tura req"erelll a eJt:istcneia de \1m altrr r:go difercntc e COllcur-
rente. A coll~trlll;"ao da identidade - pois a identirlade do
Oriente 0\1 110Ocidclltc, da Frallr;a Oil da Gra.Bretanha, emho-
ra obviamcnte lUll reposilorio de cxperiendas coletivas Jistin-
tas, i finalmcnlc UIlU con~tnl\a() - implica estahc1ccer opost(l.~
e "outros", cuja rcalidadt". esta sempre sujeila a llllla continua in-
terprcta~ao e rcilltcrprela~ao de SIl;!Sdifcrcll~~as elll relar;ao a
"1165",Calla era c sodedade recria as sells "Outros", Longe de
ser estatica, portanto, a identida(\e do ell on do "Ol1tCO"e \Im
proccsso hislorico, social, intcleclllal c politico Illuilo clahorado
{Ille ucorre como \lma lut3 que ellvo\ve indivfJuos e institui-
r;iies elll todas as sodedadcs. as debates atuais sobre "0 cadler
frances" e "0 cadter inglcs" na Franr;:l c na Grii.Bretanha, res-
pectivamente, ou sobre () isla cm paises C0l110 () Egito on 0
Pa{luistao, sao parte desse mesmo prucesso illtcrpretativo q\le
envolve as idcnudades d(~"Olltr(}~" difer-entcs, qllcr sejalll estra-
nho~ e rcfllgiados, (luer ap6~talas e inficis. Deve ser ohvio em
t()(los os ('aso~ que es~es processos nao sao exerdcio~ mentais,
m~s lutas sociais prementcs que ellvolvem 11\lcstoes po1iticas COll-
crelas, como as leis da illligral;"ao, a lcgisla~ao da cunduta pes-
50al, a constitui~ao cia ortodoxia, a legitimal;"iio da viulclIcia clOII r
j
.1
J
insurrel\ao, () caraler e 0 eonleudo da educa\ao, OS rumos da
politica externa, 0 que IIlUilO frequentemente tem a ver com a
designa\ao de inimigos oficiais. Em suma, a constru\30 da iden.
tidade c.~t:iIigada com 3 disposi\ao de puder e de impotencia em
cada sociedade, senclo portanto tuJo menos mens ahstra\ocs
aeadcmicas.
o que tom3 toJas essas realidadc..<;nuidasc rielS llio dificeis
de accitar C que a maioria das pessoas rcsistc a 1I0\ao suhjace.n.
tc: que a identidade humana nao C natllral e esl;ivcl, mas cons.
lndda e de vcz em quando inteir;;unente invcntada. Parte da re~
sistencia e da hostilidade a Iivros como OricnWliWlO, ou depois
dele Tbt i/lvmtion of traditIOn c Block Atbma, I deriva do faW de
que eles parccem solapar a crenp ingenu;l na positividade in~
COlllcstavcl e na historicidade imuravel de uma cultura, um eu,
uma identidade nacional. Orirnt.a/is71lo so pode ser lido como
uma c1efesa do isla suprimindo-se lllctadc do llICU argUlnentoj
quando digo (como fa\o num Jivro sllbseqiieme, Covtring Mom)
que ate a comunidade a que pertt~ncell1os por nascimento nao e
imunc a luta interprelativa, e que aquilo que pareee no Ociden.
te ser a emergencia, 0 retorno Ul\ ::lressurgencia do isla e de fato
lima Juta nas 50ciedades isliimicas sanre a dcfini\ao do isla. Ne-
nhuma pessoa, autoridade ou institui,?o tcm tllll eontrole total
suhre essa defini\:loj por isso, e claro, a hna. 0 erru epistemo.
16gico do fundamentalismo c pensar que as elementos "fun-
damentais" sao categorias a-hist6rieas, nao sujeitas, e :lssim
alh("ias, aD cs~nllinio critico dos \'erdadeiros fiCis, que suposta-
mente as aceitam COnto um;) queslao de fc. Para os adeptos de
nma versao rcstaurada Otl revivida do isla primitivo, os oricntal
!iSlas sao cOllsidcrados perigosos (como Salman Rush(lie), pur-
que des ntexcm com essa vcrsao, lan~alll rhivi(!as a SCllrespcito,
moslram quc cIa e fraudulenta c nao di,.ina. Para cles, portanto,
as virtudes de lIlell livra consistiam em apontar os perigos Ina-
levolos dns orientalistas c em libertar de certo modo 0 islii de
suas garras.
Ora, nao era 0 que ell pensava estar fal.endo, mas a perccp.
~ao persiste. I Ia duas rawes para esse faw. E.m primeiro lugar,
ninguclll acha f;lei! viver, scm redamar c scm lelller, corn a lese
de que a realidade hUI1l:ma est:i constalltelllente sendo fcita e
desfeita, e de que qualquer coisa semelhante a IIllla essencia es-
tavel esta constantemelile sob amea\a. 0 palriOlislllo, 0 nacio-
nalislllo xen6foho e 0 chauvinislllo rematado sao resposlas co-
muns a esse lelllor. 'Iodos precisamos de algum fundamento {Ille
nos sustentej a qllest:io e saber atc que ponto e extrema e illlu-
, tavel a nossa formular;ao do que eonstimi esse fund:uncllto. Mi-
nha posi\ao c que, no easu de um isla ou Oriente essencial, es-
sas illlagens n30 s30 lllais que imagens, sendo sustentadas como
tais tanto pela eornunidade do mu\ulmano ficl como (a COlTCS-
pondeneia e signifieativa) "cia colllllnidade dos oriclllalislas.
Minha objc\ao aD que challlei de Orientalismo nao c que seja
apenas 0 eSlmlo antiquado de Iinguas. socieclades e povos oriell-
tais, mas que, como sistema de pensamelllo, aborde uma reali-
dade human a hClcrogcnca, dinamica c complcxa de UlIl pOllIO
de observa\ao acriticamente esseneialista; isso sugere tanto lima
realidade oriental dnradoura como lima esscneia ocidental 01'0.
sitora, mas nao mcnos duradoura, 'Iue obsenra 0 Oriente de Ion.
ge e, por assim dil.er, de cima. Essa falsa posi\ao cseonde a mu-
dan~a historica. Ainda mais importante, de meu ponto de vista,
eb escon<1e os intrrtrJtJ do orientalisla. Apcsar de tcntativas ve
tra-;ar dislill\(Il':S sutis entre 0 Orielltalislllo como 11m cmpen!Jo
eru{lito inocente e 0 Orielltalislllo como clll11pliee do imperio,
es.~esinteresses nunea podem ser unilateralmclltc de,o;tacu!os do
contexto imperial geral, que COllle\a sua fase global Ill{x\erna
rom a invasao do Egitn por Napolcio em 1798.
Tenlm em mente ° contraste extraordinario entre 0 grullo
mais fraco e 0 mais forte, que fica evidl':nte desde 0 ini"cio dos
modernos cncomJ"os ,Ia Europa com 0 '1ue cla chamava Orien-
Ie. A solcnidade cstudada e as enfases grandiosas de DtJCTiprion
6t I'Egyptt, de Napolc3o - seus volumes Illaci~os c cOlIlpaclos
:alestam\o ns tnhalhos sistl:m:l.ri('m de 1011011111 cnq)o de .fnvnnt.f
apoiado por tIIll cxcreito moderno de Con<luista colonial -,
ttlipsam 0 testemunho individual de pesso:-ls como Abd ai-Rah-
man al-Jab:uti, lJue elll tees volumes descrevc a invasao france.
sa do ponto de vista dm invadiclos. Poder-se-in diur que a Du~
cr;pt;Qfl e apenas \1111 rclaw cientifico c, portlll[(}, objetivo do
E.gilo no infcio do seculo:<lX, mas a prC5cn~a deJabarti (dcsco-
nhecido e ignondo por Napolcao) sugcre 0 contdrio. a relato
de Napoleao e "objctivo" (10 ponto de vista de a1gu6n podero-
so lem;l.Il(!O manter a Europa denteo dOl6rbita imperial rrance~'
sa; 0 deJab3rti cordata de algucm que pagou 0 pre~o e foi, em.
scntido figuraclo, capturado e vencirlo.
Em outras palavras, em VC7.de pcrmancl.:crem como docu~ ;,
mcntos incetes que atestam um Ocidente e \1m Oriente etcrna.~
mente 0P05105, a Dt'_fl:nption e as cronic:!s de Jabarti consutuem
em L-onjullto lima cxpericncia historica, a partir dOl qual OU~
evolufram, e antes d;l. qual outras cxistiam. 0 estudo dOl dinamid
hislorica desse conjulHo de expericncias exigc lIlais do que tomar
a eair em c.••tcrcotipos como"o connito elllre 0 Leste e 0 Ocste~j
E.'isa e uma ratio pela filial (}r;nlloli.t11l0 e lido de fonna erron~
como uma obra sub-repticiameille anciocidcntal, e, pOl' \1m atode
data~iio reuospectiva dcsautorizada e ate deliberada, cs.sa Icitun
(como tadas 35 leituras baseadas numa oposi~ao bin:iria pOl'supo;
si~ao cst:ivcl) cleva a imagem de um isla inoccnte e oprimido. '1'
A scgunda rnao pela qual a :mtiesscncialismo de meu :lfgu't
menta se revclou de diffcil aceita~ao e politica e ideo16gica. EU1
nao bnila como s:l.her que, urn ana depois da p\lblica~iio do Ii
vro, 0 Ira seria palco dc uma revoIUt)::io islamica de cxtraordini' "
rio alcance, nelll que a hatalha entre Israel e os palestinos ado::.'
taria formas t:io selvagens c prolongadas, da invasao do Llbano
em 1982 ao inkio da Intifada no final de 1987. 0 fun da Gllei'.
ra Fria nita abafot! ncm encerrou 0 conflito aparentcmeme in.
findavel entrc 0 Lesle e 0 Oe!ite, representado pclns :irahcs e 0
isla de \1m lado, e pelo Ocidente cristao do outro. I,\ltas mais nf-
centes, mas !laO mcnos agudas, se desenvolvel':l.lIl como resulta"
do da invasao do Afeganistao pela Uniao Sovicticaj do des~,fio
ao !liltw quo lan~ado durante as Meadas de 1980 e 1990 pOl'gru-
pos isI:imieos em paises t:io diversos como a Argclia, a Jordani~,
o Liliana, 0 Egito e as Tcrritorios Oeupados, c das v:irias rd.
pastas americanas e cilropeiasj da cria~ao de brigadas islamicas~
'44
pua combater os russos no Afeganistio a partir de bases no Pa~
quistio; da Guerra do Golf OJ do apaio continuo a Israel; e do
surgimcnto do "isla" como t6pJeo de um ;ornalislI1o e erudi~ao
alamudos, ainda que nem sempre precisos e informados. llido
isso innamou .a seflSa~io dc persegl1i~io cJlperimentaJa pOl'
pavos for~ados, (jU<lSCJiariameme, a se Jeciarar ocidentais ou
oricntais. Ningucm parecia cstar livre cla apasi<;ao entre "nos" c
-dcs", 0 que resultou Ilum sensa de identidade refon;atla, apro-
funclada, cndureeida que !laO tem sida em especial edifieante.
Num contexto tao turbulcnto, 0 destino de Orimtalis11to foi
3fommado e desafortunado. IJara aquclcs no Illundo arahe e is-
limico Clue sentiarn a opressao ocidcntal COlli ansiedade e tel1-
530,Vdrccia ser a primeiro livro a dar IIll1a resposta seria a Ulll
Ociclente que nnllca e..~eutara realmente 0 oriental, nem 0 per-
doara por ser afillal um oriental. Lemhro-rne de uma primeira
resenha arabe do livro, que Jc.~ercvia 0 ::alllor como um p:tladi-
no do arahislIlo, um defensor dos pisQ[eados c maltratados, eu;a
missao era envoi vel' as autoridadcs ocidentais IIl1ma especic de
11l4tIO-a-7IUmo epico e romantico. Apesar do ell.:lgero, transmitia
urna scnsa~ao real da hostilidacle dllradoura do Oeidentc expe-
rimentada pelos :irahes, alem de transmitir lima rcsposta que
muitos hahes cducados sentiam sec apropriada.
Nio YOUncgar 'lilt.ell tinha conscicncia, quando cscrevi 0
livro, da venlade subjcliva insinuada pOl' Marx l1a pCljucna frase
que citei como lima clas ejllgrnfcs do livro ("Eles nan podem re-
presentar a si mesmOSj devem ser representados"), a sahel': se
voceacha que lite foi negada a chance de falar 0 que pens:l., ten-
,tat3de t()(ias as formas consegnir essa chance. Pois, na verdade,
.'0 subaltcrno podt falar, como a hist6ria dos mOVllnelHOS de Ii.
br:n~~ao no scclIlo XXeloqiientemcntc atesta. A1a~ Illlnca senti
queestava pcrpetuando a hostilidade entre dois !llneDs mOlloli-
'liem poHticn ••e culturais rivais. cuja conslnlllo'ao prrx:nrava dcs-
crevcr e cujos terrfveis efeitos teman rednzir. Au eonrr:irio,
comodisse ;llltes, a oposi~ao Oriente-verslIs-Oeidcnte era deso-
ricntadora e ahamente indese;avclj {luanto menos Ihe fossc darlo
crcdito pOl' descrever na verda<lc POllCOmais que uma fascinan-
te hist6ria de interpreta~6cs e intcresses conflitantcs, tanto mc-
lhor. 'lenho a fclicidade de registrar que lIluitos leitores n;! Gra-
Brctanh;! enos Estados Unidos da America, hem cornu na Africa,
na Asia, na Australia e no Carihc anglOfonos, encontraram no li-
vro a enfase na realidade do que mais tarde dcv("Tiaser chama-
do multiculturalismo, em VC'l- da xcnofobia e do nac[onalislIlo
agressivo, orientado pcla ideia de ra~a.
Mnda assim, Orimta!imUJ tem sldo considerado com mais
frcqueneia urn tipo de manifesto do status subalterno - 0 revi-
de dos desgra~dos da lena - do que uma critica multieulrural
do poder que usa 0 conhecimento para sc promover, As..~im,
como autor do livro, tcnho me visto compelido ao papel for~oso
de auto-rcpresentar a conscicncia do que fora outrora suprimido
e distoreida nns textos eruditos de um discurso historicamcnte
condicionado para seT lido, nao por orientais, mas par autros
, ocidemais, Essa c uma qucstao importante, tributaria de IlIll:!vi-
sao de iclentidades fixas combatenclo ao longo de lima linha divi-
soria permanente - justa mente aquela que lllCU livro rceusa,
Ncnhum dos orientalistas que comento pan::ce jamais ter preten-
dido escrevcr para urn leitor oriemal. 0 disC1u-sodo Orienta-
Iisma, a coercncia interna e as procedimentos rigorosos eram
todas destinados a leitores e consumidores no Ocidente metro-
politano. Isso vale tanto para pessoas que genuinamente admiro
como Edward Lane e Gustave Flauben, que cram fascinados
pelo Egito, como para administradores coloniais arrogantes como
lorde Cromer, eruditos brilhantcs como Ernc~t Renan e arislO-
cratas como Arthur Ralfour, tados rheios de condescendcncia e
aversao para com as orientais que governaralIl au estlldaram.
Devo confessar que sinto um certo praz:er em cscutar, do lado de
fora., a seus v:hios pronunciamentos e discussOcs orientalist:l.'i, e
igual prner em divulgar nunhas descobertas tanto para europell-~
como para niio-ellropelL~. Nao tcnho d'lVi(la de que isso se tor-
nou possivd porque atravessei a linha t\ivisoria imperial Les-
te-Oeste, entrei na vida do Ocidente e ainda assjm retive uma
('oneJiao organica com meu lugar de origem, Repetiria que foi
multo mai .••urn procedimento de crllzar barreiras do que de
446
,
mante-Ias; acredito (jue Or;ctltdllS1/ '
pecialmcnte quando r,l..l 1~como Iivro 0 demonstre cs-
"I r:O\Joe..~tu{Joh'"
Hea/mente ir aleln de lim' t:l _ . umamstlco (jlle procura
rerao a lIm tipo de crud' 1_ rO~B~oer~lvas ao pcnsarnento em di-
It;ao nan llOJnmado - ,
Essas eonsiderat;oes aumentaram a ra_e Dao essenCJalista.
vro representas.~e \lllJa cspe' d pressalJ para (juc rneu li-
regi5tro de sofrimentos ~led e t~~emunho de feridas c urn
contra-ataque h:i 11mi,o' ,cup edscfJ5~aoera senlida como \lm
empo eVldo;! 0 'd
Ulna Clcacteriza'-'ao tao c," 1 d 0 C1 entc, Deploro
d ' .• J mp es e Uilla obr -elxar de lado ;1falsa mod" ," b a que e - aqui vou
b d
'c 'C5I;1- cmnuan d .Te Irercntes PO'o, d,'c _ ~a a no que dlZ so-
0' " lerentespenodo' d'~nelHalislllO Cad, ttm d "h .~e 1 erentes estilos do, a Clllln asanT "
menta a diferenra e ac d' " _ a lses vana a nnagelll, au-.• ., Iscnmlnar;oes se
ur~sdos OIUms, embora todos ,para au~ores e periorlos
IIlmhas analises de Ch, h' .rerdten~am ao Onelltalislllo, Ler
r a eau f1all c Fla b d...ane, exatamente com, m • C u crt, au e Burton ee..~maenrasc extr ' d
sagem red\ltora da formula bId' am 0 a mesma men-
ocidental" e creio eu ,anal' e Ill,ll "ataque a civilizarao
, ' , sec simp Ista e IIIrarnbem acredito ser d , -' correr em erro, lVlas
e 0(10 correto lec a t 'd d "tas recentes como 0 qu, ' \I on a es onentalis_, ' . se comlcamente L . d
Wl,~,como express6es I I'; ,0 stma 0 Bernard Le-
X) lucamente moUval h '
q\le sua lingtlagem S\lav" •• d ( as e OSUs, por mais-' ... '" silas emonstra - - .
tes \It: e,rudlr;ao tentem oculta-Io, ~oe,~nao COIlVlllcen_
Mals uma vez portant
historico do livro '(jue n- 0'1 retorna~os ao conteno politico e
leudo, Ullla das ;n:iJise ao a ,ego set lrrcJevante para {)seu COI1-
leligentes dessa cOIlJ'unStumal~~elJerosamente pecspicazes e in-
B
. COlWI apresentad
.aSlmMusallam (MF.RIP 1979) El a numa rescnha de
li • ,e come~a comp dvro Com \lma desmis';fi _ atan 0 () Illeuu car;ao antenor do 0 ' I"
posta pclo crudito IilJanes M' 1 1 nenta lsmo pro-
Ghm';b fi a!-Gha,-f,J mas d ~cdl~e RustuD:' ern 1895 (Khah 0/4
, epors IZque a pn " 1 dOc
tre nos Cque meu Jivro e [, DCIpa ucrenr;a eu-
nao 0 e. MusaJlam diz; so re a perrla, enquallto 0 de RU'itum
Hustum esccevc com J .
sociedade livre; urn si~i~l~ 171llem)I~vrlce ,membra de uma
, ra JC pc a ra a, clliadao de urn es-
447
!l
;,
i
tado otomano "inda independcnte [... ] an conlrario de Mi~
chad Rustum Edward Said nao lem identidade gcralmenle
aceita, sen pr6prio POV(I esta em discussao. E possivcl que
Edward Said e sua gera~ao sintam as vezcs que estao pisan-
do sobre mda mais solido do que os restos da sociedade des-
tmlda da Siria de Michael Rust\llll, e sohre a memoria. Ou-
tros na A.<;iae na Africa tiveram os sellS sucessos nessa era de
Iibertat;30 nacional: aqui, em doloroso contraSI.e, houve re~
sistencia desesperada contra uma supremaCla esmagadora e,
ate agora, derrota. Nao [oi urn "arabe" qualquer que es~~e-
ven es(e liveo, mas um arabe com uma forma~ao e expenen-
cia partkular. [p. 21]
Musallam oLserva corretamente que mil argclino nao (eria
escrito 0 mesmo tipo de livro em gerat pessimista, cSl'ceialmcn~
Ie um livro COIIIO0 meu, que examina nmilO pouen a historia
das rela'r0es fr:mccsas com a Africa do Norte, em particular com
a Argelia. A<;sim, embora eu. aceile a ilTl~rc~s~o global de que
Orientalismo c cscrilO a partir dc uma hlstona extremalllente
concreta de penh. pessu<ll e t.ksintegra~iio nadonal- I~ns pou-
cos anos antes de en escrever Orie71talismo, Golda Mea !izera
seu eomentirio notario e profundametlte orientalista sobre nao
haver um povo palestino -, goslari" ta~bcn.l de acresc~llIar
que nem nesse livro, nem nos duis qu~ de Imedlato se seg~l1ram,
Thf questi<m OjPIl!fSti71f (1980) e Covr:'71g 1~la'T1l(1981), qUlS ape-
nas sugerir um program a politico de ldenndade resl~urada c n~-
donalismo ressurgentc. Houve decerta uma tentatlva !lo.s dms
{Iltimos livros de suprir 0 que estava faltando em Oruntfllmno, a
saber, uma perceP'rao do que poderi:l ser uma imagcm .alterna~
tiva de regioes do Oriente - a Palcsuna C0 isli, respecuvamen-
te - a partir de um ponto de vista pessoal. .
Mas em todas as minhas obras contmucl a ser fundamcn-
tal mente crftico de um nacionalismo arrogante c acrttico. A
1I1lagem do isla que reprcsentei nao era de discurso a~rllJativo
e ortodoxia dogmatica, mas haseada na ide:ia de que eXl.st~m.co-
munidades de inlerpreta~ao dentco e fora do mundo IslamlCo,
c)olllu~icando_se entre si num dialogo de iguais. Minha visao da
1 alc~una, formulada originalmentc em Tht qUtJti071of Pa!uti71t,
COntmua a mesilla nos dias de hoje: expres.<;ei tada espccie de re.
servas quanto "0 nativismoingenuo e ao militarismo militante
do con~enso naeionalista; sngeri em sell /ugar Uln olhar critico
ao amlllcnte arabc, ~ historia palestina e as realidades israelen_
s~s, com a conclusao explicil3 de que apenas um acordo nego-
CJ3d~ ~n~e as dllas cOlllunidades de sofredores, arabes c judeus,
proplclana 1I1llatn'gua na guerra intenninavel. (Devo Illelleio_
nar de passagem que, elllbont 0 mel! livro sohre a Pa/estilla lc-
nha rece(,ido U1~ahel~ tradw;:ao hcbraiea, publicada pcla Mifras,
mna .pcquena cdnora Israclense, no infcio da dccada de 1980, ele
~onllnlla sen~ tradUl;::io arabe ate os dias de hoje. Todo editor
ar~be que se IOteressou pdo livro queria que ell mlldas.~e 011 e1i-
mlilasse a~lIlelas partes qlle sao m:l.nifestameme crfticas a um Oil
outro regUlle arahe - inclusive a OLP -, um pedido que teuho
sempre me recusado a :llcnder.)
Lament.o ~li.zer que :l. recep'riio auhe de OritTltnliJ7"o, apesar
d". ex.traordm:lna tradut;ao de Kamal Abu Deeb, aimla eonse_
gUl~ tgn?rar aqllclc aspccro de meu livro que diminnfa 0 fervor
naclOnallsta que alguns inferiam de minha crftica ao Orienlalis_
IlIO, e que ell ~ssociava Com aqueles irnpulsos de dOlIIinaS;3o C
controle tam~em encolltrados no unperialislllo. A principal vir-
tude lIa lahono.~a trat.~u'rao ~e Ab~ Deeb foi ter evitado quase
por cor~pl~to eXl'rcssoes oCldemals mcramente arabi:r.adas; pa-
/avras tcoH.cas como discurro, simu!turo, paradigma 011aMigo £0-
ram. tr,~duZid~s a partir da retorica dassica da tradi\ao ar,,!Je. A
sua ldeJa era IIltroduzir {) meu livro nUllla tradi'rio plena mente
forn.lada, como .~e ele estivessc sc dirigindo a (Intra tradi~ao a
p;lrUr de Uilla perspectlva de adeQualYao e igualdade cultural.
IJessa forlll~, ele raciocinava, era passlvel mmtrar que as.mn
C?~O se .p()(lia propor lima crftica epJsterno/6gica a partir da tra-
?ICaO oCldcntal, podr:r-sc-ia f.1.Zer0 meSIllo a partir ua tradilYaoarahc.
Mas? sensu de confronto enlre Ullt ",undo <irabe Iltuitas ve-
<,;esemoCionalmentc definido c um Illulldo ocidenlal aind;] Ol:lis
1,.
I, ..,
,/.
H.
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~ I,,
',',
V
I.J, .
1!
I
emodonahnente eXJlcrimentado :lbafava 0 fato de que Orim'A-
/i$1/1fJ fui escrito com a illtell~1io (Ie 5cr \111\cstmlo de critica, nao
IInta afinna~ao de identilladc.~ rivais e irrcmediavelmcnte anti-
tericas. Alcm di.~so, a realidade que cu descrevia nas iilllll1as pa-
gin:ls tin livro, de 11msiStC111:1discllrsivo puJeroso 111:111ICl\doa
hegemonia sabre Olltro, pretelldia ser uma rcss:llva inicial nUn!
dehate que poderia induz.ir os leitores e criticos arabes a envol-
ver~se com mais deterlTIina~ao com 0 siMema (10 OrientalislTIo.
Fui censurado por nao ter dado mais atcn~iio a Marx (as passa-
gens de men livro Ilmito apontadas por critico.~ dogmaticos no
Illllndo arabe e m India, por cxcmplo, foram ••quclas sohre 0
pr6prio OrientalislTlo de Marx), cujo sistema (Ie pcnsalliento,
afinnaV:llll, ter-se-ia elcvado acima de .'lens ohvios preconceitas,
all fui criticado por nao arreciar as grandes realiz.a\f~s do Orien-
talismo, do Ocidente etc. Assim COllIOaconteceu com as dcfesas
do isla, 0 reCIlT'SOan marxismo 011ao "Ocidcnlc" como IIIll sis-
lema total e wercnte p;lrece.mc ler sido \1m exemplo de como
se pode usar uma onodoxia para abater olltra.
A tlireren~a entre as rcspostas :lrabes e as ()l1tr:lSrcspastas ao
Oritntn/irmo e, creio cu. uma indica<;ao precisa de como decadas
de penh, frustra~iio e a\lsencia de democracia tent afetado a vida
intclectual e cultural na rcgiao arahe. Escrcvi mcu livro como
parte de urna correnle de pensamento prccxistente cujn propo-
.'lito era lihertar o.~intelect\lais dos grilhoc''i de sistemas (onw a
Orienlalismo: qlleria que os leitorcs l1saSSelll minha obra pan
podcr produz.ir novo:; eSludos, que illlrninariam a experiem:ia
historica de :irabcs e outros de modo gencroso e tranSfonll:ldor.
lsso certa.llIcntc aconteceu na Europa, nos r'.slados Unidos, na
Australia, flO subcontinellte indiana, no Carihc, na Irlanda, na
America Latina e em partes da Africa. 0 estudo rcvigorado dos
discursos africanistas e indologicos, as analises dOl hist6ria suhal-
lerna, a rcconligura~ao da antropolilgia p6s-colonial, a eiencia
polftica, a historia dOl artc, a critica iitefaria, a lllusicologia, alCorn
dos dcscnvolvimentos 110SdiscUTSOSfeministas c minoridrios-
em tuJos esses casos, simo-me sausfeito e lisonjeado par Oriro-
taJirm(/ I11l1ilaSve7-CStcr feito diferen<;a. 1<:.-;senao parece ter sido
() C,150(pelo que pos.'iOjul~ar) no l1lund ' (
porlJlIc millha obra e corretamente Jcr.o tr; )e, onde, (.m par~c
ca nos seus textos e ern I I ce)1( a C0ll10 eurocentn_
lalba pcb 'sobrevi~cncia~a,,'I,e pOlr~l~e,COl~lO<iiI.Musallam, a 1Ia-
... ura e UCIIl:ISI:1do b- I'
como Cl/lieu sao inte,p'.'- I d J ' a sorvcnte, Ivros•. ~(oS c mo 0 m • '1
produtivos, e llIais como gesl d ~ . elias lUI, ell1 tcrmns
~Ocidelltc". . as e enslvos a favor au contra 0
Mas entre os aeade-micos american l' ~.
decididanlcllte rigofoso ..•. II ' I ()o~ e lTllame(Js cle tim Lipo
I
. ...m eXlve, runtnli J '
n la.~outras olJl'as trm re -I'] $1"0 c to a5 as 1J1l-.,I ce )l( () ata(]lIcs I)or sc I 'sJuual", 5uas incollsi51;:" .. ,. . . \I 1I111l:lmS11l0"re-
I
., ...Cla,~tconcas sell lrat . .
ta vel. ale .~elltilllrl1lal d. - AI' ,. arnento lI1suficlcnte,
I
' .1 :I,ao. cgro-l11e (I' ,. I '
(0 esses ataqucs! Orirnrdlim' I' Ie Cl11am recclll_
_ , 10 e \lI1l Ivro de (11Jellll . I
11.10e Illna ma(luina ( _" 't'l ollla partH 0conca. I;J Vel-tooo f, . I" ,
nUIIl nfvc/]lfOfulldo '_"~I ". es on;o Hli IVldual scja, •• 0 exccntnco COl 'J '
rani Manley lIo]lkin~ ." I' - no, no Selll! II de Ce-. ", o"gma' 15.'i0a dc,'i 't I '.,
slslemas de pensarn"',(n I' " pel 0 I a eXlstencla de... ,( ISCllrsos e heOel '. ( b
nhum ddes seja de fato inc I "I f,.t> 1I001las elll ora lIe~
tere5se que senti 1,,10 0 .0 lStllt~' pcr elto 0\1 incvitavel). 0 ill~
nellta Isrno con ~ •
(como a cultura dn i",p , I' , I 10 enollleno cultural
. ena 1.'illlOI e que fl' C J
pf'rtdliS11lO, sua contjnua~ao cI 199 . a el elll U ~urll ~ i,,,-
c illlpfevisihilidade (1,,_, e
l
, I J 3) lIeflv3 de sua varrahilidalle
, d., qua II :Iues ('lie cia .
Massignon e Burton ~'" ' I. 0 a e.'icntorcs COIllO~ ~ .,llrpreeIH enle for' I 1
po. 0 (PIC lentei IJrC5C' . h c;a C pm rr ( c alra-
r . rval Jla min a analise dO' I'101sua c()lnhil1arao de . _. . . 0 nenta ISlllO. . ~ conSlstcnCJa r lTICOllsistcn . .
por a5SIIIldlzcr, quc so podc ser dc';cril ., Cia, sell logo,
o dcscrcve como ••c•.•,,'( " ' . ' 0 preservando para quem
. I •..••••. ( e cntlco () dir . I .
cll1oclOnal a dircito 1 ,CI\O a a gllm lI11peto
.' ( e .'Ie COl1lover enfll .(Ieh-itar. E ]"JOfism q ] I ' reccr, surprecnder c
I
. lie, 110( e ):lle cntre G P k
ado, e Rosalind O"lal1lol1 en 'J \V hi ••yan ra a~h, de \lIn
!Jlle () pc'is-estTllturali.slllo mais v::I~atjJ ~: 1:r7
k
" de OIltro, adlO
do valor.1 Alcm di~co ('_ I'" ra as 1 telll set! dev1-
"", au Ia como cont~ I '1 ' -obra de Homi Bhabha G ' S . 'i ar ~ cOlltn ltllp;(J da
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comprecllsao ,1:1.'1anlladilhas hill ,. . an y a Ilos.~a
como 0 OrientahslIlo. - Jlamstlcas armadas pur sistemas
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cas dc Orirnta/iJ7no COlli lima mcn\ao <lum b'TUPO dc pessoas
que, de forma previsfvel, foram as voz,cs mais voeiferalllcs con~
tra meu livro, <lsaber, os pri'Jprios oricntalislas. Elcs nao eram 0
mell pl'iblico principal; eu prelenclia lan\:H algulllalu'l. !'iobre su~s
pr.itieas para tomar mums humanistas conscientc.'idos procecll-
memos e genealogia paniculares de llIll campo de estudo. A
propria palavra "Orienta[iSIllO" telll sido lin~itada por tempo .de-
mai!'i a mna especialidade profissional; tente! mostrar sua apJ.ca-
lOaoe vigencia na culmra geral, nalireratnra, na ideologia. e nas
atitudes socia is c poHlicas. Falar de algucm como um oriental,
l:omo fa7.iam os orielllalistas, nao era apenas designar CSS<l.pes-
soa como <l.lguem cuja lfngua, ge(lgrafi<l. C hist6ria formavam 0
eSlOfo de tratados cruditos: era empregar com frequcncia as pa-
lavras como express6es deprcciativas que designav:un uma eslir-
pc hllman:l inferior. Nao quem negar que para artistas como
Nerval e Segalen a palavf:l "Oriente" cstaV::lmaravilhosa, enge.
nhosarncnte ligada a cxotisrno, encanlo, misterio e promC!'iSa.
Mas era tambem uma generaliw\ao historica abr:mgente. Alcm
desses empregos das palavras "Oriente", "oriental" c "Orienl::J..
!ismo", 0 termo "orientalista" t:Hllhcm veio a representar 0 es-
ludioso e sobretudo 0 esOldioso academico, £las lfnguas e da
hist6ria'do Oriente. No entanto, como 0 falecido Albert HOIl-
rani me c.~crevcu em m~n;o de 1992, alguns IllCSCSantes de sua
morte inesperada e muito lament ada, a forp d~ mel! ar~m~ll.
to (pcla qual ele dizia nao poder me censurar) tmha 0 c~elt~ lll-
feliz de tornar quase impassIve! 0 uso ncutro do termo Oncll-
talismo", que se tornara uma formula de inj{lria;. e e~nduia .q~e
ainda gostaria de prcservar 0 tcrmo para sc refenr a lima dISCl-
plina emdita limitada, um tanto monotona, mas valida".
Em sua rescnha equilibrada de Orirnta/iJT1Io em 1979, Hou-
rani fonnuloll lIlna de suas obje.;6es, sugerindo que, embon ell
tivesse suhlinhado os exageros, 0 raeismo e a hostilidade de
muitos escritos orientalistas, en deixara de mencionar suas llU-
mewsa!'i reaIi7.a.;ocs crudiCas e humanlsticas. Os nomes que
aprc.~entOIl inclufam Marshall HoJgson, Claudc <Ahell e Andr.c
Raymond, que (ao lado de autores alemac!'i, que apareccm tk rI-
gueur) deviam ser reconhecidos como autares de verdadcins
colltribuilOoes au conhecimcnto hutnano. No entanto, isso nao
enlTa Cm COllflito com °que digo cm Orienl-lllismo, com a reS!'ial-
va de que insislo real mente na prevalencia, no discur!'io orien.
talista, de Ulna cstnUura. de atilHdes que nao podem ser sim-
plesmente afastadas ou desprcl.adas. Em nenhum momenta
argmnelltci (jUC0 Oriemalismo c llI;1l1,deslcix;ldo ou sempre ()
mesmo. Mas digo com Certc7..aque a corporRrio de oricntalislas
t~m Ulna hi~t6ria espedfica de cumplicidade com 0 podcr impe-
rial (jIlCSCfla p:mglossiano chamar de irrelevantc.
A~siril, emoora simpatize com 0 argmnenlo de Hourani
duvido seriamellte que a nOl;io de Oriellta!islllo, c()llIprceJldi~
da de .forma ~pr~)prjada, possa ser completalllente Jesligada de
Sllas ClrCUllslanClas comphcadas e nem !'iempre lisonjeiras. Su.
ponl~o (Ille se passa imagin:lf, 00 limitc, que 11111especialista em
arqUlvos OIOloanos e fatfmidas e 11111orientalista no scntido de
llourani, mas Olindalemos a obrigaf;ao de pcrgllntar onde, COl1l0
e com que insthui\oes e agcncias de apoio tais estudos ocorrem
hoje n." Jia. Muitos que escreveram dcpois da publicalOao de
mel! hvro fizcram exatamellte es.~aspcrguntas sobre os eshldio-
sos mais desligados da vida rnundana, com resultados 3!'ive7.CS
devastadorcs.
.. Ainda as.~.jm,h~ um csforlOo persistente de sugerir que Ioda
entl~a do Onentallsmo (e a minha em particular) e despida de
s:nudo c', de certa m~o, lima violalOao da propria idCia de eru-
dlPO dcslllteressada. E 0 (jlle faz. 8emard Lewis, a quem dedi4
quei algumas p:iginas critieas cm mcu Iivro. Quim.e anos depois
dOlpublicapo de Orirntn/&mo, Lewis produ1.iu tlma serie de en.
saios, alguns coligido!'i nUn! Iivro intitulado blom nnd thr U't.l"t.
Boa parte do Iivro consisle num :Iu(jlle a mim, em meio a ou-
Iros e'.ls~io!'ique mol~ilizam um conjumo de formulas vagas c ca-
ractewalcamente onemalistas - o.~lrull;lIlmanos se enfureccm
com a mod~rnidade,.o isla IlUJH.:afez. a .~eparaf;ao entre igreja e
e!'ilado, e aSSlm por dlamc -, tOOas pronuneiadas num nivel ell-
trema de generalizaf;ao e (juasc sem menf;ao as diferelllOas einre
os 1II11f;1Ilmanosindividuais, entre as sociedades mUf;ulmanas,
entre as traJi~ocs e eras lTIu\=ulmanas.Como Lewis sc. nOlll~ou,
lIU1ncerto sentido, 0 porta~vol. d••.corpora,ao lIos onentahstas
a quc a minha critica estava originalmentc dirigicla, talv.e7.valha
a pena gast:ar urn pOliCOmais de .tempo com seus procedmle,n~os.
Suas ideias sao, ai de nbs, bastanle correntcs entre sells acohl{~s
e imitadores, clI;a tarefa parece consistir em alertar os cOllsum~-
dares oddentais para a amcar;a de lim mllndo isliimico cnfmco-
do, congenital11cnlc nao clcmocnitico c violento. . ,.
A vcrbosidade de Lewis mal encobre 0 snporte IdcologlCO
de sua posir;ao e sua extr3orr.linaria capaddadc I:ara compreclI-
cler quasc tuclo equivocaclamente. Claro, essCSsao at~lbu.tos f;l-
miliaf{~s da cstirpe dos orientalistas, alguns dos quais Uvcram
pelo menos a cora gem de ser honcstos na sua difa~na~ao dos
povas isliimicos e de outros povos nao curopeus. Nao e 0 casu
de Lewis. Ele procede clistorccndo a verclade, faz.endo falsas
analogi as e insinua.-;ocs, IIsanoo mctodos a quc acresrenta aquc-
Ie vcrni7, de tranquila alltoridade oniseientc quc supoe, s.cr 0
modo como os eruditos [alam. Tome-sc como excmplo UplCOa
analogia que trar;a entre minha critica do Orient3lismo e urn
at3quc hipotetico aos cstudos da_antigiiidade da~ica, um ata.que
que, diz. elc, seria urn csforr;o ~ao. 0 pro~lcma e q~c .0 Onc~'
ulismo e 0 Helcnismo sao radlcalmcnte mcomparavcls. 0 pn-
meiro c uma [cntativa de dcscrcver toda lima regiao do mundo
no hojo da conquista colonial dcssa mcsma regiao, au ~asso. que
o ultimo nao lrat3 ahsolutamente da conquista colomal d.reu
{!aGrccia nos seculos XIXe XX;a.lem disso, 0 Orientalismo ,e~-
pressa antipati3 ao isla, 0 lle1cnismo simpatiz.a com a Grccla
classica. .
AJCm do rnais, 0 presente 1ll0ll\cnto politico, com seils ml~
lhares de cstcre.6tipos radslasantihabcs e a.ntimur;ulman~ (mas
sem ncnhum ataque a Greda dhsica), pennite (ille LeWISfar;a
afinnar;oes poHticas c a-historicas na fonna do argumento ern-
dila, 11IlUpdtica intciramente de a~rd.o com ~)S:lsl:eclOs n,le~
nos louvaveis do OrientahsnlO colonlallsta rna,s antlqua(lo. A
obra de Lewis c, portalllo, parte do 3mbiente P?litico prc.'ientc,
em ve7. {Iepertcnccr a urn contexto puramcntc lJ1telcctual.
S~ge_rir,COll1;'ele f37.,que 0 ramo do Oricntalismo que tra-
t3 do 1~lae .dos araves e uma disciplina que pode ser correla-
mente lllscnda na IIICSlllOicategOrl3 d••.filologia classica c absur-
do, ~ tao apropriaJo quanlo comparar IIln dos muitos arabislas
e onentalislas israelenses que trahalhatam para as autoridades
de ocupar;ao na Margem Ocidcnlal c em G3z.a a enuJilos como
\Vila~owit~ 011Mommsen. De urn lado, Lewis dcscja rccluz.ir
o Oncntalisll~o islamico ao status de ramo da erudir;ao, ino-
~cnte e ~nlllSlast2; de outro, desej.:l degar que 0 Oriellulisll1o
e dem3slado compleJo, vari;ldo e tccnico para existir nllma for-
ma que ~~3Iquer nao-orientalisla (C01l10eu e muitos outros)
p.OSS.;ICtl~lcat. A tatica de Lewis e suprimir uma (Iuantidade
slgmlic:ltJva de. cxpericnda historica. Como sugiro, 0 interes-
se europeu no Isla nao provinha da curiosidade, llIas do lemor
de mn riV;I!do cristianisnlO - Uut rivalmonolclst3 cultural e
militarmente forll1i&ivcI. Con forme IlIOSlraram Ilum~rosos his-
tori~dores, os. pri~llciros estudiosos emopeus do isla eram po-
lemlstas I1lCdleVals que escrcviam P;1t3 conter a amear;a das
hordas e da apost3sia lI1lJ~lllmanas. De uma ou outra maneira
ess.a combina~ao de lemor e hostilid;1de pcrsiste ate os di3s d~
hOJc, n:t atenr;ao erudila e nao erudita a um isla que e visto
como pertenccnte a uma rcgiao do mundo _ u Oriente _
contrapost3 imaginativa, geogdfica e hisloricamcnte a Euro-
pa e no Ocidcnlc.
As qucsl<Jes l1Iaismlcressantes sobre 0 Oricntalismo isliirni-
co o.u a~abe sao, primeiro, as formas adotadas (>Closvt'"_'itigios
mcdl~als, ~ue persistcm tao lena7.llIcnte, e, segundo, a historia
e a soclOlogla das conexoes entre 0 Orienl.:llismo e

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