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INSTITUTO METODISTA DE ENSINO SUPERIOR PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA DA SAÚDE LIGIA CECILIA BUSO SERNAGIOTTO “ ATENDIMENTO DE UM GRUPO DE MÃES DE CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIAS : UM ENFOQUE OPERATIVO ” Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação em Psicologia da Saúde como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em Psicologia ORIENTADORA: PROFa. DRa. MARÍLIA VIZZOTTO SÃO BERNARDO DO CAMPO 1997 ii Sernagiotto, Lígia Cecília Buso Atendimento de um grupo de mães de crianças com deficiências : um enfoque operativo. São Bernardo do Campo: IMS, 1997. 103 p. Orientador: Profa. Dra. Marília M. Vizzotto. Dissertação (Mestrado) - Instituto Metodista de Ensino Superior, Faculdade de Psicologia. Área de Concentração: Psicologia da Saúde. 1. Relacionamento mãe-criança 2. Desenvolvimento afetivo emocional (Psicanálise) 3. Psicologia preventiva 4. Psicologia institucional 5. Psicologia social - Grupo operativo. CDD 18.ed Relacionamento mãe-criança 153.15 Desenvolvimento afetivo emocional (Psicanálise) 616.8917 Psicologia preventiva 158 Psicologia institucional 158 Psicologia social - Grupo operativo 301.1 iii Dedico este trabalho Aos meus pais - Yolanda e Duílio (in memorian), que sempre vibraram com minhas realizações. Ao meu marido - Mário que muito me incentivou e colaborou na realização deste trabalho. Às minhas filhas Marjori e Renata que espero entendam tanta determinação e dedicação e tenham um exemplo de vida. Ao Prof. Oswaldo Dante Di Loretto que por muitos anos foi meu supervisor, me introduzindo ao pensamento clínico/psicanalítico, fazendo com que encontrasse minha verdadeira vocação no campo da Psicologia. Ao Prof. Jorge Luiz Visca que me introduziu ao estudo da Teoria e Técnica do Grupo Operativo. Levando-me ao trabalho com grupos e a projetos inovadores. iv Agradecimentos: À Profa. Dra. Marília M. Vizzotto que me incentivou e orientou na feitura desta Dissertação com dedicação e generosidade . Foi uma amiga nas horas difíceis e grande profissional na orientação e realização deste trabalho. Ao Dr. José Tolentino Rosa e à Dra. Kayoko Iamamoto pelas contribuições dadas durante o curso e por ocasião do exame de qualificação. Ao Dr. Sérgio Sabóia Arruda pelas contribuições oferecidas durante a elaboração deste projeto. À amiga Dra. Eliana M. Monacci que nunm reencontro em 1989 convidou- me a ingressar na carreira acadêmica trazendo um novo impulso à minha trajetória profissional. Esta amiga proporcionou-me todas as oportunidades profissionais que nos últimos anos tive, inclusive na realização deste trabalho. À ela, minha eterna gratidão. À Profa. Svetlana P. Lázaro, minha professora dos tempos de colégio, hoje minha colega de trabalho e para sempre um exemplo. v À UNIFEC, corpo docente e dicente, na qual anos atrás fui funcionária e onde pude realizar trabalhos comunitários com grupos através do Centro de Programação Psicológica ( C.P.P.), o qual coordenei de 1991 a 1994. Às mães e às crianças que foram alvo deste estudo, pelo acolhimento que tiveram ao trabalho oferecido. Oxalá tenham se beneficiado das evoluções percebidas durantes os encontros realizados com este grupo . Aos meus alunos e colegas da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Fundação Santo André que nestes anos me inspiraram e conduziram ao estudo e a pesquisa, obrigado. Aos mestres e às forças supremas que nos conduzem neste plano, obrigada. Espero continuar realizando na paz e com amor a missão à qual vim cumprir junto da verdade e da justiça. Lígia Cecília Buso Sernagiotto vi SUMÁRIO RESUMO ............................................................................................ vii ABSTRACT ........................................................................................ viii INTRODUÇÃO .................................................................................. 01 Objetivos ...................................................................................... 04 CAPÍTULO I I.1 ATENDIMENTO DE GRUPOS EM INSTITUIÇÃO .............. 06 I.1-1 Grupos de pais de crianças em atendimento .......................... 07 I.1-2 Grupos de Apoio a Familiares. .............................................. 10 I.1-3 Grupos de Orientação de Pais: enfoque Paterno ..................... 11 I.1-4 Grupos de Espera em Instituição ............................................ 12 CAPÍTULO I I II.2 AS CLÍNICAS - ESCOLA DA UNIFEC: Estrutura e Funcionamento .............................................................................. 15 II.2-1 Estrutura e Funcionamento do Centro de Programação Psicológica ..................................................................................... 16 II.2-2 Estrutura e Funcionamento da Clínica de Fisioterapia .......... 18 II.2-3 Algumas Características da População Atendida nas Clínicas - escola UNIFEC ........................................................... 20 vii CAPÍTULO I I I III.3 A FORMAÇÃO DO GRUPO DE MÃES: Uma Proposta Preventiva ..................................................................................... 22 III.3-1 O Planejamento do Trabalho Conjunto - Psicologia e Fisioterapia .................................................................................... 27 III.3-2 O Surgimento de Entraves no Andamento da Proposta de Trabalho Conjunto..................................................................... 30 III.3-3 A Idéia de Continuidade .................................................... 34 CAPÍTULO I V IV.4 MÉTODO .............................................................................. 38 IV.4-1 Considerações sobre a Técnica do Grupo Operativo .......... 38 IV.4.1.1 Sobre a importância das Relações Transferenciais ........... 43 IV.4-2 O Grupo de Mães num Enfoque Operativo ......................... 45 IV.4.2.1 Algumas Características do Grupo de Mães .................... 48 CAPÍTULO V V.5 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO GRUPO DE MÃES ........ 53 VI. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................ 92 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................. 98 ANEXOS....................................................................................... 102 viii R E S U M O Esta dissertação tem o objetivo de descrever um trabalho com um grupo de mães, num enfoque operativo, visando a prevenção em saúde mental. Relata e descreve os encontros e vivências de um grupo de quatro mães de crianças com deficiências realizado no Centro de Programação Psicológica da Universidade de Formação Educação e Cultura do ABC - UNIFEC, durante o ano de 1994. A proposta de realização deste grupo surgiu a partir da mudança deste Centro para as mesmas dependências físicas da Clínica de Fisioterapia nesta mesma Universidade (UNIFEC); ocasião em que a equipe de profissionais da Fisioterapia aventaram a possibilidade de realização de um trabalho conjunto entre ambas equipes para atendimento de mães das crianças por eles atendidas. Nesta dissertação abordamos no capítulo I trabalhos em grupo realizados em instituição e sua tarefa preventiva. No capítulo II daremos informações que caracterizam as clínicas - escola da UNIFEC (Centro de ProgramaçãoPsicológica e Fisioterapia). No capítulo III abordamos a formação do Grupo de Mães e os entraves encontrados no planejamento de um trabalho conjunto. No capítulo IV discutimos sobre o Método Clínico, o qual utilizamos neste estudo, bem como sobre o referencial teórico-técnico de Grupo Operativo, o qual norteou a análise do movimento que o grupo apresentou nos encontros realizados. No capítulo V descrevemos e discutimos partes dos treze encontros realizados, procurando dar uma idéia viva do desenvolvimento e funcionamento deste Grupo de Mães. Finalmente, fazemos algumas considerações sobre os pressupostos utilizados, os mecanismos de funcionamento do grupo observados, bem como a tarefa que emergiu no grupo e que o direcionou para a sua elaboração e aprendizagem. Comentamos ainda sobre os entraves surgidos no trabalho e as possíveis repercussões de trabalhos como este na dinâmica familiar. ix ABSTRACT The aim of this essay is to describe the work done with a group of mothers - in an operative focus - to prevent mental health . It reports and describes the meetings and experiences of a four mother group with handicapped children, help in Psychological Programming Center of UNIFEC - University of Education and Culture of the ABC, during 1994 . The proposal for the formation of the group took place during the moving of the referred center to the same University ( UNIFEC ) ; by this time the team of professionals in Physiotherapy suggested the possibility to carry on a work with both teams together, to support the mothers whose children were being taken care of by them . In chapter I of this essay it is approached the work the group carried out in institutions and its preventive task . Chapter II gives information that characterizes the clinics - UNIFEC School ( Psychological and Physiotherapy Programming Center ) . In chapter III it is approached the formation of the group of mothers and the restraints met during the planning of a work in group . In chapter IV it is discussed the Clinic method, which was used in this study as well as the theoretical - technical reference of the Operative Group which guided the analysis of the movement presented by the group during the meetings . In chapter V parts of the thirteen meetings held are described and discussed, in the search for a living idea of the development and function of this Group of Mothers . Finally some considerations were made about the used presuppositions, the mecanisms of working of the observed teams as well as the task risen within the group that directed its elaboration and learnig . It still comments the restraints that emerged from the work and the possible repercussions of works like this in the familiar dynamics . 1 INTRODUÇÃO Acreditamos ser importante traçar um histórico dos motivos que nos levaram à realização deste estudo. Em 1991 participamos de um curso de formação de coordenadores de Grupo Operativo ministrado pelo psicopedagogo argentino Jorge Visca. Durante todo este ano vivenciamos a teoria e técnica do Grupo Operativo; experiência enriquecedora que nos levou a desenvolver um projeto na Fundação Sto. André chamado: “ O desafio é trabalhar em grupos e com grupos, você aceita? ”. Este trabalho foi realizado com alunos e professores desta instituição de ensino, os quais se inscreveram espontaneamente para participarem do projeto. Os resultados obtidos neste grupo foram importantes para que a teoria se configurasse numa prática eficiente e eficaz no trabalho com grupos. Esta experiência levou-nos a refletir sobre nossa atuação como profissional da Psicologia, despertando- nos o desejo de trabalhar com grupos e de poder contribuir mais com aqueles que buscam ajuda e orientação. Em 1992 fomos, então, convidados a coordenar o “Centro de Programação Psicológica” da Universidade de Formação Educação e Cultura do ABC - UNIFEC, onde os alunos do 5 o ano de Psicologia realizam os estágios clínicos supervisionados. Nesta ocasião, como coordenadora deste Centro de Programação Psicológica (C.P.P.) administrávamos a parte técnica-pedagógica, ou seja, supervisionávamos o conteúdo ministrado aos estudantes de Psicologia, bem como os instrumentos psicológicos de avaliação utilizados para diagnóstico. Orientávamos os estagiários sobre dúvidas surgidas fora das supervisões, e na parte administrativa despachávamos laudos, comunicados, cartas e listas de presença que normatizavam os atendimentos, triagens e outras exigências burocráticas da instituição de ensino, e de funcionários que nela trabalhavam. 2 No decorrer desta experiência procuramos, em reunião no Departamento de Psicologia, destacar a necessidade de oferecermos atendimentos em grupo, dado ao grande volume de inscritos para os diversos atendimentos. Assim, começamos em 1992 a oferecer atendimentos em grupo para adolescentes, já que estes não eram beneficiados por nenhum programa de estágio na clínica e a demanda era muito grande. Este atendimento tinha um enfoque operativo e passou a ser realizado como uma opção voluntária dos alunos, os quais faziam o papel de observadores. A coordenação e supervisão deste trabalho, desde o início esteve sob minha responsabilidade e participação direta. Começou então, a ser oferecidos atendimentos em grupo para adolescentes inscritos, os quais dificilmente seriam atendidos regularmente, devido à longa lista de espera. Estes atendimentos e outros que começaram ser oferecidos então, tinham um enfoque operativo. Coordenamos estes grupos e os alunos/estagiários atuavam como observadores sob minha supervisão. Durante os anos de 1992 a 1994 vários trabalhos em grupo com enfoque operativo foram realizados neste Centro de Programação Psicológica (C.P.P.), que chamaremos Clínica de Psicologia no decorrer desta dissertação. Em 1993, no 2 o semestre, a Clínica de Psicologia, por determinação da UNIFEC, muda-se para as mesmas dependências da clínica de Fisioterapia desta instituição, passando a dividirem o mesmo espaço físico: Clínica de Fisioterapia e Clínica de Psicologia. No período em que estávamos nos instalando, alunos e professores da Fisioterapia (4 o ano) nos procuraram curiosos com a nossa mudança, já que ninguém da direção da UNIFEC os havia informado. Queriam saber qual era o motivo de estarmos ali, se iríamos trabalhar juntos, se o C.P.P. iria atender aos clientes da Fisioterapia, entre outros questionamentos. Fizemos esclarecimentos sobre os objetivos do C.P.P. e do nosso trabalho, assim como esclarecemos que, em princípio, não havia nenhum projeto em comum entre Fisioterapia e Psicologia. Assim, iniciou-se, informalmente, uma série de conversas e de expectativas de 3 trabalho entre os dois cursos. Dentre as solicitações de um trabalho conjunto, a mais cogitada foi a possibilidade de realizarmos um trabalho com as mães de crianças atendidas pela Neuropediatria - Fisioterápica. Como tínhamos interesse em trabalhar temas relacionados `as deficiências, pois lecionamos disciplina correlata desde 1989 no curso de Pedagogia da Fundação Sto. André, e também nos interessava trabalhar com grupos num enfoque operativo, propusemo-nos a trabalhar com estas mães. A queixa trazida pela Fisioterapia era de que a maioria das mães, não colaborava com o atendimento fisioterápico em curso pois, superprotegiam os filhos, faltavam aos atendimentos, descuidavam da higiene e de outros cuidados físicos com os filhos. Sobre este aspecto, GESU et al ( 1996 ) realizaramum trabalho com crianças descapacitadas na cidade de La Plata - Argentina e observaram neste estudo que estas crianças sempre ficam a cargo de suas mães, as quais apresentam comportamentos que vão desde a superproteção até ao abandono da criança . Observaram também que estas crianças são como um resultado das projeções das mães . Colocam que, em geral , estas famílias são fechadas, sem contatos sociais; evitam expor os filhos por sentirem vergonha, inferioridade e, estes sentimentos aparecem mais nas mães do que nos outros membros da família . O estudo mostra que estas crianças, geralmente, dividem o leito com os irmãos ou com um dos pais, formando assim vínculos duais onde predomina uma fusão, não dando lugar a um terceiro. Isto diificulta a entrada do pai na relação e na construção de um projeto próprio para este filho. Em nossa proposta acreditávamos que um trabalho direcionado a estas mães poderia colaborar na elaboração de sentimentos e estereotipias no seu comportamento que dificultam a relação mãe x filho. Assim, pensamos na possibilidade de unir os interesses da Psicologia e da Fisioterapia, oferecendo um atendimento multidisciplinar diferenciado. Seria uma oportunidade para avaliarmos o quanto o grupo num enfoque operativo poderia caminhar para 4 mudanças. Para a Fisioterapia, acreditávamos, estas mudanças seriam percebidas quando as queixas trazidas fossem sendo alteradas. A UNIFEC não se manifestou no sentido de oferecimento de um apoio imediato (financeiro, material)na realização destes novos projetos para atendimento em grupo à comunidade. Por outro lado, também não se opôs à realização do trabalho . Assim, fazíamos o que podíamos, com os recursos e a disponibilidade de horários que dispunhamos. Acumulamos papéis: coordenador, professor, terapeuta, triador muitas vezes para poder implantar esta nova modalidade de atendimento que nos parecia mais adequada à clientela e ao momento econômico - social do país. Este trabalho foi então realizado, mesmo tendo que passar por muitos obstáculos, todavia, trouxe-nos resultados que consideramos relevantes. Por esta razão é que nos propusemos dissertar sobre esta experiência com grupos de mães de crianças com deficiências. Colocamos “ deficiências”pelo fato de que estas crianças eram portadoras de diferentes patologias ,as quais citaremos no capítulo IV . Acreditamos que o relato desta experiência (pontuando as dificuldades de realização de um trabalho conjunto, expondo as dificuldades das mães destas crianças, e mostrando a evolução do grupo) torna-se relevante, na medida em que mostramos também a importância da prevenção em Saúde Mental. Com isso, o objetivo deste estudo é: Descrever um trabalho de grupo com mães num enfoque operativo, visando a prevenção em saúde mental no que se refere ao relacionamento mãe e filho. 5 Mais especificamente procuramos: a - descrever os encontros, buscando enfocar os movimentos e a evolução de um grupo de mães de crianças com deficiências, atendidas no Centro de Programação Psicológica da UNIFEC, num enfoque operativo. b - expor a dificuldades das mães de crianças com deficiências variadas em aceitarem um trabalho que se direcionava para elas próprias. c - relatar as dificuldades de se realizar um trabalho conjunto (multidisciplinar) na atenção às mães de crianças com deficiências no âmbito institucional. 6 CAPÍTULO I I.1 - ATENDIMENTO DE GRUPOS EM INSTITUIÇÃO: UMA TAREFA PREVENTIVA. As práticas preventivas de atendimento grupal em Instituições de Saúde ou em Clínica - Escola tem ganhado certo vulto em Psicologia Clínica, bem como em áreas afins, nos últimos anos no Brasil. E com isso, alguns relatos de experiência têm sido publicados, mostrando a importância desta prática preventiva em saúde mental. Muitos autores destacam a importância de projetos de atendimento grupal com pais (pai e/ou mãe) visando a melhoraria das relações pais- filhos em particular, bem como a dinâmica das relações familiares em geral. Outros autores mostram que, aliados a estes mesmos objetivos, também estes trabalhos grupais são uma solução para diminuição das enormes listas de espera nas instituições. Buscamos então, neste capítulo, trazer alguns destes trabalhos de atendimento grupal em instituição, tanto a título de ilustração daquilo que tem sido feito quanto pelo fato de que estes mesmos nos servirão como suporte técnico em vários momentos de nossa discussão. 7 I.1-1 GRUPOS DE PAIS DE CRIANÇAS EM ATENDIMENTO FABRE & HOFFMANN (1994), relatam a experiência que tiveram como coordenadores de um grupo de pais de crianças autistas no Hospital Infantil Joana de Gusmão em Florianópolis. O objetivo deste trabalho foi o de propiciar o contato famíliar, desenvolvendo um trabalho de Dinâmica de Grupo, com contatos mensais e duração de 1,30 h. Buscaram também favorecer a troca de experiências e a identificação de vivências semelhantes, visando a diminuição do estresse familiar. Para os autores ficou a certeza de que uma forma de se ajudar estas crianças é trabalhar com seus pais: “trabalhar terapeuticamente, onde possamos suportar seus sofrimentos, levando-os a elaborar seus conflitos, propiciando dessa forma, que eles encontrem novos caminhos e se permitam mudanças que os tornem mais felizes.” (pág.8 ) ARRUDA (1989), descreve o atendimento de um grupo de mães, dentre outros que são oferecidos no Ambulatório de Saúde Mental Infantil da Universidade Estadual de Campinas. Estes grupos originaram-se da aplicação de algumas diretrizes da Saúde Mental recomendadas pela Organização Mundial de Saúde. O objetivo básico destes grupos foi o de promoção da Saúde Mental das crianças através de suas mães, as quais vinham ao setor para o atendimento dos seus filhos e aguardavam em sala de espera. O autor relata que estes grupos nasceram em função de algumas condições mais específicas, como : a - dificuldades na relação das mães com o filhos, observadas na população de crianças atendidas neste Setor Infantil do Ambulatório de Saúde Mental. b - preocupação deste Setor Infantil quanto ao abandono dos tratamentos prolongados de algumas crianças. 8 O autor mostra, no relato das vivências destes encontros, o quanto este trabalho serviu de continente às ansiedades trazidas pelas mães. A identificação que estas mães puderam desenvolver com outras mães no grupo, possibilitaram uma compreensão, um posicionamento mais adequado diante das dificuldades que eram semelhantes entre elas. Isto pôde representar um aprendizado contínuo e dinâmico para todas as participantes. Em outro trabalho, ARRUDA (1991), relata a vivência de um dos grupos destinado às mães de crianças atendidas em Ludoterapia grupal, no Setor Infantil de Saúde Mental da UNICAMP. Este trabalho visou proporcionar às mães espaço próprio para conversarem e compreenderem, dentro de certos limites, algumas fantasias, angústias, defesas e reações perante os sintomas e o desenvolvimento do processo ludoterápico dos filhos, assim como trabalhar o relacionamento mãe - filho. O autor destaca que, o acompanhamento apoiou-se nas vivências emocionais e nos dinamismos grupais, bem como nas próprias colocações, assinalamentos e interpretações acerca dos conteúdos trazidos pelas mães, enfocando-os ora a partir do relacionamento mãe - filho, ora dos problemas que envolviam o desenvolvimento e o crescimento das crianças. Este autor acredita que as mães puderam compreender melhor seus filhos ao percebereme entenderem o próprio envolvimento afetivo e suas próprias angústias, na medida em que observavam as semelhanças entre elas, as dúvidas e dificuldades que enfrentaram. O acompanhamento destas mães em grupo levou-as a entender o quanto controlavam seus filhos, seus tratamentos e os profissionais responsáveis pelas crianças. Destaca ainda, que estas mães cresceram nestes grupos, ou seja, puderam compreender melhor seus filhos e, possivelmente, puderam estar mais preparadas para aceitar as modificações no desenvolvimento das crianças. 9 I.1-2 GRUPO DE APOIO A FAMILIARES SUCAR, REIS & PITTA (1987), relatam a experiência grupal de atendimento a familiares de pacientes em tratamento, em situação de “crise”, em uma unidade psiquiátrica inserida num hospital geral. Consideram que a “crise” é também vivida pelo grupo familiar, e portanto, isto deve ser levado em conta no atendimento oferecido ao paciente. O atendimento familiar grupal pode possibilitar que o grupo se organize e consiga reabsorver esse membro debilitado, tão logo o período de tensão tenha diminuído. Os encontros oferecem um espaço para que os familiares possam expressar e tentar elaborar os conflitos que surgem em decorrência da situação de internação, permitindo uma maior aderência ao tratamento, bem como a busca de um rearranjo familiar que tente evitar novos episódios. Uma equipe multidisciplinar composta por várias especialidades afins (psiquiatra, psicólogo, assistente social, terapeuta ocupacional, enfermeiro e estagiários destas especialidades), formaram um grupo móvel nestes atendimentos. Os familiares foram atendidos durante o período da internação, durante as licenças para visitas e na alta hospitalar. Os autores observam que: “...uma orientação para os familiares só poderá ser efetiva se eles estiverem com condições internas para aceitá-la e cumpri- la, o que nem sempre acontece.” (pág. 25). Assim, evidencia-se a importância de que outros trabalhos mostrem novas saídas nas intervenções para grupos familiares, dado as características do trabalho institucional. 10 I.1-3 GRUPOS DE ORIENTAÇÃO DE PAIS: ENFOQUE PATERNO Alguns Fundamentos teóricos e problemas técnicos nos grupos de orientação de pais são abordados por SALAS (1972). Este autor ressalta o quanto as relações entre o casal parental têm repercussões na criança e destaca a importância de se trabalhar o pai, já que o pai não se faz presente muitas vezes nesta realidade. Assim, sugere grupos de orientação com pais, para desenvolver disposições pessoais latentes do papel paterno, nos integrantes destes grupos, através de uma interação específica entre si e com o terapeuta. Destaca ainda, que nestes grupos com pais, sobressai a dificuldade que muitos têm de assumir este papel, o qual está ligado às perturbações no vínculo com seus próprios pais, na infância. Isto repercute no papel que os pais vão assumir frente a seus filhos e esposas. Nestes grupos, Eduardo Salas, propõe que se faça emergir a identidade mais genuína de cada pai no grupo, supondo que isto trará modificações na relação com os filhos. Coloca também alguns problemas para o manejo destes grupos como: dependência com o coordenador, dosagem das interpretações, triagem dos pais, heterogeneidade na idade dos filhos, entre outros. E acrescenta que o objetivo básico é fazer com que, nestes grupos, o pai repita sua própria situação com seus filhos, para poder reiterar sua relação com sua figuras parentais. O autor acredita, que o avanço teórico na compreensão do papel do pai, na família, está no progresso de trabalhos com estes grupos, pois ao mesmo tempo estaremos obtendo experiências que permitirão um maior conhecimento da figura paterna e da dinâmica familiar. 11 I.1-4 GRUPOS DE ESPERA EM INSTITUIÇÃO LARRABURE (1982), trabalhou com grupos que se originaram a partir da lista de espera que havia para o ingresso de crianças para um diagnóstico psicológico na Clínica Psicológica da Faculdade S. Marcos - São Paulo. Formados para os pais de crianças que aguardavam diagnóstico, os grupos eram de curta duração e respeitavam alguns critérios que poderiam variar em: homogeneidade da queixa, sexo ou faixa etária dos filhos, ordem de procura na clínica, entre outros. Os objetivos básicos para a formação destes grupos foram do ponto de vista da instituição: - atender a excessiva demanda de clientes evitando as longas filas de espera - executar um trabalho pré-diagnóstico, selecionando os casos mais adequados a cada tipo de atendimento oferecido pela instituição, entre outros. Do ponto de vista da clientela, o trabalho com os pais buscou: - melhorar a compreensão quanto à necessidade do atendimento, - um trabalho conjunto clínica-família no sentido de mobilizar os aspectos positivos da criança e buscar uma atitude mais ativa dos pais diante das dificuldades dos filhos, entre outros. A autora salienta que estes grupos, através da ação facilitadora de um coordenador, passam por fases, como: a - busca de respostas imediatas. b - lugar de encontro e momento pessoal, onde é possível falar de problemas e tomam consciência que tem voz ativa neste processo. c - identificação, colaboração. d - aceitação para busca de um auxílio mais verdadeiro. Esta autora acredita que os “Grupos de Espera” iniciam um processo de sensibilização e conscientização para que os pais reflitam: sobre o tipo de 12 relação que há entre eles e seus filhos, sobre como estão envolvidos com o problema e sobre que espécie de ajuda podem obter do atendimento psicológico. Além disto, despertam para a dimensão psicológica os indivíduos que acreditavam estar fora deste processo. GRANJON (1991), descreve a experiência que vem sendo realizada no Centro de Ação Médico-Social Precoce (CAMPS) em Aixen - Provence na França com os Grupos “Gigognes “ (grupos embricados). Esta instituição atende a crianças de zero a seis anos que apresentam deficiências de qualquer origem. Esta instituição tem por objetivo levar, num projeto terapêutico unificado, todos os cuidados necessários para estas crianças e suas famílias. A equipe de profissionais é pluridisciplinar e o projeto terapêutico está baseado numa estrutura grupal particular onde espaços e invólucros que representam funções diferentes fazem parte das relações de complementariedade e de embricamento. No CAMPS este trabalho é feito com três diferentes grupos que se embricam (Gigognes): o das crianças, o dos profissionais e o dos familiares. Esta autora acredita, pelos resultados observados, que esta experiência está sendo enriquecedora e transformadora para a instituição e para as famílias e crianças ali atendidas. Acreditamos que, com a breve exposição destes trabalhos, pudemos transmitir a importância de estarmos desenvolvendo projetos destinados ao atendimento de grupos no âmbito institucional e de caráter preventivo. Como vimos no relato feito, estes trabalhos proporcionaram transformações e conscientização sobre os indivíduos e sobre a dinâmica das relações interpessoais e familiares. Assim, apoiados nestas contribuições buscamos realizar este trabalho mostrando a importância de se trabalhar em grupo com mães num enfoque operativo, visando a prevenção em saúde mental no que se refere ao relacionamento mãe e filho. 13 CAPÍTULO II II.2 AS CLÍNICAS DA UNIVERSIDADE DE FORMAÇÃO E CULTURA DO ABC - UNIFEC: ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO A UNIFEC - Universidade de Formação e Cultura do ABC, em função de seus cursos de Fisioterapia e Psicologia,possui respectivamente: o Centro de Programação Psicológica (C. P. P.) e a Clínica de Fisioterapia, as quais chamaremos de Clinicas (de Psicologia e de Fisioterapia), muitas vezes, durante esta dissertação. Ambos atendem à comunidade gratuitamente e se prestam ao estágio supervisionado dos alunos de último ano dos referidos cursos. A partir de agosto de 1993 estas clínicas, que antes funcionavam em prédios distintos, passam a dividir as mesmas dependências onde funcionava a Clínica de Fisioterapia, como também pessoal de limpeza e segurança. O funcionamento de ambas obedece a normas e regulamentos próprios, os quais descreveremos brevemente em alguns de seus aspectos mais relevantes para o presente estudo. 14 II.2-1 ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DO CENTRO DE PROGRAMAÇÃO PSICOLÓGICA. O curso de graduação de Psicologia existe na UNIFEC desde o ano de 1973, e o C.P.P. passou a prestar serviços à comunidade desde o ano de 1977. Este centro atende a comunidade de S. Caetano e da região metropolitana de S. Paulo que se inscrevem nos diversos programas de atendimento clínico, que são: a- Atendimento adulto na linha Comportamental b- Atendimento infantil na linha Psicanalítica -Psicodiagnóstico e Ludoterapia c- Orientação Vocacional para adolescentes a partir dos l5 anos Neste Centro (C.P.P.), trabalhavam um total de seis psicólogos. Estes atuavam da seguinte forma: um exercendo a função de triador, analisando as queixas no momento da inscrição e realizando encaminhamentos necessários e orientando os estagiários na ausência dos supervisores . Outros quatro psicólogos atuavam como supervisores, sendo que dois deles eram ligados diretamente à clínica: um supervisionando atendimentos infantis (num referencial Psicanalítico), um supervisor para atendimentos adultos (dentro de um referencial comportamental); outros dois supervisores atuavam nas áreas de Psicologia Escolar e Psicologia Organizacional, e ambos supervisionam os estágios realizados em escolas e industrias da região, utilizando-se das instalações do C. P. P. para as suas supervisões semanais. Havia também um coordenador, o qual cuidava da parte administrativa e pedagógica do C.P.P. e estando subordinado ao Chefe do Departamento de Psicologia da Universidade. Também fazia parte do quadro de funcionários do C.P.P. : uma secretária desempenhando papel administrativo e de apoio aos profissionais que nele trabalhavam. O acesso aos atendimentos no C.P.P. era feito de forma espontânea ou por indicação médica ou pedagógica junto à secretária, onde são marcados dia e 15 hora para triagem. Na triagem era feita a inscrição do interessado para os atendimentos oferecidos, ou era dado o encaminhamento devido. Assim o inscrito aguardaria em lista de espera, por ordem de chegada, o contato telefônico para iniciar os atendimentos. Os atendimentos iniciam-se em meados de abril indo, quando necessário, até o início de dezembro, época do encerramento do ano letivo em que o estagiário está matriculado. Caso o supervisor responsável julgasse necessário continuar os atendimentos, pediria para que o estagiário providenciasse o encaminhamento junto às instituições e profissionais cadastrados na secretaria do C.P.P. Os atendimentos eram então realizados nos períodos da manhã, tarde e noite, em função da disponibilidade do estagiário e dos inscritos. Os atendimentos infantis aconteciam duas vezes por semana e o atendimento adulto uma vez por semana, sob a supervisão da coordenação. Depois da triagem os casos eram mantidos em arquivos separados por área de atendimento, ficando à disposição dos supervisores de cada área (infantil e adulto). Cabia aos supervisores, distribuírem os casos clínicos aos estagiários que deveriam atender, em caráter obrigatório, um caso infantil e um caso adulto, ficando a critério dos supervisores e coordenadores a avaliação da possibilidade de se distribuir mais de um caso para cada estagiário. Nos últimos três anos houve uma média de 20 estagiários por ano para atender 300 casos por ano. Isto mostrou que a demanda era muito grande, já que vinham se formando longas listas de espera. Em detrimento disto, houve uma preocupação da coordenação em ampliar a possibilidade de atendimento, iniciando projetos com grupos, levando-se em conta as queixas que eram comuns aos seus integrantes. Assim, foram iniciados grupos com abordagem operativa para adolescentes e para mães em lista de espera,entre outros. 16 II.2-2 ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DA CLINICA DE FISIOTERAPIA A clínica de Fisioterapia, tal como a de Psicologia (C.P.P.), atendia a comunidade da cidade de São Caetano e arredores gratuitamente, oferecendo os seguintes atendimentos fisioterápicos aplicados: disfunções Cardio- Respiratórias, Ortopédicas-Traumatológicas e Neurológicas. O acesso aos atendimentos era então feito mediante indicação médica e apresentação de exames complementares quando necessário. Os alunos estagiários eram divididos em grupos que variavam pelo total da turma do ano, fazendo-se um rodízio nas diversas áreas de atendimentos oferecidos ficando, em média, cinco alunos em cada área de atendimento. Nos últimos três anos houve, em média, trinta alunos por turma. Para cada área de atendimento havia supervisores, os quais acompanhavam a avaliação do quadro apresentado e determinavam o andamento do trabalho junto ao estagiário responsável. Existia, nesta ocasião, uma grande procura pelos atendimentos, contudo o trabalho fisioterapêutico é, em algumas áreas, muito rápido ao ser comparado com a Psicologia. A exemplo disto, temos o tratamento de luxações na Ortopedia que,em média, é de 4 a 6 sessões. Existia também uma lista de espera, todavia esta não era tão longa quanto a da Clínica de Psicologia onde as intervenções, na sua grande maioria, tinham uma duração de dois semestres letivos. Os inscritos na Fisioterapia aguardavam, em lista de espera, um contato telefônico para o inicio dos trabalhos. Trabalhavam na Clínica de Fisioterapia quatro fisioterapeutas, sendo um coordenador, três supervisores e uma secretária para serviços administrativos e apoio aos profissionais. Os atendimentos tinham duração diferenciada nas suas diferentes modalidades e uma freqüência de duas vezes por semana em todas as suas modalidades. A Clínica de Fisioterapia funcionava no período da 17 manhã e da tarde. O curso de Fisioterapia tinha,em média, 30 alunos estagiários no final do curso. 18 II.2-3 ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DA POPULAÇÃO ATENDIDA NAS CLÍNICAS - ESCOLA UNIFEC A população atendida pelas clínicas é,na sua maioria, de classe sócio- econômica baixa. O C.P.P. atende, principalmente, crianças numa faixa etária de 6 a 12 anos de idade. Considerando-se que a faixa etária da clientela é de crianças e adolescentes, estes são levados às clinicas por um acompanhante, e utilizam-se de, pelo menos, dois veículos de locomoção para chegar até elas, as quais estão localizadas num bairro periférico da cidade de São Caetano (Bairro Oswaldo Cruz). Este fato implica, muitas vezes em gasto excessivo de tempo e dinheiro para estas famílias de baixa renda. O público atendido pela Clínica de Fisioterapia tem ainda mais um agravante: um considerável número de clientes têm deficiências físicas variadas, fato que os impossibilitam da utilização dos meios de transporte públicos, necessitando, muitas vezes, de condução própria ou até de ambulâncias. Todos estes fatos acarretam faltas aos atendimentos. Portanto, não podemos dizer que as faltas (ausências)aos atendimentos sejam causadas somente por mecanismos inconscientes, mas temos que considerar que existem dificuldades reais. A população residente no bairro em que se encontra as clínicas é a mais beneficiada pelos seus serviços, tanto pela facilidade do acesso, quanto pela credibilidade que deposita nos trabalhos oferecidos. Em menor número encontramos casos de pessoas “ classe média” (*) que procura as Clínicas por vários motivos: proximidade das clínicas de suas residências, doenças crônicas (por exemplo: paralisia cerebral) entre outros como queda do poder aquisitivo ; pois nada impede que a comunidade se inscreva nos atendimentos oferecidos já que o ingresso obedece à triagem, ordem de chegada e encaminhamentos (*) Estamos chamando de “classe média” a uma população que apresenta um grau de escolaridade de 2º grau completo a superior completo e/ou incompleto, com uma renda mensal de mais de dez salários mínimos e que possui alguns bens de consumo, como: automóvel, telefone e eletrodomésticos; assim como casa própria e outras propriedades. 19 médicos e não leva em conta o poder aquisitivo do paciente. Por este motivo, acreditamos que um critério de investigação sócio-econômica seria aconselhável, dado às dificuldades da população de baixa renda em ter acesso a esses atendimentos. 20 CAPÍTULO I I I III.3 A FORMAÇÃO DO GRUPO DE MÃES: UMA PROPOSTA PREVENTIVA CONJUNTA Cada vez mais observamos a importância de serem realizados trabalhos preventivos e conjuntos que fortaleçam as pessoas a fim de enfrentarem períodos de crise ou conflitos em suas vidas. Como crise, utilizamos a definição dada por SIMON (l983), que a caracteriza pela sua etiologia: uma perda ou ganho que tem significação para o indivíduo que a vivencia; representando aumento ou diminuição do espaço no universo pessoal deste. Um mesmo fato pode ser vivido como aquisição ou perda,gerando a crise correspondente. O essencial na geração da crise é o fato de o indivíduo se ver frente a uma situação nova e vitalmente transformadora. (SIMON op. cit) ERIKSON (1959) estudou as crises a partir do desenvolvimento do indivíduo, CAPLAN (1964) estudou a crise a partir do conceito de homeostase adaptativa ; já SIMON (1983) estudou a crise acrescida das propostas anteriores (desenvolvimento, homeostase) unindo o cognitivo e o afetivo aos conteúdos inconscientes latentes na vivência das crises, os quais interferem na sua resolução. SIMON (op.cit.) propõe condutas preventivas diante dos riscos que o indivíduo; pode vir a correr ao vivenciá-las. Caso a crise seja advinda da perda, a pessoa vivência sentimentos de depressão, autopunição e culpa. Corre riscos de autoflagelação, suicídio ou projeção da culpa. Caso a crise seja advinda de aquisição (ganho), a pessoa sente-se inferiorizada, inadequada e corre o risco de fuga ou onipotência. 21 A partir destas constatações feitas em seus estudos, este autor propõe programas de prevenção, como o realizado por ele próprio na Escola Paulista de Medicina com estudantes de medicina em 1977. Os objetivos da ação preventiva são os de ajudar o indivíduo a aceitar realisticamente as perdas e estimulá-lo a retomar o interesse pelo seu universo pessoal diminuído significativamente pela perda crítica. Ou então, de aceitar o ganho com ambição moderada de modo a ampliar seu universo pessoal dentro da realidade. Para isso existem duas possibilidades de intervenção preventiva: passiva e ativa. Por prevenção passiva, entende-se o trabalho realizado por profissionais quando a crise já está em andamento, instalada no indivíduo. A prevenção é ativa quando lidamos com o indivíduo em situações onde a crise tem possibilidade de ocorrer, está latente, mas ainda não se instalou; isso evita ou atenua danos,ou consolida benefícios. SIMON (op. cit.) destaca a importância de serem desenvolvidos trabalhos preventivos para promover a Saúde Mental. Cita locais na sociedade onde há maior possibilidade de surgirem situações de crise como: hospitais, clínicas médicas e paramédicas, escolas, delegacias, necrotérios, orfanatos, agencias de emprego, indústrias, entre outros. Com isso, configura-se a importância e necessidade da formação e do trabalho de equipe que Ryad Simon chama de psico-higienistas, os quais poderão atender às diferentes necessidades dos indivíduos. Outros autores como LEAVEL & CLARK (1976) também numa visão preventivista, destacam : “Os objetivos de toda atividade médica e de saúde pública, seja ela exercida no consultório, na clínica, no laboratório ou na comunidade, são promoção da saúde, a prevenção de doença e prolongamento da vida.” (pág . 11) Assim, cabe a nós profissionais de saúde envolvidos em trabalhos institucionais, trabalharmos com projetos que visem a prevenção principalmente nos níveis primários e secundário na definição de CAPLAN 22 ( op. cit.), antes que a doença se instale, ou mesmo numa tentativa de evitar que os indivíduos, ainda que adoeçam, não se tornem inválidos. CAPLAN (1964) também destaca a importância de trabalhos deste tipo e define níveis para estas intervenções preventivas: Primária, secundária e terciária. A intervenção em Prevenção Primária oferece medidas destinadas à desenvolver a saúde geral antes que agentes patogênicos se instalem no indivíduo. Embora seja difícil evitar a instalação de distúrbios na população, de modo geral estas ações primárias procuram reduzir o número de pessoas que possam ser afetadas. Portanto, são os profissionais da saúde quem avaliam que medidas serão tomadas, mesmo desconhecendo as etiologias. CAPLAN (1964) argumenta: “...enquanto aguardamos os resultados da pesquisa etiológica, ainda podemos obter algum êxito na prevenção primária se explorarmos nossos conhecimentos atuais, menos do que perfeitos, dos fatores que influenciam a incidência de distúrbios mentais.” (página 44) A intervenção em Prevenção Secundária visa, por meio de diagnóstico precoce, tratar a doença, reduzindo a taxa de incapacidade causada por um distúrbio, buscando atingir a “população de risco “ mais propensa a desenvolver a doença ou distúrbio. Busca oferecer barreiras contra os agentes causadores do desequilíbrio que podem provocar a invalidez. CAPLAN (1964) destaca que num programa comunitário a “excelência é inimiga do bom” (página 124), pois devemos estar preparados para aceitar objetivos modestos para os projetos de atendimento que realizamos. Além disso, devemos considerar que nossas intervenções são temporárias e que podem ajudar os indivíduos num momento de suas vidas, ao invés de acharmos que temos uma força ilimitada de mudança e que vamos construir um ideal de saúde ou de maturidade. 23 A intervenção em Prevenção Terciária tem por objetivo reduzir, na comunidade, o defeito a invalidez que um distúrbio instalado pode ter deixado. Desenvolve, para isso, trabalhos que visam a reabilitação para uma melhoria da vida ocupacional e social dos indivíduos afetados. Acreditamos que nosso trabalho possa proporcionar segundo CAPLAN (1964) Prevenção Secundária, pois o que nos motivou propô-lo foram as queixas trazidas pêlos profissionais da Clínica de Fisioterapia sobre as mães das crianças ali atendidas na Neurologia Fisioterápica. Portanto, não se enquadraria em Prevenção Primária dado já existir fatores que apontavam para um desequilíbrio no comportamento destas mães para com os seus filhos; daí as queixas trazidas pelos profissionais da Fisioterapia como:abandono ou de super-proteção para com estas crianças. Apoiados nestes estudos aqui residem um dos objetivos deste trabalho, que vem fundamentar a necessidade, bem como as dificuldades de se trabalhar na prevenção em conjunto com outros profissionais afins, promovendo a Saúde Mental numa proposta interdisciplinar. A interdisciplinaridade viria hoje contra um saber fragmentado pelas crescentes especialidades e, contra uma divisão e distanciamento entre as ciências e seus profissionais bem como, contra o conformismo das situações “posta e impostas” por idéias recebidas. Hoje observamos a volta à síntese, depois de tantos anos de análise. As situações humanas propõem a necessidade de uma união entre os saberes para um melhor encaminhamento e solução. A sociedade atual transforma-se rapidamente gerando necessidades que põem em cheque o saber, sua estruturação e sua ordem. JAPIASSU (1976) destaca que há uma crescente necessidade de reorientar os estudos, de estabelecer comunicação entre especialidades, de uma nova adequação das atividades universitárias à realidade social, entre outros. Portanto, a interdisciplinariedade aparece, de um lado, como um instrumento do saber e de outro como meio de superar o isolamento das disciplinas, 24 tentando superar o fosso que separa a Universidade da Sociedade. Cabe, então, que cada especialidade reconheça o caráter parcial e relativo de sua própria disciplina e muito mais. Sem dúvida é um desafio que,cada vez mais os pesquisadores terão que enfrentar . 25 III.3-1 O PLANEJAMENTO DO TRABALHO CONJUNTO NAS CLÍNICAS DE PSICOLOGIA E FISIOTERAPIA. Com a mudança do Centro de Programação Psicológica (C.P.P.) para as dependências da Clínica de Fisioterapia é que se começou a pensar na possibilidade de um trabalho conjunto entre as duas equipes, como já abordamos na introdução. Os profissionais da Clínica de Fisioterapia procuraram os profissionais da Psicologia para a viabilização de um trabalho conjunto. A coordenação da Fisioterapia, informalmente, expôs a necessidade de realizar trabalhos integrados entre as equipes de Psicologia e Fisioterapia junto à sua clientela. O primeiro trabalho sugerido foi com as mães das crianças atendidas na área de “Fisioterapia Neurológica”, pois acreditavam que poderíamos trabalhar juntos algumas questões, como: cuidados de higiene de mães para com as crianças, exercícios a serem feitos em casa que auxiliariam no progresso do atendimento fisioterápico, entre outros aspectos. Durante estes nossos contatos com a coordenação da Clínica de Fisioterapia, percebemos alguns aspectos como, por exemplo: sentimentos surgidos da relação profissional x paciente que emergiam nos atendimentos da Fisioterapia, os quais traziam ansiedade, angústia, sentimentos de perda e impotência mas, como não eram percebidos de forma “clara” por estes profissionais, causavam-lhes certo desconforto. Todavia, estes percebiam um “algo a mais “ que chamam de “alguns aspectos psicológicos” presentes no trabalho, e com os quais não sabiam lidar. Apesar destas nossas observações, não nos atentamos para um trabalho que visasse a relação profissional x cliente (paciente) manifestada pelos profissionais e estagiários da Fisioterapia. Estávamos interessados, naquele momento, num trabalho voltado para a queixa trazida por estes profissionais quanto à inadequação das mães ao lidarem com os filhos, por eles atendidos. 26 Talvez num futuro, caso estes trabalhos conjuntos ganhassem certo vulto e até apoio institucional, poderíamos realizar outros tantos trabalhos preventivos conjuntos com outros profissionais. Diante destes fatos, sugerimos um trabalho de Orientação Psicológica que pudesse abordar as relações mãe e filho, bem como questões que envolvessem a dinâmica familiar. Como citamos anteriormente, nosso trabalho esteve direcionado para um nível de Prevenção Secundária. Trabalhos voltados para a promoção de saúde, em nível de Prevenção Primária e Terciária poderiam também ser realizados, entretanto, é importante salientar que a Universidade não vislumbrava projetos de trabalho como estes nas atribuições das Clínicas de Psicologia e Fisioterapia. Isto implicaria na contratação de profissionais e na disposição de recursos materiais para a realização de projetos preventivos nestes outros níveis, já que não dispúnhamos de mais tempo (jornada de trabalho) na instituição naquela ocasião. Os trabalhos “extras”, que fugiam das atribuições acadêmicas e de supervisão aos estagiários dos cursos de Psicologia e Fisioterapia, não recebiam nenhum incentivo por parte da instituição ficando sob responsabilidade e boa vontade daqueles que os idealizaram. Deste modo, a coordenação do Centro de Programação Psicológica (C.P.P.) formalizou uma proposta de trabalho à partir das expectativas manifestadas pêlos profissionais da Fisioterapia. A proposta que apresentamos à Fisioterapia ampliava a possibilidade de participação para todas as mães de crianças atendidas nesta especialidade. O trabalho previa encontros semanais em grupo, estando sob nossa responsabilidade. Oferecemos três horários possíveis para a sua realização, ficando a critério da Fisioterapia organizar e formalizar o trabalho junto aos seus docentes e estagiários 27 Logo que foram comunicados formalmente, as coordenações de ambas as Clínicas aprovaram e deram aval para iniciar o trabalho o mais rápido possível. Acertou-se então, que as “chamadas” para a formação dos grupos seriam impressas e afixadas nos diversos murais da Clínica, e que os profissionais e estagiários da Fisioterapia discutiriam sobre a importância das mães em se compromissarem com este trabalho, enfocando ainda que o trabalho seria graciosamente oferecido. Apresentamos em anexo (anexo 1), uma cópia da “chamada” utilizada. A coordenação da clinica de Fisioterapia determinou que sua secretaria se responsabilizasse pelas inscrições das mães interessadas. Foram dadas duas semanas para as inscrições e, ao final deste prazo estavam inscritas 20 mães para os grupos, sendo que a Fisioterapia tinha em 1994 o número de 20 crianças sendo atendidas pela Neurologia Fisioterápica , mais 15 em outros atendimentos, totalizando 35 crianças atendidas em sua clínica.Estes dados mostram que houve interesse por parte das mães para um atendimento psicológico (mais adiante voltaremos a abordar este aspecto). 28 III.3-2 O SURGIMENTO DE ENTRAVES NO ANDAMENTO DA PROPOSTA DE TRABALHO CONJUNTO A coordenação da Fisioterapia foi informada sobre o início do nosso trabalho, mas não se manifestou. O trabalho que seria conjunto não se concretizou, não houve oportunidades para ambas as equipes discutirem sobre os casos e sobre o trabalho em si. A maneira com que conduzimos a proposta parece-nos, à primeira vista, que foi entendida como que cada qual faria sua parte, sem intercâmbio entre as especialidades. Isto mostra que, de fato, não estamos preparados para trabalhos com características interdisciplinares. Assim, como aponta JAPIASSÚ (1976), na proposta Interdisciplina (diálogo entre as disciplinas) cabe que cada especialista reconheça o caráter parcial e relativo de sua própria disciplina, e isto, sem dúvida, é um desafio cada vez maior que os pesquisadores (e acrescentamos, nós clínicos) teremos que enfrentar. O trabalho em conjunto, exige o enfrentamento desta “parcialidade” que tem cada disciplina. Nossa proposta conjunta Psicologia - Fisioterapia, iniciava-se “tímida” ainda em relação ao que se pode chamar de Interdisciplinar, talvez mais próximaao que se chama Multiprofissional ou Multidisciplinar, segundo JAPIASSÚ (1976). Porém, acreditamos que o caminho, a posteriori, quando este trabalho e outros futuros surgissem, seria o de uma aproximação mais concreta da idéia Interdisciplinar. Quando os profissionais da Clínica de Fisioterapia lançaram a proposta de trabalharmos em conjunto, nossa idéia foi a de aproximação ao Interdisciplinar, pois concordamos com JAPIASSÚ (op. cit.) que a sociedade atual transforma-se rapidamente gerando necessidades que põem em cheque o saber, sua estruturação e sua ordem. Há uma crescente necessidade de reorientar os estudos, no sentido de estabelecer comunicação entre 29 especialidades, de uma nova adequação das atividades à realidade social. Portanto, a interdisciplinariedade aparece, de um lado, como um instrumento do saber e do outro como meio de superar o isolamento das disciplinas. Contudo, as dificuldades para se estabelecer a interdiciplinaridade estão postas: - as várias posições epistemológicas partilhadas entre as disciplinas são um entrave. - existem cisões quanto ao método utilizado para o estudo que tornam impossível a compreensão recíproca dos especialistas e sua eventual colaboração. Além destes aspectos, observamos também que a próprias instituições (não governamentais) tampouco incentivam trabalhos conjuntos, não procuram oferecer apoio ou recursos para a realização destes projetos (principalmente por estes apresentarem-se como propostas preventivas). Em nosso caso, não dispúnhamos de recursos materiais, pagamento de horas extras para os profissionais envolvidos, auxílio bolsa para os alunos que se engajassem nesse tipo de trabalho. Com isso nada há de motivador ou de elemento aglutinador para trabalhos desta ordem. O interesse científico - clínico, acreditamos, é o que nos mobilizou e fez-nos abraçar este desafio. Assim, parece estarmos diante de um processo científico que apresenta um poderoso dinamismo, mas que permanece em grande parte incompreensível. Esta é a situação difícil que teremos que enfrentar quando falamos de uma metologia das colaborações interdisciplinares. O trabalho interdisciplinar impõe: o domínio seguro das exigências metodológicas e epistemológicas comuns a todo conhecimentos, e isto é certamente, muito difícil. Sobre as vicissitudes no trabalho em equipe multiprofissional, CATROPA & MASSA (1984) descrevem a experiência que tiveram ao trabalhar com 30 diferentes profissionais no Setor de Psiquiatria Infantil da Escola Paulista de Medicina Enfocam tanto a riqueza da interação de profissionais, quanto as dificuldades inerentes a formação específica, em confronto com o objetivo comum, que é o enfoque holístico na saúde mental. Traçam um breve histórico de como o setor de Saúde Mental iniciou esse trabalho na área da psiquiatria infantil a partir de 1978, contando com uma equipe formada por psiquiatra, psicólogo, estagiários destas duas especialidades, terapeutas ocupacionais e assistente social. Estas autoras narram que, num primeiro momento, a existência de diferentes profissionais não levou à formação de uma equipe, mas sim à realização de tarefas isoladas e específicas,sem uma integração das diversas áreas, apesar de ser este o objetivo por eles buscado. Observam que os profissionais mais antigos do setor (psiquiatras e psicólogos), por terem pleiteado esta integração numa equipe multiprofissional, eram os que tinham uma visão mais globalizante do que os novos profissionais (terapeuta ocupacional e assistente social ). Durante as reuniões realizadas que buscavam uma tentativa de integração da equipe, o que ocorria era que cada profissional defendia ferrenhamente seu ponto de vista e atacava o do outro. A equipe funcionava, mas havia uma cisão que se refletia não só na divisão acentuada das tarefas, mas também na valorização delas. A limitação da visão de cada profissional acabava sendo utilizados pêlos outros como depositário de suas próprias limitações. Assim, percebia-se uma ambivalência: a construção de um novo modelo de atendimento e, um movimento contrário de competição e destrutividade. Descrevem ainda que, em outros momentos, desenvolveu-se um movimento para por fim à cisão do grupo e buscar uma nova identidade grupal. Neste processo, houve uma tendência de supervalorização do psicólogo da equipe havendo uma “psicologização” ou, uma prevalência do modelo médico, em alguns momentos. Todavia, foi só a partir destas reflexões e de um amadurecimento da equipe que se pôde reestruturar o trabalho e resgatar as 31 especificidades, aproveitando essas mesmas diferenças, para tornar os atendimentos os mais globais possíveis. Descrevem o quanto difícil foi percorrer estes longos caminhos cheios de encontros e desencontros até a integração. Diante destes fatos, lembramos ainda G.K. CHERSTERTON apud JAPIASSÚ (1976): “O especialista converteu-se neste homem que, à força de conhecer cada vez mais sobre um objeto cada vez menos extenso, acaba por saber tudo sobre o nada.” (pág. 40) O fenômeno interdisciplinar pode ser considerado como uma das manifestações mais significativas das mutações que afetam e alteram,em nossos dias, as preocupações do pensamento e do discurso intelectual, por mais racional e objetivo que ele seja. O fenômeno da interdisciplinaridade tem dupla origem: uma interna, tendo por característica essencial o remanejamento geral do sistema das ciências que acompanha seu progresso e sua organização, e outra externa, caracterizando-se pela mobilização cada vez mais extensa dos saberes, convergindo em vista da ação. A interdisciplinaridade vem hoje contra um saber fragmentado pelas crescentes especialidades, e contra uma divisão e distanciamento entre as ciências e seus profissionais, bem como, contra o conformismo das situações “postas e impostas “ por idéias recebidas. ( JAPIASSU , 1976 ) 32 III.3-3 A IDÉIA DE CONTINUIDADE Mesmo com estes entraves na proposta de um trabalho conjunto, resolvemos dar continuidade ao que havíamos proposto, ainda que isto fosse parcial. Isto porque, não faríamos aquele “diálogo”, previsto anteriormente, entre Psicologia e Fisioterapia. Entretanto, consideramos que o trabalho ainda seria importante e poderia auxiliar muitas mães com filhos portadores de deficiências e,mesmo aquelas que não tinham tais agravantes, poderiam ser beneficiadas com a discussão prevista no grupo. Já que estas mães são os “objetos primitivos “ para este filhos e direcionam identificações para eles e recebem deles ressonâncias , tal como aponta a teoria Kleiniana . Houve um número considerável de inscritas (20 mães) o que nos levou a supor o grande interesse destas mães em buscar ajuda e acolhimento às suas necessidades pelos profissionais da Psicologia. Confessamos nossa curiosidade em conhecê-las e saber das suas expectativas frente a este trabalho. Apoiamos -nos em MANNONI (1964), ANDOLFI (1960) ,GESU (1996) e outros que mostram o quanto as mães ( famílias ) de crianças com deficiências sofrem com a “quebra “ das idealizações, por possuírem um filho imperfeito .Isto pode provocar um ressentimento . Sobre este aspecto, GRINBERG ( 1963) : “o ressentimento se experimenta frente a algo ou alguém que quis ou a alguém que se reprova ao haver provocado uma frustração, perda ou agressão, frente ao qual o Eu se sente vítima . “ (pag. 100) A partir destas colocações, acreditamos na importância da realização deste trabalho. Assim, foram formados 2 grupos em função das disponibilidades de horário que as mães declararam terna inscrição, e dos horários disponíveis da coordenação da Clínica de Psicologia que seria a responsável pelo trabalho. Foi então marcada uma primeira reunião: Grupo da manhã - sextas feiras - 10:30 hs. e o Grupo da tarde - terças feiras - 14:00 hs. 33 Nesta primeira reunião com as mães inscritas foram dadas maiores informações sobre os objetivos dos encontros: a importância da relação mãe x filho para o desenvolvimento das crianças e o enquadre (dia, hora, duração,freqüência)do trabalho a ser realizado. No enquadre foram destacados a importância de se fechar um contrato de trabalho através da clareza dos objetivos propostos e de alguns elementos que o compõem como: -dias dos encontros: terças feiras (à tarde) e sextas - feiras (pela manhã) -freqüência: uma vez por semana. -horário: tarde - 14:00 hs., manhã - 10:30 hs. -duração: 50 minutos por encontro durante o ano letivo,respeitados os recessos de férias e feriados escolares. -composição do grupo: mães ou responsáveis das crianças atendidas pela Fisioterapia. Grupo fechado (onde não entrariam outros integrantes após os encontros iniciados ). Foi destacado o tratamento sigiloso que seria dado aos conteúdos abordados pelos componentes nos encontros realizados pelo grupo. Sendo assim, em momento algum os assuntos ali tratados vão ser veiculados para fora do grupo em questão. Este primeiro encontro é sempre de fundamental importância para esclarecer as dúvidas e as fantasias que podem ser geradas pelos inscritos. Este fato realmente aconteceu neste primeiro encontro, pois algumas mães tinham outras expectativas, acreditavam que o trabalho iria ser realizado com as crianças, já que muitas delas não tinham um atendimento psicológico. Outras mães não se adequaram ao enquadre proposto, por uma série de motivos aparentes, tais como: dia, hora ..., e por motivos “não aparentes”, os quais 34 podem ser observados em suas próprias falas, as quais ilustram suas reações neste encontro: “Ah! mas pensei que eram as crianças que seriam atendidas.” (sic) “É uma pena, mas não tenho com quem deixá, nestes dia. “ (sic) “ Se tivesse com quem deixar, bem que eu vinha ! “ (sic) “Sabe eu tenho que trabalhá, não tem à noite ? “(sic) “Que bom nós fomos lembradas. “ (sic) Em função destes entraves, somente um grupo se formou no período da manhã (conforme o horário proposto). Este grupo foi constituído por quatro mães (uma delas era avó materna, a qual fazia o papel da mãe), as quais tinham os atendimentos das crianças no mesmo horário do grupo na Clínica de Fisioterapia (sextas - feiras - 10:30 h). Isto foi um dos fatores favoráveis para a formação deste grupo e, foi talvez fator desfavorável para a “ não formação” de um outro, pois a dependência das crianças para com suas mães (acompanhantes nos atendimentos que realizavam) é real em detrimento de suas muitas deformidades físicas. Hoje, numa melhor compreensão da situação, podemos inferir que talvez, naquela ocasião, teria sido oportuno o oferecimento de um trabalho que visasse “Prevenção Primária” para estas mães que, mesmo inscritas, não permaneceram nos grupos pelos motivos expostos. Contudo, não houve possibilidade de fazê-lo, também por uma série de motivos que já foram aqui abordados. Procuramos fazer o que estava ao nosso alcance naquele momento. É interessante salientar também que acreditamos que a continuidade deste trabalho pode ter sido atribuída a uma possível Contratransferência Indireta (subtransferência), que na época não estava clara para nós. RACKER (1982) descreve que na situação de Contratransferência : “... os objetos introjetados podem transferir-se ao paciente de duas formas: 35 - ao paciente como indivíduo ou, ao paciente como fator importante dentro de outras relações de objeto do analista (sociedade, instituição, figuras importantes) pelos quais queremos ser aceitos e admirados mediante atuação profissional ou científica.” (pág. 109 ) Acreditamos que conosco possa ter ocorrido tal fenômeno, pois apesar de todos os entraves para a realização deste trabalho, atendemos ao chamado dos colegas da Fisioterapia e aceitamos ser o depositário de suas ansiedades e angústias. Sem dúvida, algumas falhas ocorreram e são importantes de serem reveladas para podermos aprender com os erros, assim como entender melhor a dinâmica deste trabalho com mais profundidade; podendo com isso aprimorar outros trabalhos semelhantes. 36 CAPÍTULO IV IV. 4 - MÉTODO Nosso propósito com este grupo de mães, foi o de levá-las a refletir sobre a relação que estavam tendo com seus filhos e, como conseqüência com a família. Por isto nos propusemos a descrevê-lo, procurando mostrar, a importância de se realizar trabalhos em grupo num enfoque operativo, visando a prevenção em Saúde Mental. IV.4.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE A TÉCNICA DO GRUPO OPERATIVO Muito embora não utilizasse esta técnica em sua essência vamos discorrê-la, pois ela norteou-nos na visualização dos movimentos do grupo. Um grupo se caracteriza por um conjunto de pessoas que interagem entre si. Um grupo terapêutico, além disso, acresce-se da intervenção de uma pessoa para que o grupo melhore ou estruture melhor suas interações. PICHON RIVIÈRE (1969) caracteriza a Técnica do Grupo Operativo por estar centrada de forma explícita numa tarefa, a qual pode ser a aprendizagem, a cura e o diagnóstico das dificuldades de uma organização de trabalho. Abaixo desta tarefa explícita subjaz outra implícita, que aponta a ruptura, através do esclarecimento das pautas estereotipadas que dificultam a aprendizagem e a comunicação, significando um obstáculo frente a toda situação de progresso ou troca vivida. Esta tarefa, que este autor se refere, consiste na elaboração, pelo grupo, das ansiedades básicas: o medo da perda (ansiedade depressiva) das estruturas existentes, e o medo do ataque (ansiedade paranóide) numa nova situação onde o indivíduo se sente inseguro por carência de instrumentação para enfrentar a nova situação. Estas duas ansiedades, coexistentes e cooperantes, 37 configuram a situação básica de resistência à mudança que deve ser superada no Grupo Operativo, no acontecer grupal, onde se estabelecem os três momentos dialéticos: tese, antítese e síntese, por um processo de esclarecimento que vai do explícito ao implícito. A técnica do Grupo Operativo propõe uma equipe para conduzir este processo grupal. O coordenador cumpre, no grupo, um papel prescrito que é o de ajudar os seus membros a pensar, abordando o obstáculo epistemológico (objeto do conhecimento) configurado pelas ansiedades básicas. No grupo operativo podem existir três reações típicas, segundo a ansiedade predominante: reação paranóide, depressiva ou confusional, que aparecem quando o objeto do conhecimento ultrapassa a capacidade de discriminação e de controle do ego, ou também quando da vivência de algum tema desconhecido, não discriminado, que pode vir a confundir. Cabe ao coordenador operar no campo das dificuldades da tarefa e da rede de comunicação. Seu instrumento é o assinalamento das situações manifestas e a interpretação da causalidade subjacente. Integra-se ao coordenador, quando possível e necessário, uma equipe composta por um observador (ou dois), não participante e cuja função consiste em recolher todo material verbal e não verbal observado e registrado durante os encontros do grupo. O objetivo desta integração é realimentar o Coordenador em um reajuste da técnicas de condução do grupo, para levar o grupoa realizar a tarefa. PICHON RIVIÈRE (1969) a partir da constatação sistemática e reiterada de certos fenômenos grupais que se apresentam em cada encontro, constituiu uma “Escala de Evolução Básica”, através da classificação de modelos de comportamento grupal, a qual trata-se de um ponto de referência para a construção de interpretações, tais como: 1- Afiliação - chamada de o primeiro vetor, inclui a Identificação com os processos grupais. A Afiliação é própria da história de todo grupo, convertendo-se mais tarde em Pertenência. 38 2- Pertenência - significa uma maior integração do grupo, a qual permitirá ao grupo elaborar uma estratégia, uma tática, uma técnica e uma logística. A Pertenência é o que torna possível a Planificação, do grupo, para elaborar a tarefa. Há uma cooperação, a qual consiste na contribuição, às vezes silenciosa, à tarefa grupal, estabelecendo-se através de papéis diferenciados a partir da existência de uma boa integração no grupo. 3- Comunicação - é o outro vetor importante da escala, onde se pode observar o verbal e o não verbal - Metacomunicação. 4- Aprendizagem - possibilita a observação da transformação de quantidade em qualidade. O grupo produz uma mudança qualitativa que se traduz em resoluções de ansiedades, adaptação à realidade, criatividade, projetos,etc... A Aprendizagem é um vetor que possibilita a visualização de como os momentos vividos pelo grupo levam à resolução da tarefa. Cada momento deste processo implica numa estrutura de conduta, ou num papel, assumidos pelo grupo ou por alguns de seus membros (Momento: paranóide, fóbico, contrafóbico, obsessivo, confusional, esquizóide, depressivo, epileptóide). Caso estes momentos apareçam de forma isolada e estereotipada em um indivíduo ou no grupo, demonstram indícios de uma perturbação ou bloqueio do processo de aprendizagem. O processo da comunicação faz com que, na tarefa do grupo, cada membro incorpore momentos dos demais retificando assim, sua própria estereotipia. Com isso, atinge-se não só um alto rendimento grupal,como também, uma integração da informação, da aprendizagem e do “Eu” de cada membro. Isto é possível através da alternância de papéis, incorporando desse modo os diferentes momentos da aprendizagem. PICHON RIVIÈRE (1969) retirou de Moreno o termo “Telê” para entender a disposição positiva ou negativa que os membros do grupo têm para trabalhar em grupo. Isto configura um clima que pode ser traduzido como transferência positiva ou negativa do grupo com a equipe de coordenação. Este mesmo autor sustenta que há um núcleo depressivo patogênico que aparece em intensidades diferentes nos indivíduos normal, neurótico e 39 psicótico. Este núcleo está ligado à situação do nascimento e desenvolvimento, e é responsável pela estereotipia de comportamento como resultado de uma situação de estancamento do processo de aprendizagem da realidade e deteriorização da comunicação. Isto é vivenciado na abordagem do objeto do conhecimento e situação de tarefa. Este autor chamou este fundamento teórico de “Teoria da Enfermidade Única”, apoiando-se nas idéias de Freud, Melanie Klein e em aspectos sociais da Teoria de Kurt Lewin. Em suas observações, constatou que a adaptação ativa da realidade e a aprendizagem estão muito ligadas. A pessoa sã, na medida em que aprende um objeto e o transforma, faz um aprendizado operativo. Modifica-se também a si mesmo,entrando num interjogo dialéctico com o mundo. O desenvolvimento de um Esquema Referencial Conceitual Operativo- ECRO, comum aos membros do grupo, permite o incremento da comunicação intergrupal, uma vez que, a teoria da informação permite que o recepetor compreenda a mensagem emitida pelo transmissor através de operações de codificação e decodificação e uma semelhança de esquemas referenciais. O grupo se estrutura sobre a base de um interjogo de papéis: o Porta-voz, o Bode expiatório e o Líder. Estes papéis são funcionais e rotativos. PICHON RIVIÈRE (1969) acreditava que estes papéis expressam, no acontecer grupal, as fantasias, ansiedades e necessidades da totalidade do grupo; e que são expressas por um ou por outro que assumem estes papéis. Esta leitura do acontecer grupal pode ser interpretada na sua horizontalidade (como acontecer grupal) ou na sua verticalidade (como acontecer do indivíduo que a expressa). A leitura da horizontalidade, se refere a tudo o que acontece com o grupo e as intervenções feitas pelo coordenador não são para um membro do grupo em especial, mas sim, para o grupo como um todo. A verticalidade é a leitura das individualidades, que no grupo, indicam e são interpretadas como um emergente grupal. ULLOA (1967) destaca que: “As necessidades, ansiedades e as fantasias enunciadas pelo Porta-voz e sua maneira de formulá-las fazem referência a 40 sua história pessoal (verticalidade), em tanto o fato que as formule em um momento dado do acontecer grupal, assinala o caráter horizontal do emergente.” (pág. 353). Um membro do grupo pode ser o depositário dos aspectos negativos e atemorizantes do grupo ou da tarefa. Num acordo tácito que se estabelece com ele e com os outros membros aparecem então os mecanismos de segregação, configurando-se outra das situações críticas: a do Bode Expiatório. Outro membro em trânsito, pelo mesmo processo dinâmico, pode ser o depositário dos aspectos positivos do grupo e obtém a Liderança que se centralizará em uma ou nas várias categorias já anunciadas quando falamos na “Escala de Evolução Básica”. Todos estes papéis estão ligados uns aos outros pelas diferentes necessidades, desejos de cada membro. O princípio da complementariedade deve reger o interjogo dos papéis no grupo, e isto permite que sejam funcionais e operativos. Os encontros do grupo se desenvolvem em três momentos: Abertura, Desenvolvimento e Fechamento. Os emergentes de Abertura devem ser cuidadosamente registrados pelos observadores e pelo coordenador; já que ele vai ser retrabalhado durante o encontro e é importante observar como aparece já modificado no encerramento. O grupo vive também outros três momentos durante os encontros: a Pré- Tarefa- onde se observam e se colocam as defesas do grupo mobilizadas pela resistência à mudanças que evitam a elaboração das ansiedades que funcionam como um obstáculo epistemológico; a Tarefa que consistirá em elaborar o objeto do conhecimento que está necessitando de elaboração e que implica na ruptura das estereotipias que barraram a aprendizagem e dificultam a comunicação; o Projeto sugira quando se constrói a Pertenência entre os membros e assim se concretizará uma Planificação. O grupo então, coloca objetivos para si, os quais vão mais além do aqui e agora, construindo uma estratégia destinada a alcançá-los. 41 IV.4.1.1 SOBRE A IMPORTÂNCIA DAS RELAÇÕES TRANSFERENCIAIS Os indivíduos sempre produzem alguma ressonância emocional no outro. RACKER (1982) coloca que: “a Transferência existe e se manifesta sempre. Do mesmo modo a contratransferência existe sempre e se manifesta sempre, só que - aqui como lá - às vezes, é difícil perceber estas manifestações e interpretá-las. “ ( pág. 102 ) Assim, na relação que se estabelece deve-se contar com estes dois fenômenos: - a transferência e a contratransferência: fenômenos utilizados pela teoria psicanalítica para entender a conduta do indivíduo e importantes para conduzir a interpretação. A Transferência é o conjunto de fenômenos e processos psicológicos do paciente dirigidos ao analista, derivados de outras relações interpessoais (sentimentos, atitudes
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