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Montesquieu 1) Autor e obra Charles de Montesquieu foi um importante filósofo, político e escritor francês. É considerado um dos grandes filósofos do iluminismo. Nasceu em 18 de janeiro de 1689, no Palacete de la Brède, perto de Bordéus (França) e faleceu em Paris, no dia 10 de fevereiro de 1755, quase cego, tendo recebido os últimos sacramentos das mãos de um padre católico. Montesquieu nasceu numa família nobre francesa, filho de um oficial da guarda do rei de França, neto e sobrinho de um Presidente do Parlamento de Bordéus, ficou órfão de mãe aos 11 anos de idade. O seu ensino básico foi entregue aos Oratorianos do colégio de Juilly, localidade situada a nordeste de Paris, que frequentou em companhia de dois primos, e onde lhe foi ministrada uma educação clássica. Com 16 anos de idade ingressou no curso de Direito da Universidade de Bordeaux e depois em Paris. Antes de se interessar por filosofia política, estudou filosofia natural. Nestas instituições teve contato com vários intelectuais franceses, principalmente, com aqueles que criticavam a monarquia absolutista. Estudou Biologia, Geologia e Física. Com 27 anos de idade escreveu uma dissertação sobre a política dos romanos na religião. Também escreveu sobre ciências naturais e sobre doenças, como a função das glândulas renais. Regressado a Bordéus, em 1705, realizou os estudos jurídicos necessários à sua entrada no Parlamento de Bordéus, para poder herdar o título e as importantes funções do tio. A admissão, como conselheiro deu-se em 1708. Após a conclusão destas formalidades regressou a Paris, onde concluiu os seus estudos jurídicos e onde frequentou assiduamente a Academia das Ciências e das Letras. Regressou a Bordéus em 1713 devido à morte do Pai. Nesta fase, viveu sob a proteção de seu tio, o barão de Montesquieu Em 1715, casou com uma calvinista francesaJeanne Lartigue, o que lhe assegurou um valioso dote. No ano seguinte o tio morreu tornando-se barão de Montesquieu e presidente no Parlamento de Bordéus. Herdou o título de nobreza e uma propriedade rural produtora de vinho, que manteve pelo resto da vida. Tornou-se membro da Academia de Ciências de Bordeaux e, nesta fase, desenvolveu vários estudos sobre ciências. Porém, em 1726 renunciou ao seu cargo no Parlamento de Bordéus, vendeu-o e foi viver em Paris, preparando-se para entrar na Academia Francesa. Aceite em 1728, viajou logo a seguir pela Europa, realizando assim o seu Grand Tour, a tradicional viagem educativa dos intelectuais europeus do século VIII. Nas viagens começou a observar o funcionamento da sociedade, os costumes e as relações sociais e políticas. Entre as décadas de 1720 e 1740, desenvolveu seus grandes trabalhos sobre política, principalmente, criticando o governo absolutista e propondo um novo modelo de governo. Regressou a França, mas foi para Inglaterra, onde morou por dois anos, em 1729, foi eleito membro da Royal Society, fez parte da Academia Real de Londres e da Academia Real de Ciências de Berlim. Em 1731, após uma ausência de três anos, regressou a Bordéus, para a sua família e os seus negócios, assim como para as vinhas e os campos agrícolas à volta do seu Palacete de Brède. Voltará frequentemente a Paris, onde teve contatos ocasionais com os célebres salons, mas sem se ligar muito com o grupo de intelectuais que os animava. Montesquieu era defensor da liberdade religiosa, embora não fosse religioso. Porém, criticava o abuso da igreja, e o poder autoritário e os excessos cometidos no reinado de Luís XVI, o que registrou no livro “Cartas Persas”, publicado em 1721, obra que lhe granjeou um enorme sucesso, e onde, aproveitando o gosto da época pelas coisas orientais, analisou de uma maneira satírica as instituições, usos e costumes da sociedade francesa e européia, criticando veementemente a religião católica, naquela que foi a primeira grande crítica à igreja no século XVIII. Escreveu e publicou em 1734 a Causa da Grandeza dos Romanos e da sua decadência, que não é mais do que um capítulo de apresentação do Espírito das Leis. O Espírito das Leis foi publicado em 1748, em dois volumes, em Genebra, para evitar a censura, tornando-se um imenso sucesso, que a sua colocação no Index romano não beliscou. A sua preocupação foi ultrapassar as posições dos filósofos e utópicos que apresentavam as suas teorias em abstrato e sem nenhuma consideração pelas determinantes espaciais e temporais. Onde defendeu que toda forma de governo deveria obedecer às leis e não à vontade do monarca e da religião. Elaborou nessa obra a divisão que existe em todos os governos liberais e democráticos: os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. É considerado o autêntico precursor da Sociologia Francesa. Foi um dos grandes nomes do pensamento iluminista, junto com Voltaire, Locke e Rousseau. Dessa forma, o governante seria um simples executor da vontade da sociedade, conforme as leis redigidas por um corpo de legisladores e julgados pelos tribunais, o que limitaria o poder absolutista dos reis. Também pregava a necessidade de um conjunto de leis que expressassem os valores de toda a sociedade e que fossem obedecidas inclusive pelos governantes: seria a Constituição de um Estado. Os tempos que se seguiram estiveram longe de serem sossegados, sendo as suas teorias atacadas tanto pelos jansenistas como pelos católicos ortodoxos, como os jesuítas, mas também pela Universidade de Paris. Defendeu-se das críticas publicando em 1755 a Defesa do Espírito das Leis. Obras principais: - Cartas Persas (1721) - O Espírito das Leis (1748) - Considerações sobre as causas da grandeza dos romanos e de sua decadência - Contribuições para a Enciclopédia (organizada por Diderot e D'Alembert) Frases de Montesquieu - "Um governo precisa apenas vagamente o que a traição é, e vai contribuir para o despotismo". - "A pessoa que fala sem pensar, assemelha-se ao caçador que dispara sem apontar." - "Leis inúteis enfraquecem as leis necessárias." - "Quanto menos os homens pensam mais eles falam" 2) Principais aspectos históricos que influenciaram Montesquieu Montesquieu é um escritor de corrente iluminista. O termo Iluminismo indica um movimento intelectual que se desenvolveu no século XVIII, cujo objetivo era a difusão da razão, a "luz", para dirigir o progresso da vida em todos os aspectos. Daí o nome iluminismo, tradução da palavra alemã "aufklarung", que significa aclaração, esclarecimento, iluminação. Essa corrente, mais do que um conjunto de ideias, foi uma nova mentalidade que influenciou grande parte da sociedade da época, de modo particular os intelectuais, a burguesia e mesmo alguns nobres e reis. Os iluministas eram aqueles que, em tudo se deixavam guiar pelas luzes da razão, que escreviam e agiam para dar sua contribuição ao progresso intelectual, social e moral e para criticar toda forma de autoritarismo, fosse ela de ordem política, religiosa ou moral. Esse modo de pensar e de agir difundiu-se em muitos países da Europa, no século XVIII, o "século das luzes". Suas primeiras manifestações ocorreram, no século XVIII, na Inglaterra e na Holanda, com a contribuição do pensamento de Descartes, Newton, Spinoza e Locke. Mas o Iluminismo tornou-se um movimento especialmente forte na França, onde a crise do governo absolutista levou os filósofos a um debate profundo sobre a política e a sociedade de um modo geral. Os filósofos franceses do século XVIII (D’Alembert, Diderot, Montesquieu, Voltaire e outros) aplicaram as teorias de Descartes à política e às reflexões sobre religião, buscando negar a importância da tradição e do direito divino no exercício do governo, princípiode sustentação da monarquia absolutista. Tais filósofos combatiam o absolutismo, mas não propunham, com raras exceções, a supressão da monarquia, queriam apenas reformá-la. Os iluministas franceses questionavam a divisão da sociedade em "estados" ou "ordens", que privilegiava a aristocracia, em detrimento da burguesia e do povo em geral. No campo da política, criticavam a teoria do "direito divino" e da "soberania absoluta" dos governantes, defendendo a ideia de que o Estado e o poder monárquico eram resultado, não dá vontade pessoal, mas de um contrato entre governantes e governados. Não haveria mais uma verdade “divina” conforme pregava a igreja, contida na Bíblia ou nos dogmas da fé. Nem seria necessário pedir a iluminação divina para a compreensão da natureza e da vida social. Daí a crítica dos iluministas às crenças e práticas religiosas tradicionais. A própria religião deveria ser submetida a critérios racionais. Para os iluministas, o ser humano é o criador de seu próprio mundo, isto é, de sua civilização. Segundo os pensadores dessa corrente, civilização seria a expressão da humanidade; quanto mais civilizado, mais humano. E ser civilizado era superar o que eles chamavam de estado de natureza (selvagerismo) para passar ao estado de cultura (civilização). Outro ponto em comum entre os iluministas era a certeza de que a educação era o único caminho possível para se chegar à igualdade, eliminando à enorme distância que separa os indivíduos cultos, moralmente bem formados e socialmente bem-educados, da plebe ignorante, supersticiosa, inclinada aos maus costumes e mal-educada. Os iluministas pregavam a tolerância como um dever moral e uma conduta exigida pela própria razão. O pensamento dos iluministas, não tinha como propósito conduzir a uma revolução. Eles propunham a reforma do Estado, submetendo as monarquias absolutistas às restrições emanadas das leis aprovadas pelos parlamentos ou assembléias de representantes do povo. Eles consideravam necessário educar "os monarcas, a fim de que estes pudessem preservar os direitos do cidadão e a liberdade do indivíduo. Do ponto de vista econômico, criticavam os monopólios, as restrições à produção de mercadorias por corporações de ofício, as leis de proteção a determinado número de indústrias e a intervenção do Estado na economia, considerada desnecessária. A obra de Montesquieu constitui uma conjunção paradoxal entre o novo e o tradicional. Múltipla e guiada por uma espécie de curiosidade universal, parece estar em continuidade direta com os ensaístas que o precederam nos comentários sobre os usos e costumes dos diversos povos. Sua obra trata da questão do funcionamento dos regimes políticos, questão que ele encara dentro da ótica liberal, ambas problemáticas consideradas típicas de um período posterior. Além disso, Montesquieu é um membro da nobreza que, no entanto, não tem como objeto de reflexão política a restauração do poder de sua classe, mas sim como tirar partido de certas características do poder nos regimes monárquicos, para dotar de maior estabilidade os regimes que viriam a resultar das revoluções democráticas. A percepção da história por uma classe social em ascensão tende a conceber como natural a sua função na organização da sociedade e o seu papel na estrutura do poder. A preocupação central de Montesquieu foi a de compreender, em primeiro lugar, as razões da decadência das monarquias, os conflitos intensos que minaram sua estabilidade, mas também os mecanismos que garantiram, por tantos séculos, sua estabilidade e que Montesquieu identifica na noção de moderação. A moderação é a pedra de toque do funcionamento estável dos governos, e é preciso encontrar os mecanismos que a produziram nos regimes do passado e do presente para propor um regime ideal para o futuro. Essa busca das condições de possibilidade de um regime estável, busca que aponta para os mecanismos de moderação, está presente em dois aspectos da obra de Montesquieu: a tipologia dos governos, ou a teoria dos princípios e da natureza dos regimes; e a teoria dos três poderes, ou a teoria da separação dos poderes. 3) Definição de lei Montesquieu contribuiu para a adoção do conceito de lei científica nas ciências humanas, até ele, a noção de lei compreendia três dimensões essencialmente ligadas à ideia de lei de Deus. As leis exprimiam certa ordem natural, resultante da vontade de Deus. Elas exprimiam também um dever-se, na medida em que a ordem das coisas estava direcionada para uma finalidade divina. Finalmente, as leis tinham uma conotação de expressão da autoridade. As leis eram simultaneamente legítimas (porque expressão da autoridade), imutáveis (porque dentro da ordem das coisas) e ideais (porque visavam uma finalidade perfeita). Montesquieu introduz o conceito de lei no início de sua obra fundamental, “O espírito das leis”, para escapar a uma discussão viciada que, dentro da tradição jurídica sua contemporânea, ficaria limitada a discutir as instituições e as leis quanto à legitimidade de sua origem, sua adequabilidade à ordem natural, e a perfeição de seus fins. Uma discussão fadada a confundir, nas leis, concepções de natureza política, moral e religiosa. Definindo lei como "relações necessárias que derivam da natureza das coisas", Montesquieu estabelece uma ponte com as ciências empíricas, e particularmente com a física newtoniana, que ele parafraseia. Assim, ele rompe com a tradicional submissão da política à teologia. Montesquieu está dizendo, em primeiro lugar, que é possível encontrar uniformidades, constâncias na variação dos comportamentos e formas de organizar os homens, assim como é possível encontrá-las nas relações entre os corpos físicos. Tal como é possível estabelecer as leis que regem os corpos físicos a partir das relações entre massa e movimento, também as leis que regem os costumes e as instituições são relações que derivam da natureza das coisas. Mas aqui se trata de massa e movimento de outra ordem, a massa e o movimento próprios da política, que poderiam corresponder se precisássemos levar adiante a metáfora, a quem exerce o poder e como ele é exercido. Com o conceito de lei, Montesquieu traz a política para fora do campo da teologia e da crônica, e a insere num campo propriamente teórico. Estabelece uma regra de imanência que incorpora a teoria política ao campo das ciências: as instituições políticas são regidas por leis que derivam das relações políticas. As leis que regem as instituições políticas, para Montesquieu, são relações entre as diversas classes em que se divide a população, as formas de organização econômica, as formas de distribuição do poder etc. Mas o objeto de Montesquieu não são as leis que regem as relações entre os homens em geral, mas as leis positivas, isto é, as leis e instituições criadas pelos homens para reger as relações entre os homens. Montesquieu observa que, ao contrário dos outros seres, os homens têm a capacidade de se furtar às leis da razão (que deveriam reger suas relações), e, além disso, adotam leis escritas e costumes destinados a reger os comportamentos humanos. E têm também a capacidade de se furtar igualmente às leis e instituições. O objeto de Montesquieu é o espírito das leis, isto é, as relações entre as leis (positivas) e "diversas coisas", tais como o clima, as dimensões do Estado, a organização do comércio, as relações entre as classes etc. Montesquieu tenta explicar as leis e instituições humanas, sua permanência e modificações, a partir de leis da ciência política. 4) Sociedade política em Montesquieu A contribuição de Montesquieu para a Ciência Política encontra-se em especial na obra “O Espírito das Leis” que sedivide em várias partes. Porém alguns autores a divide em apenas três grandes partes. Montesquieu escreveu a primeira parte da obra antes da sua viagem a Inglaterra, numa época em que se encontrava sob a influência dominante da filosofia política clássica (a Política, de Aristóteles, era o livro essencial). Portanto sofreu influência aristotélica, quando analisa nos primeiros livros (II ao VIII), sobre os três tipos de governo. Podemos identificar, em algumas páginas, referências a Aristóteles sob a forma de alusões ou de críticas. Montesquieu seria, por um lado, um discípulo dos filósofos clássicos. Enquanto tal desenvolveu uma teoria dos tipos de governo que, mesmo que difira da teoria clássica de Aristóteles, se encontra ainda de acordo com o clima e a tradição desses filósofos. Ao mesmo tempo, Montesquieu seria um sociólogo que investiga a influência que o clima, a natureza do solo, o número de homens e a religião podem exercer sobre os diferentes aspectos da vida coletiva. 5) O espírito das leis e o espírito geral Diversos aspectos governam os homens como o clima, a religião, as leis, os costumes, as maneiras e é disto tudo que resulta o espírito geral. As leis são estabelecidas, os costumes são inspirados, estes se prendem mais ao espírito geral. Podemos observar claramente no trecho do livro O Espírito das Leis de Montesquieu: “Várias coisas governam os homens: o clima, a religião, as leis, as máximas do governo, os exemplos das coisas passadas, os costumes, as maneiras; de onde se forma um espírito geral que disto resulta. À medida que, em cada nação, uma destas causas age com mais força, as outras cedem o mesmo tanto. A natureza e o clima dominam quase sozinhos os selvagens; as maneiras governam os chineses; as leis tiranizam o Japão; os costumes outrora ditavam o tom na Lacedemônia; as máximas de governo e os costumes antigos ditavam-no em Roma.” 6) Formas de governo Montesquieu distingue três tipos de governo, a república, a monarquia e o despotismo. Cada um destes tipos é definido por referência a dois conceitos, que o autor chama a natureza e o princípio do governo. A natureza do governo é o que o faz ser o que é. O princípio do governo é o sentimento que deve animar os homens no interior de um tipo de governo, para que este funcione harmoniosamente. Assim, a virtude é o princípio da república. Esse governo só será próspero na medida em que os cidadãos forem virtuosos. A natureza de cada governo é determinada pelo número dos detentores da soberania, ou seja, do poder. O governo republicano é aquele em que o corpo do povo ou apenas uma parte do povo detém a força suprema; o monárquico, aquele em que um só governa, mas por meio de leis fixas e estáveis; ao passo que no despotismo, um só sem lei e sem regra, tudo arrasta segundo a sua vontade e os seus caprichos. A distinção entre o corpo do povo ou só uma parte do povo, aplicada à república, tem por fim lembrar as duas espécies de governo republicano: a democracia e a aristocracia. Mas estas definições mostram de modo imediato que a natureza de um governo não depende apenas do número dos que detêm a força soberana, mas também da maneira como esta é exercida. Monarquia e despotismo são ambos regimes que comportam um só detentor da soberania, mas no caso do governo monárquico o detentor único governa segundo leis fixas e estabelecidas, enquanto no despotismo governa sem leis e sem regras. Convém acrescentar o terceiro critério, o do princípio do governo. Um tipo de governo não é suficientemente definido pela característica quase jurídica da detenção da força soberana. Cada tipo de governo é também caracterizado pelo sentimento, à falta do qual não pode durar nem prosperar. Segundo Montesquieu, há três sentimentos políticos fundamentais, cada um deles assegurando a estabilidade de um tipo de governo. A república depende da virtude, a monarquia da honra e o despotismo do medo. A virtude da república não é uma virtude moral, mas uma virtude propriamente política. É o respeito pelas leis e a dedicação do indivíduo à coletividade. A honra, é uma honra falsa, é o respeito por cada um daquilo que deve à sua categoria. Quanto ao medo, não precisa de definição. É um sentimento elementar e por assim dizer infrapolítico. Mas é um sentimento do qual trataram todos os teóricos da política, porque muitos dentre eles, desde Hobbes, consideraram que era o sentimento mais humano, o mais radical, o sentimento a partir do qual se explica o próprio Estado. Mas Montesquieu não é, à maneira de Hobbes, um pessimista. Aos seus olhos, um regime assente no medo é por essência corrompida, e quase no limiar do nada político. Os súbditos que só por medo obedecem já quase não são homens. Montesquieu considera antes da democracia e aristocracia, que, na classificação de Aristóteles, são dois tipos distintos, como duas modalidades de um mesmo regime chamado republicano, e distingue esse regime da monarquia. A distinção dos tipos de governo, em Montesquieu, é ao mesmo tempo, uma distinção entre organizações e estruturas sociais. A contribuição decisiva de Montesquieu vai ser precisamente retomar o problema na sua generalidade e combinar a análise dos regimes com a das organizações sociais, de tal modo que cada governo se mostre ao mesmo tempo como certa sociedade. Se a virtude na república é o amor das leis, a dedicação à coletividade, o patriotismo, desemboca em última análise num certo sentido da igualdade. Uma república é um regime no qual os homens vivem para e pela coletividade, no qual se sentem cidadãos, o que implica que sejam e se sintam iguais uns aos outros. Em contrapartida, o princípio da monarquia é a honra. Montesquieu teoriza-a num tom que, se diria polêmico e irônico. Esta análise não é inteiramente nova. Desde que os homens começaram a refletir sobre a política, oscilaram sempre entre duas teses extremas: ou um Estado só é próspero quando os homens querem diretamente o bem da coletividade; ou, uma vez que é impossível que os homens queiram diretamente o bem da coletividade, um bom regime é aquele em que os vícios dos homens conspiram para o bem de todos. A teoria da honra de Montesquieu é uma modalidade, sem ilusões, desta segunda tese. O bem da coletividade é garantido, senão pelos vícios dos cidadãos, pelo menos por qualidades menores, ou até por atitudes que, moralmente, seriam repreensíveis. Com efeito, se os dois governos, republicano e monárquico, diferem essencialmente, porque um se fundamenta na igualdade e o outro na desigualdade, porque um se fundamenta na virtude política dos cidadãos e o outro num sucedâneo de virtude, que é a honra, os dois regimes têm, contudo, um traço comum: são moderados, neles ninguém comanda de maneira arbitrária e à margem das leis. Em contrapartida, quando chegamos ao terceiro governo, a saber, o governo despótico, saindo do âmbito dos governos moderados. Em resumo a república assenta numa organização igualitária das relações entre os membros da coletividade. A monarquia assenta essencialmente na diferenciação e na desigualdade. Quanto ao despotismo, assinala o regresso à igualdade. Mas, ao passo que a igualdade republicana é a igualdade na virtude e na participação de todos no poder soberano, a igualdade despótica é a igualdade no medo, na impotência e na não-participação no poder soberano. Montesquieu aponta no despotismo por assim dizer o mau político absoluto. É verdade que o despotismo talvez seja inevitável quando os Estados se, tornam demasiado grandes, mas simultaneamente o despotismo é o regime em que um só governa sem regras e sem leis e em que, por conseqüência, reina o medo. O autor defende osregimes de liberdade, nos quais nenhum cidadão tem medo dos outros. Esta segurança que a cada um dá a sua liberdade. Para ele modelos da monarquia são as monarquias européias, inglesa e francesa, do seu tempo. Quanto aos modelos do despotismo, são, de uma vez por todas, os impérios a que ele chama asiáticos, por meio de uma amálgama entre o império persa e o império chinês, o império das índias e o império japonês. O despotismo asiático visto por Montesquieu é o deserto da servidão. O soberano absoluto é único, todo-poderoso, delega eventualmente os seus poderes num grande vizir; mas sejam quais forem as modalidades das relações entre o déspota e o seu séquito, não há classes sociais em equilíbrio, não há ordens nem categorias; nem o equivalente da virtude antiga nem o equivalente da honra européia; o medo reina sobre milhões de homens, através dessas extensões desmesuradas, nas quais o Estado não se pode manter amenos que um só tudo possa. A teoria dos governos de Montesquieu, na medida em que estabelece uma correspondência entre as dimensões do território e a forma do governo, arrisca-se também a conduzir a uma espécie de fatalismo. Na obra, há uma oscilação entre dois extremos. Seja como for, resta que a ideia essencial, é esta ligação estabelecida entre o modo de governo, o tipo de regime por um lado, o estilo das relações interpessoais, por outro. De fato, o que é decisivo aos olhos de Montesquieu é menos que o poder soberano pertença a vários ou a um só, mas que a autoridade seja exercida segundo as leis e a medida, ou, pelo contrário, arbitrariamente e pela violência. A vida social será diferente segundo o modo de exercício do governo. A distinção entre governo moderado e governo não-moderado é provavelmente central no pensamento de Montesquieu. 7) Teoria da tripartição dos poderes Quanto à representação, a sua ideia não figurava em primeiro plano na teoria da república. As repúblicas em que Montesquieu pensa são as repúblicas antigas nas quais existia uma assembléia do povo, e não uma assembléia eleita pelo povo e composta por representantes do povo. Foi só em Inglaterra que ele pôde observar, plenamente realizada, a instituição representativa. Este governo, tendo por objeto a liberdade e onde o povo é representado pelas assembléias, tem por principal característica aquilo a que se chamou a separação dos poderes, doutrina que continua a ser atual e sobre a qual indefinidamente se tem especulado. Montesquieu verifica que na Inglaterra um monarca detém o poder executivo. Uma vez que este exige rapidez de decisão e de ação, é bom que um só o detenha. O poder legislativo é composto por duas assembléias: a Câmara dos Lordes, que representa a nobreza, e a Câmara dos Comuns que representa o povo. Estes dois poderes, executivo e legislativo, são detidos por pessoas ou corpos distintos. Montesquieu descreve a cooperação dos dois órgãos bem como analisa a sua separação. Mostra, com efeito, o que cada um desses poderes pode e deve fazer em relação ao outro. Há ainda um terceiro poder, o poder de julgar. Mas Montesquieu precisa que “a força de julgar, tão terrível entre os homens, não estando ligada nem a certo estado, nem a certa profissão, torna-se por assim dizer, invisível e nula”(E. L., liv. XI, cap. 6; O. C., t. II, p. 398.) O que parece indicar que o poder judicial sendo essencialmente o intérprete das leis deve ter tão pouca iniciativa e personalidade quanto possível. Não é o poder de pessoas, é o poder das leis, deve-se “teme-se a magistratura e não os magistrados”. O poder legislativo coopera com o poder executivo; deve examinar em que medida as leis foram corretamente aplicadas por este último. Quanto à força executora, não poderá entrar no debate dos assuntos, mas deve estar em relação de cooperação com o poder legislativo, por aquilo a que Montesquieu chama a sua faculdade de impedir. Montesquieu acrescenta ainda que o orçamento deva ser votado todos os anos. O voto anual do orçamento é como que urna condição de liberdade. Estabelecidos estes dados gerais, os intérpretes têm acentuado uns o fato de a potência executiva e a potência legislativa serem distintas, outros o fato de dever existir entre elas uma cooperação permanente. Montesquieu, em toda a sua análise da constituição inglesa, supõe uma nobreza e duas câmaras, das quais uma representa o povo e a outra a aristocracia. Insiste em que os nobres só sejam julgados pelos seus pares, pois se fossem julgados pelo povo, poderiam ficar em perigo, e não gozariam do privilégio que o menor dos cidadãos tem num Estado livre, o de ser julgado pelos seus pares. Noutros termos, Montesquieu, na sua análise da constituição inglesa, visa redescobrir a diferenciação social, a distinção entre as classes e as categorias de acordo com a essência da monarquia, tal como a definiu, e indispensável à moderação do poder. Um Estado é livre, diria eu de bom grado, comentando Montesquieu, quando nele o poder trava o poder. O que há de mais impressionante, para justificar esta interpretação, é que, no livro XI, depois de ter terminado o exame da constituição de Inglaterra, Montesquieu volta a Roma e analisa o conjunto da história romana em termos de relações entre a plebe e o patriciado. O que o interessa é a rivalidade entre as classes. Esta competição social é a condição do regime moderado porque as diversas classes são capazes de se equilibrar. No que se refere à própria constituição, é bem verdade que Montesquieu indica em pormenor como cada um dos poderes tem este ou aquele direito e como devem os diferentes poderes cooperar. Mas esta formalização constitucional não é mais do que a expressão de um Estado livre, ou, de uma sociedade livre, na qual nenhum poder pode alargar-se sem limites uma vez que é travado por outros poderes. Diz-se que a teoria da constituição inglesa encontra-se no centro da sociologia política de Montesquieu, não por ser um modelo para todos os países, mas por permitir identificar o mecanismo constitucional de uma monarquia, os fundamentos de um Estado moderado e livre, graças ao equilíbrio entre as classes sociais, graças ao equilíbrio entre os poderes políticos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E-BIOGRAFIAS. Biografia de Montesquieu. Disponível em: <http://www.e- biografias.net/montesquieu/>. Acesso realizado em: 27/04/2016. JUNIOR, José Levi Mello do Amaral. Sobre a organização de poderes em Montesquieu: Comentários ao capítulo VI do livro XI de O espírito das leis. Revista dos Tribunais. São Paulo, v. 97, n. 868, p. 53–68, 2008. MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat, Baron de la. Do espírito das leis. São Paulo: Abril Cultural, 1979. O PORTAL DA HISTÓRIA. Charles-Louis de Secondat, barão de Montesquieu. Disponível em: <http://www.arqnet.pt/portal/biografias/montesquieu.html>. Acesso realizado em: 27/04/2016. WEFFORT, Francisco C. Os Clássicos da Política, vol. 1, Ed. Atica, SP, 2004.
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