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PENAL III AULA 5 LESÕES CORPORAIS

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DIREITO 
PENAL III
AULA 5
LESÕES
Art. 129 – Lesão corporal dolosa 
A lesão corporal dolosa subdivide-se em leve, grave, gravíssima e seguida de morte. 
Lesão corporal leve
Previsão legal - O art. 129, caput, do Código Penal prevê a lesão corporal dolosa leve, assim chamada doutrinariamente para diferenciá-la das figuras qualificadas (§§ 1.°, 2.°, 3.° e 9.°) e da culposa (§ 6.°). 
De fato, não há definição específica do que seja lesão de natureza leve. Consequentemente, ingressa nesse conceito toda e qualquer lesão corporal dolosa que não seja grave, gravíssima ou praticada com violência doméstica e familiar contra a mulher (exclusão). 
Infração penal de menor potencial ofensivo Em razão da pena máxima cominada ao delito (um ano), o crime de lesão corporal leve ingressa no rol das infrações penais de menor potencial ofensivo. 
Admite transação penal e seu processo e julgamento seguem o rito sumaríssimo, definido pelos arts. 77 e seguintes da Lei 9.099/1995. 
Prova da materialidade Faz-se prova da materialidade do fato delituoso com o exame de corpo de delito, mas para o oferecimento da denúncia é suficiente o boletim médico ou prova equivalente, como se extrai do art. 77, § 1.°, da Lei 9.099/1995. 
Para a condenação, entretanto, exige-se a perícia, sob pena de nulidade (CPP, art. 564, inc. III, b). Somente será aceito o exame de corpo de delito indireto, em que a prova testemunhal supre o exame direto, quando os vestígios houverem desaparecido (CPP, art. 167). 
Ressalte-se que, quando a prova testemunhal puder substituir o exame de corpo de delito, em decorrência do desaparecimento dos vestígios, é indispensável sejam as testemunhas precisas sobre o local e a natureza das lesões. Com efeito, se o art. 160 do Código de Processo Penal exige da prova pericial a descrição minuciosa das lesões, não poderia o magistrado conformar-se com referências vagas e imprecisas de testemunhas. 
Lesão leve. Contravenção penal de vias de fato. Injúria real. Distinção. 
Não se deve confundir a lesão simples com a contravenção de vias de fato. Esta consiste na violência empregada contra a vítima sem acarretar qualquer dano ao seu corpo; não há vestígios sensíveis da violência, além do que não há o animus vulnerandi. Se a violência exercida for ultrajante, havendo a intenção de humilhar, envergonhar a vítima, ofender a sua
dignidade ou decoro, por exemplo, bofetada leve, estaremos diante do crime de injúria real (CP, art. 140, § 2 º). Se a violência não for ultrajante (p. ex., empurrar a vítima), estaremos diante de uma contravenção penal de vias de fato (LCP, art. 21) 6. Aliás, se as vias de fato forem praticadas contra vítima maior de 60 anos, a pena será aumentada de 1/3, de acordo com a regra do parágrafo único acrescentado a esse art. 21 pela Lei n. 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso).
Enquanto há incompatibilidade entre lesões corporais e vias de fato, pois, havendo o primeiro, a contravenção desaparece, ter-se-á o cúmulo da pena do delito em tela (CP, art. 129, caput) com a do crime contra a honra, a teor do § 2º do art. 140.
Ação penal É pública condicionada à representação, em face da alteração promovida pelo art. 88 da Lei 9.099/1995.
Por esse motivo é possível a composição dos danos civis, uma vez que também se trata de infração penal de menor potencial ofensivo. 
As demais espécies de lesões corporais dolosas são crimes de ação penal pública incondicionada. 
Absorção Diversos crimes previstos na Parte Especial do Código Penal e pela legislação extravagante possuem a “violência” como elementar, relativamente ao seu meio de execução. É o caso do roubo, da extorsão e do estupro, entre outros. Nesses casos, eventual lesão corporal leve que suportar a vítima em razão da execução do delito será absorvida pelo crime mais grave (princípio da consunção ou da absorção). 
Essa regra não será aplicada, contudo, quando o preceito secundário do tipo penal determinar expressamente o concurso material obrigatório, isto é, a incidência conjunta das penas cominadas ao crime cometido e à lesão corporal leve. É o que ocorre, a título ilustrativo, na injúria real, na resistência e no exercício arbitrário das próprias razões (CP, arts. 140, § 2.°, 329, § 2.°, e 345, respectivamente). 
Lesão corporal de natureza grave em sentido amplo 
Sob a rubrica marginal “lesão corporal de natureza grave”, o art. 129 do Código Penal prevê os §§ 1.° e 2.°, cada um deles contendo diversos incisos. A pena cominada ao § 1.° (reclusão de um a cinco anos) é sensivelmente menor do que a pena atribuída ao § 2.° (reclusão de 2 a 8 anos). Por esse motivo, a rubrica marginal deve ser compreendida como “lesão corporal grave em sentido amplo”. 
E, para diferenciar as hipóteses disciplinadas pelos dois parágrafos, convencionou-se chamá-las de lesões corporais graves, ou lesões corporais graves em sentido estrito (§ 1.°), e lesões corporais gravíssimas (§ 2.°), em face do maior desvalor do resultado (dano suportado pela vítima), manifestamente reconhecido pelo legislador ao cominar uma pena mais elevada. 
Prevalece o entendimento de que a lesão corporal grave e a lesão corporal gravíssima constituem-se em crimes qualificados pelo resultado, na modalidade preterdolosa. A lesão corporal é punida a título de dolo e o resultado agravador, a título de culpa. 
Intervenção médico-cirúrgica
Quando for consentida, exclui a ilicitude pelo exercício regular de direito. Ausente o consentimento, poderá caracterizar-se o estado de necessidade em favor de terceiro (CP, art. 146, § 3 º, I). Desse modo, as lesões provocadas no paciente no decorrer do procedimento cirúrgico como meio necessário ao seu tratamento não configuram o crime em estudo, por ser um fato permitido pelo ordenamento jurídico e
 portanto lícito; por exemplo: amputação de
membros (mãos, pés, pernas etc.), cortes na barriga etc. É possível sustentar que a intervenção médico-cirúrgica consentida configura fato atípico por influência da teoria da imputação objetiva. O Estado não pode dizer aos médicos que operem e salvem vidas e, ao mesmo tempo, considerar a cirurgia um fato descrito em lei como crime. A conduta é permitida, e se é permitida não pode ser antinormativa.
Transplante de órgãos. Para a doutrina, constitui exercício regular de direito a intervenção cirúrgica realizada em razão da
disposição gratuita de órgãos, tecidos ou partes do corpo vivo de pessoa “juridicamente capaz” animada por finalidade de viabilizar em favor de outrem a realização de transplantes ou de terapia (art. 9º da Lei n. 9.434/97). Para nós, o fato também é atípico, visto que adequado, lícito e normal, em face do novo ordenamento.
Cirurgia transexual. Discute-se acerca da possibilidade de intervenções cirúrgicas para mudança de sexo, pois implica mutilação dos órgãos genitais externos do transexual. Portanto, em tese, constituiria lesão corporal gravíssima (§ 2º, IV). Tem-se
admitido nessa hipótese a cirurgia desde que tenha por escopo corrigir desajustamento psíquico, tratando-se, pois, de procedimento curativo. 
Há, assim, na espécie, não o dolo de lesionar, mas a intenção de diminuir o sofrimento psíquico do indivíduo. O fato, portanto, é atípico.
ELEMENTOS DO TIPO
Ação nuclear
A ação nuclear consubstancia-se no verbo ofender, que significa atingir a integridade corporal ou a saúde física ou mental de outrem.
Meios de execução
São os mesmos utilizados no delito de homicídio. Cuida-se de crime de ação livre. Temos, então, a prática do crime através de
meios físicos (p. ex., lesão acarretada pela ação de agente químico corrosivo; pelo emprego de faca) ou morais (p. ex., lesão acarretada no sistema nervoso em decorrência de um susto); através de ação (p. ex., desferir pauladas nas costas da vítima); ou omissão (p. ex., enfermeiro que
deixa de alimentar o paciente passando este a apresentar sérias disfunções orgânicas). Desse modo, a violência física é desnecessária para a produção das lesões corporais, podendo a ofensa à integridade e saúde
da vítima dar-se através de meios outros que não acarretem, inclusive, qualquer alteração anatômica, como equimoses, fraturas, luxações, mas tão somente alteração da função fisiológica do organismo ou transtornos psíquicos.
Sujeito ativo
Trata-se de crime comum. Qualquer pessoa, exceto o próprio ofendido, pode praticar o crime em questão. A autolesão é considerada irrelevante penal, desde que a causação da ofensa física não tenha outra finalidade, lesiva de outro objeto jurídico. Assim, haverá crime de fraude se o agente, mutilando-se, pretender obter (indevidamente) indenização ou valor de seguro antes contratado (CP, art. 171, V, § 2º); 
haverá crime definido no Código Penal Militar (CPM, art. 184) se o agente lesionar o próprio corpo com o fito de tornar-se inabilitado para o serviço militar.
Sujeito passivo
Qualquer pessoa, salvo nas hipóteses dos §§ 1º, IV, e 2º, V, que deve ser mulher grávida. Se o sujeito for menor de 14 (catorze) anos ou maior de 60 (sessenta) anos, incide uma causa de aumento de pena (cf. § 7º). Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com que conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações
domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, o fato será enquadrado nos §§ 9º e 10 do art. 129. A conduta que vulnera fisicamente um cadáver só poderá encontrar subsunção no núcleo típico “destruir” do art. 211.
MOMENTO CONSUMATIVO
Trata-se de crime de dano. A consumação se dá no momento da efetiva ofensa à integridade corporal ou à saúde física ou mental da vítima. Estamos diante de um crime instantâneo, de modo que pouco importa para a sua consumação o tempo de duração da lesão.
TENTATIVA
Discute-se na doutrina acerca da possibilidade da tentativa no crime de lesões corporais, pois argumenta-se que não se saberia na prática aferir qual a lesão intencionada pelo agente, ou seja, leve, grave, gravíssima; contudo como bem alerta E. Magalhães Noronha, “confunde-se a admissibilidade com a prova de sua existência, que são coisas diversas”. Com efeito, por se tratar de um crime de dano, a
...tentativa é perfeitamente admissível. A dificuldade surge no momento em que se pretende provar qual a lesão intencionada pelo agente. Vejamos alguns exemplos dados pela doutrina que demonstram inexistir tal dificuldade: “se, v. g., uma pessoa desfere um soco em outra, mas um terceiro o apara ou o encaixa, por que não se verá no fato tentativa de lesão leve? Se certa mulher atira ácido sulfúrico no rosto do amante, que, entretanto, se esquiva, não terá praticado tentativa de lesão gravíssima?”
Ou, então, “ninguém deixaria de reconhecer uma tentativa de lesão gravíssima no fato, por exemplo, de quem atira vitríolo na direção do rosto do seu inimigo, que, desviando-se tempestivamente, consegue escapar ileso”. Se realmente houver a dificuldade de prova, a doutrina assinala para a aplicação do princípio do in dubio pro reo, respondendo o agente pela tentativa de lesão corporal leve, ou seja, pelo delito menos grave.
ELEMENTO SUBJETIVO
O elemento subjetivo do crime de lesões corporais é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de ofender a integridade física ou a saúde de outrem.
Lesão corporal qualificada pelo resultado (§§ 1º a 3º)
O § 1º prevê circunstâncias qualificadoras que, agregadas ao tipo fundamental previsto no caput do dispositivo, agravam a sanção penal. São condições de maior punibilidade. Cumpre primeiramente conceituar crime qualificado pelo resultado como aquele em que o legislador, após uma conduta típica, com todos os seus elementos, acrescenta-lhe um resultado, cuja ocorrência acarreta
um agravamento da pena. Há assim: a) prática de um crime completo, com todos os seus elementos (fato antecedente); b) produção de um resultado agravador, além daquele necessário para a consumação (fato consequente). Uma das espécies de crime qualificado pelo resultado é o preterdoloso, em que há um fato antecedente doloso e um fato consequente culposo. O agente quer praticar um crime, mas acaba excedendo-se e produzindo culposamente um resultado mais grave que o desejado.
a) Dolo no crime antecedente. Culpa no crime consequente. Constitui propriamente a figura preterdolosa — p. ex., lesão corporal seguida de morte (§ 3º), lesão com perigo de vida (§ 1º, II), lesão que produz o aborto (§ 2º, V). Tais crimes são necessariamente preterdolosos, ou seja, o resultado agravador deve necessariamente ter sido gerado por culpa do agente, pois se aquele estiver abrangido pelo dolo, deverá o agente responder por crime mais grave (homicídio, tentativa de homicídio, aborto).
b) Dolo no crime antecedente. Dolo no crime consequente. Em algumas qualificadoras dos §§ 1º e 2º os resultados são puníveis tanto a título de dolo quanto de culpa. Quando puníveis a título de dolo, estaremos diante tão só do gênero “crime qualificado pelo resultado” (p. ex., incapacidade para as ocupações habituais, por mais de 30 dias, e a debilidade permanente de membro, sentido ou função). 
Quando puníveis a título de culpa, estaremos diante de um crime preterdoloso. Assim, temos como resultados qualificadores que podem ser punidos tanto a título de dolo como culpa: § 1º, I, III, IV; § 2º, I, II, III, IV.
Lesão corporal de natureza grave (§ 1º)
As lesões corporais graves estão previstas no § 1º do art. 129. A pena prevista é de reclusão de um a cinco anos. Importante notar que é possível a coexistência das diversas formas de lesão grave, constituindo elas crime único; deve o juiz, nessa hipótese, levá-las em consideração na fixação da pena base (CP, art. 59). Por exemplo: se resulta perigo de vida (inciso II) e aceleração de parto (inciso IV).
Inciso I — Incapacidade para as ocupações habituais por mais de trinta dias. Este inciso se refere não só às ocupações laborais como também às atividades costumeiras, tais como recreação, asseio corporal etc. Não necessitam ter finalidade lucrativa; do contrário, estariam excluídos os idosos, as crianças, os enfermos. A ocupação da vítima tem de ser lícita, estando, assim, excluídos os criminosos profissionais; porém nada impede que a ocupação
...habitual seja imoral, como, por exemplo, a prostituição. A incapacidade pode ser tanto de ordem física quanto psíquica. A imputação ao agente do resultado agravador pode-se dar a título de dolo ou de culpa. O período de incapacidade não se confunde com a duração da lesão; pode esta cicatrizar-se e a incapacidade persistir mais algum tempo, ou, ainda, não curada a lesão, desaparecer a incapacidade.
Exame complementar. A lei fixa um prazo mínimo que deve durar a incapacidade para que a qualificadora seja reconhecida: “mais de trinta dias”. Há necessidade de efetivação do laudo pericial complementar, tão logo decorra esse prazo (no 31º dia, portanto), contados da data do crime, para se constatar a incapacidade por mais de trinta dias (art. 168, § 2º, do CPP). Esse prazo será contado em conformidade com o estabelecido no art. 10 do CP. 
Se o exame complementar for realizado antes de vencidos os trinta dias contados a partir da data do crime, não terá idoneidade. Da mesma forma, se for realizado muito tempo depois do cometimento do crime, também não terá validade alguma.
Exame complementar. Ausência. Substituição por outros meios de prova. O exame complementar, consoante a lei, é o meio hábil à verificação da incapacidade habitual por mais de trinta dias; contudo, na sua ausência, como fica o reconhecimento da qualificadora? Segundo Francisco de Assis do Rêgo Monteiro Rocha, “a ausência de exame complementar ou a sua realização a destempo acarretará a impossibilidade de se dar exata classificação à lesão corporal, devendo, por isso, ser o agente
responsabilizado por delito de lesão leve. Essa é a posição, inclusive da jurisprudência: ‘Se foi o exame complementar realizado fora do prazo previsto no art. 168, § 2º, do CPP, e a prova indireta limitou-se à palavra da vítima, de que ficou afastada de suas funções de 30 a 60 dias, não
há como prevalecer o reconhecimento da agravante específica do art. 129, § 1º, inciso I, do Código Penal’ (TJ-MG, Revista Forense, vol. 312, p. 259)”. 
O STF já se manifestou pela nulidade da condenação, por falta de fundamento, que impôs qualificadora, tão somente com base na palavra da vítima. Quanto à prova testemunhal, de acordo com o art. 168, § 3º, do CPP, a mesma é meio idôneo a suprir a ausência de exame complementar. E, se nem a prova testemunhal for possível de ser produzida, o delito deverá ser desclassificado para lesões corporais leves. 
Inciso II — Perigo de vida. Para a configuração dessa qualificadora, há necessidade da existência de um perigo concreto, o qual deverá ser demonstrado e comprovado por perícia devidamente fundamentada. Cuida-se aqui de uma probabilidade concreta e efetiva do resultado letal em virtude da lesão acarretada ou do processo patológico por ela desencadeado. Ressalve-se que a simples sede da lesão não serve por si só para presumir a situação de perigo de vida.
 Deve este ser demonstrado concretamente, assim como exemplifica E. Magalhães Noronha: “um ferimento no pulmão é geralmente perigoso; todavia pode, no caso concreto, a constituição excepcional do ofendido, a natureza do instrumento ou qualquer outra circunstância impedir que se verifique esse risco. A lesão grave só existe, portanto, se, em um dado momento, a vida do sujeito passivo esteve efetivamente em perigo”.
Inciso III — Debilidade permanente de membro, sentido ou função. A debilidade consiste na diminuição, enfraquecimento da capacidade funcional, que não necessita ser perpétua; basta que seja permanente ou duradoura. A qualificadora em estudo configura-se ainda que a debilidade seja passível de correção por meio de intervenção cirúrgica ou tratamentos ortopédicos, ou, ainda, seja passível de disfarces, como a colocação, por exemplo, de próteses. 
Membros: são as partes do corpo que se prendem ao tronco. Podem ser superiores — braços, mãos e antebraços, e inferiores — pernas, coxas e pés. 
Sentido: é a faculdade de percepção, é pelos sentidos que percebemos o mundo exterior. São eles: audição, paladar, olfato, visão, tato. 
Função: é a atividade específica de um órgão — circulatória, respiratória, secretora, reprodutora, digestiva, locomotora etc. Quando se tratar de membro ou órgão duplo, a supressão de um deles debilita a função, ou seja, há apenas a diminuição funcional do organismo, pois estando o outro órgão íntegro, não há que se falar em abolição da função. Este, inclusive, é o posicionamento adotado pela jurisprudência. Assim, caso haja a supressão de um olho ou rim, haverá lesão
grave. Se houver a supressão de ambos, estará caracterizada a perda, e, portanto, lesão gravíssima, conforme o § 2º, III, do art. 129 do CP.
Inciso IV — Aceleração de parto. Ocorre quando, em decorrência da lesão corporal produzida na gestante, antecipa-se o termo final da gravidez, ou seja, o feto é expulso precocemente do útero materno. É necessário que o feto nasça com vida e sobreviva, pois, do contrário, estará caracterizada a lesão corporal gravíssima (§ 2º, V — lesão qualificada pelo aborto). O dolo do agente é o de causar a lesão corporal na vítima. Entretanto, há de ter conhecimento do estado de gravidez, senão responderá por lesão corporal leve.
Lesão corporal gravíssima (§ 2º)
O Código Penal não menciona a expressão “lesão corporal gravíssima”; contudo, para diferenciar esses resultados qualificadores daqueles previstos no § 1º, a doutrina e a jurisprudência fazem uso dessa nomenclatura. Ao cominar pena mais grave aos resultados qualificadores em estudo (reclusão de 2 a 8 anos), o legislador teve em vista as consequências mais danosas produzidas pelo crime em tela, 
demonstradas pela sua irreparabilidade ou maior durabilidade, por exemplo, o § 1º, VI, contém a qualificadora da aceleração de parto. Tal resultado é muito menos danoso do que aquele contido no § 2º, V, qual seja, o aborto. O mesmo ocorre entre o resultado qualificador “debilidade permanente de membro, sentido ou função” (§ 1º, III) e o resultado “perda ou inutilização de membro, sentido ou função” (§ 2º, III), este, sem dúvida, mais grave que o primeiro.
Incapacidade permanente para o trabalho.
Emprega a lei, agora, diferentemente do § 1º, a palavra “trabalho”, e não a expressão “ocupações habituais”. Trabalho, no caso, abrange o exercício de qualquer atividade lucrativa, o que exclui a criança ou a pessoa idosa aposentada. Para a existência dessa qualificadora, não há necessidade de que a incapacidade seja perpétua, mas tão somente duradoura. 
Não é, contudo, possível a fixação de seu limite temporal. Segundo a doutrina, essa incapacidade deve ser genérica, ou seja, deve o ofendido ficar privado da possibilidade, física ou psíquica, de aplicar-se a qualquer atividade lucrativa, e não somente à atividade laboral anteriormente exercida.
Enfermidade incurável. É a doença (do corpo ou da mente) que a ciência médica ainda não conseguiu conter nem sanar; a moléstia que evolui a despeito do esforço técnico para debelá-la. Não se exige a certeza absoluta da incurabilidade pela medicina, pois basta um juízo de probabilidade de que a doença não tenha cura. A demonstração da incurabilidade deve vir afirmada pericialmente, a partir dos conhecimentos de que ora dispõe a medicina, através de um juízo prognóstico
que afirme a ineficiência dos tratamentos atualmente disponíveis para a futura supressão do mal. Se houver necessidade de intervenção cirúrgica arriscada e a vítima recusar-se a tanto, mesmo assim incidirá a qualificadora, pois o ofendido não está obrigado a submeter-se a tratamentos incertos ou penosos ou a operações arriscadas na tentativa de curar-se. 
A dolosa transmissão de uma doença incurável e fatal como a Aids poderá, se presente o animus necandi, caracterizar o delito de homicídio, que se consumará com a morte da vítima.
Inciso III — Perda ou inutilização de membro, sentido ou função. Ao contrário do § 1º, III, que fala em debilidade, o § 2º, III, cuida da perda ou inutilização de membro sentido ou função, circunstância esta muito mais grave que a primeira. Perda: consiste na extirpação de uma parte do corpo; dirá com a mutilação (o seccionamento de parte do corpo ocorre pela própria ação lesiva, p. ex., mão decepada por um facão) ou com a amputação (o seccionamento de parte do
 corpo decorre de intervenção cirúrgica necessariamente realizada para salvar a vítima de consequências mais graves provocadas pela lesão corporal, p. ex., amputação de perna gangrenada em decorrência da ação lesiva). 
Inutilização: refere-se à inaptidão do órgão a sua função específica. Trata-se, na realidade, também de uma perda, não anatômica, mas funcional. Conforme Nélson Hungria, na inutilização “o membro ou o órgão não é destacado do corpo, mas fica
inapto à sua função, como, in exemplis, por anquilose ou paralisia”. A distinção entre debilidade, perda e inutilização é realizada por Damásio E. de Jesus, com o seguinte exemplo: “Se o ofendido, em consequência da lesão corporal, sofre paralisia de um braço, trata-se de inutilização de membro. Se, em face da lesão corporal, perde a mão, cuida-se também de inutilização de membro. Entretanto, vindo a perder um dedo da mão, a hipótese é de debilidade permanente. Por último, se vem a perder todo o braço, há perda de membro.
Nesse sentido: RT, 572:297 e 536:341; RJTJSP, 97:502; RF, 270:326 e 257:304”. No tocante a órgãos duplos, ter-se-á a perda quando houver a supressão de ambos, por exemplo, cegueira ou surdez total. Nessa hipótese há a perda total da visão ou audição. Quando se der a supressão de apenas um órgão, estaremos diante da hipótese de debilidade (§ 1º, III), pois a função não foi totalmente abolida, por exemplo, surdez em apenas um dos ouvidos. 
Inciso IV — Deformidade permanente. Deformidade é o dano estético de certa monta. Permanente é a deformidade indelével, irreparável. Entende-se por irreparável a deformidade que não é passível de ser corrigida pelo
transcurso do tempo. Assim, não deixa de configurar deformidade permanente a utilização de artifícios que a camuflem, por exemplo, orelha de borracha, substituição do olho natural por olho de vidro, uso de aparelho ortopédico. 
A vítima também não está obrigada a submeter-se a cirurgia plástica para reparação da deformidade, mas se a fizer com sucesso, afastada estará a qualificadora. Exige-se que a deformidade seja visível, pouco importando em que parte do corpo esteja. Assim, tanto pode localizar-se no rosto quanto nos braços, pernas, coluna vertebral (p. ex., cicatriz no rosto de uma mulher; indivíduo que se torna coxo em decorrência de lesão em uma das pernas). 
Deve o dano estético ser de certa monta, o que exclui, por exemplo, as pequenas cicatrizes, a perda de dente, mas não é necessário que ele atinja os limites de coisa horripilante ou aleijão. Além de ser considerável, deve o dano causar impressão vexatória, ou seja, humilhação ao portador e certo desconforto aos olhos de terceiros. A idade, o sexo, a condição social da vítima são de extrema importância na apreciação da deformidade, pois conforme acentua Nélson Hungria, “ninguém pode
duvidar que devam ser diversamente apreciadas uma cicatriz no rosto de uma bela mulher e outra na carantonha de um Quasímodo; uma funda marca num torneado pescoço feminino e outra no perigalho de um septuagenário; um sinuoso gilvaz no braço roliço de uma jovem e outro no braço cabeludo de um cavouqueiro. É evidente que não se pode meter em pé de igualdade a estética de um homem e a de uma mulher”. 
O laudo pericial deve vir sempre ilustrado com fotografias da deformidade, visto que são elas que demonstrarão a existência de dano estético considerável, passível de configurar a qualificadora em questão.
Inciso V — Aborto. O aborto, como circunstância qualificadora do delito de lesões corporais, é punido a título de preterdolo, ou seja, pune-se a lesão corporal a título de dolo e o aborto a título de culpa. Nesta hipótese, o agente, ao lesionar a vítima, não quer nem mesmo assume o risco do advento do resultado agravador aborto. Faz-se, contudo, mister que ele conheça o estado de gravidez da vítima, mas não queira produzir o aborto. O desconhecimento da gravidez constitui o erro de tipo, que exclui o dolo.
Caso o aborto tenha sido querido, o crime será o de aborto qualificado (se advier lesão corporal de natureza grave) ou responderá o agente pelos crimes de aborto e lesões corporais em concurso formal impróprio. O mesmo se diga se agiu com dolo eventual. Se em decorrência das lesões a criança nascer prematuramente com vida, vindo a morrer posteriormente, estaremos diante de uma hipótese de lesão corporal qualificada pelo aborto.
Lesão corporal seguida de morte (§ 3º)
Trata-se de hipótese de homicídio preterdoloso. Pune-se o primeiro delito (lesão corporal) pelo dolo e o segundo delito (morte), a título de culpa. O evento morte não deve ser querido nem eventualmente, ou seja, não deve ser compreendido pelo dolo do agente, senão o crime será de homicídio. A morte é imputada ao agente a título de culpa, pois não previu o que era plenamente previsível, sendo-lhe, por isso, imputado o resultado mais grave.
Deve, então, haver previsibilidade quanto à ocorrência do evento letal, já que, se for imprevisível ou decorrente de caso fortuito, responderá o agente tão só pelas lesões corporais. É que o caso fortuito produz por si só o resultado agravador, interrompendo a relação de causalidade entre esse resultado letal e a conduta do agente; por exemplo: o agente com uma faca causa um pequeno ferimento na perna da vítima e esta, ao ser transportada para o hospital, sofre um acidente de veículo vindo a morrer. 
É óbvio que, nesse caso, responderá o agente apenas pelo delito de lesões corporais leves, vez que o evento letal não decorreu de conduta sua, pois foi produzido por uma causa independente (o acidente de veículo), porém relativa (se não fosse o ferimento a vítima não estaria sendo transportada naquele veículo, naquele momento), mas que por si só produziu o resultado criminoso, aplicando-se, então, na hipótese, o art. 13, § 1º, do CP. 
Responsabilizá-lo pelo fato imprevisível ou decorrente de caso fortuito constituiria nítida
responsabilidade penal objetiva. Não será admissível tentativa de lesão corporal seguida de morte, pois não há vontade conscientemente dirigida ao resultado morte. Cumpre distinguir os crimes de lesão corporal seguida de morte e homicídio culposo, tendo em vista que em ambos o resultado letal é atribuível ao agente a título de culpa. A distinção nos é dada por Nélson Hungria: “na hipótese do § 3º do art. 129, há um concurso
de dolo e culpa: dolo no antecedente (lesão corporal) e culpa no consequente (evento ‘morte’). Trata-se de um crime complexo, in partibus doloso e in partibus culposo. A diferença que existe entre tal hipótese e o homicídio culposo está apenas em que, neste, o evento ‘morte’ resulta de um fato penalmente indiferente ou, quando muito, contravencional, enquanto, naquele, o resultado letal deriva de um crime voluntário contra a pessoa, ou seja, de uma lesão corporal dolosa. 
E a razão da maior punibilidade da ‘lesão corporal seguida de morte’, em cotejo com o homicídio culposo, está precisamente no quid pluris representado pela criminosidade da causa de que resulta o evento ‘morte’. Não há, aqui, apenas uma solução de ordem política, mas também de incontestável justiça”. Ilustremos esse ensinamento com os seguintes exemplos: a) O indivíduo desfere uma bofetada no rosto da vítima, que perde o equilíbrio, vindo a bater a cabeça em uma pedra, sobrevindo, posteriormente, a sua
 morte. Há, na espécie, um delito culposo de homicídio que decorreu da prática de uma contravenção penal (LCP, art. 21). b) O sujeito desfere uma paulada nas pernas da vítima vindo esta a cair e a bater a cabeça em uma pedra, sobrevindo a sua morte. Há, na espécie, um delito de lesão corporal seguida de morte, tendo o evento letal decorrido de uma lesão dolosa.
Lesão corporal privilegiada (§ 4º)
A lei, como no crime de homicídio, também previu o privilegium para o delito de lesões corporais. Cumpre, no entanto, repisar que o privilégio legal incide sobre todas as modalidades de lesão corporal dolosa, excluindo-se, assim, a lesão culposa. A pena será diminuída de um sexto a um terço quando o crime for praticado por motivo de relevante valor moral ou social, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação do ofendido. A redução da pena é obrigatória, estando presentes as circunstâncias legais, pois se trata de direito subjetivo do réu.
Lesão corporal culposa (§ 6º)
O Código Penal não define a culpa, mas o art. 18, II, do Codex nos traz as suas diversas modalidades, quais sejam: a imprudência, a negligência e a imperícia. A lesão corporal culposa deve ser analisada em combinação com esse dispositivo legal. Assim é que estaremos diante de uma lesão corporal culposa sempre que o evento morte decorrer da quebra do dever de cuidado por parte do agente através de uma conduta imperita, negligente ou imprudente, cujas
consequências do ato descuidado, que eram previsíveis, não foram previstas pelo agente, ou, se foram, ele não assumiu o risco do resultado. Ao contrário das lesões corporais dolosas, o Código Penal não faz distinção quanto à gravidade das lesões, ou seja, se leves, graves ou gravíssimas. Assim, aquele que culposamente provoca um pequeno machucado no braço da vítima, deverá sujeitar-se às mesmas penas de quem deu causa à amputação de um braço. A gravidade das lesões deverá ser levada em conta no momento da fixação da pena-base pelo juiz, pois dizem respeito às consequências do crime (CP, art. 59). 
SUBSTITUIÇÃO DA PENA (§ 5º)
Possibilita ao juiz, não sendo graves as lesões, a substituição da pena de detenção por multa nos seguintes casos:
a) Inciso I — se ocorrer qualquer das hipóteses do § 4º, ou seja, se a lesão corporal for privilegiada. Em se tratando de lesões corporais leves, o legislador
concedeu ao juiz duas alternativas: reduzir a pena de um sexto a um terço (§ 4º) ou substituí-la por multa (§ 5º).
b) Inciso II — se houver reciprocidade de lesões leves. Discute-se na jurisprudência se o § 5º, II, do art. 129 pode ser aplicado aos casos em que o outro agressor não tenha sido incluído na denúncia ou haja sido absolvido pela excludente da legítima defesa.
AUMENTO DE PENA (§ 7º)
O § 7º do art. 129 remete ao art. 121, § 4º, do CP e aumenta a pena das lesões corporais culposas em um terço ocorrendo qualquer daquelas hipóteses. O aumento de pena também incide nos casos de lesões dolosas, quando a vítima for menor de 14 anos (inovação do art. 263 do ECA — Lei n. 8.069/90), ou maior de 60 anos (Lei n. 10.741/2003 — Estatuto do Idoso). 
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Vol. 2. Parte Especial.Saraiva, 2010.

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