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Luna Halabi Belchior; Luisa Rauter Pereira; Sérgio Ricardo da Mata (orgs) Anais do 7º. Seminário Brasileiro de História da Historiografia – Teoria da história e história da historiografia: diálogos Brasil-Alemanha. Ouro Preto: EdUFOP, 2013. (ISBN: 978-85-288-0326-6) 1 Historiografia das mulheres: um debate com Joan Scott, Michele Perrot e Angelika Epple Letícia de Carvalho Santos 1 O início dos estudos de gênero dentro das universidades brasileiras datam das décadas de 80 e 90 e trazem para o meio acadêmico a discussão 2 que já estava nas políticas feitas e debatidas nas ruas. O artigo da historiadora Margareth Rago, “Descobrindo historicamente o gênero”, traz justamente essa incorporação da temática de gênero na historiografia, bem como nas outras ciências. A entrada das mulheres no mercado de trabalho colaborou com a entrada dentro delas na academia e fez com que os trabalhos sobre gênero ampliassem, ganhando visibilidade. É nesse sentido que pretendemos abordar problemáticas que se referem aos estudos de gênero e como as mulheres foram incorporadas dentro da historiografia acadêmica. Optamos por utilizar três autoras que nos balizam no estudo da história das mulheres nos oferecendo elementos essenciais para o estudo que iremos expor adiante. A primeira historiadora é a alemã Angelika Epple, no seu artigo “Gênero e a espécie da história”, Joan Scott em “Gênero: uma categoria útil para análise histórica” e Michelle Perrot no livro, “As mulheres ou os silêncios da história”. A reflexão baseada em apontamentos teóricas de autoras feministas para pensarmos a escrita da história das mulheres é essencial. Por isso usamos Epple para entendermos como as diferentes narrativas estão inseridas num contexto de relações de poder, já Scott nos mostra na prática da produção dos trabalhos acadêmicos como a categoria analítica de gênero está sendo usada e quais são suas limitações e por fim, Perrot que ao longo de toda uma obra aborda as mulheres em diversos contextos, como exemplo as memórias, o trabalho, a cidade. Na nossa atual pesquisa, estudamos o contexto de uma fábrica de tecelagem na cidade de Rio Tinto, localizada no interior da Paraíba, que encontra-se desde a 1 Mestranda na Universidade Federal de Pernambuco Luna Halabi Belchior; Luisa Rauter Pereira; Sérgio Ricardo da Mata (orgs) Anais do 7º. Seminário Brasileiro de História da Historiografia – Teoria da história e história da historiografia: diálogos Brasil-Alemanha. Ouro Preto: EdUFOP, 2013. (ISBN: 978-85-288-0326-6) 2 década de 80 fora de funcionamento. Em seu contexto, buscamos compreender a memória do cotidiano do trabalho e dos espaços na óticas femininas, porém, sem abrir mão também do levantamento das lembranças dos homens. A estrutura de “fábrica- vila operária” (termo constantemente empregado por José Leite Lopes no seu livro “A tecelagem dos conflitos de classe: Na cidade das chaminés”, 1988), pode ser de imediato associada ao contexto da cidade de Rio Tinto, na Paraíba, onde se guardam em todos os seus pormenores materiais e memorialísticos, a implantação de uma das grandes responsáveis pela expansão econômica e pela exploração em massa da classe trabalhadora, do local e das redondezas: a Companhia de Tecidos Rio Tinto (CTRT), fundada em 1924. Nesse contexto é que pretendemos embasar nossa pesquisa, uma vez que estudaremos a memória dos/das ex-operários/as da fábrica, para entendermos o cotidiano permeado pelo trabalho e pela vida privada. Pensada e fundada pela família Lundgren, cuja mesma experiência com uma companhia de tecido já havia sido posta em prática na cidade de Paulista, em Pernambuco, o território ocupado atualmente pela cidade de Rio Tinto - que dista da capital paraibana cinquenta quilômetros e conta atualmente com uma população de aproximadamente 22.976 mil habitantes (IBGE, 2010) – parece, para quem desconhece a história, não ter sido palco de uma experiência industrial. Desde o encerramento da Cia., em 1983, a cidade encontrava-se esquecida, tendo ganhado, porém, mais dinamismo com a chegada de um dos campus da Universidade Federal da Paraíba no ano de 2007. A família responsável pela construção do projeto era de origem sueca, cujo principal integrante a chegar ao Brasil foi Herman Theodor Lundgren. Em meados do século XIX, este se encontrava no país, onde inicia seus experimentos comerciais e futuramente industriais. Após algumas tentativas, Lundgren dá início aos seus investimentos em fabricação de pólvora na cidade de Recife, fundando a Pernambuco Powder Factory, segundo o trabalho de dissertação “Tecendo fios, fazendo história: a atuação operária na cidade-fábrica Rio Tinta (Paraíba, 1959-1964)” (Vale, 2008, p.28). Nessa altura, a família começa a enriquecer. Herman Theodor tem dois filhos: Artur Lundgren e Frederico João Lundgren, sendo este responsável pelas expedições têxteis dos dois casos que aqui levantamos. Luna Halabi Belchior; Luisa Rauter Pereira; Sérgio Ricardo da Mata (orgs) Anais do 7º. Seminário Brasileiro de História da Historiografia – Teoria da história e história da historiografia: diálogos Brasil-Alemanha. Ouro Preto: EdUFOP, 2013. (ISBN: 978-85-288-0326-6) 3 Abordado de maneira primorosa e bastante elucidativa pelo antropólogo-social José Sergio Leite Lopes no livro “A tecelagem dos conflitos de classe: Na cidade das chaminés” (1988), o caso da cidade de Paulista serve de modelo para a expansão dos negócios dos Lundgren, que se dará na cidade de Rio Tinto. Uma vez bem sucedida no contexto econômico da época, a fábrica deveria procurar um novo lugar, pouco habitado, com algumas riquezas naturais, distante da capital e do poder estatal e onde a promessa de emprego pudesse se espalhar rapidamente, atraindo um bom número de trabalhadores desesperados. Por volta de 1917, já se tem notícia das primeiras compras de terras da região por parte de um dos homens de confiança de Frederico Lundgren, Artur Góis. Até a inauguração da fábrica, em 1924, serão realizadas as etapas seguintes para que se tenha as condições mínimas para o funcionamento da Companhia de Tecidos Rio Tinto. Ter o monopólio das terras vizinhas para melhor controlá-las e para a implantação da estrutura de funcionamento de uma cidade desponta com uma das principais medidas para a instalação da CRTR. Segundo Panet (2002), a Companhia comprou inicialmente, 660 quilômetros quadrados de terra, chegando a ter terras que iam de Pernambuco e chegavam até o Rio Grande do Norte. Intervenções no terreno e no rio, recrutamento de homens e mulheres para o trabalho, instalação de uma usina de energia, construção de pequenas casas para a classe trabalhadora e construção dos galpões da fábrica fazem parte dessa preparação. Iniciam-se, também, ao passo de tais medidas, as negociações financeiras com o Estado. Entre os anos de 1916 e 1920 estava no poder Camilo de Holanda, que concede aos Lundgren 25 anos de isenção de impostos e regalias. Em contrapartida, a família recebe a responsabilidade de estruturar a futura cidade, que nasce e cresce ao gosto dos patrões. Alguns problemas de cunho financeiro com investidores brasileiros, no caso a negação de financiamento por parte do Banco do Brasil, fez com que o proprietário Frederico Lundgren recorresse aos alemães e ingleses com o objetivo de conseguir o capital necessário para a abertura de sua empresa. Dos últimos, vieram não só as velhas maquinarias de cidades fabris têxteis, a exemplo de Manchester, como também o modelo a ser aplicado na CTRT. Luna Halabi Belchior;Luisa Rauter Pereira; Sérgio Ricardo da Mata (orgs) Anais do 7º. Seminário Brasileiro de História da Historiografia – Teoria da história e história da historiografia: diálogos Brasil-Alemanha. Ouro Preto: EdUFOP, 2013. (ISBN: 978-85-288-0326-6) 4 A construção desse modelo “fábrica- vila operária” é essencial para a dominação eficaz do(a) trabalhador(a). Além de dominá-lo dentro da fábrica, o patrão/construtor da cidade tem a possibilidade de controlar todo o cotidiano. O poder econômico não se encerra, por assim dizer, na dominação da força de trabalho, mas em todos os aspectos e locais da vida do(a) trabalhador(a). A configuração de cidade basicamente composta: pela fábrica, casas para operários e chefes, usina para produção de energia para a fábrica, que se baseia na já existente concepção implantada em Paulista, vai ao longo dos anos tomando forma e misturando-se com o contexto estadual, nacional e internacional. A CTRT cresce e ganha grande influência nesses três âmbitos anteriormente citados. Consegue participar ativamente das decisões políticas estaduais e experimenta um dos seus primeiros motins ocasionados pela perda da Alemanha na Segunda Guerra Mundial. Não alheios às notícias para além das fronteiras impostas pelos patrões, os trabalhadores querem, nesse primeiro momento, a expulsão dos alemães e, depois influenciados por ideias também fora desses limites geográficos, começam a articular- se em sindicatos. Essa temática norteia um dos recentes trabalhos sobre a história de Rio Tinto e da tecelagem realizado pelo historiador Eltern Campina Vale (2008), já citado acima. Trabalho este que nos traz leituras mais recentes sobre a trajetória da fábrica e da atuação dos operários, alguns ainda residentes na cidade, bem como sobre a contestação da ordem que vigorava na cidade no período. *** As três autoras contribuem para que façamos uma análise mais apurada do que dar voz as mulheres dentro de uma historiografia acadêmica que mostrou contínuo desinteresse em abordar tal temática. No nosso caso, acima citado, trabalhamos com mulheres operárias, que são duplamente renegadas aos porões da História por ocuparem dois grupos já muito marginalizados. Porém Perrot, atenta-nos a construir daqui para frente uma nova historiografia, mesmo que nos defrontemos com problemas de fontes, mas que continuemos a insistir nesse registro a fim de que as mulheres sejam reescritas por outras mulheres. Segundo a autora uma série de fatores colaboraram para tal mudança nos escritos. A Luna Halabi Belchior; Luisa Rauter Pereira; Sérgio Ricardo da Mata (orgs) Anais do 7º. Seminário Brasileiro de História da Historiografia – Teoria da história e história da historiografia: diálogos Brasil-Alemanha. Ouro Preto: EdUFOP, 2013. (ISBN: 978-85-288-0326-6) 5 historiografia acompanhou, portanto, essas mudanças e, o marxismo, estruturalismo e a “nova história”, acabaram por incorporar tal temática. No livro de Perrot que estamos aqui analisando, ela incorpora muitas temáticas e conta como vivenciou dentro do contexto francês a incorporação dentro da academia a temática do gênero. Como instrumento essencial para pensarmos sobre as restrições que o termo gênero pode ter e como podemos ampliar os estudos entendendo a dimensão que essa nomenclatura tem. Ela faz apontamentos essenciais no que se refere as possibilidades amplas de estudo que podemos ter quando entendemos o gênero dentro de uma esfera de poder, que incluí homens e mulheres. E disso, como os estudos embasados dentro dessas perspectiva podem ser utilizados. No tocante as narrativas e contextos, Epple escreve como a historiografia está baseada no acompanhamento das experiências vividas, mas como sua escrita é cercada por limites de poder bem determinados. Ela aproxima com o pensamento de Perrot quando se debruça sobre o estudo da historiografia escrita por mulheres e mostra os preconceitos experimentados por essas que foram marginalizadas na academia e tiveram sua escrita questionada continuamente. Para explicar tempo e narrativa, Epple usa reflexões bastante fortuitas de Paul Ricouer, que discute esses critérios de verdade costumeiramente impostos. *** Incorporar a história das mulheres na historiografia atual é sem dúvida mais confortável, porém não tão fácil quanto se parece. Existem as críticas, a ausência de fontes e a visão ainda problemática que se tem no geral das mulheres e da inserção delas na historiografia. Estamos com a pesquisa ainda muito no início mas encontramos nessas autoras uma base importante para pensarmos problemáticas recorrentes no que diz respeito a escrita da história das mulheres. Referências bibliográficas: Luna Halabi Belchior; Luisa Rauter Pereira; Sérgio Ricardo da Mata (orgs) Anais do 7º. Seminário Brasileiro de História da Historiografia – Teoria da história e história da historiografia: diálogos Brasil-Alemanha. Ouro Preto: EdUFOP, 2013. (ISBN: 978-85-288-0326-6) 6 - ALVIM, Rosilene. A sedução da cidade: os operários-camponeses e a fábrica dos Lundgren. Rio de Janeiro: Graphia, 1997. - _________ e LOPES, José Sérgio Leite. Famílias operárias, famílias de operárias. RBCS, n. 14, ano 5, out 1990. < http://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_14/rbcs14_01.htm>. Data de acesso: 09 de julho de 2013 - EPPLE, Angelika. Gênero e a espécie da história. In: A história escrita: teoria e história da historiografia. Org. Jurandir Malerba. São Paulo: Contexto, 2006. - LOPES, José Sérgio Leite. A tecelagem dos Conflitos de Classe na “Cidade das Chaminés”. Brasília: Editora Marco Zero e Editora Universidade de Brasília, 1988 - MELLO, José Octávio de A. Arqueologia Industrial e Cotidiano em Rio Tinto. In.: PANET, Amélia. Rio Tinto: estrutura urbana, trabalho e cotidiano. Apresentação Rossana Honorato. João Pessoa: UNIPÊ EditoraVersión, 2002 - PERROT, Michelle. As mulheres ou os silêncios da história. Tradução: Viviane Ribeiro. Bauru, SP: EDUSC, 2005. - RAGO, Margareth. Descobrindo historicamente o gênero. < http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:a1ZbFLIuL6QJ:www.bibliot ecadigital.unicamp.br/document/%3Fdown%3D51202+&cd=1&hl=en&ct=clnk&gl= br>. Data de acesso: 15 de abril de 2013 - SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil para análise histórica. . New York, Columbia University Press. 1989.< http://disciplinas.stoa.usp.br/pluginfile.php/6393/mod_resource/content/1/G%C3%A Anero-Joan%20Scott.pdf>. Data de acesso: 01 de março de 2013
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